Uma crítica às políticas públicas do desporto no Brasil

Resumo: O presente artigo trata das Políticas Públicas do Desporto brasileiro, evidenciando suas lacunas, em face da importância do fomento à prática esportiva, como essencial para afirmação da nação e, principalmente, para o processo formativo das pessoas, sendo relevante elemento para a inclusão social e a dignidade da pessoa.

Palavras-chave: Políticas Públicas. Desporto. Inclusão.

Abstract: This article deals with the Public Policies of Brazilian Sports, highlighting their shortcomings, given the importance of promoting sports practice, as essential for affirmation of the nation and, especially, for the formative process of people, being a relevant element for social inclusion and the dignity of the person.

Keywords: Public Policy. Sport. Inclusion.

Sumário: Introdução. 1 Da Política Pública do Esporte no Brasil. 2 Definição de esporte. 3 O esporte como meio para o desenvolvimento humano. 4 O atual cenário da Política Pública do Desporto brasileiro . Conclusão.

Introdução

O presente artigo tem como objetivo analisar as Políticas Públicas do Desporto do Brasil, demonstrando a importância do fomento à prática esportiva como elemento fundamental ao desenvolvimento do indivíduo, notadamente em relação a promoção da saúde, bem-estar, aprimoramento de aptidões físicas, psicológicas e sociais.

Ao longo desse trabalho, restará demonstrado que o Brasil, em que pese possuir um arcabouço jurídico delineador de uma Política Pública do Desporto, com uma norma multidisciplinar e a criação de um fundo próprio para apoio ao esporte, o país não foi capaz ainda de abordar o tema de forma ampla, inclusive como ferramenta relevante à educação, saúde, geração de trabalho e renda e inclusão social.

1 Da Política Pública do Esporte no Brasil

Políticas Públicas “são diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado. São, nesse caso, políticas explicitadas, sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas, linhas de financiamentos) que orientam ações que normalmente envolvem aplicações de recursos públicos” (TEIXEIRA, 2002, p. 2).

As Políticas Públicas, portanto, se apresentam como verdadeiro conjunto de normas específicas a um determinado tema que visam ao seu fomento, promoção, desenvolvimento e implantação de serviços, benefícios e produtos destinados à sociedade ou grupo da sociedade.

No caso do Desporto no Brasil, o marco da estruturação da Política Pública do Esporte no Brasil, se dá no período do Estado Novo (1937-1946), com a intervenção estatal no setor esportivo através do Decreto Lei 3.199, de 1941 consistente na forte atuação do Estado em favor do esporte de alto rendimento e em certa medida eugenista (filosofia predominante no mundo, à época), propondo transformar o Brasil em uma potência olímpica e bem como determinando a incorporação do setor esportivo educacional aos princípios e valores do esporte de alto rendimento, em um modelo piramidal, cujo controle final estaria a cargo do Estado, através do Conselho Nacional do Desporto, composto por exclusivamente por membros nomeados diretamente pelo Presidente da República (art. 2º, do Decreto).

O modelo autoritário de Vargas foi resgatado nos governos militares seguintes, com os apelos nacionalistas e o uso ideologizado do esporte. A Educação Física foi recuperada como instrumento de sustentáculo político, não mais para a eugenia da raça, mas para selecionar os mais aptos e habilidosos, tendo o rendimento como meta e o esporte de massa e escolar como meio (DARIDO, 2003).

Para Starepravo e Marchi Jr. (2016), a “década de 1940, para o campo esportivo no Brasil, é, portanto, crucial. Se, por um lado, é possível afirmar que essa etapa acolheu um verdadeiro processo de popularização e massificação do esporte, apoiado pelo Estado, por outro, vale destacar que tal processo não significou a democratização do esporte ou a sua consolidação como um direito social. O esporte foi institucionalizado, ganhou legislação própria, foi oferecido pelo Estado como um bem coletivo”. (STAREPRAVO; MARCHI JR., 2016, p. 47)

Esse modelo de prevalência de uma filosofia esportiva destinado ao alto rendimento começa inicia um processo de inflexão na década de 1980, fruto de iniciativas da Secretaria de Educação Física e Desportos (SEED), com o advento de normas, muitas das quais como um víeis mais utilitarista, isto é, menos disposta a proporcionar uma ação concatenada do estado em busca da alta performance de desempenho para obtenção de prestígio internacional, mas sim, no bem-estar do indivíduo. Estabeleceu-se assim, uma espécie de antagonismo entre as duas conceituações, uma a favor do esporte de alto rendimento (Pró-EAR) outra em favor esporte participativo e educacional (Pró-EPE).

A Comissão de Reformulação do Esporte (1985) inicia uma discussão mais profunda do papel do esporte na agenda nacional, propondo uma atualização de sua abordagem, o que mais tarde, com a redemocratização do país, culminou na absorção desta nova política a Constituição de 1988 (art. 217), onde esporte obteve um status de direito constitucional, isto é, direito intrínseco a cidadania, sem o viés pragmático do alto desempenho, sem a tutela autoritária do Poder Público, e com a prevalência de sua abordagem educacional. Vejamos a Carta Magna de 1988: “Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados: I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento; II – a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento; III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional; IV – a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional. § 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei. § 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final. § 3º O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.”

No início da década de 90, durante o Governo Collor (1990/1992) abre-se as discussões para a regulamentação infraconstitucional do esporte segundo tendência econômica de liberalização de mercados e seus efeitos no setor esportivo, especialmente no setor futebol, desaguando, na modificação infraconstitucional que veio a se denominar Lei Zico (Lei nº 8.672/93), eis que fruto da iniciativa do Ministro Artur Antunes Coimbra (Zico), titular da Secretaria dos Desportos da Presidência da República – SEDES/PR, órgão alçado institucionalmente a condição de Ministério.

Passou-se a prevalecer a compreensão que a salvação do esporte de alto rendimento estaria atrelada utilização de mecanismos de típicos de mercado, isto é, de uma sociedade capitalista, tendo enfrentado, entretanto, forte resistência do setor comandante do futebol por avançar demais na estrutura institucional dos clubes, há décadas tratadas com uma visão patrimonialista.

Anos depois, em período de grande produção legislativa, iniciando se com a Lei Pelé, que modificou a estrutura esportiva formal sem alterar a primazia do apoio estatal ao esporte de alto rendimento. As maiores atenções estiveram, novamente, com o futebol, quando sucessivas leis desfizeram parte do avanço da Lei Pelé. O País passou por CPIs do futebol, em 2001, que estabeleceram nova agenda legislativa para o setor, parte dela já efetuada com a aprovação, em 2003, da Lei de Moralização dos Clubes, Estatuto do Torcedor, dentre outras.

Anos depois, o Brasil então passa a se habilitar na recepção de grandes eventos esportivos, em 2007 com a realização dos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro, em 2014 com a realização da Copa do Mundo de Futebol – FIFA e, em 2016, com a realização das Olimpíadas, novamente no Rio de Janeiro.

Os resultados alcançados nestas grandes competições, entretanto, apontam para uma reflexão dos atores envolvidos na configuração de todo o desenho da política de esporte no país, acerca do papel do estado no fomento ao desenvolvimento do esporte, não apenas o de alto desempenho (Pró-EAR), mas, também de sua abordagem em favor esporte participativo e educacional (Pró-EPE).

2 Definição de esporte

O esporte é um dos mais importantes fenômenos socioculturais dos séculos XX e XXI e tem merecido da intelectualidade e da mídia internacional uma especial atenção, permitindo aprofundamentos políticos, sociais, culturais, educacionais, científicos e antropológicos. Esses estudos vão, pouco a pouco, inserindo, de forma consolidada, fatos esportivos na contemporaneidade, fazendo com que o esporte cada vez mais se torne uma das prioridades das diversas sociedades do mundo atual. Paralelamente, o número de praticantes esportivos é crescente, o que se verifica em qualquer passeio no início da manhã ou no final da tarde de qualquer cidade. O espaço do esporte na mídia é maior a cada momento, há uma ciência do esporte ganhando espaço, as modalidades de práticas esportivas vão se multiplicando, a tecnologia específica vai se transformando pela sofisticação. (TUBINO, 2010).

Ainda segundo o autor, o esporte moderno foi criado a partir de 1820, quando o inglês Thomas Arnold codificou os jogos existentes, com regras e competições, dando origem ao Associacionismo Inglês, reverberando em 1896 (Atenas), com a restauração dos Jogos Olímpicos por Pierre de Coubertin, e consolidando nos princípios da ética esportiva por meio do conceito de Fair Play, bem como do amadorismo (defesa da aristocracia contra a prática popular do esporte).

Como qualquer outra atividade social, o esporte, consagrado no ideário olímpico, e assentado com base na ética e no associacionismo – começou a se romper em 1936 (Berlim), com a tentativa de Hitler em provar a suposta supremacia ariana, prosseguindo em 1952 (Helsinque), quando os Jogos foram transformados em palco da chamada Guerra Fria, quadro que se estendeu por várias edições posteriores.

O uso político-ideológico do esporte prosseguiu com manifestações como a do Movimento Black Power por atletas negros norte-americanos (México, 1968), além de sequestros e assassinatos de atletas israelenses (Munique, 1972) e boicotes (Montreal, 1976, Moscou, 1980 e Los Angeles, 1984).

Paralelamente, e reconhecida como suporte teórico-científico a prática esportiva, a educação física ganhou relevância e reconhecimento necessário no processo formativo da pessoa, conhecimento do corpo sob o ponto de vista da anatomia, fisiologia e mecânica do movimento, com a absorvendo conceitos de Psicomotricidade, o que mais tarde veio a tornar imperiosa sua inclusão no currículo escolar mundo afora, inclusive no Brasil.

Até sua definição atual, a Educação Física, entretanto, tem suas origens na Europa no final do século XVIII e início do século XIX, com a criação dos chamados Sistemas Nacionais de Ensino, recebendo sua primeira denominação de “ginástica” que compreendia, em linhas gerais, a prática de marcha, corridas, lançamentos, esgrimas, natação, equitação jogos e danças, com caráter popular e sem qualquer relação educacional.

Necessário consignar, “por exemplo, que a Sociologia só irá se constituir como ciência na segunda metade do século XIX e seu estatuto foi dado elaborado a partir da Física; a Antropologia foi, em suas origens, basicamente determinada pela história natural; a Psicologia de fortes características experimentais também é filha desse período; a História era metodologicamente dominada pelo relato cronológico protagonizado pela nobreza, igreja e Estado.” (SOARES, 1996, fl. 9)

A introdução à Carta Internacional da Educação Física, da Atividade Física e do Esporte, proclamada pela Conferência Geral da UNESCO, de 21.11.1978, estabelece que o esporte é um instrumento que permite a autodescoberta, o aumento da autoconfiança e da autoestima, mas é também um meio poderoso de mobilização, ao reunir pessoas de diferentes crenças, culturas e origens étnico-raciais. As competições esportivas internacionais, além de oferecer entretenimento, reforçam a construção da identidade cultural e do sentimento de pertencimento dos povos.

3 O esporte como meio para o desenvolvimento humano

Uma das condições para o exercício dos direitos humanos consiste em que as pessoas tenham liberdade para promover seu próprio bem-estar e suas aptidões físicas, psicológicas e sociais.

O esporte é elemento da cultura que se fixou de forma definitiva nas sociedades modernas, sem distinção de nacionalidade, gênero, classe social. Entre a ciência, admiradores e praticantes há consenso da importância da prática do esporte para bem-estar físico, mental e social.

A importância de combater os estilos de vida sedentário, vem interligada ao estímulo à prática esportiva. Diversas pesquisas têm demonstrado associação entre sedentarismo doenças a exemplo de agravos cardiovasculares, câncer, diabetes e saúde mental. Temos assim, um problema de saúde pública.

A Carta Internacional da Educação Física, da Atividade Física e do Esporte, proclamada pela Conferência Geral da UNESCO em 1978, revisada e atualizada em 2015, com o “propósito de colocar a educação física, a atividade física e o esporte a serviço do desenvolvimento humano, instando todos e, em especial, governos, organizações intergovernamentais, organizações esportivas, entidades não governamentais, círculos empresariais, mídia, educadores, pesquisadores, profissionais e voluntários do esporte, participantes e seu pessoal de apoio, árbitros, famílias, bem como espectadores, a aderirem a ela e a disseminá-la, a fim de que seus princípios se tonem realidade para todos os seres humanos”. (UNESCO, 2016, p. 2)

O documento em comento tem o Brasil como um de seus inúmeros signatários e, portanto, deveria refletir a Política Pública do Desporto nacional, mas não é o que acontece. A legislação atinente ao esporte pátrio, inclusive aquelas relacionadas de forma transversal, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e o Estatuto da Pessoa com Deficiência, não contém normas específicas e que asseguram, de fato, aos brasileiros o acesso à prática do esporte.

4 O atual cenário da Política Pública do Desporto brasileiro

Como sinalizado, o atual Constituição Federal estabelece que o fomento à prática esportiva é um dever do Estado e a declara como direito individual (art. 217), evidenciando a importância do esporte para a sociedade. O esporte em sentido amplo, isto é, desde os esportes de alto rendimento, até a prática amadora.

O inciso IV do art. 217 estabelece a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional, e já no parágrafo 3º do art. 217 determina que o Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social e, obviamente, que o esporte está aí incluído.

A evolução normativa desde então mais fortemente alcançada através da Lei 9.615, de 24 de março de 1998 (Lei Pelé), estabelecendo Princípios e criando o Sistema Brasileiro do Desporto. Dessa Lei decorrem as normas específicas a cada tema e criou a possibilidade de linhas de financiamento para apoio ao esporte. Acontece que, mais uma vez, o legislador insistiu em cuidar com mais afinco do futebol.

A contrario sensu a Constituição Federal, em seu art. 217, é muito mais ampla quando refere o desporto e não especifica ou privilegia um ou outro esporte, considerando que são dezenas as modalidades existentes, seja para a prática, amadora ou profissional, ou mesmo para exibição.

Pois bem, a Lei Pelé, norma de natureza multidisciplinar, traz uma série de dispositivos relacionados ao esporte nacional, contendo princípios, conceitos, critérios e normas de natureza jurídica diversas.

A Lei Pelé sofreu muitas críticas por tratar excessivamente de temas relacionados ao futebol profissional, deixando os outros esportes em segundo plano.

O art. 3º da Lei em comento reconhece o desporto em diversas manifestações:

“a) desporto educacional, quando praticado nos sistemas de ensino, evitando seletividade e a excessiva competitividade, visando complementar o processo formativo da pessoa para o exercício da cidadania e a prática do lazer;

b) desporto de participação, de modo voluntário, que compreende as modalidades desportivas praticadas com o objetivo de contribuir para a integração dos participantes na vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente;

c) desporto de rendimento, praticado a partir dos dispositivos da Lei Pelé e regras da prática desportiva, nacionais e internacionais, visando obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações, e;

d) desporto de formação que se caracteriza pelo fomento e aquisição inicial dos conhecimentos desportivos que garanta competência técnica na intervenção desportiva, com o intuito de promover o aperfeiçoamento qualitativo e quantitativo da prática desportiva em termos recreativos, competitivos ou de alta competição.”

Assim, verifica-se que apesar de a Lei consagrar diversas manifestações do desporto, conceituando-as, o legislador preocupou-se com o desporto de rendimento.

Importa dizer que a norma mais relevante do desporto nacional se preocupa com os atletas já formados e não com a formação de pessoas a partir da prática esportiva e que pode gerar atletas profissionais.

A Lei cria o Sistema Nacional do Desporto com funções e competências de órgãos fiscalizadores da atividade esportiva, das federações e associações esportivas.

A Lei Pelé trata da prática desportiva profissional, prevendo a liberdade de atletas e entidades de práticas esportivas para organizar a atividade profissional, considerando como competição profissional aquela promovida para obtenção de renda e disputada por atletas profissionais, cuja renda decorra de contrato de trabalho esportivo.

Também foi previsto o modo de contratação dos atletas, as condições de contratação e a possibilidade de rescisão contratual, com especial atenção a legislação de proteção ao trabalhador/atleta.

Na mesma Lei 9651/98 também foi criado o Tribunal de Justiça Desportiva, num viés mais atualizado com relação as infrações bem assim a forma de intervenção desta justiça nas demandas de natureza esportiva, inclusive com os ritos processuais.

Mais uma vez, destaca-se na legislação sua aplicação tão somente à prática esportiva profissional, o que vai de colide com o caráter holístico dado pelo Constituinte. Possivelmente por questões de pressões de setores organizados da sociedade, uma série de dispositivos, portanto, onde a única preocupação do legislador foi em tratar do esporte no campo profissional.

Verifica-se assim a omissão na Política Pública criada para o esporte, haja vista somente tratar do esporte profissional, sem cuidar de temas como a inclusão pelo esporte, da educação e esporte e da melhoria da saúde por meio do esporte.

Coube, de modo transversal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, 9394/96, trazer em seu art. 35-A, acrescido pela 13.415/17 a previsão de que a Base Nacional Comum Curricular referente ao ensino médio tem como obrigação conter estudos e práticas da educação física, além da arte, sociologia e filosofia.

Convém ressaltar que mesmo com o advento da realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, do qual a nação tomou conhecimento em 2 de outubro de 2009, somente um ano após a realização das Olimpíadas e Paraolimpíadas é que foi estabelecido a obrigatoriedade de que a Base Nacional Comum Curricular teria que prever o estudo e a prática da educação física.

Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90, prevê em seu art. 59 o fomento da prática esportiva como obrigação do Poder Público: “Os municípios, com apoio dos estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude”, haja vista que o caput do art. 53 do mesmo diploma legal prevê que a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa e, como dito acima, a prática esportiva perpassa por esse pleno desenvolvimento.

Vale dizer, que a base para a cultura do esporte advém do processo formativo da pessoa, conforme está previsto desde 1998 na Lei Pelé, em seu art. 2º, inciso VIII, quando prevê que é um dos Princípios do desporto a educação, voltada para o desenvolvimento integral do homem como ser autônomo e participante, e fomentado por meio da prioridade dos recursos públicos ao desporto educacional.

A prática do esporte fomenta o companheirismo, o “jogo limpo” (fair-play) e o espírito de equipe, elementos que ajudam a criança e o adolescente a desenvolverem um modelo baseado no altruísmo e a ter um pensamento voltado para mais para a alteridade e menos para o ego.

Lamentavelmente, não parece existir sinergia entras as bases legais destinadas à promoção da atividade esportiva no país, inclusive aquela destinada ao esporte de alto desempenho, muito menos em relação entre Esporte e Educação.

O programa “Brasil no Esporte de Alto Rendimento” foi proposto em 2003 a partir da elaboração do Plano Plurianual (PPA) a “Brasil de Todos: participação e inclusão” (2004-2007).

Destinado a atletas de diversas modalidades esportivas de alto rendimento, seu objetivo inicialmente era o de aprimorar o desempenho de atletas brasileiros e promover a imagem do país no exterior. A partir de 2008, com a implementação do PPA “Desenvolvimento com Inclusão Social e Educação de Qualidade” (2008-2011), o programa passou a se denominar “Brasil no Esporte de Alto Rendimento – Brasil Campeão”. As principais metas do programa são a melhoria do desempenho de atletas brasileiros, a promoção da imagem do país no exterior, e a democratização do acesso ao esporte de alto rendimento.

Em 2008, inspirado nas experiências de países como Alemanha, China, Rússia, França e Itália, que possuem programas semelhantes, o Brasil inaugurou o Centro de Alto Rendimento das Forças Armadas.

Atletas foram selecionados com base em seus currículos e resultados esportivos, e receberam formação militar, entretanto, com foco total na dedicação ao esporte, com exclusividade.

A iniciativa consumiu aproximadamente 18 milhões de reais por ano, entre eventos esportivos, equipamentos e salários, abarcou diversas modalidades, em que os soldados se destacam mais do que os atletas civis, dentre elas natação, tiro com arco, boxe e atletismo.

Há equipes, como a do judô, compostas exclusivamente por militares. A seleção feminina é toda da Marinha brasileira, e a dos homens é do Exército. O objetivo do Ministério da Defesa foi exitosa, com a classificação de mais de 100 militares para os jogos olímpicos, e a conquista de 10 medalhas.

Dentre outras iniciativas ligadas a área do esporte, não se pode perder de vista também o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15) que estabelece que a pessoa portadora de deficiência tem direito ao esporte, devendo o Estado assegurar a participação da pessoa com deficiência em jogos e atividades recreativas, esportivas, de lazer, inclusive no sistema escolar, em igualdade de condições com as demais pessoas.

A inclusão do portador de necessidade especial por meio do esporte possibilita a redução da discriminação, possibilidade de geração de trabalho e renda e autoafirmação da pessoa. Lamentavelmente, a norma ainda carece de efetividade, não prevendo ou determinando os meios para se assegurar o direito nela preconizado à pessoa portadora de deficiência.

Tem-se ainda os Jogos Indígenas com modalidades próprias, que ocorrem desde 1996, e servem como meio de integração entre as mais variadas tribos indígenas do país, através da prática de esportes como corrida com toras, arco e flecha, canoísmo, cabo de guerra dentre outras, reconhecida e promovida pela Funai – Fundação Nacional do Índio, em face do quanto previsto no inciso IV do art. 217, da Carta Magna Brasileira, também se configura como relevante para o reconhecimento da cultura indígena brasileira. Obviamente, que também no caso dos Jogos Indígenas o apoio estatal ainda é muito tímido.

Conclusão

No Brasil, o esporte possui uma política pública calçada numa legislação não integrativa, isto é, linhas de programas esparsas, sem sinergia entre muitas das iniciativas, e principalmente, com participação insuficiente ao capital, a quem, historicamente se atribuiu a responsabilidade pelo avanço do esporte nacional.

Não se pode perder de vista que, muito embora tratando-se de uma política pública estrutural, universal e redistributiva, conforme classificação de Teixeira (2002), a política pública passa longe de atingir seus objetivos ante as deficiências estruturais, ínsita a ela.

A Política Pública do Desporto precisa ser transversal às Políticas Públicas relacionadas à Educação, Saúde, àquelas atinentes à Inclusão de portadores de necessidades especiais, a reforma e recuperação do jovem transgressor, dentre outras.

As Leis Pelé e Zico trouxeram excessiva preocupação com o esporte de alto rendimento, com foco maior no futebol profissional. Assim, o legislador esqueceu de cuidar da prática esportiva como relevante para o processo formativo da pessoa, bem como na melhora dos indicadores da saúde.

O Brasil, em que pese ter sido signatário da Carta Internacional da Educação Física, da Atividade Física e do Esporte, proclamada pela Conferência Geral da UNESCO, tem uma Política Pública para o Desporto muito aquém do que se propôs ao firmar tal documento. Mesmo o País tendo sediado os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, não conseguiu conferir ao esporte a importância que possui em países em desenvolvimento para afirmação da nação, inclusão social e melhoria da qualidade de saúde, de vida e da educação das pessoas.

As experiências mundo afora, não apenas das nações tidas como vencedoras nas competições, mas, especialmente nas nações com melhor índice sociais, apontam em direção à necessidade da integração racional entre a educação esportiva e a busca do alto rendimento.

No Brasil, as seguidas legislações relacionadas aos esportes, tendem a perseguir a obtenção de resultados em nível internacional, com a alocação de esforços majoritariamente em favor do esporte de alto rendimento (Pró-EAR) em detrimento do esporte participativo e educacional (Pró-EPE).

Essa dicotomia precisa ser enfrentada, num processo de autoconhecimento cultural e histórico que perpassa pela formação da cidadania, isto é, a incorporação de valores sociais quais, por certo precedem a busca por resultados esportivos pura e simples.

A absorção de uma cultura em esporte participativo e educacional (Pró-EPE) tende a promover um colchão social capaz de catapultar o surgimento de novos atletas de alto rendimento, sem, entretanto, afetar aquilo que a maioria absoluta da sociedade pode mais se beneficiar de uma cultura esportiva. Precisamos de mais cidadãos saudáveis culturalmente e fisicamente do que de medalhistas olímpicos.

 

Referências:
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VAMPLEW, Wray. História do esporte no cenário internacional: visão geral. Revista Tempo. Rio de Janeiro, v. 19, n. 34, p. 5-17, 2013.

Informações Sobre os Autores

Mhércio Cerqueira Monteiro

Bacharel em Direito, Advogado, Especialista em Gestão Governamental e Gestão Prisional e Mestrando em Direito, Governança e Políticas Públicas da Universidade Salvador – UNIFACS.

Jose Augusto Gomes Cruz

Bacharel em Direito, Advogado, Especialista em Políticas e Estratégias pela UNEB e Mestrando em Direito, Governança e Políticas Públicas da Universidade Salvador – UNIFACS


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