A crise do sistema penitenciário brasileiro e possíveis soluções

Resumo:É fato comum perceber que a realidade do sistema penitenciário brasileiro está mergulhada em uma profunda crise, onde o denominado Estado Constitucional e Democrático de Direito se encontra em perigo, tendo em vista que os princípios constitucionais fundamentais dos presos, mais precisamente o princípio da dignidade da pessoa humana, estão sendo violados constantemente. Primeiramente, há de se falar nos estabelecimentos penitenciários que estão previstos no Título IV da Lei de Execuções Penais. Por sua vez, foi abordado o instituto da pena, no que diz respeito à sanção penal, às teorias das penas e aos seus princípios. Por fim, foi apresentada a realidade que se encontra o sistema penitenciário brasileiro de uma forma geral, onde foi explanada a utopia ressocializadora da pena, o problema da superlotação carcerária, o crime organizado se manifestando de dentro das cadeias através das facções criminosas, como também foram apresentadas possíveis soluções que possam ao menos amenizar esta situação caótica das prisões brasileiras.

Palavras-chave: Sistema Penitenciário, Crise, Penas, Prisões

Sumário: Introdução. 1 Dos Estabelecimentos Penitenciários. 1.1 DA Penitenciária. 1.2 Da Penitenciária; 1.3 Das Colônias Agrícolas, Industrial ou Similar. 1.4 Do Centro de Observação. 1.5 Do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico. 1.6 Da Cadeia Pública. 2 Das Penas. 2.1 Das Sanções Penais. 2.2 Das Teorias das Penas. 2.3 Dos Princípios Relativos à Pena. 3 A Realidade do Sistema: Crise. 3.1 A Utopia do Caráter Ressocializador da Pena. 3.2 O Problema da Superlotação Carcerária. 3.3 As Facções Criminosas. 3.4 Soluções Possíveis.

Introdução

O que se pretende com este trabalho é discorrer acerca da população carcerária brasileira, apresentando informações que revelam a crise em que se encontra o sistema penitenciário brasileiro, pontuando os principais fatores que têm colaborado para esta crise.

Inicialmente, será feita uma abordagem de forma genérica sobre os estabelecimentos penitenciários previstos pela Lei de Execuções Penais, no qual serão abordados os locais onde as penas deverão ou deveriam ser cumpridas em consonância com os vários fatores que norteiam o princípio da individualização da pena, como também os problemas de infraestrutura que tais estabelecimentos vêm passando.  

Será mostrado também o instituto da pena, onde serão abordadas as sanções penais através de diversos conceitos doutrinários. Será apresentada também uma breve discussão sobre as teorias das penas, dando enfoque às teorias absolutas, relativas e unitárias e aos mais importantes princípios relativos à pena.

Outro ponto a ser levantado será a respeito da crise em que o sistema penitenciário brasileiro se encontra atualmente, onde será salientado o caráter utópico da ressocialização penal, o grande problema da superlotação carcerária como também as facções criminosas que comandam o crime organizado de dentro das cadeias e, por fim, serão apresentadas algumas soluções que podem ajudar a amenizar o colapso que abarca o sistema penal atualmente.

1. Dos Estabelecimentos Penitenciários

Os estabelecimentos penitenciários estão previstos no Título IV da Lei de Execuções Penais, que são as penitenciárias, as colônias agrícolas, industrial ou similar, a casa do albergado, o centro de observação, o hospital de custódia e tratamento psiquiátrico e as cadeias públicas, sendo destinados ao condenado, ao submetido à medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso.

“Caberá ao Juiz competente, a requerimento da autoridade administrativa, definir o estabelecimento prisional adequado para abrigar o preso provisório ou condenado, em atenção ao regime e aos requisitos estabelecidos (art. 86, § 3º, acrescentado pela Lei n. 10.792/2003). Essa decisão de caráter jurisdicional deverá ser precedida de manifestação do preso provisório ou condenado e do Ministério Público, sendo cabível o recurso de agravo em execução (art.197). Não poderá, entretanto, o preso provisório ou condenado exigir a transferência, pois se trata de ato facultativo, baseando-se em razões de conveniência e oportunidade. A transferência, por isso, não poderá ser concedida por meio de habeas corpus”. (CAPEZ, 2011, p.60).

Para Noronha (1999), os estabelecimentos penitenciários representam a evolução do direito de punir estatal e de coibir os criminosos, pois a sanção penal percorreu um longo caminho histórico até chegar à condição atual, que é a pena privativa de liberdade.

Segundo Nunes (2013), antes de vigorar a Lei de Execuções Penais, não havia qualquer distinção entre estabelecimentos penitenciários, muito menos a divisão entre presos provisórios e os presos já condenados, e até em relação a doentes mentais que praticavam crimes, sendo todos eles, sem distinção, recolhidos num mesmo presídio, em flagrante violação aos princípio constitucionais da individualização da pena e da dignidade da pessoa humana. Assim, num mesmo estabelecimento penal, as vezes numa mesma cela, existiam reclusos que ainda aguardavam o seu julgamento, outros já́ condenados em definitivo e tantos outros cumprindo medida de segurança.

1.1 Da Penitenciária

A Lei de Execuções Penais prevê que a Penitenciária é o estabelecimento penal destinado ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado, devendo o mesmo ser alojado em cela individual que contenha dormitório, aparelho sanitário e lavatório, porém tal previsão legal não é respeitada na realidade carcerária brasileira.

As penitenciárias e as cadeias públicas terão, necessariamente, celas individuais. Todavia, é público e notório que o sistema carcerário brasileiro ainda não se ajustou à programação visada pela LEP. Não há, reconhecidamente, presídio adequado ao idealismo programático da LEP. É verdade que, em face da carência absoluta nos presídios, notadamente no Brasil, os apenados recolhidos sempre reclamam mal-estar nas acomodações, constrangimento ilegal e impossibilidade de readaptação à vida social. Por outro lado, é de sentir que, certamente, mal maior seria a reposição à convivência da sociedade de apenado não recuperado provadamente, sem condições de com ela coexistir. (MARCÃO, 2007, p.94).

São requisitos básicos da unidade celular na salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana e a área mínima de seis metros quadrados.

Nas lições de Greco (2015), existem penitenciárias, principalmente nos Estados Unidos e na Espanha, que procuram seguir tais requisitos básicos acima mencionados, a exemplo do Centro Penitenciário de Topos, localizado entre as províncias de Zamora e Salamarca, na Espanha, que é considerado modelo de sistema a ser observado pelos demais, tendo com toda certeza, uma probabilidade muito maior de propiciar ao indivíduo que cometeu uma infração penal o retorno ao convívio social, sem o estigma que normalmente aflige o egresso, ou seja, aquele que já cumpriu sua pena e que pretende readaptar-se à sociedade da qual foi retirado.

A penitenciária feminina será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche, para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa.

O artigo 90 da Lei de Execuções Penais determina que a penitenciária de homens será construída em local afastado do centro urbano à distância que não restrinja a visitação.

“Infelizmente, no Brasil a realidade carcerária corre à revelia dessa normatização, caracterizando-se muitas de nossas penitenciárias como ambientes absolutamente insalubres, onde se concentram, na mesma cela, número de presos superior à sua capacidade, prejudicando sensivelmente o processo de readaptação do preso à sociedade. Consequência dessa situação desastrosa que atinge o preso é a criação de ambiente negativo ao reajustamento, facilitando a reincidência criminosa que, bem sabemos, atinge níveis alarmantes no país”. (AVENA, 2014, s/p).

1.2 Das Colônias Agrícolas, Industrial ou Similar

As colônias agrícolas, industrial ou similar são estabelecimentos penitenciários destinados ao cumprimento de pena em regime semiaberto, podendo o condenado ser alojado em compartimento coletivo, desde que seja observado os requisitos expostos na letra “a” do parágrafo único do artigo 88 da LEP, como também a seleção adequada dos presos e o limite de capacidade máxima que atenda os objetivos de individualização da pena.

Segundo Capez (2011), nessa colônia deverá ter uma relativa liberdade para os presos, onde a vigilância deverá ser moderada, com os muros mais baixos, levando em conta a responsabilidade do condenado em detrimento do cumprimento de sua pena.    

“No regime semiaberto não há previsão para o isolamento durante o repouso noturno. Nesse regime, o condenado terá direito de freqüentar cursos profissionalizantes, de instrução de 2º grau ou superior. Também ficará sujeito ao trabalho em comum durante o período diurno, em colônia agrícola, industrial ou em estabelecimento similar. Aqui, no regime semi-aberto, o trabalho externo é admissível, inclusive na iniciativa privada, ao contrário do que ocorre no regime fechado.” (BITENCOURT, 2014, p.615).

No entendimento de Marcão (2007), os condenados recolhidos nas colônias agrícolas, industrial ou similar, que são estabelecimentos destinados ao cumprimento de pena na modalidade semiaberta, oriundos por progressão, do regime fechado, cumprem uma função de transição, denominada de regime intermediário, bem como aqueles presos que foram condenados desde o início ao cumprimento da pena privativa de liberdade na modalidade semiaberta, conforme as disposições previstas nos artigos 33 e 59 do Código Penal.

“Em outra vertente, a atividade profissional rural para os condenados oriundos dos centros urbanos não apresenta nenhum benefício prático, visto que eles retornaram para locais em que não poderão exercitar a atividade laboral desenvolvida. Aliás, na Holanda, a experiência tem demonstrado que ensinar uma atividade profissional ao condenado, frequentemente, é uma perda de tempo. Entretanto, não podemos nos olvidar que os holandeses estão certos em propiciar chances para que os condenados possam obter novos empregos e se manterem neles” (JÚNIOR, 1999, p. 175).

No que diz respeito à falta de vagas nos estabelecimentos de cumprimento de regime semiaberto, Dotti (2001) defende que em tais hipóteses o preso deve ser transferido para o regime aberto ou nele iniciar o cumprimento da pena, tendo em vista que o condenado não pode pagar também pela omissão do Poder Público.

“A alegação de falta de instituição para cumprimento da pena no regime semiaberto não autoriza ao magistrado a oportunidade de conceder regime aberto ou prisão-albergue domiciliar ao sentenciado que se encontra cumprindo pena em regime fechado. A evolução do regime prisional fechado há que ser, obrigatoriamente, para o regime semiaberto, conforme gradação estabelecida no art. 33, § 1º, do Código Penal. Porém, o STJ vem admitindo decisões em sentido contrário, entendendo ser problema atribuível ao Estado, não podendo o condenado responder pela ineficiência do Poder Público.” (CAPEZ, 2012, p.406).

1.3Da Casa do Albergado

A Casa do Albergado destina-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade em regime aberto e da pena de limitação de fim de semana.

Para Capez (2011), tal estabelecimento penal tem por finalidade acolher os presos que guardam uma atitude consciente de aceitação da sentença condenatória e da pena cominada, submetendo-se à disciplina do estabelecimento penal de forma pacífica, sem a intenção de cometer fuga.

Outra característica importante da Casa do Albergado é que o mesmo deve ser situado em centro urbano, separado dos demais estabelecimentos e não dispor de obstáculos físicos contra a fuga.

“Na prisão-albergue, cumprida na Casa do Albergado, existente em cada região, não deverá haver obstáculos materiais ou físicos à fuga. A segurança, nesse caso, resume-se à responsabilidade do condenado, que deverá desempenhar seus afazeres durante o dia e a ela se recolher à noite e nos dias de folga (art. 36, caput e § 1º, do CP”) (CAPEZ, 2011, p.62).

Nas lições de Marcão (2007), que devido à quase absoluta ausência da Casa do Albergado, o cumprimento das penas privativas de liberdade no regime aberto e de limitação de fim de semana estão sendo cumpridas em regime domiciliar, não cumprindo o desejo da Lei de Execuções Penais, tendo em vista não caber, no mais das vezes, alternativa para os juízes e promotores que operam com a execução penal. O referido autor ainda enfatiza que as penas em regime aberto ou a de limitação de fim de semana podem ser cumpridas em alas distintas do prédio destinado ao cumprimento de pena em regime fechado ou semiaberto, desde que não seja possível e/ou permitido o contato entre os presos desses regimes e aqueles submetidos à modalidade de fim de semana.

Assim, Nunes (2013 apud MIRABETE 2007) defende que o regime aberto deveria ter sido abolido há muito tempo da nossa legislação, uma vez que a ausência das Casas de Albergados e a omissão estatal desconfiguram totalmente a sua finalidade. Era hora de estabelecer o livramento condicional em substituição ao regime aberto. Nesse caso, nos crimes em que a pena fosse igual ou inferior à quatro anos, ausentes os requisitos para a substituição por uma ou duas restritivas de direito, o condenado iniciaria o cumprimento da pena, de logo, em livramento condicional, abolindo-se definitivamente o regime aberto, posto que nunca efetivado no Brasil, pela ausência das Casas de Albergado. Porém, a intenção legislativa ao criar o regime aberto deve ser elogiada, até́ porque em alguns estados há esse tipo de estabelecimento prisional, inexistentes, entretanto, na sua grande maioria, embora se saiba que a existência da prisão aberta oferece ao condenado, sempre que cumpra as condições do regime, a esperança de que a sua conduta será́ levada em conta para obter o livramento condicional

Em respeitáveis críticas a tal estabelecimento penal, Nunes (2012, p.165) enfatiza

“De fato, o regime aberto é a porta de entrada para o livramento condicional e até para o indulto, dependendo do comportamento pessoal do condenado durante o cumprimento do regime aberto, que, mesmo existindo só́ no papel, não deixa de ser um dos regimes prisionais adotados no Brasil, até que haja alteração legislativa. Vale acrescentar, contudo, que as Casas de Albergados também servem para acomodar condenados em limitação de fim de semana, uma das tantas penas restritivas de direito. No âmbito do Congresso Nacional, existe um número significativo de propostas legislativas pondo fim ao regime aberto. Uma das mais interessantes de todas, sem dúvidas, é aquela idealizada pelo deputado Federal Mauricio Rands (PT- PE), que, estabelecendo um fim no regime aberto, propõe a substituição pelo livramento condicional sempre que a pena privativa de liberdade for igual ou inferior a quatro anos. Sabendo-se que a pena privativa de liberdade fixada em até quatro anos pode ser substituída por restritivas de direito (art. 44, Código Penal), o projeto, transformado em lei, consumará a tendência natural de se acabar, definitivamente, com o regime aberto que nunca existiu, não existe e não existirá.”

1.4 Do Centro de Observação

O Centro de Observação é o estabelecimento destinado a realizar os exames gerais e o criminológico, cujos resultados serão encaminhados à Comissão Técnica de Classificação, onde também poderão ser realizadas pesquisas criminológicas.

“No Brasil, o Centro de Observação, em sintonia com o Departamento Penitenciário local ou similar, é o órgão destinado a proceder à classificação dos condenados que inicial o cumprimento da pena em regime fechado, mediante a realização de exames e testes de personalidade, como o criminológico, visando à individualização na execução da pena, devendo encaminhar os resultados à Comissão Técnica de Classificação, a qual formulará o programa individualizador” (CAPEZ, 2011, p. 62).

De acordo com os artigos 97 e 98 da Lei de Execuções Penais, o Centro de Observação será instalado em unidade autônoma ou em anexo a estabelecimento penal. Na falta do mesmo, os exames poderão ser realizados pela Comissão Técnica de Classificação.

Nas lições de Costa (1997), a exemplo da Itália e outros países, tem-se verificado a criação de órgãos específicos para o estabelecimento penitenciário, onde o condenado primeiramente é submetido à observação, qual seja: médica, psicológica e social, para que posteriormente a essa observação inicial, o mesmo seja enviado para o local definitivo.

“Logo, seria conveniente a criação de centros de observação nos moldes dos modelos italiano e espanhol, onde o condenado permanecesse, no início da pena, por um período de aproximadamente seis semanas para uma adequada classificação” (JÚNIOR, 1999, p. 179).

Para Marcão (2007), a falta dos centros de observação tem levado à ausência dos exames previstos pela LEP, tendo como consequência decisões que estão dispensando tais exames que poderiam ser realizados pelo supracitado órgão.

1.5 Do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico

O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico é destinado aos inimputáveis e semi-imputáveis, que são aqueles que possuem perturbação de saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, que não é inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse sentimento, conforme definição do artigo 26 parágrafo único do Código Penal.

Capez (2011) diz que esse hospital-presídio, de caráter oficial, conforme estabelecido na Exposição de Motivos, não exige cela individual, uma vez que se coaduna aos padrões de um hospital, atendo às necessidades da moderna medicina psiquiátrica e que na falta de tal estabelecimento ou na precariedade do mesmo, a legislação prevê a prestação de serviços por entidades de cunho particular, desde que as mesmas possam oferecer amplas possibilidades de recuperação do condenado.

Nas críticas de Marcão (2007, p.101):

“O que se vê na prática são executados reconhecidos por decisão judicial como inimputáveis, que permanecem indefinidamente no regime fechado, confinados em cadeias públicas e penitenciárias, aguardando vaga para a transferência em hospital. De tal sorte, desvirtua-se por inteiro a finalidade da medida de segurança. Ademais, mesmo nos casos em que se consegue vaga para internação, a finalidade da medida também não é alcançada, já que reconhecidamente tais hospitais não passam de depósitos de vidas humanas banidas da sanidade e de esperança, porquanto desestruturados para o tratamento determinado pela lei e reclamado pelo paciente, desprovidos que são de recursos pessoais e materiais apropriados à finalidade a que se destinam.”

Além disso, para Capez (2011), durante o curso da execução penal da pena privativa de liberdade, se ao condenado sobrevier doença mental, deverá ser aplicada a conversão de sua pena em medida de segurança ou ainda ser determinada pelo Juiz sua transferência para o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, conforme determina o artigo 108 da LEP.

Avena (2014, s/p) relata

“Todos os internados devem ser submetidos a exame psiquiátrico, a fim de que lhe seja atestada a efetiva condição mental (art. 100 da LEP). A periodicidade dessa análise não é prevista em lei, devendo ser aquela determinada pelos médicos responsáveis. Para os indivíduos sujeitos à medida de segurança, ainda, deve ser realizado o exame de cessação de periculosidade. Nesse caso, o art. 175 da LEP determina que a perícia seja realizada no final do prazo mínimo da medida de segurança, nada obstando que seja feita antes mesmo desse lapso se houver indicativos de que o indivíduo já está recuperado (art. 176 da LEP). Constatada a cessação da periculosidade, pode o juiz da execução penal determinar sua desinternação, lembrando-se que esta será sempre condicional, devendo ser restabelecida a medida de segurança se o agente, antes do decurso de um ano, pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade (art. 97, § 3º, do CP).”

1.6 Cadeia Pública

Nas lições de Capez (2011, p.63)

“Destina-se ao recolhimento de presos provisórios, assim como aos casos de prisão civil e administrativa; nesses dois últimos casos, objetiva-se a coação do indivíduo ao cumprimento de sua obrigação (alimentos, depósito infiel, restituição de bens ao Estado), sendo desnecessário o rigor penitenciário”.

De acordo com o artigo 103 da LEP, cada comarca terá, pelo menos, uma Cadeia Pública a fim de resguardar o interesse da administração da justiça criminal e a permanência do preso em local próximo ao seu meio urbano, todavia, tais preceitos legais não fazem parte da realidade prisional brasileira.

Com efeito, Júnior (1999) considera ser a Cadeia Pública o pior estabelecimento penitenciário existente, já que a mesma na prática está sempre superlotada, não dispondo dos recursos materiais mínimos, bem como de instrumentos para outras assistências previstas na Lei de Execuções Penais.

“Embora a literalidade da lei seja clara, sabemos que as cadeias públicas estão repletas de condenados definitivos, com superlotação, gerando grave situação de risco. Entretanto, o recolhimento de condenado em tais estabelecimentos, conforme se tem entendido majoritariamente, constitui motivo de força maior, gerado pelo congestionamento do sistema, de modo que o circunstancial desvio da destinação do estabelecimento dessa espécie não substantifica coação ilegal” (MARCÃO, 2007, p. 102).

Mirabete (1995) defende que a separação instituída à Cadeia Pública é essencial, tendo em vista que o escopo da prisão provisória é apenas custodiar aquele a quem se imputa a prática de uma infração penal a fim de que fique à disposição da autoridade judiciária no decorrer do inquérito policial ou da ação penal, mas não para o cumprimento da pena que ainda não foi imposta ou que não é definitiva, já que a execução penal apenas poderá ser iniciada com o fim do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Nas lições de Nunes (2013, p. 175)

“O certo é que, ainda hoje, muitas cidades brasileiras não possuem a sua Cadeia Pública, tornando necessária a migração de seus presos para os grandes centros urbanos, principalmente as capitais, dificultando o julgamento, devido à necessidade da presença dos réus em audiências de instrução criminal e para o seu interrogatório. Na incerteza quanto à responsabilidade para a construção e manutenção das Cadeias Públicas – se dos municípios ou dos estados – o certo que elas deixam de existir, e quando existem, as dúvidas persistem em relação àquela responsabilidade.

Como não existem Cadeias em todos os municípios, os estados optam por construir mega presídios nos grandes centros urbanos, geralmente superlotados, retirando do detento o direito de permanecer próximo à família e ao juízo de instrução, proporcionando, quase sempre, um costumeiro atraso na conclusão do processo criminal, ora pela distância entre o local do aprisionamento e o lugar da instrução, ora por falta da apresentação do preso no dia determinado pela autoridade judiciária”.

Por fim, nas lições de Nunes (2013), as cadeias públicas do Brasil estão operando em precárias condições físicas e materiais, o que vêm ocasionando várias decisões judiciais determinando pela sua desativação, devido à falta de segurança interna de suas instalações, tendo em vista que a esmagadora maioria dessas cadeias são construções antigas, que precisam ser reformadas. Na prática, tais reformas estão longe de acontecer, devido à falta de vontade política dos governantes.

2. Das Penas

A palavra pena, segundo Greco (2015), se origina do latim poena e do grego poiné, significando a imposição de dor física ou moral àquele que transgrediu uma norma legal.

Quando o Estado, segundo Lima (2014), através do Poder Legislativo, elabora as leis penais, cominando sanções àqueles que vierem a praticar um delito, nasce para ele o direito de punir os infratores num plano abstrato e, para o particular, o dever de se abster de praticar a infração penal. Sendo assim, a partir do momento em que algum indivíduo pratica algum delito previsto no tipo penal, este direito de punir estatal sai do plano abstrato e vai para o plano concreto, ou seja, o Estado que até então possuía um poder meramente abstrato, genérico e impessoal, passa a ter uma pretensão concreta de punir o criminoso, fazendo com que o mesmo cumpra uma sanção penal.

2.1 Das Sanções Penais

Para Capez (2012), sanção penal é gênero e comporta duas espécies: a pena e a medida de segurança, onde o referido autor conceitua pena como sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, ao culpado pela prática de um delito, em execução de uma sentença penal condenatória, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, tendo por finalidade aplicar a retribuição punitiva ao infrator e também promovendo sua readaptação junto à sociedade, com o intuito de prevenir novas transgressões, devido à intimidação dirigida à coletividade.

Segundo Masson (2015), sanção penal é a resposta estatal decorrente do exercício do seu direito de punir, que após o devido processo legal é imputado ao responsável pela prática de um crime ou de uma contravenção penal, sendo dividido em duas espécies: penas e medidas de segurança, onde as penas reclamam a culpabilidade do agente, sendo destinadas aos imputáveis e aos semi-imputáveis sem periculosidade, e as medidas de segurança, já que são dotados de periculosidade, são dirigidas aos inimputáveis e aos semi-imputáveis com periculosidade, tendo em vista estes necessitarem de tratamento curativo ao invés de serem punidos.

“Toda medida alternativa é uma sanção, mas nem sempre ela conta com natureza penal. Daí a relevância de serem distinguidos os conceitos de sanção (gênero) e de sanção penal (espécie).

Pena: é a sanção (castigo) imposta pelo Estado (pela autoridade judicial competente), quando necessária (para fins de repressão e de prevenção), de acordo com o devido processo legal, ao agente culpado de um fato punível.

Pena e medida de segurança: a pena (e as medidas alternativas) tem como fundamento primeiro a culpabilidade; a medida de segurança tem assento na periculosidade. A pena é retributiva e preventiva (CP, art. 59); a medida de segurança é só preventiva. A pena tem tempo determinado; a medida de segurança dura por tempo indeterminado (até cessar a periculosidade, segundo disposto no § 1.º do art. 97 do CP – mas isso na atualidade é muito discutível).

Outra diferença entre as penas e as medidas de segurança: a pena só é aplicável ao autor imputável de um injusto penal. A medida de segurança só pode ser aplicada aos inimputáveis. E o semi-imputável? Em regra ele sofre pena. Excepcionalmente medida de segurança. Quando? Quando necessitar de especial tratamento curativo.” (GOMES; MOLINA, 2009, p.456).

Segundo o artigo 32 do Código Penal Brasileiro as penas são as privativas de liberdade, restritivas de direitos e as de multa.

As penas privativas de liberdade, segundo Cunha (2014), são consideradas as mais drásticas formas de punição, com exceção às hipóteses que permitem a pena de morte, podendo as mesmas ser as de reclusão, que são reservadas para os crimes mais graves, podendo o seu regime inicial de cumprimento ser o fechado, (art. 34 do CP), semiaberto, (art. 35 do CP) ou aberto (art. 36 do CP); detenção, que por sua vez é reservada para os crimes menos graves, só podendo ser cumprida em regime inicial semiaberto ou aberto, não podendo ser cumprida em regime inicial fechado, exceto por meio da regressão de pena, onde a mesma poderá ser cumprida em regime mais rigoroso, e por fim a prisão simples, que é destinada às contravenções penais, tendo que ser cumprida sempre em regime inicial semiaberto ou aberto, não cabendo o regime inicial fechado nem mesmo por meio de regressão, devendo a mesma ser cumprida em estabelecimento distinto dos apenados por crime, sem os rigores penitenciários, conforme expressa o artigo 6º da LCP.

Por sua vez, conforme o artigo 43 do Código Penal, as penas restritivas de direitos são a prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária de direitos e a limitação de fim de semana.

O artigo 59 do Código Penal diz que o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. 

“A denominação penas “restritivas de direitos” não foi muito feliz, pois, de todas as modalidades de sanções sob a referida rubrica, somente uma refere-se especificamente à “restrição de direitos”. As outras — prestação pecuniária e perda de bens e valores — são de natureza pecuniária; prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana referem-se mais especificamente à restrição da liberdade do apenado. Teria sido mais feliz a classificação geral das penas em: privativas de liberdade (reclusão e detenção); restritivas de liberdade (prisão domiciliar, limitação de fim de semana e prestação de serviços à comunidade); restritivas de direitos (compreendendo somente as efetivas interdições ou proibições) e pecuniárias (multa, prestações pecuniárias e perda de bens e valores). A Proposta de Anteprojeto de Novo Código Penal espanhol (1983) classifica o “arresto de fim de semana” como pena privativa de liberdade, ao lado da pena de prisão (art. 32). É bem verdade que, à luz do Projeto de Código Penal espanhol de 1980, o arresto de fim de semana não poderia receber outra classificação, quando se vê claramente a exigência de seu cumprimento em isolamento celular. Na verdade, com 36 horas de isolamento contínuo, o arresto constitui uma verdadeira pena privativa de liberdade, e não um substituto da mesma, o que já não ocorre com a limitação de fim de semana do Direito brasileiro, na qual são somente dez horas a serem cumpridas, por semana, em casa de albergado e em regime aberto” (arts. 33, § 2o, c, e 48, ambos do CP). (BITENCOURT, 2014, p.651-652).

O artigo 44 inciso I do Código Penal expõe os requisitos objetivos da pena restritiva de direitos, onde a pena privativa de liberdade aplicada não deve ser superior a quatro anos e o crime não pode ter sido cometido com o emprego de violência ou grave ameaça à vitima, ou qualquer que seja a pena, se o crime for culposo.

Já os incisos II e III do referido artigo elencam os requisitos subjetivos da pena restritiva de direitos, que implica a não reincidência do réu em crime doloso, como também que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias do fato indicarem que essa substituição seja suficiente.

Para Capez (2012), os objetivos da Lei n.º 9.714/98 são de cumprir o disposto do art. 5º, XLVI da Constituição Federal de 1988, que prevê a prestação social alternativa e também atingir as seguintes metas, quais sejam, a diminuição da superlotação carcerária com a consequente redução dos custos do sistema penitenciário; o favorecimento da ressocialização do criminoso, evitando o ambiente carcerário e a estigmatização dele decorrente; a redução da reincidência, já que a pena privativa de liberdade, segundo o referido autor, é a que possui o maior índice de reincidência e por fim a preservação dos interesses da vítima.

No que diz respeito à pena de multa, Cunha (2014) diz que a mesma tem suas regras previstas no artigo 49 e seguintes do Código Penal e que a pena da prestação pecuniária não deve ser confundida com a pena de multa.

2.2 Das Teorias das Penas

Com o escopo de elaborar um conceito para a finalidade da pena, a doutrina divide a teoria da pena em teoria absoluta, teoria relativa e teoria mista.

Segundo Gomes e Molina (2009, p. 464)

“Teorias absolutas, relativas e de união (unitárias): as teorias penais costumam ser distinguidas em teorias absolutas (a pena não é um meio de prevenção do delito, senão um fim em si mesma; a pena é castigo), relativas (a pena existe para evitar futuros delitos) e de união (ou unitárias ou ecléticas ou mistas – a pena tem finalidade dupla: serve para reprimir e também para prevenir delitos).”

Dissertando sobre as teorias supracitadas, Cunha (2014) afirma que para os absolutistas, a imposição da pena é uma consequência lógica da delinquência, visando apenas a retribuir o mal que foi causado.

Já para os utilitaristas, a pena atua como um instrumento de prevenção, ou seja, como uma forma de alcançar determinados fins. De acordo com a prevenção geral negativa, a pena tem o escopo de coagir, de intimidar psicologicamente a coletividade. No âmbito da prevenção geral positiva, o objetivo da pena é demonstrar a vigência da lei, ou seja, sua existência, validade e eficiência. O intuito não é de intimidação, mas sim de estimular a confiança da coletividade no poder estatal de execução do ordenamento jurídico. Sob a ótica da prevenção especial, a pena é dirigida à pessoa do condenado. Já sob o enfoque da prevenção especial negativa, a pena deve servir para coibir a reincidência, não se confundindo com a prevenção especial positiva, onde a preocupação é a de ressocializar o criminoso, já que somente a recuperação do condenado faz da pena um instituto legítimo, além do mais, a própria sociedade se beneficia desta espécie de prevenção, já que, ao retornar para o convívio em sociedade, o egresso estará mais preparado para respeitar as normas impostas pelo Direito.

Finalmente, os ecléticos, que são os responsáveis pela reunião das teorias absolutas e preventivas, entendem que não é possível separar uma e outra finalidade da pena, pois a imposição da sanção penal é sempre um castigo e um meio para prevenir.

Para Bitencourt (2004) a teoria absoluta da pena além de buscar a justiça, tem por objetivo devolver o mal causado pelo crime praticado, tendo em vista que tendo homem liberdade para agir e optou pelo crime, deve receber uma penalidade maldosa por sua conduta delituosa.

Em se tratando da teoria relativa, Carvalho Neto (1999) afirma que a pena é uma medida prática que visa impedir com que a infração penal venha a ocorrer, dividindo esta teoria em duas: a da prevenção geral e a da prevenção especial. Para a primeira, o principal objetivo e consequência da pena é a inibição que esta causa sobre todos os cidadãos, intimidando-os. Já para a segunda, a pena visa intimidar o criminoso esporádico, buscando também a reeducação do delinquente habitual remediável, ou tornando inofensivo o que se demonstrar irremediável.

Sobre a teoria mista ou eclética, Souza (2006, p. 85) diz que

“A teoria mista permitiria orientar, sucessivamente, os fins da pena estatal para a proteção da sociedade, fidelidade ao direito, retribuição da pena como um mal moral em resposta à violação do preceito normativo, proteção de bens jurídicos, intimidação dos potenciais infratores, bem como a ressocialização do delinquente. Esta concepção aceita a retribuição e o princípio da culpabilidade como critério limitadores da intervenção penal e da sanção jurídico-penal, onde a punição não deve ultrapassar a responsabilidade pelo fato criminoso, devendo-se também alcançar os fins preventivos especiais e gerais.”

2.3 Dos Princípios Relativos à Pena

Os princípios relativos à pena são descritos por Prado (2007, p.131) da seguinte forma

Os princípios penais constituem o núcleo essencial da matéria penal, alicerçando o edifício conceitual do delito – suas categorias teoréticas –, limitando o poder punitivo do Estado, salva guardando as liberdades e os direitos fundamentais do indivíduo, orientando a política legislativa criminal, oferecendo pautas de interpretação e de aplicação da lei penal conforme a Constituição e as exigências próprias de um Estado democrático e social de Direito. Em síntese: servem de fundamento e de limite à responsabilidade penal.”

Para Gomes (2006), o princípio da dignidade da pessoa humana está embasado no princípio – síntese do Estado Constitucional e Democrático de Direito. A dignidade humana, segundo o renomado autor, é a base ou o alicerce de todos os princípios constitucionais penais, onde qualquer transgressão a outro princípio afeta o da dignidade da pessoa humana.

Segundo Greco (2015), atualmente, o princípio da dignidade da pessoa humana não diz mais respeito ao seu reconhecimento, tendo em vista que tal princípio é considerado universal, reconhecido até mesmo por alguns países que restringem a sua aplicação, como é comum ocorrer em algumas nações ditatoriais, mas sim à sua efetiva aplicação prática. Mesmo que suas origens remontem à Antiguidade, o princípio da dignidade da pessoa humana é resultado da evolução filosófica ocidental, que tem como fundamento a individualidade, a singularidade existencial, a liberdade e o respeito à vida, tendo como papel primordial a valorização do ser humano em si mesmo considerado. Ainda, nas lições do referido autor, conceituar tal princípio é algo muito complexo, tendo em vista que tal conceito encontra-se no rol daqueles que são considerados vagos e imprecisos, estando ainda em processo de construção.

“Contudo, embora de difícil tradução, podemos nos esforçar para tentar construir um conceito de dignidade da pessoa humana, entendida esta como uma qualidade que integra a própria condição humana, sendo, em muitas situações, considerada, ainda, como irrenunciável e inalienável. É algo inerente ao ser humano, um valor que não pode ser suprimido, em virtude da sua própria natureza. Até o mais vil, o homem mais detestável, o criminoso mais frio e cruel é portador desse valor”. (GRECO, 2015, p.65)

Em se tratando do sistema penitenciário brasileiro, Greco (2015) afirma que o desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana pelo próprio Estado é muito maior, parecendo que o mesmo quer ir além de suas atribuições constitucionais e legais atribuídas às penas, querendo de fato se vingar do criminoso, como por exemplo, o que ocorre no interior das penitenciárias brasileiras, onde os presos são espancados e torturados pelos agentes públicos representantes do Estado.

Outro princípio a ser abordado é o princípio da legalidade. Tanto a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º inciso XXXIX, como também o Código Penal em seu artigo 1º defende tal princípio ao expressar que não existirá crime se antes não existir uma lei anterior que o defina e muito menos uma pena, sem uma prévia cominação legal.

Para Cunha (2014), o princípio da legalidade engloba o princípio da reserva legal e o princípio da anterioridade penal. Trata-se da real limitação ao poder do Estado de interferir no âmbito das liberdades individuais.

Greco (2015) afirma que o princípio da legalidade em matéria penal possui quatro funções fundamentais que são a de proibir a retroatividade da lei penal, a proibição de criar crimes e penas pelos costumes, a vedação do emprego da analogia para criar delitos, agravar ou fundamentar penas e por fim a proibição de incriminações vagas e indeterminadas.

“Da afirmação que só a lei pode criar crimes e penas resulta, como corolário, a proibição da invocação do direito consuetudinário para a fundamentação ou agravação da pena, como ocorreu no direito romano e medieval.” (TOLEDO, 1994, p.25).

No que tange ao princípio da individualização da pena, o mesmo tem previsão no artigo 5º, XLVI da Constituição Federal de 1988, conforme leciona Cunha (2014), onde diz que a lei regulará a individualização da pena. Segundo o referido autor, a individualização da pena deverá ser analisada em três momentos, sendo o primeiro na definição, pelo legislador, do delito e de sua pena; num segundo momento, na imputação da pena pelo magistrado e por fim na fase da execução penal, onde os condenados serão classificados de acordo com seus antecedentes e personalidade, com o escopo de orientar a individualização da execução da pena.

Nas lições de Gomes e Molina (2009, p.511)

“A Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90, art. 2.º, § 1.º), ao estabelecer o regime inteiramente fechado, violava flagrantemente o princípio da individualização da pena, visto que proibia o juiz das execuções de conceder a progressão de regime. O STF, em decisão histórica (j. 23.02.2006), julgou tal dispositivo inconstitucional (HC 82.959), declarando-o inválido. Posteriormente o legislador (por força da Lei 11.464/2007) passou a admitir a progressão de regime em todos os crimes hediondos (devendo o réu cumprir 2/5 ou 3/5 da pena, conforme seja primário ou reincidente)”.

Insculpido no artigo 5º, inciso XLV, da Constituição Federal de 1988, Cunha (2014) destaca o princípio da pessoalidade, que diz que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido, sendo tal princípio considerado um desdobramento lógico dos princípios da responsabilidade penal individual, da culpabilidade e da responsabilidade subjetiva.

Sendo assim, Dotti (2001, p. 65) destaca que “a sanção penal não pode ser aplicada ou executada contra quem não seja o autor ou partícipe do fato punível.”

Por sua vez, vale salientar o princípio da proporcionalidade, sendo este, nas lições de Bitencourt (2014), um princípio implícito, tendo em vista que não se encontra expresso no texto constitucional vigente, tendo como objetivo colocar limites na atuação do poder estatal em face aos direitos fundamentais do cidadão, sendo consagrado como uma consequência do constitucionalismo moderno.

Para Gomes (2003), o princípio em tela desempenha relevante função dentro do sistema penal, já que orienta a construção dos tipos penais por meio de uma rigorosa seleção das condutas que possuem dignidade penal, fundamentando e diferenciando os tratamentos penais dirigidos às diversas modalidades de crimes, colocando limites na atividade legislativa penal como também no intérprete da norma.

“Entre as penas e na maneira de aplicá-las proporcionalmente aos delitos, é mister, pois, escolher os meios que devem causar no espírito público a impressão mais eficaz e mais durável e, ao mesmo tempo, menos cruel ao corpo do culpado. Quanto mais atrozes forem os castigos, tanto mais audacioso será o culpado para evitá-los. Acumulará os crimes para subtrair-se à pena merecida pelo primeiro.

Os países e os séculos em que os suplícios mais atrozes foram postos em prática são também aqueles em que se cometeram os crimes mais horrendos. O mesmo espírito de ferocidade que ditava leis de sangue ao legislador colocava o punhal nas mãos do assassino e do parricida. Do alto trono, o soberano dominava com uma verga de ferro; e os escravos só imolavam os tiranos para possuírem novos. (BECCARIA, 2003, p.48).”

Por fim, há de se falar também no princípio da limitação das penas, que, segundo Greco (2012), tal princípio está exposto no artigo 5º inciso XLVII, onde diz que não haverá penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX da Carta Magna; de caráter perpétuo; de trabalhos forçados; de banimento e penas cruéis, ficando evidente que a proibição de tais penas atende a um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, com previsão constitucional no inciso III do art. 1º da Constituição Federal de 1988, sendo ele a dignidade da pessoa humana.

3. A Realidade do Sistema: crise

É muito comum hoje em dia, se deparar com reportagens na grande mídia retratando a violência e a precariedade nas prisões brasileiras, como por exemplo, rebeliões de presos, superlotação carcerária, corrupção por parte de servidores do sistema, presos sendo mortos e degolados uns pelos outros, facções criminosas comandando o crime organizado de dentro das cadeias, em fim, situações como essas e outras que vem levando o sistema penitenciário brasileiro a uma crise sem precedentes.

3.1. A Utopia da Caráter Ressocializador da Pena

A Lei de Execuções Penais em seu artigo 1º diz que a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. Vale ressaltar que para Capez (2011), o supracitado artigo tem uma dupla finalidade, qual seja, a correta efetivação da decisão criminal e o oferecimento de oportunidades para a readaptação social do preso, reinserindo-o à sociedade.

De acordo com as atuais legislações penais brasileiras, Nunes (2013) diz que, se pune alguém que cometeu um crime não só́ com o fim de reprimir a ação delituosa, mas, também, com o sentido de intimidar, acima de tudo, com o escopo de recuperar o infrator da norma penal. É público e notório que a pena não vem intimidando, a repressão ao delito deixa muito a desejar e a ressocialização do criminoso é uma utopia, tendo em vista que cerca de 85% dos criminosos que cumprem pena privativa de liberdade voltam a delinquir, sendo assim, essa prisão que está aí precisa ser reformulada, já que está cada vez mais decadente.

Mas afinal, a ressocialização seria possível? Existe algum interesse por parte do Estado em promover tal ressocialização do egresso ao convívio social? Greco (2015, p.334 – 335) diz que:

“Parece-nos que a sociedade não concorda, infelizmente, pelo menos à primeira vista, com a ressocialização do condenado. O estigma da condenação, carregado pelo egresso, o impede de retornar ao normal convívio em sociedade. Quando surgem os movimentos de reinserção social, quando algumas pessoas se mobilizam no sentido de conseguir emprego para os egressos, a sociedade trabalhadora se rebela, sob o seguinte argumento: “Se nós, que nunca fomos condenados por praticar qualquer infração penal, sofremos com o desemprego, por que justamente aquele que descumpriu as regras sociais de maior gravidade deverá merecer atenção especial?” Sob esse enfoque, é o argumento, seria melhor praticar infração penal, “pois ao término do cumprimento da pena já teríamos lugar certo para trabalhar!”

E as discussões não param por aí. Como o Estado quer levar a efeito o programa de ressocialização do condenado se não cumpre as funções sociais que lhe são atribuídas, normalmente, pela Constituição? De que adianta ensinar um ofício ao condenado durante o cumprimento de sua pena se, ao ser colocado em liberdade, não conseguirá emprego e, o que é pior, muitas vezes voltará ao mesmo ambiente que lhe propiciou o ingresso na “vida do crime”? O Estado não educa, não presta serviços de saúde, não fornece habitação para a população carente e miserável, enfim, é negligente em todos os aspectos fundamentais no que diz respeito à preservação da dignidade da pessoa humana.”

Nas lições de Bitencourt (2004), o renomado doutrinador diz que o conceito de ressocialização deve ser novamente discutido e ser totalmente reformulado, tendo em vista que a pena privativa de liberdade é um dos meios mais drásticos que o Estado possui para manter a vida social equilibrada. Porém, a prisão nunca resolveu o problema da ressocialização do criminoso, já que a mesma não ressocializa ninguém. As tentativas para acabar de vez com as penas privativas de liberdade ainda continuam e a tão almejada ressocialização do delinquente deve ser profundamente revista.

Silva (2009 apud NUNES, 2013), desacreditado na possibilidade de ressocialização do egresso, afirma que não é apenas difícil a recuperação do preso no sistema carcerário ou pelo sistema carcerário, tendo em vista que o objetivo de ressocializar está totalmente incompatível com a prisão em que o condenado se encontra. Já que a prisão dessocializa, despersonifica e produz sequelas irreversíveis na mente do homem, o discurso ressocializador se aproxima do absurdo, chegando a ser taxado de ridículo.

Ratificando a impossibilidade de ressocialização do preso em detrimento do precário sistema prisional em que sobrevive, Cervini (1995 apud GRECO, 2015, p. 335-336) diz:

“A prisão, como sanção penal de imposição generalizada não é uma instituição antiga e que as razões históricas para manter uma pessoa reclusa foram, a princípio, o desejo de que mediante a privação da liberdade retribuísse à sociedade o mal causado por sua conduta inadequada; mais tarde, obrigá-la a frear seus impulsos anti-sociais e mais recentemente o propósito teórico de reabilitá-la. Atualmente, nenhum especialista entende que as instituições de custódia estejam desenvolvendo as atividades de reabilitação e correção que a sociedade lhes atribui. O fenômeno da prisionização ou aculturação do detento, a potencialidade criminalizante do meio carcerário que condiciona futuras carreiras criminais (fenômeno do contágio), os efeitos da estigmatização, a transferência da pena e outras características próprias de toda instituição inibem qualquer possibilidade de tratamento eficaz e as próprias cifras de reincidência são por si só eloqüentes. Ademais, a carência de meios, instalações e pessoal capacitado agravam esse terrível panorama.”

Nas palavras de Almeida (2004), o condenado aprende a conviver em uma nova sociedade, com normas próprias, classes e com uma severa hierarquia, que deve ser obrigatoriamente respeitada até por uma questão de sobrevivência. É o denominado fenômeno da prisonização, extensivo até aos funcionários do sistema penitenciário que estão lidando no dia a dia com os presos, e que vão adquirindo até a linguagem própria dos detentos.

Quando o preso é obrigado a conviver no ambiente depressivo, humilhante e degradante do cárcere, um dos maiores desafios consiste, justamente, em definir o que se quer dizer com ressocialização.” (GRECO, 2015, p.337).

Oliveira (2014) é enfático ao dizer que a realidade carcerária brasileira é lamentável, pois, apesar de as prisões estarem sendo realizadas em níveis aterrorizantes, os crimes ainda continuam sendo praticados na mesma proporção, tendo em vista que o Estado só investe nos presídios para depositar os presos, não preparando os mesmos para uma readaptação ao convívio em sociedade, fazendo com que o percentual de retorno de egressos ao cárcere fique em torno dos 70%.

3.2 O Problema da Superlotação Carcerária

A superlotação carcerária é um dos mais sérios problemas que assolam o atual sistema penal brasileiro, onde quase todos os estabelecimentos prisionais estão superlotados, provocando o aumento da violência, tentativas de fuga e ataques aos servidores do sistema penal.

Greco (2015) diz que os presídios da América Latina, incluindo o Brasil, foram transformados em verdadeira “fábrica de presos”, esquecidos ali pelo Estado. O referido autor salienta que a superlotação carcerária passou a ser a regra das prisões, que acompanhado com ela, vieram as rebeliões e a prática de diversos atos criminosos no interior do próprio sistema penitenciário, cometidos pelos próprios detentos, como também pelos servidores do sistema prisional.

D’Urso (2014, p.33) revela que :

“Estudo realizado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) entre fevereiro de 2012 e março de 2013, denominado “A Visão do Ministério Público sobre o Sistema Prisional Brasileiro”, que inspecionou 1.598 unidades prisionais em todo o Brasil, traz algumas pistas do porquê o sistema prisional chegou a essa realidade.

Com base neste estudo, verificamos um dos maiores problemas, e já velho conhecido do povo brasileiro, que é a superlotação dos presídios, que possuem capacidade para cerca de 302 mil presos, porém abrigam quase 449 mil, ou seja, em torno de 150 mil detentos além da capacidade permitida.

Ao lado deste déficit de 48% das vagas, outro fator que dificulta a recuperação do preso é a ausência de separação entre presos provisórios e já condenados definitivamente, o que ocorre em 79% dos presídios.”

Custódio (2014), detalhando em números o problema da superlotação carcerária brasileira, afirma que a falta de vagas no sistema penitenciário é de mais de 200 mil em todo o país, onde a taxa de encarceramento é a terceira entre os países mais populosos, tendo a quarta maior população prisional do mundo, onde aproximadamente 550 mil pessoas estão presas. O Brasil, nos últimos 20 anos, segundo o supracitado autor, teve um aumento de 380% no número de presos, enquanto que a população brasileira cresceu 30% no mesmo espaço de tempo.

Para se ter uma ideia da crise que assola o nosso sistema carcerário, basta dizer que, segundo dados do Ministério da Justiça, em 2012, existiam 310.687 vagas para um total de 548 mil presos.” (FILHO, 2014, p. 27).

Em se tratando dos delitos que são os responsáveis pelo aumento da população carcerária brasileira, Gomes (2014) afirma que os mesmos são apenas nove, quais sejam, os crimes de tráfico nacional e internacional de entorpecentes, o roubo na modalidade simples e qualificada, o furto simples e qualificado, o homicídio simples e qualificado, o porte ou posse de arma de fogo, o crime de latrocínio, o estupro, a receptação e o crime de quadrilha ou bando, que atualmente se denomina associação criminosa e crime organizado. Ainda segundo o referido autor, a superlotação do sistema penitenciário tende ainda a aumentar, tendo em vista que existe a previsão na criação de novos crimes, como por exemplo, o crime de terrorismo, o de enriquecimento ilícito do servidor público, o de corrupção entre particulares, crimes contra a humanidade, crimes culposos gravíssimos, saques irregular de contas públicas, crimes cibernéticos, dentre outros, que com certeza, vão abarrotar ainda mais a exaustiva situação das cadeias brasileiras.

Greco (2015, p. 227-228) menciona que:

“A superlotação carcerária é um mal que corrói o sistema penitenciário. O movimento de lei e ordem, ou seja, a adoção de um Direito Penal máximo, a cultura da prisão como resolução dos problemas sociais têm contribuído, enormemente, para este fenômeno.

A inflação legislativa, fruto de um Direito Penal simbólico, permite que fatos de pequena ou nenhuma importância sejam julgados pela Justiça Criminal, fazendo com que o sistema fique superlotado com pessoas que poderiam ser punidas pelos demais ramos do ordenamento jurídico, a exemplo do civil e do administrativo.

Dessa forma, o uso indiscriminado de privação cautelar de liberdade, ou seja, de pessoas que aguardam presas os seus julgamentos, tem uma contribuição decisiva para a situação atual de superlotação do sistema carcerário. Muitas vezes, essas pessoas, que aguardaram presas o seu julgamento, foram absolvidas, ou seja, foram privadas ilegalmente do seu direito de liberdade.

Também não podemos esquecer, o que é muito comum, a hipótese em que pessoas cumprem suas penas por um período superior àquele determinado na decisão condenatória. São pessoas pobres, carentes de uma assistência efetiva por parte do Estado, que as esquece no cárcere após a sua condenação.”

A superlotação do sistema penitenciário não afeta somente os presos que cumprem suas penas em situações totalmente degradantes. Ainda nas lições de Greco (2015), tal situação é extensível aos funcionários responsáveis pela custódia do sistema penal, já que este se transforma em um verdadeiro barril de pólvora na iminência de explodir a qualquer momento.

3.3 As Facções Criminosas

Outro grave problema que assola tanto o sistema penal brasileiro como também a toda sociedade é o controle do crime organizado por parte das facções criminosas que comandam inúmeros tipos de crimes e atentados de dentro das cadeias.

Dissertando sobre o assunto em tela, Porto (2008, p.101-102) diz que:

“O fenômeno da criminalidade organizada atuante no interior dos presídios brasileiros é, sem dúvida, tema extraordinariamente atual e preocupante. Facções criminosas, antes inexistentes, se organizaram com eficiência e profissionalismo criminoso, comandando a criminalidade de dentro para fora do sistema penitenciário. Surgiram lideranças respeitadas, dentre condenados e presos provisórios, com ascendência acentuada sobre os demais detentos e, não raro, sobre funcionários públicos em presídios lotados. Em conseqüência, multiplicaram-se as ocorrências de rebelião. Houve registro de pelo menos uma megarrebelião, envolvendo diversos presídios, em prova inequívoca de coordenação e poder de comunicação  entre lideranças de criminosos de locais distantes uns dos outros.

Dentro deste contexto, analisadas as várias sugestões que surgiram para reprimir o fenômeno da liderança da criminalidade organizada e das facções criminosas dentro do sistema penitenciário, foi necessário repensar de forma intensa o próprio direito de punir do Estado. O debate da adequação das medidas punitivas corporais e das penas alternativas, antes relegado, ganhou especial importância. Sua adequação ao regime de garantias constitucionais do condenado necessitou ser reavaliada. Trata-se, assim, de debate atual e pungente. A polêmica instalada enriqueceu o debate acadêmico, situando-o na visão da efetiva existência de metamorfose dos métodos punitivos.

Há conclusão bastante segura sobre o caminho prioritariamente escolhido como alternativa de solução do problema. Foi o do abrandamento das penas aos criminosos no interior dos presídios. Tal afrouxamento da severidade penal, mais acentuado nos tempos atuais – porém existente nos últimos séculos –, é um fenômeno que gerou a suavização das penas. Cabe agora encontrar novas técnicas às quais ajustar essa nova realidade, diminuindo o custo econômico das penas e aumentando sua eficácia.”

Greco (2015) afirma que no Brasil, apesar da existência, pelo menos na teoria, de que existem complexos penitenciários de segurança máxima, a corrupção dos funcionários que atuam no sistema penitenciário permite que, de dentro das cadeias, se controle o crime organizado e que atualmente, existem muitos detentos, considerados líderes de facções criminosas, atuando de dentro dos presídios, tendo como exemplo o PCC (Primeiro Comando da Capital) do Estado de São Paulo e as já conhecidas facções cariocas, como o Comando Vermelho e o Terceiro Comando.  O renomado doutrinador lembra que no ano de 2006, o preso chamado Marcos Wilians Herbas Camacho, nacionalmente conhecido como “Marcola”, liderou uma rebelião simultânea em 73 presídios do Estado de São Paulo, além de uma onda de atentados em todo o Estado, no qual 82 ônibus foram queimados, o comércio teve de fechar suas portas e as pessoas ficaram com medo de sair de suas casas, causando pavor a 11 milhões de paulistanos, ocasionando também a morte de 152 pessoas, dentre elas, policiais, cidadãos e bandidos.

Souza (2014, p.37) ratifica:

“O sistema prisional está completamente obsoleto. Em São Paulo, O Primeiro Comando da Capital (PCC), já demonstrou, por mais de uma vez, que o crime que se organiza dentro dos presídios brasileiros, debaixo das barbas dos governantes, é tão mais perigoso que a criminalidade violenta nas nossas cidades. No Rio de Janeiro, o Comando Vermelho e outras organizações criminosas já provaram que, dentro das prisões, no modelo prisional vigente, reproduz-se em escala muito maior e mais densa a violência e a criminalidade que a sociedade teme.”

3.4 Soluções Possíveis

É sabido que o sistema penitenciário brasileiro está mergulhado em uma profunda crise, já que não consegue colocar em prática os objetivos traçados pela utópica Lei de Execuções Penais em vigor.

Sendo assim, na busca de algumas soluções para tentar resolver ou pelo menos amenizar a atual situação deplorável que se encontra o sistema prisional brasileiro, Greco (2015) afirma que a resposta para este problema não se resume em apenas melhorar a qualidade de vida dos presos dentro dos presídios, mas também que se coloque imediatamente em prática programas sociais que ajudem a prevenir a prática de crimes, como também a programas que vão auxiliar no processo de ressocialização do egresso. O renomado jurista também expõe a necessidade de reformulação da legislação penal vigente, no intuito de diminuir a inflação legislativa, revogando todas as normas que não necessitam da proteção do Direito Penal e que possam ser protegidas por outros ramos do ordenamento jurídico existente. Contudo, nos casos onde realmente for imprescindível a aplicação do Direito Penal, deve ser evitado o desnecessário encarceramento o infrator, aplicando penas que não sejam as privativas de liberdade.

Santos (2010) também defende a redução do sistema penal e que a mesma deve passar por mudanças que devem ser feitas por três eixos principais: despenalização, descriminalização e desinstitucionalização, que incluem políticas sociais, penas alternativas que realmente funcionem, reintegração dos egressos e avaliação dos crimes insignificantes. Segundo o referido professor, a despenalização se refere a uma atitude democrática dos magistrados, dando exemplo dos crimes patrimoniais cujos danos forem de até um salário mínimo, não há significância, consequentemente, não há lesão a bem jurídico, sendo assim não seria necessário a aplicação de pena. Por sua vez, a descriminalização é a redução da condenação da prática de crimes considerados como insignificantes e que contribuem para lotar ainda mais as prisões, dando exemplo de crimes relacionados às drogas e ao aborto. Já a desinstitucionalização, que envolve o livramento condicional, deve ser repensada, já que atualmente é algo muito subjetivo. O referido autor também defende o pagamento de um a trezentos salários mínimos que o preso deve pagar a vítima ou aos seus descendentes como forma de justiça restaurativa e pena restritiva de direito em substituição à pena privativa de liberdade.

A restrição das prisões exclusivamente para os criminosos que oferecem risco à sociedade, como ocorre na Inglaterra, é uma solução adotada em alguns países, como no Reino Unido, segundo Souza (2014), onde há uma ampliação na utilização de penas e medidas alternativas à prisão, como rigoroso acompanhamento do condenado pelo Estado e por toda sociedade, que vem diminuindo consideravelmente a população carcerária daquele país.

A utilização da tecnologia, através do monitoramento eletrônico, poderá ser uma solução alternativa para amenizar a atual crise penitenciária, conforme preleciona Oliveira (2007, p. 9-10)

“A partir de suas primeiras experiências na América do Norte, no início dos anos 80, até sua operacionalização na Europa, no meado dos anos 90, o monitoramento eletrônico é louvado por suas propriedades singulares de individualização da pena. Ele evita os efeitos nefastos da dessocialização do encarceramento – principalmente para os delinquentes primários – e facilita a manutenção dos elos familiares e o exercício de uma atividade profissional. Esse sistema permite, também, diminuir a taxa de ocupação nos estabelecimentos penitenciários, acolhendo réus e condenados, à pequenas ou médias penas, a um custo bem menor. A prisão domiciliar sob monitoramento eletrônico afasta de seus beneficiários a promiscuidade e as más condições de higiene, a ociosidade e a irresponsabilidade, encontradas em tantas prisões. Trata-se de um tipo de punição que não acarreta o estigma do associado ao encarceramento, assegurando a continuação de uma vida ‘normal’ aos olhos do empregador e junto da família”.

Greco (2015) lembra que já que chegamos à era tecnológica, temos que usá-la em prol do ser humano, que, em um futuro próximo, verá cair abaixo os muros dos presídios que durante séculos o aprisionaram.

Por fim, para Souza (2014), deve haver exigências por parte da sociedade para que o problema penitenciário seja tratado como uma política pública e não com medidas que abafam seus problemas.

Conclusão

Em decorrência deste trabalho, ficou constatado que o sistema penitenciário brasileiro está mergulhado em uma enorme crise, a começar pelos estabelecimentos penais, que em sua esmagadora maioria, são ambientes absolutamente insalubres, superlotados, onde há presos de diferentes idades, tanto provisórios como condenados, convivendo no mesmo local, indo totalmente na contramão do que está previsto na Lei de Execuções Penais.

Foi observado também o instituto da pena, dando um enfoque nas sanções penais em seus variados conceitos, como também os tipos de pena possíveis previstos pelo Código Penal Brasileiro. Também foi abordada a teoria das penas em suas principais modalidades difundidas pela doutrina majoritária, como também os mais importantes princípios relativos à pena.

Finalmente, ficou comprovado que a pena não vem cumprindo o seu papel de ressocialização, tendo em vista que as taxas de reincidência estão cada vez maiores, que as cadeias estão cada vez mais lotadas e controladas por facções criminosas.

Também foram apresentadas algumas soluções possíveis que podem contribuir para amenizar o problema, como a efetivação de programas sociais que possam prevenir com que o crime seja praticado, reformulações na Lei de Execuções Penais e o auxílio da tecnologia, ampliando o sistema de monitoramento eletrônico e fazendo com que vários presos possam cumprir suas penas de forma mais humana.

Referências
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Informações Sobre os Autores

Rafael Dias de Moraes

Inspetor de Segurança e Administração de Segurança (SEAP/RJ); Bacharel em Direito pela Faculdade Santo Antônio de Pádua (RJ).

Fabiano da Silva Abreu

Advogado, Professor do Curso de Graduação em Direito da Faculdade Santo Antônio de Pádua (RJ); Mestrando em Ciências da Religião pela Faculdade Unida de Vitória – ES; Pós Graduado em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera-Uniderp; Pós Graduado em Formação de Professores para o Ensino Superior Jurídico pela Universidade Anhanguera-Uniderp; Bacharel em direito pela Universidade Iguaçu


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