A obrigatoriedade da contribuição do aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social que permanece ou retorna ao mercado de trabalho

Resumo: O presente artigo objetiva identificar dispositivos na Constituição Federal, no Estatuto do Idoso, e demais normativos, que amparam o aposentado. Restringe-se ao aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social que permaneceu ou retornou ao mercado de trabalho. Com esse enfoque, identificou-se uma gama de dispositivos insertos na Carta Magna, de suma importância para as garantias constitucionais do cidadão.  No artigo 5º, prescreve que: “todos são iguais perante a lei”. No título Da Ordem Social, ressalta-se a primazia do trabalho, objetivando o bem-estar e a justiça social.   O Estatuto do Idoso assegura que todas as pessoas com 60 anos ou mais gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, com proteção integral por lei ou por outros meios.  Mesmo assim, o aposentado que retorna ao mercado de trabalho está obrigado a contribuir para a previdência social em um sistema contributivo e retributivo, sem retorno compatível, em claro confronto à igualdade de todos perante a lei.  Salienta-se que, em passado recente, o aposentado foi isentado da contribuição, e tinha garantida a devolução do que havia vertido ao sistema, devidamente corrigido. Hoje resta apenas a obrigatoriedade da contribuição.  É de fundamental importância uma reflexão sobre o tema.

Palavras-chave: Constituição Federal. Leis Infraconstitucionais. Aposentado. Contribuição Previdenciária. Retorno ao Mercado de Trabalho.

Abstract: The present article aims to identify guidelines in the Federal Constitution, in the Statute of   the eiderly, and other normatives, that support the retired person. It is restricted to the general Social security system retired person who has remained or returned to the labour market. With this focus, a range of guidelines of paramount importance to the constitucional guarantees of the citizen was identified inserted in the Magna Carta. In article 5, it prescribes that “everyone is equal before the Law”. In the title of the social order, the primacy of the work  is emphasized, aiming at the welfare and social justice.The statute of the elderly ensures that all persons with 60 years or more enjoy all the fundamental rights inherent to the human person, with integral protection by law or by   other means. Even so, the retired  person who returnes to the labour market is obliged to contribute to social security in a contributing and retributive system, with no return compatible, in a clear confrontation with the equality of all before the law. It is noted that, in recent past, the retired person was exempted from the tax, and had guaranteed the return of what had been contributed to the system, duly corrected. Today there is only the obligation to contribute. It is of fundamental importance to reflect on the subject.

Keywords: Federal Constitution. Infra Laws. Retired.  Social Security Contribution. Return to the Labour Market.

Sumário: 1.Introdução. 2. Legislação e doutrina. 2.1. Garantias constitucionais. 2.2. Alterações legislativas com reflexos negativos para o aposentado. 2.3 Direito dos aposentados e direitos sociais.  Conclusão.

1 Introdução

O presente artigo tem, como proposição, demonstrar na legislação pátria, comandos normativos que possam assegurar os direitos e as garantias fundamentais, com enfoque exclusivo nos direitos do aposentado do Regime Geral de Previdência Social, que permanece ou retorna ao mercado de trabalho, e está obrigado a contribuir para a Previdência Social, em idênticas condições com os demais segurados, porém com retorno inócuo. Vale lembrar que os benefícios previstos, em contrapartida, também são assegurados aos demais cidadãos aposentados, independentemente de continuar contribuindo ou não com a previdência social.

Buscaram-se na Carta Magna, dispositivos constitucionais que protegem o cidadão, onde se destaca o mais importante, e que está contido no artigo 5º, onde assegura que “todos são iguais perante a lei”.  Em todo contexto da Constituição identificaram-se diversos artigos, dentre eles, notadamente aqueles que asseguram os direitos e garantias fundamentais, cuja menção faz-se necessária por sua importância e aplicação ao tema em estudo, que, em sua essência, trata da dignidade da pessoa humana. Na categoria de direitos sociais, o artigo 6º abrange: saúde, educação, alimentação, previdência social, segurança, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados. Com destinação específica para saúde, previdência e assistência social, deu-se enfoque ao que prescreve o artigo 194. Na ordem social especificamente, destaca-se a primazia que é dada ao trabalho, objetivando o bem-estar e a justiça social, que devem ser traduzidas em direitos inafastáveis para quem trabalha e produz, disposição esta presente no artigo 193.

Procurou-se também discorrer sobre as fontes de custeio e benefícios, com enfoque para o aposentado da ativa, registrando-se, por conseguinte, o dever do Poder Público em observar a equidade na forma desse custeio. No que concerne aos benefícios a que faz jus o aposentado que volta a laborar, ou permanece no mercado de trabalho, mencionam-se as alterações ocorridas nas Leis 8.212/91 e 8.213/91, Lei de Custeio e Lei de Benefícios respectivamente, que foram inicialmente benéficas, pois o isentou de contribuição, e garantiu a devolução dos valores vertidos ao sistema.  No período de um ano, novas alterações ocorreram, obrigando o aposentado a voltar a contribuir, e cancelando a devolução do que já havia sido pago. Com isso, retorna o aposentado à condição de contribuinte, porém com retribuição ínfima.

O Estatuto do Idoso foi também objeto de registro, onde se destacam os direitos fundamentais que lhe são assegurados.

2  Legislação e Doutrina

2.1  Garantias Constitucionais

Com a promulgação, em 25 de outubro de 1988, da Constituição da República Federativa do Brasil, os direitos sociais foram alçados à categoria de Direitos e Garantias Fundamentais, com criação ainda de capítulo específico: DOS DIREITOS SOCIAIS.

No artigo 194 da Constituição, está contido: “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e a assistência social”.

Nessa esteira a Carta Magna em seu artigo 5º assim estabelece:

“Todos são iguais perante a lei garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes […]”.

2.2-Alterações Legislativas com reflexos negativos para o aposentado            

O tratamento previdenciário, no que concerne à contribuição versus retribuição que foi dispensada ao aposentado que permanece ou retorna ao mercado de trabalho, sofreu várias intervenções após o advento das leis 8212/91, Lei de Custeio, e a 8213/91, Lei de Benefícios, ambas de 24.07.1991.

Em 15.04.1994, foi sancionada a Lei 8.870, que trouxe avanços e benefícios para o aposentado que permanecia ou retornava à ativa. No seu artigo 24, prescrevia:

“Art. 24. O aposentado por idade ou por tempo de serviço pelo Regime Geral da Previdência Social que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida pelo mesmo, fica isento da contribuição a que se refere o artigo 20 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.”

“Parágrafo único. O segurado de que trata o caput deste artigo que vinha contribuindo até a data da vigência desta lei receberá, em pagamento único, o valor correspondente à soma das importâncias relativas às suas contribuições, remuneradas de acordo com o Índice de Remuneração Básica dos Depósitos de Poupança com data de aniversário do primeiro dia, quando do afastamento da atividade que atualmente exerce.”

Em 28.04.1995 com a edição da Lei 9.032, ocorreu nova alteração na Lei 8.212/91 em seu artigo 12, parágrafo 4º, ficando com o seguinte teor:

“‘Art.12. § 4º O aposentado pelo Regime Geral da Previdência Social – RGPS que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida por este Regime é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando sujeito às contribuições de que trata esta Lei, para fins de custeio da Seguridade Social.”

Em 20.11.1995, através da Lei 9.129, art. 4º nova alteração foi introduzida na Lei 8.212/91, desta feita cancelando o pecúlio, ficando o art. 89 com a seguinte redação: “Somente poderá ser restituída ou compensada contribuição para seguridade social arrecadada pelo Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, na hipótese de pagamento ou recolhimento indevido”.

Conforme se depreende de todas as alterações ocorridas, o aposentado que retorna ao mercado de trabalho se depara com várias mudanças verificadas em curto espaço de tempo, culminando com o cancelamento da isenção, o cancelamento do pecúlio, e a obrigatoriedade de continuar contribuindo em condições idênticas aos demais segurados, porém com retribuição inócua.

2.3 Direito dos Aposentados e Direitos Sociais

No confronto da realidade dos benefícios auferidos pelo aposentado que permanece ou retorna ao mercado de trabalho, e o texto constitucional inicialmente citado, observa-se um flagrante desrespeito e afronta à norma ali contida, tornando o aposentado um desigual perante a lei.

No capítulo II da mesma Carta Magna, com o título: DOS DIREITOS SOCIAIS, o artigo 6º elenca os referidos direitos sociais, assim descritos:

“São direitos sociais, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma dessa constituição”.

Os direitos sociais previstos no texto constitucional precedente quando comparados com os benefícios  a que faz jus o aposentado, objeto do presente estudo, mostra claramente que a cobertura ali prevista está longe de ser alcançada, porquanto o aposentado quando retorna ou permanece no mercado de trabalho, o faz precipuamente para complementar sua renda. A sua contribuição para a previdência social, nos mesmos moldes dos demais trabalhadores, é um desestímulo quando são confrontados com os benefícios previstos na retribuição. Assim o direito ao trabalho e seus frutos, mesmo já em uma segunda fase da vida, não atende aos preceitos da norma posta.

Da essência dos artigos citados, e dos locais onde foram inseridos tem-se a exata dimensão da sua importância em todo contexto da Constituição Federal.

 MARMELSTEIN  (2011, p. 20) formulou a seguinte definição para os direitos fundamentais:

“Os direitos fundamentais são normas jurídicas, intimamente ligadas à ideia de dignidade da pessoa humana e de limitação do poder, positivadas no plano constitucional de determinado Estado Democrático de Direito, que, por sua importância axiológica, fundamentam e legitimam todo ordenamento jurídico”.

Ainda reportando-se à Carta da República, no título DA ORDEM SOCIAL, encontra-se o artigo 193, que, em sua singeleza, expressa a profundidade e alcance mandamental, quando assim prescreve: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem estar e a justiça sociais”.

Aprofundando o estudo na Carta Magna, vários outros artigos estabelecem dentre outras condições a forma de custeio, e o artigo 195 assim prescreve:

“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda sociedade, de forma direta e indireta nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I- do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada; II- do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedida pelo regime geral de previdência de que trata o artigo 201; […]”.

Ainda mencionando a Constituição Federal de 1988, o artigo 201, em seu parágrafo 11, estabelece que: “Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei”.

Conforme se depreende da inteligência dos artigos citados, a Constituição Federal traz em seu bojo todo o amparo necessário à proteção ampla e irrestrita ao cidadão, e a observância aos princípios dos direitos humanos, mais precisamente da dignidade da pessoa humana. Descreve também de onde provêm os recursos para a seguridade social, e quem são os atores tanto do custeio como dos benefícios. Ressalta ainda que: “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem estar e a justiça social”.

Depara-se agora com uma categoria de contribuintes que deveria estar contemplada em toda sua plenitude, e em igualdade de condições com os demais contribuintes. Entretanto, inexiste esta isonomia. Trata-se do aposentado que permanece ou retorna ao mercado de trabalho. Para estes, a contribuição também é obrigatória, na forma do artigo 12, parágrafo 4º, da lei 8212/91, e em idênticas condições com outros segurados. Porém, os benefícios auferidos em retribuição a essas contribuições são irreais e desproporcionais ao que se verte para o sistema. A retribuição na forma de salário-família e reabilitação profissional para o segurado que normalmente já ultrapassou a idade de 60 anos é um acinte. Veda inclusive qualquer outro benefício, como auxílio-doença, acidente de trabalho, e até invalidez. Dessa forma questiona-se: em quais circunstâncias surgirá a oportunidade de se usufruir do salário-família? Em uma adoção? Sabe-se que as regras para a adoção são rígidas, e que pessoas com mais de 50 anos de idade enfrentam sérios obstáculos, às vezes intransponíveis, tendo inclusive que recorrer ao Poder Judiciário para conseguir adotar uma criança. Quanto a usufruir dos benefícios da reabilitação são circunstâncias que se nivelam ao benefício do salário-família, porquanto são de difícil concretude, tornando-os quase inúteis, como também infinitamente desproporcionais àqueles valores que se vertem para o sistema.

O artigo 201 da Carta Magna determina que todos os ganhos habituais do empregado sejam incorporados tanto para as contribuições como para os benefícios, na forma da lei. Esta afirmativa remete ao artigo 3º, que assim prescreve: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasi: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária” e inciso IV que diz: “ promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de descriminação”.

Reportando-se à essência do dispositivo contido nos artigos 194, inciso V, e 195, parágrafo 5º, todos da Carta Magna, o Poder Público deverá ter, como objetivo, na organização da Seguridade Social, a observância “da equidade na forma de participação no custeio”.

Quando a Carta da República prescreve que devem ser adotados princípios de equidade na participação do custeio, intrinsecamente aí está também determinada a obrigação de contribuir como também que a contribuição seja justa.

Conforme o Novo Dicionário da Língua Portuguesa (FERREIRA, 198), equidade é: “o conjunto de princípios imutáveis de justiça que induzem o juiz a um critério de moderação e de igualdade, ainda que em detrimento do direito objetivo”.

Na sequência, no artigo 195, parágrafo 5º, estabelece que “nenhum benefício poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio”.

Na conjunção da inteligência dos artigos acima mencionados, tem-se que a equidade é um princípio inafastável na participação do custeio, e observa-se que na contribuição do aposentado configura-se um custeio sem o correspondente e compatível benefício, contrariando o disposto no artigo 201, parágrafo 11, da Constituição, que determina que os ganhos habituais devam ser incorporados para efeito de contribuição e repercussão em benefícios.

Portanto, criar uma despesa se o sistema é contributivo e retributivo, e não se ter a retribuição equânime, deixa presentes aspectos confiscatórios. Nesse propósito, Sampaio Dória assim se manifesta: “quando o estado toma de um indivíduo ou de uma classe além do que lhes dá em troco verifica-se o desvirtuamento do imposto em confisco”.

Na constância do que prescreve a Constituição Federal no artigo 201, tem-se presente que “ganhos habituais a qualquer título” deverão obrigatoriamente ser incorporados ao salário e sobre este incidirá a contribuição para a previdência. A norma é claríssima e não deixa qualquer dúvida. Na segunda parte do parágrafo, também está presente o caráter mandamental da norma, que assim determina: “e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei”.  Em consequência, a parte que se refere a verter para o sistema previdenciário a contribuição do trabalhador é tratada de forma sistemática, e a sua não observância acarreta as cominações legais, que, às vezes, aproxima-se de absurdo punitivo, beirando ao confisco.

De forma oposta, quando se trata de retribuir ao segurado aquilo que lhe é devido, considerando o seu desembolso para o sistema previdenciário, não se encontra respaldo em nenhuma esfera, tanto legislativa como judiciária. Dessa forma, distancia-se da equidade a participação no custeio, porquanto a contribuição deixa de ser justa, uma vez que as obrigações são idênticas para todos os segurados, mas o retorno e os direitos são diferenciados para o aposentado que retorna ao mercado de trabalho.

Em todo o contexto do sistema previdenciário nacional, existem inúmeras situações em que o tratamento diferenciado está presente, mas, de forma benéfica, contemplando tanto pessoas jurídicas, como pessoas físicas. Exemplificando, têm-se alíquotas de 8, 9 e 11 por cento para pessoas físicas fundamentadas no montante de remuneração auferida. Para pessoas jurídicas existem outros parâmetros, como atividade econômica desenvolvida, ou ainda segundo Ibrahim, (2012, p.115) “devido ao porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho”.

Considerando os aspectos citados, e ainda os normativos que regulamentam a diferenciação de alíquotas, e também da base de cálculo, não se vislumbra ferimento aos textos legais, notadamente à Carta Magna, se, para o aposentado que retorna ao mercado ou nele permanece, fosse objetivado contribuir  em percentual compatível com a retribuição recebida, ou se, se adequasse o seu benefício aos valores vertidos para o sistema. Em assim procedendo, não haveria, em hipótese alguma, desequilíbrio financeiro e atuarial nas contas da previdência. E ainda poder-se-ia também criar um incentivo para as empresas que propiciassem a contratação de aposentados, isso considerando a condição estrutural do mercado com a inserção de pessoas nesta condição. Os ganhos aí auferidos seriam incalculáveis porque haveria a integração de um segmento mais experiente e vivido com outro ainda em inicio de carreira, e, o mais importante o retorno ao convívio social produtivo, com a retomada da autoestima.

Com isso também se atenderia a outro preceito constitucional que é a importância do trabalho, do bem-estar e da justiça social, o que remete ao pleno atendimento ao principio da dignidade da pessoa humana. Assim sendo, por que onerar quem retorna ao mercado de trabalho, após já longa jornada de labor, e ainda se dispõe a contribuir para o engrandecimento da nação? Ademais, o modelo atual concretiza um processo discriminatório, desconsiderando o caráter isonômico que deve prevalecer nas relações trabalhistas e previdenciárias, e ainda fere profundamente o texto da Carta da República que diz: “todos são iguais perante a lei”.

Ainda considerando o caráter isonômico que deveria existir entre contribuintes iguais, e que resultasse em benefícios iguais, para o aposentado que retorna ao mercado de trabalho, e que geralmente já conta com 60 anos ou mais de idade, existem ainda outras condicionantes retratadas no Estatuto do Idoso, que reforçam a ideia de um tratamento não diferenciado, porém equânime e justo.

O Estatuto do Idoso, em seu artigo 2º, assim estabelece:

”O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata essa Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”.

Este artigo já particulariza disposições, que, apesar de constarem da Carta Magna, têm abrangência geral. Assim, dito artigo traz, de forma detalhada, todas as garantias que a legislação prescreve para as pessoas com 60 anos de idade ou mais. Observa-se a preocupação do legislador em detalhar essas garantias.

Também no artigo 3º do mesmo estatuto, são elencadas outras garantias, a saber:

“É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade ao respeito e à convivência familiar e comunitária”.

Diante das garantias constitucionais e infraconstitucionais que são direcionadas para o cidadão, e em particular para o idoso, enfrenta-se uma contradição e um contrassenso no seio dos próprios normativos da legislação pátria, quando se torna obrigatório que o aposentado que permanece ou retorna ao mercado de trabalho continue contribuindo para a previdência social, e tenha tratamento extremamente diferenciado em relação aos demais contribuintes. Inicialmente porque está obrigado a contribuir de forma idêntica aos demais segurados, aos quais são concedidas todas as garantias previstas no sistema. Entretanto, com relação ao aposentado, os benefícios são restritos à reabilitação e salário-família. Quanto à reabilitação este é um beneficio que se estende a todo cidadão, independente de ser ou não segurado da Previdência Social, isto através do Sistema Único de Saúde – SUS. Esta ampla garantia está prevista na Constituição da República no seu artigo 196, que assim prescreve:

“Art.196 A saúde é direito de todos e dever do estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Dessa forma, deixa de ser um benefício previdenciário, para se transformar em benefício assistencial, que alcança a todos indistintamente.

O outro benefício assegurado ao aposentado que retorna ao mercado de trabalho, que é o salário-família, somente em circunstâncias de extrema excepcionalidade poderá ser usufruído pelo segurado, notadamente considerando a sua idade avançada, o que dificulta uma possível adoção, ou ainda, ter filhos com até 14 anos, que é o limite de idade para usufruir do benefício restando apenas a possibilidade de ter um filho inválido. Ainda vale ressaltar que o valor do benefício é irrisório, alcançando atualmente o mínimo de R$ 31,07, e o máximo de R$ 44,09, por filho ou equiparado sendo que, para qualquer situação, o segurado tem que ser ainda de baixa renda.

As condicionantes previstas para fazer jus ao salário-família estão contidas no artigo 65 da Lei 8.213/1991, no seu caput e parágrafo único, que assim estabelece:

“Art. 65. O salário-família será devido, mensalmente, ao segurado empregado, inclusive o doméstico, e ao segurado trabalhador avulso, na proporção do respectivo número de filhos ou equiparados nos termos do § 2º do art. 16 desta Lei, observado o disposto no art.66”.

“Parágrafo Único. O aposentado por invalidez ou por idade e os demais aposentados com sessenta cinco anos ou mais de idade, se do sexo masculino, ou sessenta anos ou mais, se do feminino, terão direito ao salário-família, pago juntamente com a aposentadoria”.

Conforme se depreende do artigo mencionado, mais precisamente no seu parágrafo único, outros aposentados também fazem jus ao salário-família, independente de ter permanecido ou retornado ao mercado de trabalho, e de estar contribuindo para a previdência social.

Ainda sobre o salário-família, a Lei 8.213/1991, em seu artigo 16, estabelece:

“Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependente do segurado: parágrafo 2º O enteado e o menor tutelado equiparam-se  a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica”.

Na tentativa de minimizar as consequências negativas do tratamento dispensado ao aposentado ainda ativo, foi estendido à segurada o seguinte benefício: Art.103 do Decreto 3048/1999 “A segurada aposentada que retornar à atividade fará jus ao pagamento de salário-maternidade, de acordo com o disposto no artigo 93”.

Então vejamos, em que circunstâncias uma segurada aposentada poderá gerar um filho? Com que idade começou a laborar e contribuir para a previdência?  E com que idade se aposentou? São questões que não encontram respostas plausíveis para justificar um benefício previdenciário, que dificilmente irá ocorrer. Vai restar uma adoção. Mas para isso a idade também é requisito essencial.

Consequentemente, os benefícios gerados pela contribuição do aposentado que continua na ativa são nulos. Com isso, o entendimento de Sampaio Dórea quando preleciona que: “quando o Estado toma de um indivíduo ou de uma classe além do que lhes dá em troca, verifica-se o desvirtuamento do imposto em confisco”, está de forma inquestionável relacionado também com as contribuições do aposentado e a contrapartida oferecida pela previdência social.

Para GOLDSCHMID  (2003, p. 45) o conceito de confisco assim se traduz:

“É o ato de apreender a propriedade em prol do fisco sem que seja oferecida ao prejudicado qualquer compensação em troca. Por isso, confisco apresenta o caráter de penalização resultante da prática de algum ato contrário à lei”.

Trazendo esse entendimento para o tema contribuição versus retribuição no contexto da Previdência Social, tem-se presente um procedimento que se assemelha ao confisco, porque retira do patrimônio do segurado uma parcela em forma de contribuição previdenciária, e nada oferece em troca, porquanto os benefícios gerados com a dita contribuição estão disponíveis, como já relatado, para qualquer aposentado, independente de estar contribuindo ou não para a previdência social, bastando apenas que preencha os seguintes , ou seja, 65 anos ou mais de idade, se do sexo masculino, ou 60 ou mais, se do sexo feminino.

Acrescente-se ainda que a Seguridade Social, mais precisamente, a Previdência Social, é um sistema de seguro com caráter vinculativo obrigatório. Basta auferir rendimentos para que seja configurado o fato gerador, tornando o contribuinte segurado obrigatório. Para o aposentado essa contribuição não lhe assegura um benefício análogo à cobertura de um seguro contratado na forma tradicional, ou através de um sistema de previdência privada, que acima de tudo sua adesão é voluntária, diferentemente da previdência oficial.

 Conclusão

Comandos normativos, tanto na esfera constitucional como infraconstitucional, revelam a existência de preceitos que claramente desautorizam o tratamento diferenciado entre os cidadãos. Dentre eles, ressalta-se o mais importante, e que é um Direito Fundamental que diz: “todos são iguais perante a lei”. No âmbito da Seguridade Social, mais precisamente da Previdência Social, tal assertiva deveria também se fazer presente. Porém, existem conflitos normativos internos, cuja prevalência recai de forma negativa sobre os aposentados, que permanecem ou retornam ao mercado de trabalho. Estes são obrigados a contribuir para a Previdência Social sem retribuição compatível com o que vertem para o sistema. Assim, tal contribuição configura-se injusta, e traz em sua essência forte tendência confiscatória. 

Dessa forma, para que se faça justiça; para que se permita de maneira digna a reinserção do aposentado no mercado de trabalho; para que se preserve ou restabeleça a autoestima; para que o princípio da dignidade da pessoa humana não se transforme em uma simples retórica; e, por fim, para que se cumpram os comandos constitucionais em um dos seus capítulos mais importantes, que são os Direitos e Garantias Fundamentais, é necessária uma reflexão sobre o tema, que possibilite adequar a contribuição à retribuição de forma justa e equânime.

 

Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: Disponível em:  www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 23 nov. 2017 às 19h.
_______Estatuto do Idoso: Lei 10.741 de 01 de outubro de 2003. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.741. htm. Acesso em: 23 nov. 2017 às 17h.
______. Plano de Custeio: Lei 8.212 de 24 de julho de 1991. Disponível em:  www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8212const.htm. Acesso em: 23 nov.2017 às 18h.
______. Plano de Benefício: Lei 8.213 de 24 de julho de 1991. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/L8213cons.htm. Acesso em:23 nov.2017 às 17h.
________Lei 8.870 de 15 de abril de 1994. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil/03_/leis/L8870.htm. Acesso em 23 nov.2017 às 13h.
________Lei 9.032 de 28 de abril de 1995. Disponível em: www.planalto.gov.br/ ccivil 03/leisL9032.htm. Acesso em: 23 nov. 2017 às 18h.
________Lei 9.129 de 20 de novembro de 1995. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9129.htm.  Acesso em: 23 nov. 2017 às 18h.
_______ Regulamento da Previdência Social: Decreto 3048 de 06 de maio de 1999. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3048.htm. Acesso em: 29 nov. 2017 às 12h.
DOREA, Antonio R.S. Direito Constitucional Tributário e “due processo of law” 2ª ed. Rio de Janeiro.www.ambitojuridico.com.br/site/índex.php? n_link = revista_ artigo_ leitura&artigo_id = 1394. Acesso em 24 jun.2017 às 8h.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário de Língua Portuguesa. 2ª ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986.
GOLDSCHMIDT, Fábio Brun. O Princípio do não Confisco no Direito Tributário. São Paulo: Editora RT, 2003.
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 17ª ed. rev. atual.  Niteroi-RJ: ed.Ímpetus, 2012.
MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais.  3ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2011.

Informações Sobre os Autores

Daniel Rodrigues

Advogado graduado pela Faculdade 2 de Julho em Salvador Bahia pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Católica de Salvador pós-graduando em Direito Previdenciário pela Faculdade Legale -São Paulo

Carlos Alberto Vieira de Gouveia

Carlos Alberto Vieira de Gouveia é Mestre em Ciências Ambientais e Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais; Vice-Presidente para a área Previdenciária da Comissão Direitos e Prerrogativas e Presidente da Comissão de Direito Previdenciário ambas da OAB-SP Coordenador do curso de pós-graduação em Direito Previdenciário da Faculdade Legale


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