Uma introdução ao princípio do devido processo legal: a origem no direito comparado, conceitos, a inserção no sistema constitucional brasileiro e suas formas de aplicação

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Resumo: Este artigo é resultado do projeto de pesquisa desenvolvido em conjunto com alunos do curso de direito. Seu objetivo é analisar a construção do princípio do devido processo legal desde sua origem até a evolução de seus conceitos, e ainda, a análise do sistema constitucional contemporâneo e os valores de proteção aos direitos fundamentais. Neste sentido é possível uma conclusão preliminar de como pode ser aplicado o princípio no sistema jurídico brasileiro.[1]

Palavras-chave: Devido processo legal – evolução e conceitos – sistema constitucional – garantia de direitos fundamentais.

Abstract: This article is the result of the research project developed together with students of law. Its goal is to analyze the construction of the principle of the due process of law ranging from its origin up to the evolution of its concepts, and also the analysis of contemporary constitutional system and the values of protection of fundamental rights. In this sense it is possible a preliminary conclusion on how the principle can be applied in the Brazilian legal system.

Keywords: Due process of law – evolution and concepts – constitutional system – guarantee of fundamental rights.

Sumário: Introdução. 1 Evolução histórica. 1.2 O devido processo legal e sua origem na Inglaterra. 1.3 O devido processo legal nos Estados Unidos da América do Norte. 1.3.1 A constituição dos Estados Unidos e o bill of rights. 1.3.2 Décima quarta emenda “a cláusula do devido processo legal”. 2 Conceito processual e material de devido processo legal. 3 O devido processo legal no direito brasileiro. 4 Fundamento e interpretação do princípio do devido processo legal conforme os valores estabelecidos na constituição federal de 1988. 5 O princípio do devido processo legal e sua aplicação conforme o sistema constitucional brasileiro. Conclusão

Introdução

O Princípio do Devido Processo Legal tem sua origem principalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos, sendo construído pelos tribunais e suas jurisprudências.

Durante este período de construção estabeleceu-se seu conceito formal ou processual e material ou substantivo, servindo como um instrumento de análise de proporcionalidade ou razoabilidade das leis.

As constituições brasileiras nem sempre fizeram previsão deste princípio, sendo que surgiu expressamente na Constituição Federal de 1988.

Para entender o devido processo legal e toda sua repercussão no sistema jurídico, bem como suas aplicações, é necessário analisar sua origem e construção, e ainda, o contexto de valores deste sistema.

Neste sentido, este trabalho, sem preocupar-se em verificar com profundidade as aplicações do devido processo legal e sua evolução na jurisprudência brasileira, pretende verificar a origem histórica e os conceitos formulados.

Com isso, e com uma análise do contexto constitucional o objetivo é indicar ao final as formas que o princípio pode ser compreendido no sistema brasileiro, especialmente pelo fato de ser garantidor de direitos fundamentais.

1 Evolução histórica

Com a evolução do constitucionalismo nos Estados passou-se a valorizar cada vez mais os direitos fundamentais do homem, o princípio do devido processo legal tem um inquestionável papel de garantidor destes direitos em relação à atuação estatal, por isso a necessidade de uma breve visão sobre o processo histórico envolvido.

A construção do devido processo legal teve seu início na Inglaterra, depois teve desenvolvimento nas colônias norte-americanas com a edição do bill of rigths e suas emendas em que passou a ter previsão expressa.

Esta análise histórica do princípio será feita com dados suficientes para uma compreensão da construção e da importância que se elevou o princípio nos sistemas jurídicos atuais.

1.2 O devido processo legal e sua origem na Inglaterra

A Magna Carta das Liberdades é reconhecida como o documento que deu origem ao princípio do devido processo legal, em data de 15 de junho de 1215, quando o então Rei João Sem Terra pressionado pelos nobres acabou por apor o selo real em uma declaração de direitos, que tinha como intuito enfraquecer o autoritarismo que vivia a Inglaterra em função da Monarquia.

Os problemas causados por má administração aconteciam desde o reinado de Henrique II, o que piorou por meio dos governos seguintes, ou seja, dos filhos de Henrique II, Ricardo Coração de Leão e depois o reinado de João Sem Terra.

Da mesma forma que Ricardo Coração de Leão conseguiu seu trono, com luta, continuou seu reinado, envolvendo-se em vários conflitos, o que trazia inúmeros gastos para a Inglaterra, gerando maiores crises internas, principalmente a insatisfação dos barões que se viam ameaçados com as ingerências e o autoritarismo que o país era dirigido.

Como Ricardo Coração de Leão sempre se envolvia em batalhas, especificamente nas Cruzadas, seu irmão João Sem Terra aproveitou para assumir o trono, na época em que a Inglaterra entrou em conflito com a França.

Neste período os barões ingleses revoltados com o autoritarismo dos monarcas e não podendo atuar para reivindicar seus privilégios frente a possibilidade de não agradar o povo inglês, aproveitaram o incidente entre o Rei João e o Papa Inocêncio III – fato ocorrido por divergência na escolha do arcebispo de Conterbury em 1206, ocasião que o Rei foi excomungado pelo Papa – e a retratação do Rei em 1213, e mais, o fracasso da guerra contra a França, encarregaram  o Arcebispo de Conterbury para elaborar uma declaração reivindicando direitos e encaminharam ao Rei.

O Rei João somente concordou com documento de direitos depois que ameaçado de guerra interna, em que a igreja e os barões organizaram exércitos e encaminharam em direção à Londres, conhecidos como Exército de Deus e da Santa Igreja.

Este documento é a conhecida Magna Carta das Liberdades, e reconhecidamente o que deu origem ao princípio do devido processo legal, pois nela foram estabelecidos direitos individuais que o Estado não poderia atingir, forma de proteção de tais direitos contra o autoritarismo do governo da Inglaterra.

Ressalta-se que o monarca somente assinou o documento por pressão e não por intenção de garantir direitos aos indivíduos, e ainda, que os maiores beneficiados de forma imediata foram a igreja e os barões, ou seja, continuou a minoria deter o poder. Mas a partir deste fato histórico, a idéia garantidora do princípio tomou grandes proporções com a repercussão obtida, principalmente como parâmetro e como fundamento das Constituições modernas.

Conforme Carlos Roberto de Siqueira Castro: “Ao despontar na Idade Média, através da Magna Carta conquistada pelos barões feudais saxônicos junto ao rei JOÃO “SEM TERRA”, no limiar do Século XIII, e embora inicialmente concebido como simples limitações às ação reais, estava esse instituto fadado a tornar-se a suprema garantia das liberdades fundamentais do indivíduo e da coletividade em face do Poder Público. Aqueles revoltados de alta linhagem que, sob a liderança do arcebispo de Canterbury, Stephen Langton, conquistaram a aposição do selo real naquela autêntica declaração dos direitos da nobreza inglesa frente à Coroa, jamais poderiam cogitar que nesse dia 15 de junho do ano de 1215 se estava lançando aos olhos da história da civilização a sementeira de princípios imorredouros, como o da “conformidade com as leis”, o do “juiz natural”, o da “legalidade tributária” e o instituto do habeas corpus”.(1989, p. 7)

Justamente por estabelecer esta quebra com o absolutismo, a Magna Carta da Inglaterra teve tanta importância, pois certamente foi um instrumento que contribuiu para o reconhecimento mais efetivo dos direitos dos cidadãos.

No começo o princípio foi conhecido como law of land, – Lei da terra – tendo uma inspiração jusnaturalista que influenciava as instituições jurídicas anglo saxônicas, significava que os direitos naturais elencados na Magna Carta somente poderiam sofrer a intervenção do Estado por intermédio de procedimentos aceitos pela sociedade conforme a lei da terra, ou seja, conforme o que se entendia por direito na commom law, que tinha sua força nos precedentes judiciais.

No estudo de Carlos Roberto de Siqueira Castro com base em Rodney L. Mott: “Muito embora a Magna Carta não tivesse utilizado a locução due process of law, sabe-se que esta logo sucedeu, como sinônima, a expressão law of the land. É certo nesse sentido, que já no século seguinte, durante o reinado de Eduardo III, no ano de 1354, foi editada uma lei do Parlamento inglês (statute of Westminstee of the Liberties of London) em que o termo per legem terrae é substituído pelo due process of law, o que é curiosamente atribuído a um legislador desconhecido (some unknown draftsman), segundo a meticulosa explicação histórica de Rodney Mott em seu festejado livro sobre o assunto. Na realidade, nesse período da primeira infância do nosso instituto, as expressões law of the land, due course of law e a due process of law, que acabou se consagrando, eram tratadas indistintamente pela mentalidade jurídica então vigorante”. (1989, p. 10)

Com a Magna Carta, mesmo não havendo uma tradução predominante, revela claramente a intenção de preservar os direitos dos súditos restringindo o poder do soberano, como por exemplo, o princípio da judicialidade em que o homem somente poderia ser preso por ordem de um juiz, além deste também foi previsto na Magna Carta o direito à liberdade de ir e vir, a propriedade privada e a proporção entre a pena e o delito.

A expressão law of land surgiu face às decisões dos magistrados reais que andavam pelos territórios e na apreciação dos casos se informavam sobre os costumes locais, e assim podiam analisar qual era o comportamento esperado daquela região, quais as regras locais.

Importante ressaltar, que na Inglaterra o direito não tem sua base em legislações, mas sim na commom law, que por meio da razoabilidade resolviam os casos e criavam os precedentes, desta forma o devido processo legal era analisado no caso concreto que tinha sua própria solução (razoável) conforme as circunstâncias apresentadas.

O direito inglês e o princípio estudado influenciaram o direito estadunidense do norte, primeiro as Colônias e depois a Federação por meio da Constituição Norte-americana e sua Carta de Direitos – Bill of Rights –, sendo que a partir de então, em suas cortes, buscaram a melhor forma de aplicar e interpretar a cláusula do devido processo legal conforme o caso, o que veremos com a evolução do princípio nos Estados Unidos.

1.3 O devido processo legal nos Estados Unidos da América do Norte

1.3.1 A constituição dos Estados Unidos e o bill of rights

Mesmo após a independência das Colônias na América do Norte, continuava a influência da Inglaterra, fato que incentivou o manifesto das Colônias para se juntarem e ficarem mais fortalecidas. Surgia então a idéia da formação da Federação dos Estados Unidos.

O passo seguinte seria realizar a Constituição que criaria a Federação entre as Colônias, porém não foi tarefa das mais fáceis; houve convenção entre os delegados das Colônias que se reuniram a partir de maio de 1787 com sede na Filadélfia, sendo que em setembro de 1787 foi concluída a Constituição remetendo aos Estados para ratificação, exigindo-se para isto a adesão de pelo menos 9 (nove) Estados.

A ratificação pelos Estados não foi tranqüila, principalmente dos Estados maiores, e o nono Estado somente ratificou em junho de 1788, que foi o Estado de New Hampshire.

Um dos principais motivos que justificaram a resistência dos Estados à ratificação era de que a Constituição formada pelos federalistas não tinha previsão expressa dos direitos individuais, dando uma grande abertura para que formasse um governo autoritário que estabelecesse as regras conforme sua conveniência. Esta situação motivou uma crítica de Thomas Jefferson sobre a omissão de uma declaração de direitos, em carta enviada a James Madison.

O ponto desta divergência está no fato que o descontentamento dos antifederalistas era relacionado com a forma de governo que os federalistas queriam implantar; achavam, os antifederalistas, que estava desvirtuado dos princípios defendidos na Independência das Colônias, tratava-se de um documento aristocrático utilizado no interesse de uma minoria que pretendia o poder. (GOLDWIN, 1986, p. 190)

Em verdade, conforme os estudos realizados, percebe-se que a formação da Federação dos Estados Unidos da América do Norte não estava fundamentada em valores sociais, a história indica que os interesses envolvidos eram muito mais econômicos, justamente como uma forma de unir as Colônias contra as ações da Inglaterra que por vezes criava barreiras para o comércio no novo continente.

Talvez por isso, muitos como Gordon S. Wood, questionam se a Constituição Americana é realmente democrática como pregam seus defensores, e como o próprio povo norte americano pensa sobre sua nação e sua Constituição. Se todo o momento foi iluminado pelo liberalismo em torno da economia, essa Constituição acaba tendo seus valores sociais e democráticos colocados em segundo plano. Isto pode ser uma resposta do porque nas primeiras propostas a Constituição não possuía um rol de direitos do cidadão, mas apenas determinações dos poderes e ações do novo governo. (GOLDWIN, 1986, p. 187)

Irving Kristol, a respeito do tema, conclui que: “A Constituição Americana é um documento altamente paradoxal. Retoricamente, é seco, legalístico, carente de eloqüência. Substantivamente, embora na verdade não seja “a obra de homens que acreditassem no pecado original”, como pensava James Bryce, revela sem dúvida aquilo que se poderia chamar de visão “realística” da natureza humana – i.e, uma visão mais consciente da ausência de virtudes humanas que de sua presença, uma visão céptica quanto à capacidade dos seres humanos se governarem sem a prévia imposição de severos autocontroles institucionais. Não há “fé democrática” visível nessa Constituição. Mesmo assim é um documento fundamental que é venerado por um povo para quem uma tal “fé democrática” representa um dogma popular tão inquestionável quanto se pode imaginar numa era secular como a nossa”. (1988, p. 5)

A ação dos federalistas em fazer uma Constituição sem expressar os direitos acabou por gerar este sentimento de dúvida em relação à democracia. Contudo, quando os federalistas perceberam que os Estados não ratificariam a Carta Constitucional, fizeram uma proposta de que fosse ratificado o texto Constitucional e em conjunto com a ratificação fosse recomendada uma série de emendas para estabelecer os direitos individuais. (ABRAHAM, 1978, p. 53)

Desta forma, transcorreu-se a ratificação da Constituição, e, em 1789 James Madison introduziu no congresso uma série de emendas, sendo que dez delas foram ratificadas e constituíram a Carta de Direitos (The Bill of Rights), passando a vigorar em 1791. (ABRAHAM, 1978, p. 56)

 Nesta Carta de Direitos estavam contidas regras para limitação do poder do governo federal e por outro lado proteção para os direitos individuais dos cidadãos estadunidenses, podendo encontrar a idéia do devido processo legal em seu artigo 5º: “Ninguém poderá ser detido para responder por crime capital, ou por outra razão infame, salvo por denúncia ou acusação perante um grande júri, exceto em se tratando de casos que, em tempo de guerra ou de perigo público, ocorram nas forças de terra ou mar, ou na milícia, durante serviço ativo; ninguém poderá ser sujeito, por duas vezes, pelo mesmo crime, e ter sua vida ou integridade corporal postas em perigo; nem poderá ser obrigado em qualquer processo criminal a servir de testemunha contra si mesmo, nem poderá ser privado da vida, liberdade, ou propriedade, sem devido processo legal; nem a propriedade privada poderá ser expropriada para uso público, sem justa indenização”. (RAMOS, 2006, p. 265)

A dificuldade depois da Carta de Direitos era convencer os Estados a aplicarem os direitos fixados em suas relações, ou seja, incorporar os direitos individuais previstos.

Os Estados criaram muita resistência, sendo que o grande problema da aceitação da Carta de Direitos pelos Estados Membros era o fato que a união dos Estados, para formar a Federação, não retirou a autonomia dos Estados, ou seja, eles tinham suas próprias Constituições e entendiam que as restrições representadas na Carta de Direitos somente deveriam ser aplicadas a nível federal e não em relações envolvendo somente o Estado internamente.

Casos como Barron v. Baltimore foram levados à Suprema Corte que acabou adotando o critério de que os Estados não estariam restringidos pelas regras da Carta de Direitos.

Em 1868 entrou em vigor a Décima Quarta Emenda, que passou a ser chamada de cláusula do devido processo legal, nos seguintes termos: “Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas à sua jurisdição, são cidadãs dos Estados Unidos e do Estado-membro onde residam. Nenhum Estado-membro poderá fazer ou aplicar nenhuma lei tendente a abolir os privilégios ou as imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos; nem poderá privá-los da vida, liberdade, ou propriedade, sem o devido processo legal; nem poderá denegar a nenhuma pessoa sob sua jurisdição igual proteção das leis”. (RAMOS, 2006, p. 269)

Com esta emenda começou a grande discussão sobre a obrigatoriedade dos Estados em incorporar a Carta de Direitos em suas Constituições e aplicá-las.

Duas grandes correntes surgiram, a Total Incorporation Interpretation (hermenêutica da incorporação total) e a Selective Incorporation Interpretation (hermenêutica da incorporação seletiva).

Para a Total Incorporation Interpretation a incorporação da Carta de Direitos aos Estados após a Décima Quarta Emenda deveria ser total, irrestrita e automática, sendo que seus defensores tinham como objetivo que os direitos individuais ganhassem efetividade sem distinção do Estado em que o cidadão está localizado, não foi a tese vencedora, mas adotado por juízes mais preocupados com valores humanos como por exemplo o Juiz Black que assumiu a posição de incorporação total no caso Adamson v. Califórnia que houve um problema de auto incriminação, porém foi voto vencido. (RODRIGUES, 1958, p. 290)

A teoria vencedora foi a da Selective Incorporation Interpretation, para a qual a incorporação da Carta dos Direitos não foi imediata com o advento da Décima Quarta Emenda, deveria ser seletiva e respeitar caso a caso, uma visão bem mais conservadora e que atendia aos interesses políticos dos que detinham o poder. Entre os formadores desta corrente estavam os Juízes Felix Frankfurter e Benjamin Nathan Cardozo. No caso Adamson v. Califórnia esta tese foi vencedora por se tratar a Quinta Emenda de um direito fundamental e não por incorporação automática, o fundamento de Frankfurter era de que o judiciário não poderia aplicar as normas arbitrariamente e sim perceber o sentimento de justiça por meio da decência e da imparcialidade para aplicar a cláusula do devido processo legal. (RODRIGUES, 1958, p. 289)

Depois destas discussões a Suprema Corte teve algumas variações de entendimento, mas ficou como tese majoritária a Selective Incorporation Interpretation.

1.3.2 Décima quarta emenda “a cláusula do devido processo legal”

O princípio do devido processo legal ganhou força com a Décima Quarta Emenda da Carta de Direitos, conhecida como cláusula do Devido Processo Legal, justamente pela relevância na incorporação do Bill of Rigths pelos Estados, conforme já exposto, mas também pelo fato desta cláusula atuar fortalecendo o princípio democrático funcionando como uma garantia dos demais direitos da Carta.

A criação da citada emenda é mais uma evidência que a Constituição dos Estados Unidos, em sua formação inicial, deixou de atender os direitos dos cidadãos, o que parece razoável o questionamento, conforme visto anteriormente, por alguns autores, sobre o perfil democrático da Constituição Americana.

Importante ressaltar que apesar da Quinta Emenda já trazer em seu texto o devido processo legal seu alcance era mais restrito do que a Décima Quarta Emenda, primeiro porque era aplicada em âmbito federal e não estadual, segundo porque não teve o alcance material que a nova emenda trazia.

Nas decisões pela Suprema Corte, a partir da Décima Quarta Emenda, começou a ser construído um novo conceito para a cláusula do devido processo legal, agora sim preocupado em garantir direitos substantivos dos envolvidos, passou a incidir sobre direitos materiais.

Assim, a cláusula do devido processo legal passa a atuar como norma protetora dos direitos fundamentais previstos nas emendas anteriores, torna-se uma garantia.

Porém, como já descrito neste trabalho, é preciso lembrar que a incorporação da Carta de Direitos aos Estados pela Décima Quarta Emenda não foi automática, foi ocorrendo aos poucos, quebrando barreiras de interesses daqueles que determinavam as situações e as decisões.

Um dos defensores da incorporação automática da Carta de Direitos foi o Juiz Hugo Lafayette Black. Interessante sobre este Juiz da Suprema Corte é que sofreu restrições quando da sua nomeação para assumir o cargo, pois entendiam que era uma pessoa liberalista ao extremo e que defenderia interesses econômicos. Porém, o Juiz Black surpreendeu com suas posições em defesa dos direitos fundamentais do ser humano.

Black fez grandes críticas àqueles que se utilizam da cláusula do devido processo legal para prevalecer interesses políticos e ideológicos particulares, sem verificar o verdadeiro sentido dos direitos constitucionais, pois os termos “razoável”, “chocar a consciência”, “injustiça”, “arbitrariedade”, podem ser utilizados conforme a conveniência do aplicador e do grupo que ele representa. Black entendia que a lei deveria ser interpretada igualmente para todos. (BLACK, 1970, p. 52)

Sendo assim, o que transparece é que a cláusula do devido processo legal agiu como verdadeira tábua de salvação para os direitos individuais, funcionando no direito norte americano como a salvaguarda do princípio democrático.

2 Conceito processual e material de devido processo legal

Analisando a origem e a evolução do devido processo legal conclui-se que o instituto surgiu como instrumento de defesa ou garantia dos direitos fundamentais, tanto a law of land da Inglaterra como o due process of law estadunidense foram necessários para resguardar direitos, tutelando a vida, a liberdade, a propriedade, etc.

De forma específica a doutrina divide em devido processo legal em sentido processual ou formal e devido processo legal em sentido material ou substantivo.

O devido processo legal em sentido processual significa que os procedimentos devem ser respeitados conforme as regras estabelecidas, tanto na investigação quanto na instrução e julgamento. O devido processo é um somatório de atos preclusivos e coordenados, cumpridos dentro da formalidade estabelecida e pelas partes envolvidas, principalmente quanto a competência do juiz. (SANCHEZ, 2001, p. 193)

Conforme Paulo Fernando Silveira: “O devido processo legal procedimental refere-se à maneira pela qual a lei, o regulamento, o ato administrativo ou a ordem judicial são executados. Verifica-se, apenas, se o procedimento empregado por aqueles que estão incumbidos da aplicação da lei, ou do regulamento, viola o devido processo legal, sem se cogitar da substância do ato”. (2001, p. 242)

Neste sentido o devido processo legal é uma garantia processual com o objetivo de resguardar a regularidade do processo. (BONATO, 2003, p. 31)

Gilson Bonato cita como exemplo o caso Miranda v. Arizona, de 1966, em que a Suprema Corte reverteu condenações por estupro e seqüestro, pelo fato de que Miranda foi preso e interrogado sem o aviso de que teria direito a um advogado. No caso, sem a presença de advogado, a polícia obteve a confissão de Miranda, servindo para sua condenação. A Suprema Corte entendeu que o procedimento não foi respeitado, pois não houve demonstração que foi possibilitado a Miranda o direito de permanecer calado, bem como sobre a presença de um advogado. O que demonstra a garantia de um processo regular. (2003, p. 33)

Explica Bonato, sobre o sentido processual, que: “Garantidor de um devido processo criminal, o princípio abarcava as garantias explícitas e implícitas das liberdades preconizadas pela Constituição. Dentre as garantias expressas, vale destacar a proibição de Bill of attainder e da retroatividade das leis (ex post facto Law), ambas contidas no artigo 1º da Constituição, bem como as garantias expressas na V Emenda, quais sejam, julgamento por júri (jury trial), proibição de ser julgado duas vezes pelo mesmo fato (doble jeopardy) e a vedação da auto-incriminação forçada (self incrimination). Já a VI Emenda previa o direito a um julgamento rápido e público (speedy and public trial), júri imparcial e competente territorialmente, o direito do acusado ser informado da natureza e causa da acusação (fair notice), além do direito de defesa e ao contraditório”. (2003, p. 34)

Sobre esta concepção processual do devido processo Bonato conclui que “[…] não objetivava analisar e limitar o mérito ou o conteúdo das normas jurídicas, adstringindo-se a um enfoque estritamente processualístico, não pretendendo emprestar ao princípio um sentido substantivo”. (2003, p. 36)

O outro conceito de devido processo é o conceito material ou substantivo. Conforme Sánchez o conceito material é o conjunto entre a noção formal do devido processo mais o cumprimento dos fins e direitos fundamentais, das garantias constitucionais, limitando o poder ou função punitiva do Estado. Para o autor há o devido processo do ponto de vista material se são respeitados a liberdade, a justiça, a dignidade humana, a igualdade, a segurança jurídica e os direitos fundamentais, como a legalidade, o contraditório, defesa, celeridade, publicidade, proibição da reformatio in pejus e do duplo processo pelo mesmo fato. (2001, p. 193)

 Conforme Paulo Fernando Silveira: “[…] para o substantivo devido processo, a lei deixa de ser um instrumento afirmativo, positivista, modeladora da sociedade (norma de injunção futurista), para ser encarada pela sua concepção negativa, ou seja, no sentido de que o governo não pode interferir em determinadas áreas sensíveis do direito, notadamente no que concerne aos direitos fundamentais, sem a comprovação prévia, real e concreta, da existência de um sobrepujante interesse público, que o compele, coativamente, a agir, restringindo direitos, sem, contudo, os anular completamente”. (2001, p. 245)

João Gualberto Garcez Ramos realizou trabalho aprofundado sobre o processo penal norte-americano, e em sua obra explica que este caráter substancial do devido processo legal teve maior repercussão na Suprema Corte a partir da metade do século XIX (2006, p. 170), sendo possível observar o devido processo legal como avaliação do conteúdo referente aos direitos fundamentais. O autor cita vários casos, entre eles o caso Coppage v. Kansas: “Em Coppage v. Kansas, 236 US 1 (1915), o juiz associado Mahlon Pitney (1858-1924) escreveu pela Suprema Corte que  “a 14ª emenda impede os Estados de privarem alguém da liberdade pessoal ou da propriedade, ou de materialmente restringirem o exercício desses direitos, exceto se isso for incidentalmente necessário para o outro objetivo, desde que esse objetivo atenda ao interesse público. A mera restrição da liberdade e propriedade não pode ser por si mesma considerada de ‘interesse público’ e tratada como objetivo legítimo do poder de polícia; essa espécie de restrição é que é verdadeiramente inibida pela 14ª emenda”. (2006, p. 174)

Carlos Roberto Siqueira Castro explica que a cláusula do devido processo legal é uma forma de controlar as leis e os atos do governo em geral por meio “da razoabilidade e da racionalidade, ou da justa medida, da medida proporcional”. (2005, p. 78)

Para Castro: “O abandono da visão estritamente processualista da cogitada garantia constitucional (procedural due process) e o início da fase substantiva na evolução desse instituto (substantive due process) retrata a entrada em cena do Poder Judiciário como árbitro autorizado e conclusivo da legalidade e do próprio mérito axiológico das relações do governo com a sociedade civil. Com isso, os Juízes assumiram o papel de protagonista no seio das instituições governativas, deixando de ser mero coadjuvantes das ações do Executivo e do Legislativo. A dialética do poder e as metafísicas questões do direito público passaram a contar, no plano institucional, com a autoridade dotada de prerrogativa decisória (do final enforcing power) e revestida das credenciais de intérprete derradeiro do sentido e alcance da Constituição: os órgãos da Justiça”. (2005, p. 80)  

Desta forma, o sentido material ou substantivo do devido processo legal exige, além do respeito ás regras processuais como forma, como procedimento a ser seguido, que o Poder Judiciário ao analisar uma lei estabeleça um juízo sobre o seu conteúdo, resguardando com isto os direitos fundamentais em um Estado Democrático de Direito, além da própria razoabilidade na atividade legislativa.

Não basta seguir corretamente o processo pré-estabelecido se as regras aplicadas ferem a vida, a liberdade, a igualdade, a propriedade, etc., neste sentido o devido processo legal é garantia dos direitos fundamentais estabelecidos por um Estado.

3 O devido processo legal no direito brasileiro

O princípio do devido processo legal só teve sua garantia expressa na Constituição de 1988, antes era aplicado com a utilização do direito comparado, principalmente o direito norte-americano o que melhor desenvolveu o sentido do princípio.

No Império não tinha como suscitar o devido processo legal, primeiro porque não havia previsão expressa, segundo e mais importante porque os poderes do Imperador eram absolutos, o que inclusive impedia a existência de um Poder Judiciário independente.

Com a Proclamação da República e com a elaboração da Constituição de 1891 inspirada na Constituição norte-americana de 1787, mesmo não sendo expressamente prevista a cláusula do devido processo legal, direitos individuais vieram delineados na Carta Constitucional como forma de garantia dos indivíduos. Isto possibilitou o surgimento da idéia do devido processo legal, como, por exemplo, a ampla defesa e a proibição da prisão sem formação de culpa. Além dos direitos individuais a Constituição trouxe garantias ao Poder Judiciário o que poderia fazer com que este órgão fosse o protetor dos direitos aplicando o direito.

Ocorre que as intenções inseridas no texto constitucional de 1891 ficaram longe de se efetivarem, da mesma forma que os direitos individuais não puderam ser obtidos.

As Constituições de 1934 e 1937 vieram informadas por um período autoritário em que os direitos individuais passaram esquecidos, em conseqüência não houve a previsão do devido processo legal.

A Carta de 1946 trouxe um capítulo com previsão dos direitos individuais, porém não estava entre eles o devido processo legal, contudo tal constituição foi formulada com idéias democráticas o que possibilitou a influência do princípio.

As Constituições de 1967 e 1969 surgiram no período do golpe militar, com isso os direitos individuais foram colocados em segundo plano, assim, também ficou esquecido o princípio do devido processo legal.

Enfim, preocupado com os direitos e garantias constitucionais, a Constituição de 1988 inseriu expressamente o princípio do devido processo legal em seu art. 5º, LIV, manifestando de forma expressa o devido processo legal como princípio e garantia dos direitos fundamentais.

4 Fundamento e interpretação do princípio do devido processo legal conforme os valores estabelecidos na constituição federal de 1988

A análise do princípio do devido processo legal em cada sistema normativo depende da verificação dos valores eleitos. O nosso sistema constitucional está fundado nos valores estabelecidos na Constituição de 1988, por isso, o princípio do devido processo legal deve ser analisado e interpretado conforme estes valores.

Sem adentrar na discussão da efetividade constitucional, os valores eleitos estão vinculados à democracia, à dignidade da pessoa humana, aos direitos fundamentais, formando, assim, um Estado Democrático de Direito, conforme o artigo 1º da Constituição Federal de 1988.

Estes valores escolhidos e principalmente o amadurecimento da idéia constitucionalista em nosso Estado fazem com que o Direito Constitucional Brasileiro se insira no contexto do chamado Neoconstitucionalismo, ou seja, um novo constitucionalismo que interfere com suas concepções não só na formação do sistema jurídico em âmbito legislativo, mas também nas atividades jurisdicionais.

Nos Estados Democráticos as constituições têm a missão de prever e proteger os direitos fundamentais, e tem como característica a Supremacia da Constituição.

Estes aspectos fazem do novo constitucionalismo, constitucionalismo contemporâneo, ou, neoconstitucionalismo, não só um parâmetro para uma Teoria do Direito, mas também para uma Teoria do Estado e Teoria Política.

Não restam dúvidas que esta democratização dos Estados, surgindo o Estado Constitucional, opera uma transformação na estrutura de governo e das relações de poder que acontecem, principalmente entre o Estado e seus cidadãos, pois as intervenções devem respeitar os direitos fundamentais e ao mesmo tempo promover uma consciência de obediência ao direito posto, dentro de uma percepção de justiça.

Analisando o estudo realizado por Luis Prieto Sanchís pode-se concluir que o chamado neoconstitucionalismo representa uma nova cultura jurídica, em três concepções: constitucionalismo como um tipo de Estado de Direito, como uma Teoria de Direito e como uma Ideologia que justifica uma fórmula política. (2002, p. 109)

Conforme Luis Prieto Sanchís o neoconstitucionalismo “es el resultado de la convergencia de dos tradiciones constitucionales que com frecuencia hen caminado separadas”. O autor se refere a tradição constitucional norte-americana e a tradição nascida da revolução francesa. (2002, p. 111)

A tradição norte-americana concebe a constituição como regra de jogo, como um pacto mínimo que permite aos indivíduos suas autonomias, dentro de um sistema democrático e igualitário, livres para desenvolver seus planos de vida e adotarem as decisões coletivas. Desta tradição pode-se extrair a idéia da Supremacia da Constituição, sendo a norma superior das regras sociais, resultando em um limite ao poder legislativo e a conseqüente atuação do judiciário para vigiar se o limite está sendo respeitado. (SANCHÍS, 2002, p. 112)

Esta tradição é caracterizada pelo judicialismo, ou seja, a garantia jurisdicional da Supremacia da Constituição, fortalecendo o papel do poder judiciário.

A tradição nascida da revolução francesa concebe a Constituição como um projeto de transformação social e política, não somente fixando as regras do jogo, mas participando diretamente deste jogo. Neste sentido, como projeto político, a Constituição estabelece suas perspectivas futuras a propósito de seu modelo econômico e toda a repercussão na estrutura social. (SANCHÍS, 2002, p. 112/113)

Para que o projeto seja realizado o Poder Constituinte não quer ficar restrito pelos limites de um documento jurídico, pois se investindo na tarefa de atender a vontade geral, tende a ser ilimitado, o que representa uma força normativa, mas também um problema, pois fortalece o legislativo e corre o risco de transformar-se em legalismo.

Luis Prieto Sanchís entende que: “El neoconstitucionalismo reúne elementos de estas dos tradiciones: fuerte contenido normativo y garantía jurisdiccional. De La primera de esas tradiciones se recoge la Idea de garantía jurisdiccional y uma correlativa desconfianza ante el legislador; cabe decir que la noción de poder constituyente propia del neoconstitucionalismo es más liberal que democrática, de manera que se traduce em la existência de límites frente a las decisiones de la mayoría, no en el apoderamiento de esa mayoría a fin de que quede siempre abierto el ejercicio de la soberanía popular a través del legislador. De la segunda tradición se hereda, sin embargo, um ambicioso programa normativo que va bastante más allá de lo que exigiría la mera organización del poder mediante el establecimiento de las reglas de juego. Em pocas palabras, el resultado puede resumirse así: uma Constituición transformadora que pretende condicionar de modo importante las decisiones de la mayoría, pero cuyo protagonismo fundamental no corresponde al legislador, sino a los jueces”.( 2002, p. 114)

Apesar do neoconstitucionalismo ser visto como uma Teoria do Estado e Teoria Política, para este trabalho será concentrado em seu viés como Teoria do Direito, o que pode ser resumido (não no sentido de redução do conceito, mas sim de primeira idéia) na constitucionalização do Direito.

Eduardo Ribeiro Moreira e Maria Eugenia Bunchaft, num artigo publicado na Revista de Direito Constitucional e Internacional, sobre neoconstitucionalismo e Teoria do Direito explicam que: “A constitucionalização do Direito é o fenômeno em evidência que permite, por um lado, a releitura de todos os campos do Direito pela Constituição – o que inclui não somente as bases fixadas na Constituição como também as mudanças legislativas que regulamentam a Constituição. Por outro lado, o processo de constitucionalização do Direito somente se completa com a percepção de todos (acadêmicos, advogados, juízes, Ministério Público) de que os direitos fundamentais irradiam em todos os campos do Direito, produzindo indistintamente inúmeros ganhos com a proteção jusfundamental maximizada”.(.2011, p. 41).

Esta nova teoria do direito, pelo constitucionalismo, para proporcionar que os direitos fundamentais sejam irradiados para todo o sistema jurídico, necessita de algumas características importantes, representadas pela supremacia constitucional e sua onipresença em todo sistema jurídico, pela coexistência de valores que acolham o pluralismo, a presença de mais princípios do que regras, e assim, mais ponderação do que subsunção, e com isso, uma força ao poder judiciário para conformar o conflito entre princípios utilizando a ponderação.

Luis Prieto Sanchís revela estas características da seguinte forma: “… más princípios que reglas; más ponderación que subsunción; omnipresencia de la Constitución em todas las areas jurídicas y em todos los conflictos mínimamente relevantes, em lugar de espacios exentos em favor de la ópcion legislativa o reglamentaria; omnipresencia judicial em lugar de autonomía del legislador ordinario; y, por último, coexistencia de uma constelación plural de valores, a veces tendencialmente contradictorios, em lugar de homogeneidad ideológica em torno a um puñado de principios coherentes entre sí y em torno, sobre todo, a las sucessivas opciones legislativas”.( 2002, p.121)

Para fechar este raciocínio sobre o contexto em que se analisa o devido processo legal, nesta nova Teoria do Direito (neoconstitucionalismo), até para entender as características desta teoria, é relevante uma breve explicação sobre a diferença entre regras e princípios como espécies de normas.

Há importantes autores que difundem os conceitos e diferenças entre regras e princípios, como Ronald Dworkin ou Robert Alexy, mas a opção neste momento é para a obra de Gustavo Zagrebelsky que de maneira preliminar estabelece o seguinte: “Si el derecho actual esta compuesto de reglas y principios, cabe observar que las normas legislativas son prevalentemente reglas, mientras que las normas constitucionales sobre derechos y sobre la justicia son prevalentemente principios (y aqui interesan em La medida em que son principios). Por ello, distinguir los principios de las reglas significa, a grandes rasgos, distinguir la Constitución de la ley”. (2007, p. 109/110)

Conforme Zagrebelski as regras estabelecem condutas, por isso devem ser obedecidas, como autorização, obrigação ou proibição, fazendo parte da legislação infraconstitucional, que por vezes, numa forma especial, podem estar no texto constitucional (2007, p. 110). As regras caracterizam-se pela subsunção.  

Já os princípios são prevalentemente normas constitucionais, sendo importante para sua aplicação a compreensão dos valores sociais, da cultura jurídica desta sociedade, e, em sua aplicação os princípios orientam a decisão a tomar em situações concretas. (ZAGREBELSKI, 2007, p. 110)

Neste sentido que a doutrina jurídica criou o raciocínio de que quando há regras em conflito, uma delas deve ser considerada inválida para o caso, pois não pode haver dois comandos de obediência contraditórios; de outro lado, no conflito entre princípios não é necessário considerar um deles inválido, pois o caso concreto é que determinará qual deve prevalecer naquele momento, por meio da ponderação entre os princípios e seus valores.      

Este tratamento das normas constitucionais como princípios, principalmente os direitos e garantias fundamentais, tem um relevante papel no controle de constitucionalidade das leis pelo Poder Judiciário utilizando a ponderação.

O objetivo deste trabalho não é aprofundar nos fundamentos do neoconstitucionalismo, mas de forma geral, para entender em que sistema o princípio do devido legal está inserido, podemos concluir que o novo momento constitucional exige uma constituição que preveja e proteja os direitos fundamentais, sendo assim, democrática, que esta constituição tenha força normativa e tenha supremacia dentro do sistema, sendo garantida esta supremacia jurisdicionalmente (protagonismo do judiciário).

5 O princípio do devido processo legal e sua aplicação conforme o sistema constitucional brasileiro

O princípio do devido processo legal está previsto expressamente no artigo 5º, LIV, é certo que a idéia de devido processo legal, bem como os princípios corolários estão em vários outros artigos, como a ampla defesa, o contraditório, a proibição de prisão ilegal, mas o artigo citado é a base para o referido princípio: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Analisando a evolução do princípio do devido processo legal, os conceitos construídos e o sistema constitucional contemporâneo, podemos identificar as seguintes possibilidades de aplicação deste princípio em nosso sistema:

a) A primeira análise revela que o princípio é aplicado conforme seu conceito formal, pois, num sentido apenas processual, para que alguém seja privado de sua liberdade ou de seus bens, o Estado deve respeitar o processo estabelecido pela lei com seus prazos, meios de defesa, procedimentos, enfim, todos os instrumentos processuais estabelecidos como “regra de jogo”;

b) evoluindo a análise, conforme os fundamentos expostos neste trabalho, especificamente o fato de que a Constituição Federal de 1988 é definida como democrática e elencar um rol de direitos e garantias fundamentais, dentre as garantias o devido processo legal, as regras processuais não podem ter significado em si mesmas, pois no sentido material o fundamento de haver regras processuais é com a finalidade de resguardar os direitos fundamentais, como liberdade, propriedade, intimidade, e outros bens, o que podemos concluir a aplicação de um conceito material do devido processo legal.

c) também num sentido material, no contexto neoconstitucional de Supremacia da Constituição e sua garantia jurisdicional, o princípio do devido processo legal serve como ambiente para o princípio da proporcionalidade e sua ponderação para o controle de constitucionalidade das leis.

Conforme o princípio da legalidade (art. 5º, II da CF de 1988) ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei, e esta lei depende de um processo legislativo, processo este que tem requisitos formais (como o quorum de votação) e requisitos substanciais (no sentido de decisão política, social, econômica, de respeito aos direitos fundamentais) para justificar a existência da lei.

Caso o legislador tenha desrespeitado este devido processo de elaboração da lei, o judiciário poderá entender que a lei é desproporcional ou desarrazoada, e exercer o controle de constitucionalidade sobre esta lei.

Como manifestado na introdução, este trabalho não tinha a pretensão de esgotar o estudo sobre as formas de aplicação do princípio do devido processo legal nem como é utilizado pela jurisprudência brasileira, mas sim por meio da evolução do princípio e do contexto constitucional indicar quais seriam estas possíveis aplicações.

Aprofundar sobre o devido processo legal em seu conceito formal, material e como ambiente do princípio da proporcionalidade no sistema jurídico brasileiro, na doutrina e especialmente na construção jurisprudencial, é desafio para um futuro trabalho.

Conclusão

Para compreender o princípio do devido processo legal e suas aplicações dentro de um sistema jurídico é necessário primeiro entender sua evolução histórica e a construção de seus conceitos.

Após esta análise, é importante reconhecer que o conceito que se dá ao devido processo legal, seja processual ou material, depende do sistema em que está inserido e sua contextualização.

Percebe-se com este estudo que a Constituição Federal de 1988 fez opções de valores, consolidando o perfil democrático e de proteção dos direitos fundamentais, fazendo com que o chamado constitucionalismo se fortalecesse irradiando para todo sistema jurídico.

Neste sentido, o princípio do devido processo legal, conforme a Constituição de 1988 e o sistema (neo)constitucional, não pode ser aplicado simplesmente como regra processual, mas também como garantidor dos direitos fundamentais (é assim que tem previsão constitucional), além de servir como fundamento do princípio da proporcionalidade e a chamada ponderação para o controle do judiciário sobre as leis

 

Referências
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SÁNCHEZ, Alberto Suárez. El debido proceso penal. 2. ed. Bogotá – Colombia: Universidad Externado de Colombia, 2001.
SANCHÍS, Luis Prieto. Derechos fundamentales, neoconstitucionalismo y ponderación judicial. Lima – Peru: Palestra Editores S.R L., 2002.
SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido processo legal. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
ZAGREBELSKI, Gustavo. El derecho dúctil. Lei, derechos, justicia. 7 ed. Madrid – Espanha: Trotta, 2007. 
 
Notas:
 
[1] Colaboradores: Aline Maria da Silva Domingues, Alline Eleutério Garcia, Glaucia Manganelli, Acadêmicas do Curso de Direito da Universidade Paranaense – UNIPAR, Paranavaí/PR.


Informações Sobre o Autor

Albino Gabriel Turbay Jr.

Graduado no Curso de Direito pela Faculdade de Direito de Umuarama/PR; Mestre em direito processual penal pela Universidade Paranaense – UNIPAR e Doutorando em Direito pelo ITE Bauru/SP; Professor e Coordenador do Curso de Direito da Universidade Paranaense – Unipar na cidade de Paranavaí/PR


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