Desaposentação no Brasil: análise do Recurso Extraordinário 661.256/SC

Resumo: O artigo tem por objeto analisar o instituto previdenciário conhecido, doutrinariamente, como “desaposentação”, com foco na análise jurisprudencial do caso, tratando, pormenorizadamente, do Recurso Extraordinário 661.256/SC. Logo, o artigo busca expor os pressupostos fáticos e jurídicos que deram origem ao recurso extraordinário, apresentando o caso e todo o seu cotejo lógico e cronológico. Além disso, o artigo aduz conceitos fundamentais para entender o problema, bem como traz os posicionamentos antagônicos da doutrina brasileira. Vale ainda ressaltar que o artigo examina a solução dada pelo Supremo Tribunal Federal, analisando os votos dos Ministros, a tese fixada pela Corte e decisões judiciais divergentes, propondo, por sua vez, uma solução diversa para o caso.

Palavras-chave: Desaposentação. Análise Jurisprudencial. Supremo Tribunal Federal.

 

Abstract: This paper has as its object the analysis of the social security institute known, in the doctrine, as “unretirement”, focusing on the jurisprudencial analysis of the case, treating, specifically, of the Extraordinary Judicial Review 661.256/SC. In this way, the paper tries adds fundamental concepts to understand the problem, as well as brings Brazilian doctrine antagonical positions. It is worth mentioning that this paper exams the solution given by the Federal Supreme Court, analysing the Ministers votes, the fixed thesis by the Court and divergent judicial decisions, proposing, in turn, a different solution for the case.

Keywords: Unretirement. Jurisprudencial Analysis. Federal Supreme Court.

Sumário: Introdução. 1. Recurso extraordinário 661.256/SC: análise doutrinária e jurisprudencial sobre a desaposentação. 1.1 Apresentação do caso. 1.2 Solução dada pelo Tribunal 1.3 Discussão da solução dada pelo Tribunal com base na doutrina em decisões divergentes e/ou convergentes. Conclusão.

INTRODUÇÃO

O presente estudo de caso tratará de uma das decisões mais polêmicas dos últimos anos, proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), qual seja, a que diz respeito à “desaposentação”.

O tema versa sobre a possibilidade de um segurado, que já esteja aposentado, desfazer a sua respectiva aposentadoria para aproveitar, caso tenha permanecido em atividade laborativa, o novo tempo de filiação com o intuito de requerer um benefício previdenciário (outra aposentadoria) mais benéfico (BALERA; MUSSI, p.210, 2014).

A desaposentação foi o mérito de inúmeras ações que inundaram o Judiciário brasileiro durante anos e que, em razão de ausência de base legal acerca do tema, gerou grande controvérsia nos Tribunais, já que alguns pedidos eram deferidos enquanto outros eram indeferidos.

A questão chegou ao Supremo Tribunal Federal através do Recurso Extraordinário 661.256/SC, interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que versava sobre o tema em tela. O Relator foi o Ministro Luís Roberto Barroso, que, de plano, negou o pedido do (INSS) feito por meio da Advocacia-Geral da União (AGU) de suspender as ações que tratassem da desaposentação.

No dia 26 de outubro de 2016, o Plenário do Supremo Tribunal Federal deu provimento ao Recurso Extraordinário 661.256/SC, fixando tese no dia seguinte (27/10/2016) no sentido de não reconhecer o direito à desaposentação, considerando a regra contida no artigo 18, § 2º, da Lei 8.213/1991, constitucional, inviabilizando, então, a vantagem previdenciária em comento.

A presente pesquisa tem por objetivo analisar de forma científica e crítica a referida decisão do STF, conforme os dados e demais elementos que serão aduzidos ao longo do desenvolvimento. Será apresentado o trâmite processual da questão desde o primeiro grau até a cúpula do Judiciário brasileiro, bem como serão apresentadas as correntes favoráveis e contrárias à aludida decisão, ilustradas pela opinião de juristas e da fina flor da doutrina pátria.

1. RECURSO EXTRAORDINÁRIO 661.256/SC: ANÁLISE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL SOBRE A DESAPOSENTAÇÃO

1.1 Apresentação do Caso

O presente caso trata de ação pelo rito ordinário ajuizada pelo segurado Valdemar Roncaglio em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), ainda no final da década passada. Valdemar Roncaglio pretendia o desfazimento de sua aposentadoria especial, obtida na data de 08.10.1992, para, então, obter o reconhecimento de direito à aposentadoria por tempo de contribuição, uma vez que após a concessão de sua aposentadoria permaceu em atividade remunerada, contribuindo para a Previdência, de forma a alcançar os requisitos para fundamentar o seu pedido.

O referido pedido foi julgado improcedente em primeiro grau de jurisdição, por conseguinte, não satisfeito, o Autor interpôs o recurso de apelação, visando a reforma da decisão proferida pelo juízo a quo. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por sua vez, no ano de 2010, proveu de forma parcial a apelação interposta. A decisão de segundo grau foi parcial porque, ainda que tenha reconhecido o direito à desaposentação, criou um óbice ao gozo do mesmo, visto que vinculou o novo benefício à devolução integral dos proventos que o autor recebera até o momento em razão da primeira aposentadoria.

Seguindo-se, foram interpostos recurso especial pelo segurado, em razão da vinculação supracitada, e embargos de declaração pelo INSS. Todavia, como os embargos de declaração foram desprovidos, a autarquia interpôs recursos especial e extraordinário. O autor da ação, Valdemir Roncaglio, por sua vez, manifestou o seu interesse na apreciação do recurso especial, de sua autoria, já interposto.

Ambos os recursos especiais e o recurso extraordinário foram admitidos pelo Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e seguiram para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e para o Supremo Tribunal Federal (STF), respectivamente.

A relatora dos recursos especiais no Superior Tribunal de Justiça, ministra Laurita Vaz, negou seguimento ao recurso especial do Instituto Nacional do Seguro Social e proveu, parcialmente, o recurso especial do segurado Valdemir Roncaglio, recpnhecendo o direito à desaposentação sem a necessidade da restituição dos valores recebidos por causa da sua primeira aposentadoria, qual seja, a aposentadoria especial. Tal decisão foi, ainda, mantida no julgamento do agravo regimental interposto em face daquela decisão.

Contra a decisão em tela foram opostos embargos de declaração, que foram rejeitados. Em seguida, o INSS interpôs mais um recurso extraordinário, admitido pelo Vice-Presidente do STJ, nos termos do artigo 543-B, § 1º, do CPC, como representativo da controvérsia.

O feito chegou ao Supremo Tribunal Federal, onde a repercussão geral referente à matéria foi reconhecida, em ambos os recursos extraordinários interpostos, e foi incluído em pauta de julgamento. Porém com a aposentadoria do então Ministro Relator Ayres Britto foi posteriormente retirado. Assim, foi designado como no Relator do caso, o Ministro Luís Roberto Barroso.

Por um placar de 7×4, no dia 26 de outubro de 2016, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, presidido pela Ministra Cármem Lúcia deu provimento ao recurso extraordinário, vencidos, em parte, os Ministros Luís Roberto Barroso (Relator), Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. Encerrada a votação, o Tribunal deliberou adiar a fixação da tese.

A tese foi fixada, no dia seguinte (27/10/2016), nos seguintes termos: “No âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à ‘desaposentação’, sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91”. Vale ressaltar que o Ministro Relator Luís Roberto Barroso não participou da fixação da tese.

1.2 Solução dada pelo Tribunal

O Supremo Tribunal Federal decidiu no dia 26 de outubro de 2016, com a fixação de tese no dia 27 de outubro do mesmo ano, pela impossibilidade da “desaposentação”, conforme consta da ementa da decisão:

“Constitucional. Previdenciário. Parágrafo 2º do art. 18 da Lei 8.213/91. Desaposentação. Renúncia a anterior benefício de aposentadoria. Utilização do tempo de serviço/contribuição que fundamentou a prestação previdenciária originária. Obtenção de benefício mais vantajoso. Julgamento em conjunto dos RE nºs 661.256/sc (em que reconhecida a repercussão geral) e 827.833/sc. Recursos extraordinários providos.

1. Nos RE nºs 661.256 e 827.833, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, interpostos pelo INSS e pela União, pugna-se pela reforma dos julgados dos Tribunais de origem, que reconheceram o direito de segurados à renúncia à aposentadoria, para, aproveitando-se das contribuições vertidas após a concessão desse benefício pelo RGPS, obter junto ao INSS regime de benefício posterior, mais vantajoso.

2. A Constituição de 1988 desenhou um sistema previdenciário de teor solidário e distributivo. inexistindo inconstitucionalidade na aludida norma do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91, a qual veda aos aposentados que permaneçam em atividade, ou a essa retornem, o recebimento de qualquer prestação adicional em razão disso, exceto salário-família e reabilitação profissional.

3. Fixada a seguinte tese de repercussão geral no RE nº 661.256/SC: “[n]o âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à ‘desaposentação’, sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei nº 8213/91”.

4. Providos ambos os recursos extraordinários (RE nºs 661.256/SC e 827.833/SC)”.

A solução dada pelo Supremo Tribunal Federal levou em consideração a literalidade de dispositivo constante da Lei de Benefícios da Previdência Social (L. 8213/91), qual seja, o artigo 18, § 2°, que dispõe o seguinte:

“Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços:

§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado”.

Logo, percebe-se que o Supremo Tribunal Federal, por maioria dos votos (7×4), em sessão realizada no Plenário, optou por não reconhecer o direito à “desaposentação”, em razão do dispositivo supracitado. Tal decisão fixou, ainda, tese no sentido de que para haver “desaposentação”, ou qualquer novo benefício ou vantagem previdenciária, é necessário a edição de lei nesse sentido, ou seja, sem previsão legal não há como acolher qualquer pedido nesse sentido.

Vale ainda ressaltar que o artigo 181-B, do Decreto 3.048/1999, foi, também, utilizado como fundamento para a decisão proferida, verbis:

“Art. 181-B. As aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial concedidas pela previdência social, na forma deste Regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis”.

Dessa forma, o entendimento que prevaleceu na votação foi o do Ministro Dias Toffoli (Redator) que, apresentado na sessão de 29 de outubro de 2014, afirmou “embora não exista vedação constitucional expressa à desaposentação, também não há previsão desse direito”. Além disso, proferiu as seguintes palavras em seu voto:

“Nosso regime previdenciário possui, já há algum tempo, feição nitidamente solidária e contributiva, não se vislumbrando nenhuma inconstitucionalidade na aludida norma do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91, a qual veda aos aposentados que permaneçam em atividade, ou a essa retornem, o recebimento de qualquer prestação adicional em razão disso, exceto salário-família e reabilitação profissional.

Como salientei em meu voto nos autos do RE nº 381.367/RS, além de não vislumbrar a apontada inconstitucionalidade da norma, tampouco entendo ser o caso de se conferir a ela “interpretação conforme ao texto constitucional em vigor” , pois me parece clara a interpretação que vem dando a União e o INSS no sentido de que esse dispositivo, combinado com o art. 181-B do Decreto nº 3.048/99 – acrescentado pelo Decreto nº 3.265/99 -, impede a desaposentação”.

O voto do Ministro Dias Toffoli foi seguido pelo Ministro Teori Zavascki:

“Ante o exposto, por não considerar presente qualquer inconstitucionalidade no estatuto jurídico do segurado aposentado que permanece ou retorna ao trabalho – seja no que se refere aos limites impostos à concessão de novas vantagens, seja no que se refere à destinação de suas contribuições – voto no sentido de negar provimento ao recurso extraordinário interposto pelos segurados no RE 381.367 e para dar provimento ao recurso do INSS nos RE 661.256 e 827.833. É o voto”.

Além do Ministro Teori Zavascki, o Ministro Fachin também seguiu a divergência aberta pelo Ministro Toffoli, uma vez que entendeu que o STF não pode se imiscuir no papel do Poder Legislativo no sentido inovar na ordem jurídica brasileira. Vale colacionar, aqui, um trecho do voto do Ministro Fachin:

“A Constituição Federal consagra o princípio da solidariedade e estabelece que a Seguridade Social será financiada por toda sociedade, de forma direta e indireta. Ressaltou que o legislador constitucional, ao tratar da previdência social, dispôs que especificamente sobre os riscos que devem estar cobertos pelo RGPS, mas atribuiu ao legislador infraconstitucional a responsabilidade de fixar regras e critérios a serem observados para a concessão dos benefícios previdenciários”.

A Ministra Cármen Lúcia também invocou o princípio da solidariedade ao proferir seu voto. No entanto, discordou da questão de ausência legislativa acerca do tema, pois asseverou que, embora não tenha satisfeito os anseios dos interessados, houve sim atividade legislativa tratando da matéria, conforme pode-se inferir de um trecho de seu voto:

“Tal como no riquíssimo debate aqui travado, também me parece que não há ausência de lei, embora esta seja uma matéria que possa vir a ser alterada e tratada devidamente pelo legislador, mas a legislação, especificamente o § 2º do artigo 18 da Lei 8.213, trata da matéria. Naquilo que poderia ter sido alterado foi debatido, foi objeto de uma proposta de lei enviada ao Poder Executivo, que o vetou. Portanto não houve ausência de tratamento da norma, mas o tratamento devido, sem que se tratasse na forma aqui pretendida os institutos que foram trazidos. A Ministra Rosa até fez a diferença entre desaposentação e reaposentação. Os preceitos legais que tratam das normas são coerentes com os princípios da solidariedade e a regra do equilíbrio atuarial presentes na legislação, pelo que a Constituição deixou a matéria à reserva do Parlamento, à reserva da lei, e a lei o tratou devidamente”.

Os Ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes e Celso de Mello também seguiram a divergência aberta pelo Ministro Toffoli, aduzindo, em síntese, em seus votos, as questões referentes à literalidade da Lei de Benefícios da Previdência Social e do Decreto 3.048/1999, bem como os três invocaram os princípios pertinentes ao Direito Previdenciário, tais como: solidariedade, universalidade, equilíbrio financeiro e atuarial e equidade.

Do lado oposto da divergência, foram vencidos os Ministros Luís Roberto Barroso (Relator), Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio de Mello.

O Ministro Luís Roberto Barroso, substituindo o Ministro Ayres Britto como Relator do caso, em razão da aposentadoria do mesmo, exarou voto no sentido de negar provimento ao recurso em análise, visto que se posicionou favoravelmente à possibilidade de “desaposentação”, como podemos vislumbrar a partir de parte de seu voto, a seguir colacionado:

“Em suma: a possibilidade de renúncia a uma aposentadoria anterior para requerimento de uma nova é uma decorrência do sistema normativo em vigor, notadamente da combinação entre: (i) a imunidade dos proventos do RGPS em relação à contribuição social incidente sobre os rendimentos do trabalho; (ii) a cobrança da contribuição dos aposentados que retornam ao mercado de trabalho, sob o mesmo regime dos demais trabalhadores; e (iii) a inexistência de benefícios previdenciários específicos que justifiquem a incidência dessa tributação vinculada. Por tudo isso, se a legislação ordinária vedasse a desaposentação de forma expressa, a sua compatibilidade com o atual texto constitucional seria no mínimo duvidosa”.

Bastante elucidativo e didático foi o voto vencido do Ministro Relator do caso, que expôs com bastante fundamento a sua posição quanto ao tema em comento. Os demais Ministros, que o seguiram, partilharam dos mesmos fundamentos, entre os quais podemos ressaltar o caráter de direito patrimonial da aposentadoria, e por isso seria um direito disponível, fundamento este trazido pelo Ministro Ricardo Lewandowski que afirmou “a aposentadoria, a meu ver, constitui um direito patrimonial, de caráter disponível, pelo que se mostra legítimo, segundo penso, o ato de renúncia unilateral ao benefício, que não depende de anuência do estado, no caso o INSS”.

Outro fundamento em comum para aqueles que foram vencidos pode ser ilustrado pelo voto da Ministra Rosa Weber. Tal fundamento refere-se à não proibição expressa pela Lei de Benefícios da Previdência Social, ou seja, para a Ministra, trata-se de caso de omissão legislativa, conforme exarou em seu voto “não identifico no artigo 18, parágrafo 2º, da Lei 8.213/1991, vedação expressa à desaposentação, considerada a finalidade de, a partir do cômputo de novo período aquisitivo, obter mensalidade de aposentadoria de valor maior”.

Por fim, o voto do Ministro Marco Aurélio de Mello, também vencido, divergiu em parte do voto do Ministro Luís Roberto Barroso, pois não reconheceu o direito à “desaposentação”, e sim, dando solução diferente, reconheceu o direito ao recálculo dos proventos decorrentes da antiga aposentadoria. Vale, aqui, apresentar a parte do interessante voto do Ministro em que ele expõe seu pensamento acerca da questão:

“Não concebo a desaposentação. Parto da premissa de haver uma situação jurídica alcançada pelo trabalhador e essa situação jurídica mostra-se inafastável. Então, não cogito da devolução de valores recebidos, da renúncia à aposentadoria pretérita. Qual é o instituto que assentei ao votar? O do direito ao recálculo dos proventos decorrentes daquela aposentadoria pretérita”.

1.3 Discussão da Solução dada pelo Tribunal com base na Doutrina em Decisões Divergentes e/ou Convergentes

A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 661.256/SC foi, como já supracitado, uma decisão majoritária, com o placar de 7×4. Tal decisão foi bastante polêmica, uma vez que o tema discutido era, e ainda é, de grande relevo e a depender do resultado, poderia causar grande impacto na economia brasileira e no Sistema de Previdência Social, fato este que atraiu grande atenção da mídia nacional.

A desaposentação, de acordo com Fábio Zambitte Ibrahim (2014, p. 35), seria:

“A reversão do ato que transmudou o segurado em inativo, encerrando, por consequência, a aposentadoria A desaposentação, portanto, como conhecida no meio previdenciário, traduz-se na possibilidade de o segurado renunciar à sua aposentadoria com o propósito de obter benefício mais vantajoso, no regime geral de previdência social ou em regime próprio de previdência, mediante a utilização de seu tempo de contribuição. O presente instituto é utilizado colimando a melhoria do status financeiro do aposentado”.

O instituto previdenciário em análise tem por principal característica a quebra de um vínculo previdenciário, no caso o cancelamento da aposentadoria, por vontade do próprio segurado, com a finalidade de aquisição de um novo vínculo, em condições mais favoráveis, no mesmo sistema. Logo, a melhoria seria em razão do fato de o segurado ter permanecido em atividade laborativa ou a esta ter retornado após a concessão do primeiro benefício, tendo realizado novas contribuições previdenciárias, de caráter obrigatório, as quais tiveram por objetivo a inclusão no cálculo do novo benefício (CASTRO; LAZZARI, 2014, p. 492).

A doutrina majoritária, capitaneada pelos autores acima citados, foi contrária a decisão proferida pelo Supremo, uma vez que consideram a aposentadoria um direito patrimonial e, portanto, disponível, ou seja, sujeito a renúncia por seu titular. Defende também esta posição Ivani Contini Bramante (2001, p. 01), que assevera: “A desaposentação, ipso facto, trata-se de renúncia-opção. E, quando vocacionada à conversão da aposentadoria de um regime menos vantajoso para um regime mais vantajoso é válida e eficaz. Nesta questão, como visto, prevalece o entendimento de que a aposentadoria é renunciável quando beneficiar o titular do direito e ou ensanchar nova aposentadoria mais vantajosa”.

Não obstante, o Supremo acabou por negar o direito à desaposentação, não reconhecendo o mesmo em decorrência dos fundamentos expostos no “item 2.3” do presente estudo de caso, entre os quais, estão a literalidade da legislação previdenciária e a reserva de competência do Poder Legislativo.

A decisão do Supremo foi contrária às decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional Federal da 4° Região (TRF-4) que tratavam do tema e foram pressupostos lógicos e cronológicos do Recurso Extraordinário 661.256/SC.

Sobre a decisão do TRF-4, segue a ementa:

“PREVIDENCIÁRIO. DESAPOSENTAÇÃO PARA RECEBIMENTO DE NOVA APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE NORMA IMPEDITIVA. NECESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DO MONTANTE RECEBIDO NA VIGÊNCIA DO BENEFÍCIO ANTERIOR.

1. Tratando-se a aposentadoria de um direito patrimonial, de caráter disponível, é passível de renúncia.

2. Pretendendo o segurado renunciar à aposentadoria por tempo de serviço para postular novo jubilamento, com a contagem do tempo de serviço em que esteve exercendo atividade vinculada ao RGPS e concomitantemente à percepção dos proventos de aposentadoria, os valores recebidos da autarquia previdenciária a título de amparo deverão ser integralmente restituídos. Precedente da Terceira Seção desta Corte.

3. O art. 181-B do Dec. n. 3.048/99, acrescentado pelo Decreto n.º 3.265/99, que previu a irrenunciabilidade e a irreversibilidade das aposentadorias por idade, tempo de contribuição/serviço e especial, como norma regulamentadora que é, acabou por extrapolar os limites a que está sujeita, porquanto somente a lei pode criar, modificar ou restringir direitos (inciso II do art. 5º da CRFB)”.

Infere-se da decisão do TRF-4, proferida em uma apelação, o entendimento de que por ser a aposentadoria um direito patrimonial e, assim, disponível, poderia haver sua renúncia e posterior nova contagem para aquisição de benefício previdencário mais vantajoso. No entanto, houve o condicionamento à devolução dos valores já recebidos para que o segurado pudesse solicitar novo benefício.

A condição estabelecida pelo TRF-4 deu azo a um Recurso Especial que chegou ao STJ e foi provido parcialmente no sentido de que a devolução das parcelas recebidas é desnecessária, visto que o ato de renunciar à aposentadoria teria efeitos “ex nunc”, pois, enquanto ostentava a condição de aposentado, o segurado tinha direito a perceber os proventos.

Essa decisão foi mantida no julgamento do agravo regimental interposto em face daquela decisão, em acórdão assim ementado:

“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE SOBRESTAMENTO. AUSÊNCIA DE AMPARO LEGAL. VIOLAÇÃO À CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. INEXISTÊNCIA. APRECIAÇÃO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. INADMISSIBILIDADE. RENÚNCIA A BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE. DIREITO PATRIMONIAL DISPONÍVEL. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. NÃO-OBRIGATORIEDADE. AGRAVO DESPROVIDO.

1. Não subsiste o pleito de se determinar o sobrestamento do julgamento do presente recurso, sob a alegação de que o Supremo Tribunal Federal está apreciando a constitucionalidade do art. 18, § 2º, da Lei nº. 8.213/91, tanto por se tratar de pedido desprovido de amparo legal, quanto pelo fato de que a Suprema Corte não está decidindo a questão em tela em sede de controle abstrato de constitucionalidade.

2. Também não prevalece a alegação de ofensa à cláusula de reserva de plenário, uma vez que a decisão hostilizada, sequer implicitamente, declarou a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo.

3. A via especial, destinada à uniformização da interpretação do direito federal infraconstitucional, não se presta à análise de dispositivos da Constituição da República, ainda que para fins de prequestionamento, com o intuito de interposição de recurso extraordinário.

4. Permanece incólume o entendimento firmado no decisório agravado, no sentido de que, por se tratar de direito patrimonial disponível, o segurado pode renunciar à sua aposentadoria com o propósito de obter benefício mais vantajoso, no regime geral de previdência social ou em regime próprio de previdência, mediante a utilização de seu tempo de contribuição, sendo certo, ainda, que, tal renúncia não implica em devolução dos valores percebidos.

5. Agravo regimental desprovido”.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal denegou o pleito de desaposentação. A decisão teve cunho político, já que poupou o erário de gastos exorbitantes para, na casa de R$ 1 bilhão por mês, segundo estudos da Advocacia Geral da União, dado este, inclusive, citado pelo Ministro Gilmar Mendes na sessão realizada no Plenário da Corte.

Outro ponto que merece análise são os votos vencidos. A questão da votação foi explorada em tópico anterior, o qual tratou dos fundamentos expostos por todos os Ministros. No entanto, é válido alguns comentários adicionais acerca do voto da Ministra Rosa Weber.

A Ministra trouxe, em seu voto, o Direito Comparado, o que, é bastante interessante, uma vez que demonstra como o instituto da “desaposentação” foi tratado em outros ordenamentos jurídicos. Dessa forma, a Ministra buscou fundamentar seu posicionamento favorável ao instituto, em análise, com soluções dadas em outros países, em regra, bem sucedidas.

Assim, vale aduzir trecho de seu voto:

“Em Portugal, a aposentadoria é livremente acumulável com rendimentos de trabalho, como no Brasil!’ Nas situações de cumulação, o montante da aposentadoria é aumentado em razão do novo tempo de contribuição. O acréscimo produz efeitos a partir de 1° de janeiro de cada ano, com referência aos valores recebidos no ano anterior. Portugal traz justamente a ideia, a razão de ser da desaposentação – a utilização do novo período contributivo para a melhoria da prestação previdenciária. Ocorre o seguinte: o segurado não carece de renunciar a um para obter outro, mas simplesmente tem o mesmo benefício aumentado. É procedimento mais simples e adequado, pois facilita a percepção do incremento por parte do segurado.

 Da mesma forma, o Canadá permite a continuidade do labor remunerado após a aposentadoria, sendo necessário ao segurado, à semelhança do sistema brasileiro, verter contribuições, mas tais valores serão utilizados para recalculo do benefício, sem prejuízo ao trabalhador, salvo se já percipiente de benefício pelo valor máximo.

Igualmente, o sistema previdenciário dos EUA possibilita a volta ao labor remunerado, mesmo que se esteja recebendo o benefício, ainda que reduzido pelo retorno ao trabalho, mas as contribuições feitas durante esse período são automaticamente computadas para o recalculo do benefício final, quando o segurado, efetivamente, deixar a atividade remunerada. Independente de solicitação, o benefício derradeiro considera as contribuições posteriores”.

CONCLUSÃO

A questão envolvendo a “desaposentação”, enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal, foi bastante polêmica e gerou grandes debates no meio acadêmico e na própria jurisprudência, prova disso é a extensão dos votos exarados na decisão em estudo, bem como nas decisões que a antecederam lógica e cronologicamente.

A decisão foi, sobretudo, política, visto que, reconhecer o direito à desaposentação, acarretaria despesas exorbitantes aos cofres da Previdência Social (R$ 1 bilhão de reais ao mês). Logo, O Supremo houve por bem manter-se contramajoritário e decidir contra os anseios da população, evitando, assim, um prejuízo, possivelmente, insanável ao erário.

Os fundamentos que prevaleceram entre os votos vencedores, já expostos, são juridicamente válidos e, de fato, convincentes, já que encampam a adequação entre a Constituição Federal de 1998 e a Lei de Benefícios da Previdência Social. Assim, os ministros que proferiram os votos vencedores na questão ativeram-se à literalidade da lei e à reserva de Parlamento, ou seja, é dever do poder legislativo produzir normas que tratem do tema.

No entanto, com a devida vênia, ousamos discordar dos fundamentos aduzidos pelo supremo, bem como da tese fixada no que tange ao caso em estudo. Dessa forma, filiamo-nos aos votos vencidos, sobretudo, dos Ministros Luís Roberto Barroso e Rosa Weber.

A “desaposentação” é um instituto passível de aplicação no Direito Brasileiro, já que a partir de uma análise estritamente jurídica, aliada à hermenêutica, logra-se êxito no reconhecimento do referido direito. Assim, em razão dos próprios dispositivos analisados pelos Ministros do Supremo chega-se à conclusão de que não é necessária a atuação adicional do Poder Legislativo.

Sendo assim, o direito à “desaposentação” já está implícito em nosso ordenamento jurídico, tendo o Supremo Tribunal Federal perdido a chance de realizar justiça social ­(previdenciário), aplicando ao caso uma solução política.

O Direito Comparado demonstra que a “desaposentação” é uma realidade bem sucedida nos demais ordenamentos jurídicos e que não houve dificuldades na sua implementação, sendo, na maioria dos casos, necessário apenas simples atualizações nos cálculos dos valores concedidos a título de benefício. Portanto, trata-se, nos sistemas jurídicos alienígenas, de mero incidente matemático, consistente na comprovação do novo tempo de contribuição e da atualização dos cálculos previdenciários.

Outro fator que embasa a nossa divergência é o caráter patrimonial da aposentaria (tese encampada pelo TRF-4 e STJ), o que culmina na disponibilidade do direito. Portanto, o segurado, em razão dessas características, teria direito a renunciar o seu beneficio atual para, posteriormente, em caso de permanecer em atividade laborativa, solicitar um novo benefício mais vantajoso.

Assim, a partir dos fundamentos apresentados, reiteramos nosso posicionamento a favor dos votos vencidos, pois juridicamente foram melhor elaborados e as teses propostas foram, indubitavelmente mais acertadas e favoreceriam a sociedade (Justiça Social), ao invés de defender posição favorável ao Estado.

 

Referências
BALERA, Wagner; MUSSI, Cristiane Miziara. Direito Previdenciário. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
BRAMANTE, Ivani Contini. Desaposentação e Nova Aposentadoria. Revista de Previdência Social, São Paulo: LTr, ano XXV, n. 244, mar./2001.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
BRASIL. Lei n° 8.213 de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 25 de jul. 1991.
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BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível 7205/SC – 0003328-87.2009.404.7205. Relator João Batista Pinto Silveira – 6ª Turma. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 19 de ago. de 2010.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 19. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2014.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Antonio José Cacheado Loureiro

 

Professor de Direito da Universidade do Estado Amazonas. Mestrando em Direito Ambiental (Universidade do Estado do Amazonas)

 


 

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