Debate sobre a teoria moral e política de Hobbes sob a perspectiva de Tonnies e o Direito a Cidade

Resumo: O presente artigo pretende apresentar, a partir da perspectiva da análise da obra de Ferdinand Tonnies sobre a vida e doutrina do filosofo Thomas Hobbes, importantes questões levantadas durante o transcurso dos debates sobre a filosofia moral e política em Hobbes. Estudamos a partir da versão da terceira edição, em espanhol, com tradução de Eugenio Imaz publicada por Alianza editorial no ano de 1988 na cidade de Madri. E, através de uma leitura, ainda que preliminar, procuraremos demonstrar a importância de alguns temas desenvolvidos na obra, tanto de Hobbes, como de Tonnies, que nos possibilitam pensarmos contemporaneamente a democracia e as relações de poder[1]. O desenvolvimento dos argumentos e as conclusões do autor sobre a temática da filosofia moral e política em Hobbes, como seus estudos sobre a teoria da obrigação política – tendo como princípio aquilo que apresenta como fundamental ao fim de sua Revisão e Conclusão do Leviatã, como objetivo da obra “sem outro desígnio que o de colocar diante dos olhos dos homens a relação mútua entre proteção e obediência ” (Hobbes, 1996, p.491)[2] nos aproxima de questões ainda enfrentadas na atualidade referente a conformação dos conceitos de Estado, Soberania e Cidadania entre outros temas.

Palavras Chave: Estado. Soberania. Cidadania. Direitos Humanos. Direito a Cidade.

Abstract: The present article intends to show, from a perspective based on Ferdinand Tonnies work annalyses on the life and doctrine of the philosopher Thommas Hobbes, important questions rise during the debates on the moral and political  philosophy of Hobbes. We studied from the 3rd Edition forward, in Spanish, translated by Eugenio Immaz, and published by Alianza Publishinh House, in 1988, in the city of Madrid. And through a reading, yet preliminary, we shal demonstrate the importance of some of the issues developed in the work, from both Hobbes and Tonnies that allow us to think of democracy and the relations among the powers in a contemporary manner.The development of the arguments, and the conclusions of the author on Hobbes moral and political philosophy´s theme, as his studies on the Theory of Political Obligation – with a principle presented as fundamental at the end of his Review and Conclusion of Leviatã, as the purpose of his work " with none other than to show to the eyes of mankind the mutual relation between protection and obedience" ( Hobbes, 1996, p.491) brings us closer to questions still faced nowadays in regards to the conformation of concepts of State, Sovereignty and citizenship among other themes.

Key words: State. Sovereignty. Human Right. City Law.

Sumário: Introdução.1.1- Debate sobre a teoria moral e política de Hobbes sob a perspectiva de Tonnies.1.2.O direito natural e a supremacia da razão.1.3.Estado e sociedade – o contrato social.1.4.O papel do direito e da justiça.1.5.Soberania e cidadania.2. Contribuição do pensamento de Hobbes na construção do direito a cidade.Conclusão.

Introdução –

“CAP. XXI – Da liberdade dos súditos – 0 que é a liberdade – 0 que é ser livre – 0 medo e a liberdade são compatíveis – A liberdade e a necessidade são compatíveis – Os laços artificiais, ou convenções – A liberdade dos súditos consiste na liberdade em relação às convenções – A liberdade do súdito é compatível com o poder ilimitado do soberano – A liberdade louvada pêlos autores é a liberdade dos soberanos, não a dos particulares – Como medir-se a liberdade dos súditos – Os súditos têm a liberdade de defender seus próprios corpos, mesmo contra aqueles que legitimamente os atacam; não podem ser obrigados a prejudicar-se a si mesmos; não podem ser obrigados a fazer a guerra, a não ser que voluntariamente o aceitem – A maior liberdade dos súditos depende do silêncio da lei – Em que casos os súditos estão dispensados da obediência a seu soberano – Em caso de cativeiro – Caso o soberano renuncie ao governo, para si próprio e seus herdeiros – Em caso de banimento – Caso o soberano se torne súdito de um outro

CAP. XXII – Dos sistemas sujeitos, políticos e privados – Os diversos tipos de sistemas de pessoas – Em todos os corpos políticos o poder do representante é limitado – Por cartas de patente, e pelas leis – Quando o representante é um só homem, seus atos não autorizados são apenas seus – Quando é uma assembléia, é apenas o ato dos que assentiram – Quando o representante é um só homem, se tiver dinheiro emprestado ou uma dívida, por contrato, só ele é vinculado, não os membros – Quando é uma assembléia, só são vinculados os que assentiram – Se o credor pertencer à assembléia, só o corpo fica submetido à obrigação – 0 protesto contra os decretos dos corpos políticos é por vezes legítimo, mas nunca o é contra o poder soberano – Os corpos políticos para governo de uma província, colônia ou cidade – Os corpos políticos para a regulação do comércio – Um corpo político para conselho a ser dado ao soberano – Um' corpo privado regular, legítimo, como uma família – Corpos privados regulares mas ilegítimos – Sistemas irregulares, tais como as ligas privadas – Facções relativas ao governo”[3]

“A superurbanização, em outras palavras, é impulsionada pela reprodução da pobreza, não pela oferta de empregos. Essa é apenas uma das várias descidas inesperadas para as quais a ordem mundial neoliberal vem direcionando o futuro. ” (…) (…) “Desde 1970, o crescimento das favelas em todo o hemisfério sul ultrapassou a urbanização propriamente dita. Na Amazônia, uma das fronteiras urbanas que crescem com mais velocidade em todo o mundo, 80% do crescimento das cidades tem-se dado nas favelas, privadas, em sua maior parte, de serviços públicos e transporte municipal, tornando-se assim sinônimos “urbanização” e “favelização”. ” (…) (…) “As mesmas tendências são visíveis em toda a Ásia. As autoridades policiais de Pequim estimam que 200 mil “flutuantes” (migrantes rurais não registrados) chegam todo ano, muitos deles amontoados em favelas ilegais na orla sul da capital. ” (…) (…) Das 500 mil pessoas que migram para Delhi todo ano, estima-se que um total de 400 mil acabem nas favelas; em 2015 a capital da India terá uma população favelada de mais de 10 milhões de pessoas. “Se essa tendência continuar sem se abater”, avisa o especialista em planejamento Gautam Chatterjee, “só teremos favelas sem cidades”.”[4]

Preliminarmente, antes de entrar no debate proposto, (mesmo que de forma breve e superficial), precisamos explicar o porquê da escolha de um autor como Hobbes, para o aprofundamento dos estudos, precisamente referente a um tema como o relacionado ao campo do direito urbanístico – frente aos princípios da função social da propriedade e da cidade e ao direito a cidade como previstos na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Cidade, lei federal n. 10257 de 2001.

Ora, acredito principalmente, pela importante leitura de Tonnies frente ao pensamento do filosofo inglês, a relevância de alguns conceitos e argumentos desenvolvidos por ele, como o da representação, do contrato, da cidadania, da soberania, direitos e dos deveres, do Estado dentre tantos outros, para contrapormos a dura realidade em que vivemos contemporaneamente.

Mesmo, que possa parecer uma contradição a escolha de um adversário feroz da democracia e defensor ferrenho do Estado “absoluto”, como Hobbes, para discussão dos temas eleitos, acredito que os argumentos desenvolvidos por ele sobre o conceito de soberania serão suficientes para dar conta deste aparente equívoco.

Também, é preciso anotar, para uma melhor compreensão do pensamento do filosofo inglês, no desenvolvimento de suas teorias, das análises parciais e da incompreensão de seus estudos e tratados, tanto no período em que viveu e como posteriormente.

Muitos, como Tonnies, pode observar no prologo de sua obra, veem nele um pensador típico do período medieval, colocando-o como discípulo de Lorde Bacon. E, inúmeros são os livros didáticos que o colocam como representante das monarquias absolutistas do Velho Mundo.

A teoria política apresentada por Hobbes em sua época foram contrarias a tendência majoritária adotada tanto na Inglaterra como em outros países da Europa.

Desta forma, não era de se estranhar que a opinião pública inglesa tenha se afastado de um pensador inimigo da teologia e da plutocracia.

E apresenta a opinião de George Grote, historiador, e próximo deste mesmo grupo, sobre   a oposição ao pensamento de Hobbes na Inglaterra: “En realidade, es desprecio por las ideas propias de las classes privilegiadas – que se llaman a si mismas, falsamente, frenos del poder supremo, pero que em realidade, fraternizan com el y corronpen, em provecho próprio, para mantener oprimido al Pueblo – es lo que há contribuído a conventir em odiosas las teorias de Hobbes em Inglaterra …; ha tenido que expiar sus tendências antioliguarquicas y antipopulares.” (…) (…) “las personas que mas se interesron por sus obras fueron, generalmente – dentro de lo que yo he podido obsever -, personas de princípios radicales, que sostenian las ideas mas audaces acerca las funciones del Gobierno y de la educacion del Pueblo – personas que coincidian com Hobbes en su antipatia contra esos interesses de classe, que constituyen las fuerzas mas efectivas en las modernas monarquias pseudorrepresentativas, pero que divergen de el al considerar que un sistema representativo bien organizado oferece las mejores garantias para una obediência y un gobierno racionales.”

Christopher Hill, historiador inglês, em sua obra O Mundo de Ponta Cabeça, em uma abordagem histórica da revolução inglesa de 1640, onde apresenta seus estudos sobre as ideias radicais que surgiram no período histórico estudado, apresenta em apêndice a obra título onde irá contrapor e aproximar o pensamento de Hobbes e Winstanley, aproxima no plano intelectual, Hobbes, junto aos radicais.[5]

E, também expõe certa ojeriza de seus adversários, dentre eles muitos monarquistas, como o conde de Clarendon, como observou Hill, nas considerações do mesmo nobre, realista, “considerava que Hobbes não valia mais que um leveller, dada a sua crença na igualdade entre os homens e a sua convicção de que a ascensão social devia estar aberta aos talentos” e continua o relato denunciando Hobbes por sua “ extrema malevolência para com a nobreza, que sempre o sustentou com seu pão. ”[6]

Mariana Amaral Queiroz, em dissertação de mestrado, sobre a soberania no De Cive de Thomas Hobbes, em suas notas introdutórias observou também que existem diversas leituras das obras políticas de Thomas Hobbes. [7]

E confirma, os equívocos frente a interpretação dos textos de nosso autor, por diversos de sues comentadores, “que procuram caracterizar seu pensamento em termos abrangentes, definindo-o por aquele que seria o seu traço, digamos essencial. ”[8] E, elucida tal fato, “em função das motivações ideológicas do autor, ou ainda em virtude de um comentário crítico, e as vezes, de uma extrapolação de sua filosofia e do que seriam as suas possíveis consequências para alguns problemas centrais da política. ”[9]

Nos informa que frequentemente, o pensamento de Hobbes “é considerado amiúde como sendo a base teórica do Absolutismo, ou como um sistema em que todas as relações que envolvem a noção de Estado são concebidas de forma rigorosamente antidemocrática. (…) (…) algumas dessas sínteses são fortemente voltadas para o campo social, como por exemplo, a que vê o autor, situado em um contexto histórico preciso, representando uma concepção burguesa emergente. Há até mesmo quem o veja como um precursor remoto da ideia de Estado Totalitário.[10]

Discorda das interpretações anteriores e apresenta a dificuldade de se atribuir uma ideologia política contemporânea como fundamento de seu pensamento e da complexidade de incluí-lo em correntes mais gerais da história das doutrinas políticas.[11]

Questiona o fato, de uma teoria de presumida propensão absolutista e autocrática não ter agradado os contemporâneos partidários da monarquia e também do grande distanciamento, tanto do pensamento conservador, quanto do liberal, ainda por vir, de sua formulação original.[12]

Entretanto, adverte, que a questões levantadas, não devem consistir na atribuição a Hobbes de uma linha de pensamento político autocontraditória.

E diz que “seria ainda absurdo, uma vez que suas preferências políticas estão indubitavelmente declaradas em seus escritos, descreve-lo com um pensador de tendências fundamentalmente democratizantes, ou que pretendesse propor o cerceamento da esfera de atuação do Estado.

Acreditamos, que dentre os obstáculos para interpretação dos textos de Hobbes, aparecem, acompanhando o raciocínio de Skinner, quando aponta, como uma das dificuldades, encontradas na maioria dos estudos realizados sobre Hobbes, encontra-se no fato destes estudos se prenderem unicamente na leitura das obras de Hobbes, sem a compreensão, que Hobbes escrevia para os seus contemporâneos.

Como o historiador diz: “Primeiramente, os estudos mais recentes têm se centrado exclusivamente nos textos de Hobbes, sem se perguntar o que poderia tê-lo instigado a formular e reformular seus argumentos distintivos, sem procurar, assim, identificar a natureza das disputas nas quais ele estava tomando parte. ”[13]

Antes de enfrentarmos uma análise dos conceitos desenvolvidos em sua teoria política e moral, frente a realidade ne nossas cidades, da situação que se encontra a maior parte da população, e das relações políticas dos diversos atores existentes, devemos compreender qual a relação de Hobbes com a disciplina histórica e se existe alguma utilidade para nossa tarefa.

Debora Regina Vogt, em artigo publicado, na revista eletrônica história e-história, publicada com apoio do grupo de pesquisa arqueologia histórica da Unicamp, faz alusão a aproximação do autor com a disciplina, quando da tradução da obra de Tucídides, publicada em 1629.[14]

Ela associa a publicação ao fato da entrega da Petição de Direitos pelo parlamento a Carlos I, e depreende que um dos motivos de tal empreendimento, dá-se na proporção que Hobbes pretendia demonstrar a seus contemporâneos os malefícios da democracia – já que foram os democratas gregos que levaram Atenas a terrível Guerra do Peloponeso, início de sua ruína.[15]

Faz menção da publicação do Behemoth ou o Longo Parlamento, onde o tema da guerra é central, onde acusa os parlamentares e pregadores, como anteriormente os democratas gregos, do uso da retórica para iludirem o povo inglês e o convencerem a irem para a guerra.[16]

Nesta comparação, vislumbra a função pedagógica que o filosofo propõe para disciplina e expõe a visão de Hobbes, de que a história não mostra novidades, que ela é repetição de algo anterior e finalmente conclui que a preocupação do autor quanto os temas elegidos para narrativa histórica “foi no sentido de comprovar suas teorias filosóficas.”[17]

Como observamos nas palavras de nosso filosofo: “Porque, na História, os fatos honrosos e desonrosos aparecem clara e sensivelmente, enquanto na época em que se vive se apresentam encobertos (envoltos), onde poucos, muito precavidos, não se deixam confundir” e enaltecendo o historiador grego, no prologo da obra, celebra Tucidides como historiador, mas também como político, mas sem perder tempo com digressões morais ou políticas, dando ênfase nos fatos para impressionar os leitores – “coloca o leitor em meio as assembleias do povo e das reuniões dos Conselhos, para que assista aos debates, em meio aos tumultos, e até nos campos de batalha, na hora do combate.”[18]

1.Debate sobre a teoria moral e política de Hobbes sob a perspectiva da análise de Tonnies e o Direito a cidade

Estes apontamentos tem o condão de apontar primeiramente as dificuldades do interprete frente a perspectiva de um pensamento complexo e original que procurava respostas a problemas – crises e conflitos da sociedade em que vivia.

Sua contribuição visa de forma precisa a construção de um aparato estatal que desse conta dos conflitos de interesses que estão presentes em qualquer sociedade humana. Ou seja, que conformasse os direitos opostos, conforme o interesse público ou coletivo – que assegurasse a todos os indivíduos do corpo político o máximo de segurança, bem-estar e paz.  

O conceito de estado da natureza como oposto ao estado (civil e cidadão), Hobbes, o recebe da doutrina dominante. Oriundo do pensamento teológico de um estado originário do gênero humano que esta entrelaçado com o mito paradisíaco e com a fabula semelhante da Idade de Ouro.

Porém, Hobbes, irá inverter o sentido, seguindo a tradição epicurea convertendo a: num estado de barbárie e de guerra de todos contra todos. Admite, como os seguidores de epicuro, como certo o desenvolvimento da cultura a partir da barbárie – de um estado quase animal (que poderia ser observada nas condições dos selvagens (sociedades) encontrados nas descobertas.

Ademais, por enxergar, no mundo em que vivia uma situação de inimizade e desconfiança generalizada, de sentimentos como egoísmo, vaidade, empregados na luta por riquezas e honrarias.

A partir do qual foi amadurecendo a importância conceitual e o sentido geral do conceito de estado de natureza e guerra.

“soldados que sirven em facciones distintas y de albaniles que trabajan a las ordenes de distintos maestros de obras” – para descrever que apenas a autoridade (comum) pode ligar os indivíduos, que de outra forma seguiriam caminhos diferentes (até divergentes).

“reyes y demas personas com atribuciones soberanas”. Se hallan em permanente rivalidade, en pie y en guardiã, como gladiadores; tensas el arma y la mirada”; esto es, fortalezas, guarniciones e cânones em las fronteras, espionaje incessante del vencino – maneras distintas de guerrear”.

O primeiro de todos os bens é a própria conservação; o primeiro de todos os males a morte. A preservação da vida (a saúde, a segurança, etc.) é necessariamente uma tendência do ser humano (auto-preservação).

1.2.O direito natural e a supremacia da razão

A diversidade de interesses e a autodeterminação dos indivíduos quantos as suas decisões (poder de escolha) está implicado na concepção da natureza humana em Hobbes, como Tonnies irá observar, ao sugerir o argumento desenvolvido por Hobbes, que nem sempre o que é bom para nós é bom para os outros. O mal e o bem andam entrelaçados na concepção de Hobbes. O que hoje é bom, em outro momento pode ser mal e assim vice-versa.

Será o bom senso, a razão, obrigatoriamente, que estabelecerá que a paz é boa, e todos os meios que levem a paz, são bons, garantindo desta maneira um futuro aos interesses do indivíduo e da coletividade.  

Assinala, que sentido autentico deste direito natural reside no argumento (mais ou menos elaborado) do indivíduo com igual poder frente ao outro, assentado na liberdade e igualdade ou liberdade igual para todos.

Doutrina que se assemelha a de um Estado Social, onde a liberdade pessoal é um direito corrente, a propriedade individual uma instituição acabada onde existe uma avançada divisão do trabalho, comercio regular e uma economia monetária e de capital.

Hobbes anuncia a chegada do “reino da razão” – da luz, da ilustração – mas, também visualiza o “reino da sociedade comercial” da concorrência sem freios, da exploração capitalista.

Para ele, o significado, das expressões “o homem é um lobo para o homem”, e “guerra de todos contra todos, foram empregados para designar esta situação dentro da sociedade moderna.

Mas Hobbes não é ingênuo o bastante para imaginar que a ciência (neutralidade) promoveria necessariamente a construção de um mundo melhor. Como podemos depreender do argumento de Hobbes quanto a concepção, que o homem avido não melhora mediante a razão, e que a mesma razão pode favorecer, em certas situações a avidez do homem.

Desta forma, o pensador estabelece a necessidade da razão do legislador e do poder concentrado do Estado, para a manutenção da paz e para o amparo dos fracos contra os fortes, dos pobres contra a exploradores.

Tonnies, assinala, que o pensamento de Hobbes extrapola estes argumentos para a resolução dos problemas sociais, e diz que o filosofo espera muito mais das opiniões racionais, da ilustração, não apenas do príncipe, como do povo.

Mas, também pressente, que a mesma razão (ou ciências) frente a demagógica eloquência um “small power”, como nos relata o professor Roberto Romano, em pequeno artigo sobre a obra de Quentin Skiner  Reason and Rhetoric in the Philosophy of Hobbes.[19]

Hobbes, pretende estabelecer uma oposição entre estado de natureza – liberdade e guerra geral, e instituição de uma autoridade soberana (fictícia) – Estado e paz geral. Mas, Tonnies, se questiona, como pode ser o Estado objeto da vontade de todos, já que todos (vontade) por natureza se contrapõe.

Mas, assinala, que tal contradição, deverá ser equacionada no argumento que somente mediante a consciência racional (razão) os membros recebem a sociedade estatal e sua existência e consistência como suprema e absoluta.

Observa, que a consciência racional, nada mais é, que o domínio de si (coletivo) (problema idêntico ao de Rosseau), que Hobbes, desenvolvera melhor em seu capitulo sobre política na construção jurídica do mandato e da representação.

O objetivo é a construção de argumentos jurídicos sólido relacionados a formação do Estado e não tanto quanto da fundamentação da obediência.

1.3.Estado e sociedade – o contrato social

Portanto, a fundamentação ideal será representada quando a vontade estatal seja representada por uma pessoa (individual ou coletiva) investida em um poder jurídico ilimitado.

Inicialmente, os argumentos de Hobbes, quanto ao conceito de justiça se mantem na forma tradicional: a cada um o que é seu (por direito), mas, segue este conceito o questionamento sobre “a origem da ideia de algo possa ser designado como “propriedade” de alguém.

Consequência desta formulação a constatação que tal conceito não pode ser depreendido do estado natural, mas sim a partir de um consentimento entre os indivíduos – já que existe a necessidade de dividir o que é oferecido pela natureza.

Também, tal noção, implica em novo questionamento, com qual finalidade e necessidade os indivíduos se viram obrigados a escolher que cada um tivesse o que fosse seu, em lugar da posse coletiva de todas as coisas.

Para Hobbes, a posse por todos produz necessariamente a guerra – a disputa pelos indivíduos pela disputa pelo uso e controle dessa posse.

Por outro lado, conclui, que a guerra é prejudicial aos homens, e a partir dessa constatação chega a dois postulados da natureza humana:

1 – o desejo natural impulsiona o indivíduo a exigir o uso próprio dos bens comuns;

2 – a razão natural, possibilita a compreensão pelo indivíduo que a morte violenta é o pior dos males da Natureza, e que deve ser evitado a qualquer custo.

Em razão destes princípios, Hobbes, desenvolverá a noção da necessidade dos contratos e de sua manutenção (da palavra dada) e os elementos das virtudes morais e dos deveres cidadãos (C., Ep. ded.).

A raiz destes princípios e considerada a tarefa essencial do Estado e do direito positivo é a realização e verificação do princípio da igualdade. (perante a lei, perante um Tribunal – em presença dos investidos de soberania)

“La seguridade del Pueblo exige … que la justicia se extienda por igual a todas las capas del Pueblo, esto es, que los mismo ricos y poderosos que pobres y desvalidos reciban lo suyo usto cuando sufran alguna injusticia; de tal manera, que los grandes no puedan contar com mayores probabilidades de impunidad al cometer uma violência, difamacion u outra cualquiera contra um individuo de las classe inferiores, que aquellas com las podria contar este em caso contrario. Pues em eso consiste la equidade”, e continua “em cuanto a violência, a opresiones y ofensas de los grandes, su rango, em lugar de ser uma circunstancia atenuante, los e agravante, ya que son los que memos necesidad tienen de semejantes acciones. Las consuecuencias de uma parcialidade a favor de los grandes se multiplican. Impunidad tra consigo insolência; esta, ódio, y el ódio, encarnizado empeno para desraigar toda grandeza opressora y afrentosa, aunque sea a costa del cuerpo politico” (L., P. II, 30; E. III, 333)

Tonnies, defende que Hobbes representa ao mesmo tempo o Estado de bem-estar e o de polícia.

1.4.O papel do direito e da justiça

Para Hobbes todo ordenamento sobre a propriedade está condicionado a lei – teoria da legalidade.

Mas, observa, ao desenvolver os argumentos relacionados aos conceitos de liberdade política, estabelecendo limites ao poder soberano. Em El., argumenta que a liberdade que o soberano deve proporcionar ao seu povo consiste em liberdade e bem-estar.

E, Liberdade deve ser compreendida como a limitação necessária da liberada de natural para consecução do bem comum. E, adverte, que não se deve propagar quantidades de leis, que possibilitem ao cidadão do bem cair em suas armadilhas.

Em C. Hobbes, aponta de forma visionária a evolução política posterior: “donde hay tantas leyes que no pueden ser recordadas facilmente, y com las que se prohibe lo que la razon por si no prohibe, es inevitable que, por pura ignorância, sin ninguma mala intencion, se caia dentro de la ley como em uma trampa”.

No L. (cap. XXI) volta a tratar em separado e mais explicitamente sobre a “liberdade dos súditos”.

Hobbes, propõe, que alguns direitos são inalienáveis ao indivíduo, que ele não pode abrir mão de determinados direitos naturais: que o súdito conserva a sua liberdade em respeito daquilo que não pode renunciar contratualmente o seu direito natural.

Ou seja, os contratos renunciando a legitima defesa ou obediência a ordens de se matar ou de se colocar em perigo eminente, de não resistir a agressão, de não se alimentar, ou qualquer outra coisa necessária a preservação da vida (bem-estar e segurança) são nulas.

Tal raciocínio permite até mesmo a compreensão de um direito a desobediência. Outrossim, fica implícito no argumento desenvolvido que ninguém deverá estar condicionado a uma obediência incondicional.

“La obligacion del súdito com el soberano no puede durar um momento mas de lo que dure el poder com que este lo protege”.

Mesmo defendendo a prevalência do direito positivo, em nenhum momento podemos depreender que Hobbes contemple a possiblidade da consideração do direito vigente ser incondicionalmente bom em si mesmo.

Ele, na verdade, preocupa-se em precisar os limites necessários e essenciais (prudentes e adequados) a legislação. Tonnies, assevera, que para Hobbes o princípio de submissão a vontade estatal significa: “liberação da Igreja e a liberdade de expressão do pensamento em suas variadas formas de expressão. ”

Tonnies, aponta, que se em suas principais obras deixou alguma dúvida sobre a questão, em pequenos textos, Hobbes, esclarece seu ponto de vista: “nada – se disse em el libro sobre a libertad de la voluntad – que sea mas adecuado para producir ódio, que la tirania sobre la razon y el entendimento de los hombres (E. V, 250) e em Behemoth (pag.62, mea ed.): “Um Estado puede forzarnos a obedecer, pero no a que nos convenzamos de um error, ni cambiar las opiniones de aquellos que creen poseer las mejores razones. La opression de las opiniones no produce outro efecto que ele de unir y amargar, es decir, aumentar la maldad y el poder de aquellos que las creyeron em seguida”.

1.5.Soberania e cidadania

A formação do Estado de Direito – status civilis – como estado efetivo depende absolutamente da vontade racional dos indivíduos que (que vivem em semelhante estado) compõe seu corpo político e principalmente querem ser cidadãos.

Portanto, a imagem de um verdadeiro Estado, constituído por uma vontade indubitável e absoluta, que preenche todos seus atributos de poder, soberano, legitimo, legislador, judicial e executivo.

Realiza-se, o status civilis, na superação do estado de natureza, onde a soberania aproxima-se da perfeição – cumprindo com o seu fim: manter a paz interior, promover o bem-estar e defender o pais.

Observa, que Hobbes, na construção deste estado de direito, prevê a necessidade de implementação de uma legislação penal adequada e de um direito privado ou lei distributiva.

Aponta, quanto a concepção teórica de Hobbes, do conceito de propriedade se fundar na lei positiva, devido a impossibilidade da propriedade no estado de natureza (por tudo pertencer a todos).

Desta forma, a propriedade pode ter seu significado alterado, devido sua vinculação a norma jurídica instituída pelo Estado. Em consequência, nenhuma propriedade poderá ser contra o Estado e seu ordenamento somente será valido se legitimo, justo – adequado. (função social da propriedade)

Portanto, o legislador, soberano, está obrigado a mudar o ordenamento quando observar que o bem comum (la salus publica) assim o exige.

Outra consequência observada por Tonnies quanto o estado de direito encontra-se justamente na ideia propagada pela teoria de Hobbes, que todas as leis são igualmente validas, e obedece-las é uma obrigação do cidadão – mas, adverte, que nem todas as leis são racionais (justas) e o irracional (injusto) é contrário a lei natural.

Entretanto, não seria obrigatório a obediência cega a todas as leis, questiona-se o autor.

E responde de forma enfática, que Hobbes, não deixa dúvida alguma sobre a questão formulada, no desenvolvimento de sua argumentação sobre a moral esclarece, que aquele que age de forma irracional, peca. E, prevê a possibilidade, tanto do indivíduo, como o soberano (individuo ou assembleia) também pecam, ou seja, podem agir irracionalmente (quando não cumprem o seu dever).

Portanto, em tal situação, quando nos encontramos contra lei da natureza, voltamos consequentemente ao estado de natureza e podemos com todo o “direito” de tratarmo-nos de forma hostil.

Assim, define o Estado como “pessoa cuja vontade, nascida dos contratos de muitos homens, deve ser considerada como a vontade de todos eles”. E propõe, importante principio: “ A teoria do poder do Estado sobre os cidadãos (pende) quase completamente do conhecimento da diferença existente entre uma multidão que rege e uma que é regida.”

O principio majoritário, (C, c, VI, 2), se estabelece como condição primeira para a fundação do Estado, onde uma multidão se transforma em uma assembleia deliberante: a assembleia constitucional – pressuposto teórico da fundamentação do Estado. Esta construção do Estado racional começa com uma declaração dos direitos inalienáveis do homem que para Hobbes estão compreendidos dentro do direito de segurança pessoal – se essa segurança cessa, todos recobram o direito primitivo de defender-se como possam (estado da natureza).

O derradeiro momento da teoria (C., VI,3) vem a ser esta assembleia. Precede a todas as formas de Estado, está conceitualmente implicada nas três formas de governo.

Os novos preceitos contidos no capitulo 16 do Leviatã apresentam-se em toda a teoria do Estado e lhe fazem tomar um sentido completamente novo através do conceito de representação.

O representante pode vincular ou obrigar o representado, porém dentro dos limites do mandato. É apenas no caso de um mandato autentico fica obrigado o mandante.

Cada membro da multidão tem que dar seu consentimento, concorrer para o “apoderamento” do mandato – “Pues la unidad del representante, y no la unidad de los representado, es lo que constituye la persona em su unidad.”

E, será no desenvolvimento desta teoria que irá aparecer de forma lógica e posto de forma jurídico-natural, o princípio que o voto ou a voz da maioria deve ser considerado como voto ou voz de todos.

Ademais é o modo natural de manifestar-se uma vontade, pois os votos contrários se anulam e o resultado desta operação que irá representar o voto e a voz dominante, ou seja, a verdadeira voz e vontade da pessoa artificial.

E o mandato se efetivara com a instituição de uma pessoa soberana – cuja existência e direitos procedem da vontade de todos – mandatário com mandato ilimitado pelo direito de representação e que tem por finalidade proporcionar através do contrato racional, da manifestação da vontade geral, construção artificial de um (sujeito) racional, capaz de querer e de fazer (domínio).

Também, aponta que no L. todo o peso do pensamento se concentra na afirmação de que a representação do povo se identifica com o conceito de Estado.

Ademais, nota neste momento que a teoria russouniana aproxima-se de seu grande antecessor.

Para Rousseau se subentende que o povo pode reunir-se quando e onde queira, e que se reserva sempre a soberania; Hobbes pensa com mais rigor jurídico político ao condicionar essa reserva da soberania ao fato de que a assembleia perdure isto é, que volte a reunir-se com regularidade por próprio direito e na forma legal ou constitucionalmente e de forma pré-fixada, com o objetivo de reavivar aquela soberania adormecida.

A tendência mais intima do pensamento de Hobbes, no que afeta seu núcleo político, não favorece a monarquia tradicional – absolutismo teológico-legitimista, como o cesarismo e o despotismo ilustrado. Como Tonnies apresenta na figuração alegórica: Sua “cabeça de Jano” encarna em uma cara extremadamente monárquica e outra extremadamente democrática ( Rocher, Politik, pg 509, 128).

O Leviatã, diferente das obras anteriores é, e tinha que ser antes um tratado político que de direito natural.

Ou seja, um “programa de governo servidor do povo, por meio de sabias leis e boa administração” (…) (…) “orientada para que não se descuide de nenhum dos atributos da soberania. E seguindo esta orientação, consequentemente resultara na elaboração de boas leis, ou seja, aquelas necessárias ao bem público – claras e transparentes, das quais se deve dar a conhecer as causas e os motivos que as originaram. ”

Apresenta, que Hobbes e seus sucessores, afirmavam: “que uma propriedade jurídica só existe perante o poder estatal ou através da força coativa do direito. Hobbes, compreende que a sociedade criadora do poder estatal (em razão do interesse comum) é anterior ao próprio Estado: “Los indivíduos crean el Estado al reconhecer su necesidad y coincidir em este reconocimiento, por mucho que, por lo demás, diverjan sus interesses y hasta se contradigan.” Tonnies compara o feito a grande conquista do direito romano: a independência e prioridade do direito privado.

Na opinião de Gierke, Hobbes, procurara desconstruir tal concepção de direito natural a partir de suas próprias armas “ya que rebaja el derecho preestatal del estado de naturaliza a la categoria de um jus inutile, que em realidade, no contiene ni el germen de um derecho; ante el Estado, mediante cuyo orden y coaccion nace el derecho, desaparece cualquier derecho no producido por él; rechaza pura y simplemente toda idea de un vinculo de lo justo y de lo injusto”. (Althus, 2, p.300) (grifamos)

Inicialmente, observa, que Hobbes, rechaça toda ideia de um vínculo jurídico que não proceda do poder estatal, mas, adverte, que tal ideia não se contrapõe a possibilidade da convivência no Estado, todo direito não produzido por ele.

Que a ideia do direito acompanha necessariamente a do Tribunal. Com esta ideia se relaciona o fato de o direito ser formal e realista, que não precisa da aceitação dos homens, que no direito privado pressupõe a livre disposição de cada indivíduo sobre seu corpo, ações e bens, ou seja, a igualdade de todos aqueles considerados pessoas na acepção do termo, e desta forma, possuem a liberdade de contratação, (vinculando-se) a força obrigatória dos contratos.

Adverte, que mesmo sendo alguns contratos rechaçados como imorais e considerados ilegais, vemos como regra no Direito Civil e nos Tribunais ordinários, pouca ou nenhuma preocupação sobre o conteúdo e valor moral dos contratos e do mérito pessoal dos sujeitos cujo o direito os vinculam.

E continua, partem de uma distribuição já dada da propriedade, por mais iniqua e imoral que seja, e baseando-se nela dão “a cada uno lo suyo”, ou seja, decidem o que um deve ao outro, o que este outro pode exigir daquele.

Para constatar, que os mesmos “servem ao “comercio”, a economia, dentro do qual cada um persegue conforme o direito e a moral naquilo que os convém (segundo seus interesses), a ganancia, a aquisição, conservação e aumento de sua propriedade.

Desta forma, apresenta e qualifica, o caráter de um comercio (economia), pacifico e regulado, como um estado de guerra.

Diante do caráter antagônico da sociedade moderna, Tonnies, observa (com Hobbes) a dissolução de todos os vínculos comuns do puro indivíduo, que enfrenta os demais, com seus bens e aptidões, com uma potência de interesses aptas para o acordo ou para luta. Processo inacabado, principalmente para as mulheres.

Destaca que Hobbes conceitualmente apresenta as bases da sociedade e do Estado moderno.

Afirma, que os teóricos posteriores a Hobbes, vinculados ao direito natural, não se aperceberam do fato, que a sociedade capitalista convertia o homo em homini lúpus. E, serão os “socialistas”- partidários da doutrina da natureza essencialmente social do homem – os primeiros a perceberem a transformação.

O direito natural irá se transformar no direito privado dos Estados modernos e será recolhido nos “Códigos” – de maneira expressa ou com algumas restrições. Abandonando a tradição racionalista e se apegando a tradição jurídica romana.

Informa também, que foi notado por Hobbes o começo e a natureza da produção capitalista. Como podemos observar nos comentários sobre a pobreza e uma nova etapa referente o empresário e o pequeno artesão independente frente à transformação das cidades (E., IV, 444).

Não é por acaso, que Tonnies, recupera a força dos argumentos das teorias de Hobbes, essencialmente quanto o que ele preleciona ao retratar o clima político em que vivia na Europa, que considerava extremamente importante, o resgate das doutrinas do direito natural “para a memória do mundo e da consciência dos juristas mediante uma exposição precisa e critica de sua forma clássica racional[20]. ”

O período entre as guerras mundiais, 1919-1939, momento da terceira edição da obra de Tonnies sobre a vida e obra de Hobbes, demonstrava para o interprete aquele estado de guerra latente que caminhava a passos largos para aquela guerra total – guerra de todos contra todos – “bellum ominium contra omnes”.[21]

2. Contribuição do pensamento de Hobbes na construção do direito a cidade

Hobbes ao notar o começo e a natureza da produção capitalista em seus comentários sobre a pobreza e uma nova etapa referente o empresário e o pequeno artesão independente frente à transformação das cidades (E., IV, 444), antecipa, o caráter competitivo e desleal que corrompe aquele primeiro instrumento, ou seja o primeiro pacto – homens se unirão numa porção considerável para que tal aliança contra qualquer perturbação da paz.

Tal união consensual origem do Estado – que obriga os indivíduos, depositarem todos os seus direitos na mão de um príncipe soberano – formando uma vontade única, a ser por todos respeitada.

Com o objetivo que este mesmo Estado promova de forma equitativa os meios necessários para a promoção da paz e do bem-estar de todo o corpo político.

Apresenta variados motivos para que Hobbes exigisse a construção de uma estrutura estatal imune e poderosa o suficiente para dar conta dos variados interesses dentro de uma coletividade – que ele mesmo vislumbrou com interesses diversos e antagônicos.[22]

Ora, os elementos e argumentos de sua filosofia moral e política, seus estudos sobre a  psicologia humana, ao contemplarmos a situação política contemporânea demonstra a importância dos temas elegidos como a profundidade de suas análises.

Principalmente, quando debruçamos nossos olhares sobre as cidades, local onde (sobre)vivem a maior parte da população, nos dias atuais. Onde as influências de interesses particulares, que se apropriaram da estrutura estatal, promovem, como bem observa o geografo David Harvey: “Vivemos progressivamente em áreas urbanas divididas e tendentes ao conflito. Três décadas atrás, a reviravolta neoliberal restaurou o poder de classe das elites ricas. Catorze bilionários surgiram no México desde então e, em 2006, aquele país ostentava o homem mais rico do mundo, Carlos Slim, ao mesmo tempo que a renda dos mais pobres havia estagnado ou diminuído. Os resultados são indelevelmente cáusticos sobre as formas espaciais de nossas cidades, que consistem progressivamente em fragmentos fortificados, comunidades fechadas e espaços públicos privatizados mantidos sob constante vigilância. No desenvolvimento mundial, a cidade está se dividindo em diferentes partes separadas, com aparente formação de muitos “microestados”.

E continua sua narrativa: “Vizinhanças riquíssimas providas com todos os tipos de serviços, como escola exclusivas, campos de golfe, quadra de tênis e patrulhamento privado da área em torno; área de medidores entrelaçados com instalação ilegal onde a água é disponível apenas em fontes públicas, sem sistema de saneamento, a eletricidade é pirateada por poucos privilegiados, as estradas se tornam lamaçal sempre que chove e onde as casas compartilhadas é a norma. Cada fragmento parece viver e funcionar autonomamente, fixando firmemente ao que for possível na luta diária pela sobrevivência (Balbo, 1993).”

E conclui que “progressivamente vemos o direito à cidade cair em mãos privadas ou interesses quase privados. Em Nova York, por exemplo, o bilionário prefeito, Michael Bloomberg, está remodelando a cidade conforme diretrizes favoráveis aos incorporadores – Wall Street e capitalistas transnacionais – e promovendo a cidade como uma localização ótima para grandes negócios e destino fantástico para turistas. Com efeito, ele está tornando Manhattan um vasto condomínio fechado para ricos. Na Cidade do México, Carlos Slim remendou as ruas do centro urbano para agradar ao olhar do turista. Não apenas indivíduos abastados exercem poder direto. Na cidade de New Haven, presa aos recursos de reinvestimento urbano, está Yale, uma das mais ricas universidade no mundo, que está redesenhando muito da estrutura urbana ao gosto das suas necessidades. A Universidade John Hopkins está fazendo o mesmo para o leste de Baltimore e a Universidade de Colúmbia planeja fazer igual para áreas de Nova York, estimulando movimentos de resistência em ambos os casos. O direito à cidade, como ele está constituído agora, está extremamente confinado, restrito na maioria dos casos à pequena elite política e econômica, que está em posição de moldar as cidades cada vez mais ao seu gosto. ”[23]

Conclusão

Portanto, voltando numa possível contradição, da escolha de um autor que de forma declarada, assume sua posição contraria a democracia, na perspectiva da análise do conceito de direito a cidade, demonstra a força de seus argumentos na defesa de alguns pressupostos que ainda perduram no imaginário e nos textos Constitucionais como princípios inalienáveis: igualdade, legalidade, dignidade da pessoa humana, da soberania[24] e etc. 

Igualdade como raiz destes princípios e considerada a tarefa essencial do Estado e do direito positivo (perante a lei, perante um Tribunal – em presença dos investidos de soberania):

“La seguridade del Pueblo exige … que la justicia se extienda por igual a todas las capas del Pueblo, esto es, que los mismo ricos y poderosos que pobres y desvalidos reciban lo suyo usto cuando sufran alguna injusticia; de tal manera, que los grandes no puedan contar com mayores probabilidades de impunidad al cometer uma violência, difamacion u outra cualquiera contra um individuo de las classe inferiores, que aquellas com las podria contar este em caso contrario. Pues em eso consiste la equidade”, e continua “em cuanto a violência, a opresiones y ofensas de los grandes, su rango, em lugar de ser uma circunstancia atenuante, los e agravante, ya que son los que memos necesidad tienen de semejantes acciones. Las consuecuencias de uma parcialidade a favor de los grandes se multiplican. Impunidad tra consigo insolência; esta, ódio, y el ódio, encarnizado empeno para desraigar toda grandeza opressora y afrentosa, aunque sea a costa del cuerpo politico” (L., P. II, 30; E. III, 333)

Legalidade:  nos limites necessários e essenciais (prudentes e adequados) a legislação. Tonnies, assevera, que para Hobbes o princípio de submissão a vontade estatal significa: “liberação da Igreja e a liberdade de expressão do pensamento em suas variadas formas de expressão. ”[25]

Tonnies, aponta, que se em suas principais obras deixou alguma dúvida sobre a questão, em pequenos textos, Hobbes, esclarece seu ponto de vista: “nada – se disse em el libro sobre a libertad de la voluntad – que sea mas adecuado para producir ódio, que la tirania sobre la razon y el entendimento de los hombres (E. V, 250) e em Behemoth (pag.62, mea ed.): “Um Estado puede forzarnos a obedecer, pero no a que nos convenzamos de um error, ni cambiar las opiniones de aquellos que creen poseer las mejores razones. La opression de las opiniones no produce outro efecto que ele de unir y amargar, es decir, aumentar la maldad y el poder de aquellos que las creyeron em seguida”.

Dignidade da pessoa humana – mínimo existencial – Hobbes, propõe, que alguns direitos são inalienáveis ao indivíduo, que ele não pode abrir mão de determinados direitos naturais: que o súdito conserva a sua liberdade em respeito daquilo que não pode renunciar contratualmente o seu direito natural.

 “La obligacion del súdito com el soberano no puede durar um momento mas de lo que dure el poder com que este lo protege”. [26]

 

Referências
Aubrey, 1898, v.1, p.328 in Skiner, Quentin – Hobbes e a liberdade republicana, tradução Modesto Florenzano. – São Paulo: editora Unesp, 2010.
David Harvey, O direito a cidade – Traduzido do original em inglês “The right to the city”, por Jair Pinheiro, professor da FFC/UNESP/ Marília. Esta versão foi cotejada com a publicada na New Left Review, n. 53, 2008. Lutas Sociais agradece ao autor pela autorização de publicar o artigo, p. 73.
Davis, Mike. Planeta Favela. Tradução de Beatriz Medina. São Paulo: Boitempo, 2006.
Guerra Filho, Willis Santiago e Henrique Garbelini Carnio.  Introdução a Sociologia do Direito. – São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2016. pp. 100 a 114.
Hill, Christopher, 1912- , O mundo de ponta-cabeça: ideias radicais durante a revolução inglesa de 1640 / Christopher Hill; tradução, apresentação e notas Renato Janine Ribeiro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
Hobbes, Thomas – Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil, Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva in: 18:32 horas http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/hdh_thomas_hobbes_leviatan.pdf
Miranda, Marcella, A teoria da soberania em Thomas Hobbes, Revista 7 Mares, vol. N. 3, 2014. Também em Skiner, Quentin – Hobbes e a liberdade republicana, tradução Modesto Florenzano. – São Paulo: editora Unesp, 2010,
Pollock, Frederick, The National Review, setembro 1894, p.29 in Tonnies, Ferdinand, Hobbes: vida y doctrina, version espanola de Eugenio Imaz, Madrid – Espanha: editora Alianza Editorial, 1988, p.318.
Queiroz, Mariana Amaral – A soberania no De Cive de Thomas Hobbes, Campinas, SP: (s.n.), 2001.
Romano, Roberto – resenha da obra de Skinner, Quentin. Reason and Rhetoric in the Philosophy of Hobbes. Cambridge, Cambridge University Press, 1996. In: revistas.ufpr.br/rsp/article/download/39352/24168
Skiner, Quentin – Hobbes e a liberdade republicana, tradução Modesto Florenzano. – São Paulo: editora Unesp, 2010.
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Vogt, Debora Regina, a história como laboratório comprobatório: a luta entre o Behemoth e o Leviatã em Thomas Hobbes, revista eletrônica história e-história, publicação organizada com apoio do grupo de pesquisa arqueologia histórica da Unicamp, atualizada em 07 de abril de 2009.
 
Notas
[1] Queiroz, Mariana Amaral – A soberania no De Cive de Thomas Hobbes, Campinas, SP: (s.n.), 2001.

[2] Skiner, Quentin – Hobbes e a liberdade republicana, tradução Modesto Florenzano. – São Paulo: editora Unesp, 2010.

[3] Hobbes, Thomas – Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil, Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva in: 18:32 horas http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/hdh_thomas_hobbes_leviatan.pdf

[4] Davis, Mike. Planeta Favela. Tradução de Beatriz Medina. São Paulo: Boitempo, 2006, p.27-28.

[5] Hill, Christopher, 1912- , O mundo de ponta-cabeça: ideias radicais durante a revolução inglesa de 1640 / Christopher Hill; tradução, apresentação e notas Renato Janine Ribeiro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p.368.

[6] Hill, Christopher, 1912- , O mundo de ponta-cabeça: ideias radicais durante a revolução inglesa de 1640 / Christopher Hill; tradução, apresentação e notas Renato Janine Ribeiro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p.368-369.

[7] Queiroz, Mariana Amaral – A soberania no De Cive de Thomas Hobbes, Campinas, SP: (s.n.), 2001.

[8] Queiroz, Mariana Amaral – A soberania no De Cive de Thomas Hobbes, Campinas, SP: (s.n.), 2001.

[9] Queiroz, Mariana Amaral – A soberania no De Cive de Thomas Hobbes, Campinas, SP: (s.n.), 2001.

[10] Queiroz, Mariana Amaral – A soberania no De Cive de Thomas Hobbes, Campinas, SP: (s.n.), 2001.

[11] Queiroz, Mariana Amaral – A soberania no De Cive de Thomas Hobbes, Campinas, SP: (s.n.), 2001.

[12] Queiroz, Mariana Amaral – A soberania no De Cive de Thomas Hobbes, Campinas, SP: (s.n.), 2001.

[13] Skiner, Quentin – Hobbes e a liberdade republicana, tradução Modesto Florenzano. – São Paulo: editora Unesp, 2010, p.13.

[14] Vogt, Debora Regina, a história como laboratório comprobatório: a luta entre o Behemoth e o Leviatã em Thomas Hobbes, revista eletrônica história e-história, publicação organizada com apoio do grupo de pesquisa arqueologia histórica da Unicamp, atualizada em 07 de abril de 2009.

[15] Vogt, Debora Regina, a história como laboratório comprobatório: a luta entre o Behemoth e o Leviatã em Thomas Hobbes, revista eletrônica história e-história, publicação organizada com apoio do grupo de pesquisa arqueologia histórica da Unicamp, atualizada em 07 de abril de 2009.

[16] Vogt, Debora Regina, a história como laboratório comprobatório: a luta entre o Behemoth e o Leviatã em Thomas Hobbes, revista eletrônica história e-história, publicação organizada com apoio do grupo de pesquisa arqueologia histórica da Unicamp, atualizada em 07 de abril de 2009.

[17] Vogt,  Debora Regina, a história como laboratório comprobatório: a luta entre o Behemoth e o Leviatã em Thomas Hobbes, revista eletrônica história e-história, publicação organizada com apoio do grupo de pesquisa arqueologia histórica da Unicamp, atualizada em 07 de abril de 2009.

[18] Tonnies, Ferdinand, Hobbes: vida y doctrina, version espanola de Eugenio Imaz, Madrid – Espanha: editora Alianza Editorial, 1988, p.35.

[19] Romano, Roberto – resenha da obra de Skinner, Quentin. Reason and Rhetoric in the Philosophy of Hobbes. Cambridge, Cambridge University Press, 1996. In: revistas.ufpr.br/rsp/article/download/39352/24168

[20] Tonnies, Ferdinand, Hobbes: vida y doctrina, version espanola de Eugenio Imaz, Madrid – Espanha: editora Alianza Editorial, 1988, p.13-14.

[21]  Guerra Filho, Willis Santiago e Henrique Garbelini Carnio.  Introdução a Sociologia do Direito. – São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2016. pp. 100 a 114.

[22] Guerra Filho, Willis Santiago e Henrique Garbelini Carnio.  Introdução a Sociologia do Direito. – São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2016. pp. 100 a 114. Para Hobbes, seu poder é absoluto, mas no sentido de incontrastável e supremo. Mas nem por isso ilimitado. Limite intransponível lhe é imposto: não retornar aquém do pacto. Tem o dever de garantir as condições necessárias a essa paz. Cabe ao soberano garantir as condições de segurança necessárias a vida social, de obrigar os indivíduos a cumprirem seus pactos.

[23] David Harvey, O direito a cidade – Traduzido do original em inglês “The right to the city”, por Jair Pinheiro, professor da FFC/UNESP/ Marília. Esta versão foi cotejada com a publicada na New Left Review, n. 53, 2008. Lutas Sociais agradece ao autor pela autorização de publicar o artigo, p. 86-88.

[24] Ibidem: Soberania como compreendida (programa de ação) no Leviatã – diferente das obras anteriores é, e tinha que ser antes um tratado político que de direito natural. Ou seja, um “programa de governo servidor do povo, por meio de sabias leis e boa administração” (…) (…) “orientada para que não se descuide de nenhum dos atributos da soberania. E seguindo esta orientação, consequentemente resultara na elaboração de boas leis, ou seja, aquelas necessárias ao bem público – claras e transparentes, das quais se deve dar a conhecer as causas e os motivos que as originaram. ”

[25] Ibidem: Tonnies, aponta, que se em suas principais obras deixou alguma dúvida sobre a questão, em pequenos textos, Hobbes, esclarece seu ponto de vista: “nada – se disse em el libro sobre a libertad de la voluntad – que sea mas adecuado para producir ódio, que la tirania sobre la razon y el entendimento de los hombres (E. V, 250) e em Behemoth (pag.62, mea ed.): “Um Estado puede forzarnos a obedecer, pero no a que nos convenzamos de um error, ni cambiar las opiniones de aquellos que creen poseer las mejores razones. La opression de las opiniones no produce outro efecto que ele de unir y amargar, es decir, aumentar la maldad y el poder de aquellos que las creyeron em seguida”.

[26] Ibidem: Ou seja, os contratos renunciando a legitima defesa ou obediência a ordens de se matar ou de se colocar em perigo eminente, de não resistir a agressão, de não se alimentar, ou qualquer outra coisa necessária a preservação da vida (bem-estar e segurança) são nulas.Tal raciocínio permite até mesmo a compreensão de um direito a desobediência. Outrossim, fica implícito no argumento desenvolvido que ninguém deverá estar condicionado a uma obediência incondicional.


Informações Sobre o Autor

Andre Queiroz Guimarães

Advogado graduado em direito pela Faculdade Politécnica de Jundiaí Grupo Anhanguera Educacional cursando o mestrado junto ao núcleo de pesquisa de Direito Urbanístico vinculado ao programa na linha de pesquisa da Efetividade do Direito Público e Limitações da Intervenção Estatal


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