Tratados de não proliferação de armas nucleares e uso pacífico da energia atômica

Resumo: O presente trabalho se propõe à análise dos seguintes tratados: Tratado para a Proibição de Armas Nucleares na América Latina e no Caribe – Tratado De Tlatelolco, Tratado de Não Proliferação – TNP e Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares – CTBT, buscando entender o potencial destes acordos internacionais diante de crises nucleares incipientes, protagonizadas principalmente por Coréia do Norte, Irã, Paquistão e Índia. Ainda, será discutido o uso pacífico da energia atômica. Para cumprir estes propósitos, foram analisados dados históricos, artigos científicos e dissertações sobre o tema, especialmente as obras de Paulo S. Wrobel, Emerson Santiago, Maria Feliciana Nunes Ortigão de Sampaio, Tarsila Reis de Medeiros e Eliezer de Moura Cardoso.

Palavras-chave: Tratados de Não Proliferação Nuclear. Potências Nucleares. Países não-nucleares. Uso pacífico da energia atômica.

Abstract: The present work intends to analyze the following treaties: the Tlatelolco Treaty, the Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons and Comprehensive Nuclear-Test-Ban Treaty (CTBT), trying to understand this Treaties potentials in front of the nuclear crises that we are facing, mostly with North Corea, Iran, Pakistan and India. The peaceful use of atomic energy will be also discussed. For this, historical data and scientific articles were analyzed, especially Paulo S. Wrobel, Emerson Santiago, Maria Feliciana Nunes Ortigão de Sampaio, Tarsila Reis de Medeiros e Eliezer de Moura Cardoso.

Key-words: Nuclear Nonproliferation Treaties. Nuclear Powers. Non-nuclear countries. Peaceful use of atomic energy.

Resumen: El presente trabajo se propone al análisis de los siguientes tratados: Tratado para la Prohibición de Armas Nucleares en América Latina y el Caribe – Tratado de Tlatelolco, Tratado de No Proliferación – TNP y Tratado de Prohibición Completa de Pruebas Nucleares – CTBT, buscando entender el potencial de estos acuerdos internacionales ante crisis nucleares incipientes, protagonizadas principalmente por Corea del Norte, Irán, Pakistán e India. También se discutirá el uso pacífico de la energía atómica. Para cumplir estes propósitos, se analizaron datos históricos y artículos científicos, especialmente las obras de Paulo S. Wrobel, Emerson Santiago, Maria Feliciana Nunes Ortigão de Sampaio, Tarsila Reis de Medeiros e Eliezer de Moura Cardoso.

Palabras clave: Tratados de No Proliferación Nuclear. Potencias Nucleares. Países no nucleares. Uso pacífico de la energía atómica.

Sumário: Introdução; 1. Tratados de Não Proliferação de Armas Nucleares; 1.1 Tratado Para a Proibição de Armas Nucleares na América Latina e no Caribe – Tratado De Tlatelolco; 1.2 Tratado De Não Proliferação De Armas Nucleares (TNP); 1.3 Tratado De Proibição Completa De Testes Nucleares; 2. Uso pacífico da energia atômica; 2.1 Acordo Nuclear Brasil-Alemanha: Acordo no campo dos usos pacíficos da energia nuclear; 2.2 Uso corriqueiro da energia atômica; Considerações Finais; Referências.

INTRODUÇÃO

Os tratados de não proliferação de armas nucleares, especialmente o Tratado de Não Proliferação (TNP) e o Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares (CTBT) têm enfrentado no cenário atual grande dificuldade de se manterem e se compatibilizarem com a nova ordem nuclear.

Os recentes testes realizados por Irã, Paquistão e Índia representam grande afronta a estes instrumentos internacionais. Ainda mais alarmante é o comportamento da Coréia do Norte, que insiste em realizar sucessivos testes e ensaios nucleares, os quais incluem, até mesmo, sobrevoos aos vizinhos Coréia do Sul e Japão.

Há especulações de que, diante dessa ameaça nuclear, países vizinhos à Coreia do Norte, nitidamente ameaçados, comecem a mover esforços para desenvolver seu próprio armamento nuclear. No Ocidente, os EUA fazem grande oposição aos testes e ensaios nucleares realizados por Kim Jong-un. De um lado, o antagonismo norte americano à política nucelar norte coreana representa contenção a um comportamento agressivo à ordem global por parte destes últimos. De outro lado, porém, o embate entre a maior potência nuclear e uma potência nuclear incipiente remonta à guerra de ameaças característica do período de Guerra Fria.

Diante deste quadro, cumpre averiguar como se desenvolveram as questões nucleares no contexto global, com destaque para os instrumentos internacionais mais relevantes de contenção à nuclearização bélica, especialmente considerando os que o Brasil é signatário. Ainda, é preciso analisar quais as consequências dessas novas ameaças nucleares para países que, como o Brasil, ingressaram no regime internacional de não-proliferação como Estado não-nucelar. 

Para sanar a presente indagação, realizar-se-á breve panorama discriminando o contexto de surgimento de alguns tratados de não proliferação nuclear. Assim, no primeiro tópico, denominado “Tratados de Não Proliferação de Armas Nucleares”, trataremos, em sub-tópicos, do Tratado de Tlatelolco, Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares e Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares, com o objetivo de identificar o potencial destes instrumentos diante da atual crise nuclear.

No segundo e último tópico trataremos do uso pacífico da energia atômica, discutindo, inicialmente, o Acordo entre Brasil e Alemanha, que culminou na construção de Angra I e Angra II e, posteriormente, abordar-se-á o uso corriqueiro da energia atômica, importante no campo da medicina, da indústria farmacêutica e da história. O objetivo é assimilar o potencial benéfico desta energia, por vezes associada exclusivamente à destruição.

1 TRATADOS DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES

A Segunda Guerra Mundial trouxe à tona a capacidade destrutiva de uma arma nuclear, ao chocar a humanidade com o resultado atroz de Hiroshima e Nagasaki. Com o fim da segunda grande guerra, experimentou-se uma bipolarização entre EUA e Rússia (posteriormente União Soviética), marcada por uma corrida armamentista, inclusive nuclear, sem precedentes.

Lentamente, porém, o mundo caminhou à percepção do potencial destrutivo das armas nucleares e, aos poucos, seguiu-se o desarmamento[1], ou ao menos uma expectativa neste sentido. Neste contexto, começam a surgir os primeiros tratados internacionais de não proliferação de armas nucelares, dentre os quais serão analisados o Tratado de Tlatelolco, Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares e Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares.

1.1 TRATADO PARA A PROIBIÇÃO DE ARMAS NUCLEARES NA AMÉRICA LATINA E NO CARIBETRATADO DE TLATELOLCO

Em fevereiro de 1967 foi aberto para adesões, na Cidade do México, um acordo que transformava a América – do México à Argentina, passando pelo Caribe – em uma Zona Livre de Armas Nucleares (ZLAN). Três fatores podem ser identificados como motivadores deste evento sem precedentes. O primeiro se refere à tradição diplomática latino-americana favorável a acordos multilaterais. O segundo, à existência do pacto de segurança coletiva com os Estados Unidos, formalizado pelo Tratado do Rio, em 1947, que dava a sensação de proteção da América Latina pelo “guarda-chuva” nuclear americano. O terceiro fator se relaciona à baixa quantidade de conflitos inter-regionais, no sentido de que a região estava geograficamente afastada das tensões daquela época, isto é, da Guerra Fria.

O estabelecimento de uma ZLAN na América Latina foi uma proposta brasileira, levada à Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro de 1962, inspirada na resolução da ONU que propôs a criação de uma ZLAN na África. A proposta, inicialmente, contou com a discordância de Washington. Entretanto, após a “crise dos mísseis” em Cuba, a capital estadunidense forneceu amplo apoio aos países latino-americanos[2].

Claramente, o apoio norte-americano não decorreu de ideologia antimilitarista daquele país, mas sim do temor de que a América Latina se somasse à Cuba em termos de política de Estado, o que se tornaria ainda mais perigoso se os países sul-americanos detivessem mísseis nucleares.

O processo diplomático para criação da ZLAN se estendeu por mais alguns anos, alcançando o período em que passou a vigorar no Brasil a Ditadura Militar. A partir deste momento, o país, que até então era o principal defensor das zonas livres, passou a impor uma série de condições para subscrição do Tratado[3]. Por óbvio, com a Ditadura Militar, voltou-se o olhar na militarização, e o ideal militar defendido pelos então governantes do país não combinava com a criação de uma zona “desnuclearizada”.

Não obstante as diversas condições e discussões travadas, o Tratado foi celebrado em 14 de fevereiro de 1967 e ratificado por 33 nações, ficando estabelecida na América Latina uma ZLAN, cujo principal objetivo era a erradicação de qualquer armamento nuclear das fronteiras do continente latino-americano[4].

Internamente, o Tratado de Tlatelolco foi promulgado pelo Decreto n. 1.246, de 16 de setembro de 1994. O Tratado, dentre outras providências, obriga os contratantes a impedir a utilização nociva da energia nuclear em seu território:

“ARTIGO 1

1. As Partes Contratantes comprometem-se a utilizar, exclusivamente com fins pacíficos, o material e as instalações nucleares submetidos à sua jurisdição, e a proibir e a impedir nos respectivos territórios:

a) o ensaio, uso, fabricação, produção ou aquisição, por qualquer meio, de toda arma nuclear, por si mesmas, direta ou indiretamente, por mandato de terceiros ou em qualquer outra forma, e

b) a recepção, armamento, instalação, colocação ou qualquer forma de posse de qualquer arma nuclear, direta ou indiretamente, por si mesmas, por mandato de terceiros ou por qualquer outro modo.

1. As Partes Contratantes comprometem-se, igualmente, a abster-se de realizar, fomentar ou autorizar, dieta ou indiretamente, o ensaio, o uso, a fabricação, a produção, a posse ou o domínio de qualquer arma nuclear ou de participar nisso por qualquer maneira”.

O Tratado define como arma nuclear

“qualquer artefato que seja suscetível de liberar energia nuclear de forma não controlada e que tenha um conjunto d características próprias para o emprego com fins bélicos. O instrumento que se possa utilizar para o transporte ou a propulsão do artefato não fica compreendido nesta definição se é separável do artefato e não é parte indivisível do mesmo” (Artigo 5o, Decreto n. 1.246/1994).

O presidente responsável pela promulgação do Decreto de aceitação da entrada em vigor do Tratado de Tlatelolco no Ordenamento Jurídico Brasileiro, Fernando Henrique Cardoso declarou, à época, que a ratificação deste instrumento, bem como, logo após, do Tratado de Não Proliferação, traduziu no plano internacional a ausência de intenção do Brasil de construir armas nucleares[5].

Contudo, a suposta ausência de intenção de produzir armas nucleares, colocada pelo Presidente da época, pode também ser entendida como o reconhecimento da efetiva incapacidade de produção de tais instrumentos pelo país. Isto porque, a história nuclear brasileira demonstra que o país sempre firmou acordos com outros países para que tivesse acesso e desenvolvimento da tecnologia nuclear, como ocorreu com EUA, Alemanha e Argentina, o que, inclusive, acarretou grave afronta à soberania do país e ônus financeiro.

De todo modo, com o Tratado, o México e os países da América Latina e do Caribe integram hoje o regime internacional de não proliferação e a América do Sul e Central se mostram hoje, no plano global, como uma área totalmente constituída por países não nucleares.

1.2 TRATADO DE NÃO PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES (TNP)

A proliferação horizontal de armas nucleares tornou-se questão relevante na agenda internacional, inclusive objeto de preocupação de Washington e Moscou, as quais superaram suas diferenças políticas e ideológicas, em plena Guerra Fria, e concordaram com um tratado de não proliferação de armas nucleares[6].

Ocorre que as duas superpotências não levaram em consideração os interesses de outras nações, impondo um anteprojeto preparado após negociações restritas a elas mesmas e que excluía os pontos de vista e interesses de outros países[7].  

O grande ponto de embate do anteprojeto americano-soviético para o TNP foi a alegada discriminação. Isto porque, pelo anteprojeto, haveria o estabelecimento de duas categorias de países, sendo um grupo constituído por países que já haviam detonado um dispositivo nuclear antes de 1o de janeiro de 1967 e o outro formado por países que nunca haviam detonado dispositivo nuclear até aquela data e, por isso, estariam, a partir de então, proibidos de adquirir explosivos nucleares.

O anteprojeto também criava diversas obrigações a serem cumpridas por este segundo grupo, dentre as quais, a de colocar todas as suas instalações nucleares sob a supervisão de uma agência internacional, enquanto o primeiro grupo, formado pelas potências nucleares, não detinha qualquer obrigação nesse sentido[8].

As condições supramencionadas, impostas pelo TNP, deixam clarividente ter sido o Tratado elaborado e liderado pelas duas grandes potências nucleares da época: União Soviética e EUA e permitem indagar sobre o real objetivo do citado instrumento. A preocupação daquelas nações era com um mundo esvaído de armas atômicas ou o único intuito das grandes potências era assegurar a sua supremacia nuclear e poderio bélico sobre os demais países? A afirmação de suas supremacias parece a resposta mais correta a este questionamento.

Deveras, impedir que os países não nucleares desenvolvessem estudos sobre o tema e obrigar estes países a submeter suas instalações nucelares à fiscalização internacional, enquanto as grandes potências continuavam com todo o seu arsenal nuclear sem maiores fiscalizações é não só flagrante afronta à soberania dos países não-nucleares, como também infundada distinção.

Não obstante os entraves levantados por diversos países, o anteprojeto americano-soviético foi vencedor, em 1968 em Genebra, se tornando, após algumas emendas, o Tratado de Não Proliferação[9].

O TNP tem por objetivo evitar uma guerra nuclear e instaurar uma cooperação internacional para a utilização civil da energia nuclear. Foi assinado em 1968, firmado em 1970, e ratificado no final de 2002 por 188 países, dentre os quais as cinco grandes potências nucleares e membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU: Estados Unidos, Reino Unido, Rússia, China e França.

O Brasil retardou sua adesão ao Tratado por quase trinta anos, tendo como um de seus principais fundamentos, a alegação de que o governo brasileiro já estava comprometido com a utilização da energia nuclear para fins pacíficos diante da adesão ao Tratado de Tlatelolco. A recusa ao TNP também estava relacionada à não aceitação de condições impostas pelo acordo, que asseguravam aos países que já possuíam tecnologia nuclear, a possibilidade de garanti-la.

Não obstante, o Brasil ratificou o Tratado em 1998[10], somente após adquirir domínio prático e teórico de todo o ciclo do combustível nuclear, da extração ao enriquecimento do urânio[11].

De todo modo, a assimetria entre os que detém conhecimento nuclear militar e os que não tem, ainda é controvertida. Isto porque, inexiste mecanismo que garanta de forma incontroversa que as cinco potências nucleares estão cumprindo o pacto de desarmamento nuclear, já que a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), responsável pela fiscalização, encontra dificuldades em comprovar que a política de não proliferação está sendo posta em prática[12].

Além do mais, o Tratado encontra outros entraves, como a questão da Índia, Paquistão, Israel, Irã e, especialmente a Coréia do Norte, países nucleares recentes que colocam em xeque o potencial “desnuclearizador” do dispositivo.

Destaco que a Coréia do Norte foi o único país que denunciou o Tratado, isto é, fazia parte, mas após deixou de ser dele signatário. Contudo, não é impossível imaginar que outros países venham a se posicionar da mesma maneira, já que Coréia do Sul e Japão, signatários do Tratado, tem sido constantemente ameaçados pela ditadura norte-coreana. Muito embora ambos os países estejam, de certa forma, sob a proteção estadunidense, é totalmente especulável que as constantes ameaças façam com que eles optem por desenvolver ainda mais seu arsenal nuclear.

A política de “desnuclearização” é, inegavelmente, bastante controversa. É demagogo o discurso das potências nucleares, que cobram o não desenvolvimento nuclear nos países não nucleares signatários do Tratado, mas não estão dispostas a de fato se desarmarem, encabeçando e integrando os Tratados de Não Proliferação com o objetivo claro de se manterem como únicas potências nucleares, ditando as regras do Planeta sob o chicote de seu arsenal nuclear. De outro lado, o medo e a ameaça constante de uma “guerra nuclear” pode levar países signatários do TNP a optarem pelo desenvolvimento de armas nucleares.

1.3 TRATADO DE PROIBIÇÃO COMPLETA DE TESTES NUCLEARES

Em 24 de setembro de 1996 foi aberto para assinatura, na sede da ONU, em Nova Iorque, o Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares (CTBT), com o objetivo de proibir a realização de explosões experimentais de armas nucleares ou qualquer outra explosão nuclear, proibindo e impedindo também qualquer outra explosão nuclear em qualquer lugar sob sua jurisdição ou controle (Artigo 1).

O Brasil, junto às cinco potências nucleares (EUA, Rússia, Reino Unido, França e China) firmou o CTBT no primeiro dia, ratificando-o menos de dois anos depois, em 1998, entendendo que o Tratado corrige o viés discriminatório presente no TNP, por estabelecer regras idênticas para todos os países e instaurar a proibição completa de explosões nucleares[13].

O CTBT, em junho de 2010, contava com a assinatura de 182 Estados e ratificação de 153. Não obstante o grande número de assinaturas e ratificações, o Tratado ainda não entrou em vigor[14], o que se deve às condições peculiares estabelecidas em seu Anexo XIV, segundo o qual o Tratado entra em vigor apenas após ser ratificado por todos os 44 países listados no Anexo 2, sendo eles: Argélia, Argentina, Austrália, Áustria, Bangladesh, Bélgica, Brasil, Canadá, Chile, China, Colômbia, Coreia do Norte, República Democrática do Congo, Egito, Finlândia, França, Alemanha, Hungria, Índia, Japão, México, Países Baixos, Noruega, Paquistão, Peru, Polônia, Romênia, Coreia do Sul, Rússia, Eslováquia, África do Sul, Espanha, Suécia, Suíça, Turquia, Ucrânia, Reino Unido, Estados Unidos da América,

Em 2012, era necessária a ratificação por oito países: Estados Unidos, Israel, Egito, Irã, China, República Democrática Popular da Coréia (Coréia do Norte), Índia e Paquistão[15].

Novamente, Índia e Paquistão, apesar de não serem estados possuidores de armas nucleares segundo a definição do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), mas realizarem testes nucleares, não o assinaram, assim como a Coreia do Norte, que vem realizando diversos testes e ensaios, desde 2006.

Entre os países que permaneceram excluídos do TNP, apenas Israel assinou o CTBT, o que pode ser entendido como o intuito de sair de uma situação de ambiguidade nuclear para uma posição de maior confiança. Índia e Paquistão ficaram à parte do CTBT, por não aceitarem ter a sua capacidade de realizar testes tolhida.

Destarte, embora o CTBT tenha sido visto como instrumento eficaz para regulamentar a não proliferação de armas nucleares, inclusive desconsiderando o viés discriminatório presente no TNP, sequer chegou a entrar em vigor, não tendo, portanto, o condão de se mostrar uma barreira à atual crise nuclear.

Aliás, é difícil imaginar que o CTBT possa ter alguma eficácia num futuro recente, tendo em vista que a sua entrada em vigor depende da ratificação de 44 países, acima listados, dentre os quais a Coréia do Norte. Não é lógico cogitar que a ditadura norte-coreana opte por integrar um tratado que proíbe explosões experimentais de armas nucleares quando o país realiza testes e ensaios nucleares sucessivos.

2 USO PACÍFICO DA ENERGIA ATÔMICA

No presente artigo, até o momento, apenas se enfatizou o potencial destrutivo da energia atômica e os esforços envidados para tentar conter a sua utilização na construção e no desenvolvimento de armas nucleares. Não obstante, o uso pacífico desta energia é corriqueiro em nosso dia-a-dia, por exemplo, na geração de energia e na medicina. É o que se passa a tratar a seguir.

2.1 ACORDO NUCLEAR BRASIL-ALEMANHA: Acordo no Campo dos Usos Pacíficos da Energia Nuclear

Em 18 de maio de 1974 houve a detonação do primeiro artefato nuclear indiano, o que culminou em tumulto global, principalmente entre as principais potências. Muitos países considerados periféricos, entretanto, viram a oportunidade de serem vistos, no plano internacional, como potências nucleares. Um pouco antes disso, em 1973, eclodiu a crise do petróleo, decorrente do conflito árabe israelense. O fator geopolítico, atrelado ao econômico, é apontado como motivador da decisão do governo brasileiro de adquirir reatores nucleares, o que ocorreu especialmente nos governos Médici e Geisel. A decisão culminou no Acordo Nuclear com a Alemanha, em 1975[16] (pag. 69).

A ditadura militar que assolou o país nas décadas de 60 a 80, tinha no seu quadro ideológico o projeto “Brasil Grande Potência”, o qual já estava em declínio na segunda metade da década de 70. Nesse cenário, a energia nuclear se apresentava como solução para a crise energética, bem como para fazer decolar o almejado status do Brasil como potência emergente.

O Acordo trouxe benefícios inegáveis à Alemanha, tendo em vista ter sido firmado no período em que a energia nuclear começou a ser rejeitada no país.

O dispositivo abrangeria todas as etapas do ciclo do combustível nuclear, tendo como uma de suas consequências mais relevantes a construção de Angra I e Angra II.

Manifestações brasileiras contrárias ao Acordo começaram em 1978, sob o fundamento de que o pacto era extremamente desfavorável para o Brasil, tendo em vista que o país ficaria dependente da Alemanha na produção e utilização de equipamentos, por tempo indeterminado.

Finalmente, a partir de 1979, a desaceleração nas obras de construção das usinas termonucleares demonstrou que o Acordo Nuclear entre Brasil e Alemanha havia ruído, o que se atribui à grandeza do projeto, bem como à crise do desenvolvimento brasileiro[17].

Não obstante, o governo brasileiro retomou, neste ano, as negociações para a construção de Angra III.

Embora o Acordo Nuclear teuto-brasileiro esteja no campo dos usos pacíficos da energia nuclear, continua passível de inúmeras críticas, dentre as quais a possibilidade de geração de energia mais sustentável e a oneração financeira para o Brasil.

2.2 USO CORRIQUEIRO DA ENERGIA ATÔMICA

Os isótopos radioativos, também chamados de radioisótopos, possuem aplicações diversificadas, em virtude de sua propriedade peculiar de emitir radiação. A absorção da energia das radiações (em forma de calor) permite a destruição de células ou pequenos organismos. Embora isto possa se tornar inconveniente, pode ser também muito benéfico se utilizado para a destruição de células ou microrganismos nocivos[18].

A Medicina Nuclear utiliza os radioisótopos em diagnósticos e terapias. Um exemplo de tal utilização ocorre com o iodo-131 (I-131), utilizado no diagnostico de tireoide[19].

Outro radioisótopo, o Samário-153 é utilizado em pacientes com metástase óssea, como paliativo para a dor. Pag. 05 Um dos aparelhos de radioterapia mais conhecido é a Bomba de Cobalto, usado no tratamento contra o câncer. Apenas no momento da utilização, a fonte do aparelho é deslocada de sua posição segura de radiação, permitindo a passagem de um feixe de radiação a se concentrar apenas na região a ser tratada[20].

Outra utilização muito comum dos isótopos se dá com a radiografia. Pag. 09. As empresas de aviação fazem inspeções frequentes nos aviões utilizando a gamagrafia, que também utiliza radioisótopos[21].

A Indústria Farmacêutica utiliza fontes radiativas de grande porte para esterilizar seringas, luvas cirúrgicas, gaze e material farmacêutico descartável em geral. Ressalte-se que seria muito difícil esterilizar estes instrumentos pelos métodos convencionais, tendo em vista que para a esterilização convencional utilizar-se-ia alta temperatura, o que acarretaria a deformação ou danificação destes materiais quanto a sua forma, de modo que eles não mais poderiam ser utilizados[22].   Pag. 13.

Outra utilização muito importante de componentes radioativos é a datação por Carbono-14. Fósseis de madeira, papiros e amimais contem C-14, cuja meia-vida é de 5.600 anos. Significa que a cada 5.600 anos, a atividade do C-14 é reduzida à metade, de modo que pela medição da proporção é possível identificar qual a idade de um documento ou objeto histórico[23].

Nota-se, a partir desta exposição, que a energia atômica, na qual está inserida a energia nuclear é imprescindível em diversos campos, dentre os quais o da medicina, da história e para a indústria farmacêutica. Trata-se de utilização beneficia e de extrema importância ao ser humano, auxiliando no diagnostico e tratamento de doenças, o que deixa latente que a energia atômica, por si só, não é nociva, sendo que a determinação do seu uso bélico ou pacífico determina o seu potencial destrutivo ou curativo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a análise dos três tratados internacionais de não proliferação de armas nucleares dos quais o Brasil é signatário, sendo eles: Tratado de Tlatelolco, TNP e CTBT, é possível concluir que apenas o primeiro deles demonstra efetiva alteração no plano nucelar internacional.

O Tratado de Tlatelolco de fato transformou a América Latina, Caribe e México numa área livre de amas nucleares, inexistindo dúvidas de que esses países não possuem poderio bélico nuclear, se projetando para o mundo como países não nucleares.

Ocorre que a América Latina e Central nunca representaram grande preocupação na ordem global, em se tratando de questões nucleares. Isto porque, os países que compõem os dois continentes não costumam se envolver em crises e conflitos. Assim, apesar da criação de uma ZLAN na região, a zona livre de armas nucleares não infirma os grandes dilemas nucleares do Planeta, que sempre giram em torno de grandes potências nucleares.

O CTBT e, especialmente, o TNP, tratados de alcance global, que teriam maior capacidade de elidir crises nucleares, também se mostram insuficientes. O CTBT sequer entrou em vigor. Quanto ao TNP, funcionou muito mais como forma de manter a supremacia nuclear das potencias nucleares do que como forma de dirimir conflitos nucleares e diminuir o arsenal dos países nucleares.

Portanto, os três tratados de não proliferação dos quais o Brasil faz parte se mostram insuficientes para lidar com as potências nucleares incipientes e a ameaça de guerra nuclear provocada pelos sucessivos testes e ensaios realizados pela Coréia do Norte.

Quanto ao uso pacífico da energia atômica, destacou-se inicialmente o Acordo firmado entre Brasil e Alemanha, que culminou na construção de duas usinas nucleares: Angra I e Angra II. Sobre o assunto, diversos entraves podem ser colocados, como o grande ônus financeiro para o Brasil e a necessidade de buscar energias mais sustentáveis.

Não obstante, quando se trata do uso corriqueiro da energia atômica, é possível constatar que, de fato, tal energia cumpre um fim imprescindível à manutenção e ao avanço da vida humana, tendo em vista a sua utilização direta em diagnósticos de doenças, medicamentos e tratamentos.

Conclui-se, assim, que a energia atômica, na qual se inclui a energia nuclear, representa um paradoxo no mundo atual, sendo de um lado amplamente nociva, quando belicamente utilizada e, de outro, extremamente benéfica, já que sem ela o tratamento de inúmeras doenças seria impossível.

 

Referências
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COSCELLI, João. GODOY, Roberto. Saiba mais sobre o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP). Notícia veiculada em: <http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,saiba-mais-sobre-o-tratado-de-nao-proliferacao-nuclear-tnp,537169>. Acesso em: 16 ago. 2017.
Decreto n. 1.246, de 16 de setembro de 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D1246.htm>.
MEDEIROS, Tarsila Reis de. Entraves ao Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear no Brasil: Dos Primórdios da Era Atômica ao Acordo Nuclear Brasil-Alemanha. Disponível em: <http://www.iaea.org/inis/collection/NCLCollectionStore/_Public/39/036/39036339.pdf>.
SANTIAGO, Emerson. Tratado de Tlatelolco. Disponível em: <http://www.infoescola.com/geografia/tratado-de-tlatelolco/>. Acesso em: 17 ago. 2017.
WROBEL, Paulo S. A Diplomacia Nuclear Brasileira: A Não-Proliferação Nuclear e o Tratado de Tlatelolco. Disponível em: <http://contextointernacional.iri.puc-rio.br/media/Wrobel_vol15n1.pdf>. Acesso em: 16 ago. 2017.
 
Notas
[1]SATO, Eiiti. A agenda internacional depois da Guerra Fria: novos temas e novas percepções. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-73292000000100007&script=sci_arttext&tlng=pt>. Acesso em: 11 set. 2017.

[2]WROBEL, Paulo S. A Diplomacia Nuclear Brasileira: A Não-Proliferação Nuclear e o Tratado de Tlatelolco. Disponível em: <http://contextointernacional.iri.puc-rio.br/media/Wrobel_vol15n1.pdf>. Acesso em: 16 ago. 2017. Pag. 27-28.

[3]WROBEL, Paulo S. A Diplomacia Nuclear Brasileira: A Não-Proliferação Nuclear e o Tratado de Tlatelolco. Disponível em: <http://contextointernacional.iri.puc-rio.br/media/Wrobel_vol15n1.pdf>. Acesso em: 16 ago. 2017. Pag. 30.

[4]SANTIAGO, Emerson. Tratado de Tlatelolco. Disponível em: <http://www.infoescola.com/geografia/tratado-de-tlatelolco/>. Acesso em: 17 ago. 2017.

[5]CARDOSO, Fernando Henrique. A política externa do Brasil no início de um novo século: uma mensagem do Presidente da República. Publicado na Revista Brasileira de Política Internacional. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-73292001000100001&script=sci_arttext>. Acesso em: 16 ago. 2017.

[6]WROBEL, Paulo S. A Diplomacia Nuclear Brasileira: A Não-Proliferação Nuclear e o Tratado de Tlatelolco. Disponível em: <http://contextointernacional.iri.puc-rio.br/media/Wrobel_vol15n1.pdf>. Acesso em: 16 ago. 2017. p. 42.

[7]WROBEL, Paulo S. A Diplomacia Nuclear Brasileira: A Não-Proliferação Nuclear e o Tratado de Tlatelolco. Disponível em: <http://contextointernacional.iri.puc-rio.br/media/Wrobel_vol15n1.pdf>. Acesso em: 16 ago. 2017. p. 43.

[8]Ibid, p.. 45-46.

[9]WROBEL, Paulo S. A Diplomacia Nuclear Brasileira: A Não-Proliferação Nuclear e o Tratado de Tlatelolco. Disponível em: <http://contextointernacional.iri.puc-rio.br/media/Wrobel_vol15n1.pdf>. Acesso em: 16 ago. 2017. Pag. 47.

[10]SANTIAGO, Emerson. Tratado de Tlatelolco. Disponível em: <http://www.infoescola.com/geografia/tratado-de-tlatelolco/>. Acesso em: 17 ago. 2017.

[11]COSCELLI, João. GODOY, Roberto. Saiba mais sobre o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP). Notícia veiculada em: <http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,saiba-mais-sobre-o-tratado-de-nao-proliferacao-nuclear-tnp,537169>. Acesso em: 16 ago. 2017.

[12] SANTIAGO, Emerson. Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares. Disponível em: http://www.infoescola.com/geografia/tratado-de-nao-proliferacao-de-armas-nucleares/
Acesso em: 28 ago. 2017.

[13]SAMPAIO, Maria Feliciana Nunes Ortigão de. O Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares (CTBT): Perspectivas para sua entrada em vigor e para a atuação diplomática brasileira. Disponível em: <http://funag.gov.br/loja/download/934-Tratado_de_Proibicao_Completa_dos_Testes_Nucleares_CTBT.pdf>. Acesso em: 17 ago. 2017. p. 17-18.

[14]SAMPAIO, Maria Feliciana Nunes Ortigão de. O Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares (CTbT): Perspectivas para sua entrada em vigor e para a atuação diplomática brasileira. Disponível em: <http://funag.gov.br/loja/download/934-Tratado_de_Proibicao_Completa_dos_Testes_Nucleares_CTBT.pdf>. Acesso em: 11 set. 2017.

[15]Ibid, p. 17-19.

[16]MEDEIROS, Tarsila Reis de. Entraves ao Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear no Brasil: Dos Primórdios da Era Atômica ao Acordo Nuclear Brasil-Alemanha. Disponível em: <http://www.iaea.org/inis/collection/NCLCollectionStore/_Public/39/036/39036339.pdf>. Acesso em: 28 ago. 2017. P. 69.

[17]Ibid, p. 70-75.

[18]CARDOSO, Eliezer de Moura. Apostila Educativa – CNEN. Disponível em: <http://bibspi.planejamento.gov.br/bitstream/handle/iditem/555/Aplica%C3%A7%C3%B5es%20da%20Energia%20Nuclear.pdf?sequence=1>. Acesso em: 20 ago. 2017. P. 03.

[19] Ibid, p. 04.

[20]Ibid, p. 07.

[21]Ibid, p. 12.

[22]CARDOSO, Eliezer de Moura. Apostila Educativa – CNEN. Disponível em: <http://bibspi.planejamento.gov.br/bitstream/handle/iditem/555/Aplica%C3%A7%C3%B5es%20da%20Energia%20Nuclear.pdf?sequence=1>. Acesso em: 20 ago. 2017. P. 13

[23]Ibid, p. 14.


Informações Sobre os Autores

Gabriela Pelles Schneider

Acadêmica de Direito na Faculdade de Direito de Vitória FDV

Marcelo Fernando Quiroga Obregon

Graduado em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo, especialista em política internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Mestre em direito Internacional e comunitário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Doutor em direitos e garantias fundamentais na Faculdade de Direito de Vitória – FDV, Coordenador Acadêmico do curso de especialização em direito marítimo e portuário da Faculdade de Direito de Vitória – FDV, Professor de direito internacional e direito marítimo e portuário nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito de Vitória – FDV.


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