Questões prévias e coisa julgada no novo CPC

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Resumo: Pretende-se analisar a doutrina nacional que estudou as questões prévias, indicar sua validade atual, em diversos temas (prescrição, etc.), bem como enfatizar uma novidade que é a extensão da coisa julgada às decisões das questões prejudiciais. A técnica amplia o objeto do processo. Repercute na organização da sentença. Sustenta-se a possibilidade de aplicação do § 1º, do art. 503 do NCPC ao processo do trabalho.

Palavras chaves: Direito Processual. Questões Prévias. Capítulos da Sentença. Coisa julgada.

Sumário: Introdução; 1- As questões no processo; 2- Questões prejudiciais; 3- Questões preliminares e prejudiciais; 3.1 A Tipificação e o conteúdo das questões; 3.2- A prescrição 3.3 As questões e os capítulos da sentença; 4- Questões prejudiciais e coisa julgada no NCPC; 5- Aplicação ao Processo do Trabalho; 6- Direito intertemporal; Conclusões  

Introdução

A distinção entre questões preliminares e prejudiciais, espécies do gênero “questões prévias”, tem relevância jurídica há tempo.

Já existem diversos estudos sobre o tema em doutrina nacional, realizados, principalmente, na vigência do CPC/39. A ideia é fazer uma revisão da matéria e verificar a aplicação dos ensinamentos clássicos aos dias atuais, considerando o regime jurídico iniciado a partir do novo CPC (NCPC).

Pretende-se buscar as características dessas questões, demonstrando como podem ser identificadas e a sua dinâmica. Nesse contexto, tem-se, ainda, o objetivo de fazer ligeiras abordagens sobre a tipificação da prescrição e sobre a organização dos capítulos da sentença.

Por derradeiro, visa-se abordar uma novidade do CPC/15 que é a extensão, em certas hipóteses, da coisa julgada às questões prejudiciais, e sua aplicação ao processo do trabalho.

1-As questões no processo

A doutrina usa a palavra “ponto” para indicar a afirmação de uma razão de fato ou de direito feita, no processo, em geral, pelo autor ou pelo réu.  Quando uma das partes controverte a afirmação da outra, surge o que se designa pelo nome de questão ou dúvida.

Ensina Fernandes (1988, p.56):

“Quando se afirma que a dúvida incide sobre uma afirmação, na realidade está se asseverando que a dúvida incide sobre o fundamento da afirmação.

Assim, quando alguém formula uma pretensão, faz afirmações diversas, traz os fundamentos dessas afirmações, que podem ser de fato ou de direito, ou como diz Carnelutti, referente ao fato ou sua eficácia jurídica.

O ponto é então o fundamento da afirmação referente à pretensão. Ou, sendo a razão a afirmação da conformidade da pretensão ao direito objetivo, o ponto seria o fundamento da razão da pretensão.

Contudo, não existe ponto somente na pretensão do autor. O réu em sua defesa também faz afirmações. Baseia tais afirmações em pontos, ou seja, em fundamentos de fato e de direito.

O ponto pode estar relacionado não só com o mérito, mas também com o processo e com a ação. Tudo que pode ser objeto de conhecimento do juiz poderá conter pontos.”

Em outra passagem do livro (1988, p. 57), o referido jurista, a partir das lições do Carnelutti, ensina:

“Definido o ponto, é a partir dele que se enuncia a noção de questão.

Carnelutti conceituou a questão como sendo o ponto duvidoso. Disse ainda que não é necessário para a existência de uma questão o dissenso entre as partes, admitindo que possa ser levantada de oficio pelo juiz.[…]

Assim, aquele fundamento de fato ou de direito contido na afirmação pode, em face da dúvida a seu respeito pode vir a se transformar em uma questão.”

Portanto, existem questões de fato ou de direito (interpretativa e sobre a consequência da incidência normativa), que podem surgir a partir de uma afirmação do réu na defesa, quando controverte as alegações da petição inicial, ou a partir de uma afirmação do autor, quando este se manifesta, em réplica, sobre alegações feitas na contestação. É possível, ainda, que o juiz transforme um ponto em questão, quando, por exemplo, crie, ele próprio, dúvida sobre se certo fato ocorreu ou sobre o sentido atribuível a certa regra ou a respeito da sua constitucionalidade ou acerca da nulidade absoluta de certo ato ou relação jurídica, e quanto às demais matérias que tem o dever de conhecer de oficio.

O terceiro interessado, a partir do momento em que intervém no processo, também faz alegações que podem transformar-se em questões.

Em síntese: questões são pontos duvidosos, que resultam dos fundamentos das afirmações, podendo ser suscitadas por qualquer sujeito do processo e dizer respeito ao mérito, às condições da ação ou aos pressupostos processuais (aqui incluídos as nulidades dos atos e do procedimento).

Ressalte-se que se continua adotando essa trilogia, a despeito do NCPC, art. 485, VI não usar a expressão “condição da ação” ao se referir à legitimidade da parte e ao interesse de agir, embora fixe a ideia de que, nessas hipóteses, o processo é extinto sem resolução do mérito (mais sobre o tema adiante).

2- Questões prejudiciais

Tem-se considerado que as prejudiciais são questões que se manifestam como um antecedente lógico para a decisão de outra, sendo certo que a sua decisão faz parte do itinerário percorrido pelo juiz no seu raciocinar para decidir a questão vinculada.

Como explica Tornaghi (1978, p. 326):

“a questão prejudicial é uma antecedente da questão prejudicada, ou não haveria que se falar em prejuízo (juízo antecipada da outra). Não se trata, porém, de prioridade cronológica, porque as duas questões podem surgir ao mesmo tempo e até é possível que a controvérsia prejudicial só apareça depois da principal. E, de outra parte, a solução de ambas, por vezes, é simultânea; no caso em que o juiz decide incidenter tantum a prejudicial, pode ele fazer no mesmo momento em que resolve a questão prejudicada, ou até dar solução a esta, daí se inferindo, sem seguida, a solução daquela.”

Além de antecedente lógico, tem-se entendido que a caracterização de uma questão como prejudicial requer que a sua decisão mostre-se necessária para que a outra questão a ela vinculada, a prejudicada, também seja decidida. Ou seja, não se concebe a decisão da questão prejudicada sem que a prejudicial seja antes decidida.

Entretanto, é pacifico na doutrina que apenas essa antecedência lógica não é suficiente para a conceituação. Barbosa Moreira (1967, p. 45), em estudo clássico sobre o tema, considera que é preciso adicionar um elemento jurídico à conceituação, que não é relacional, sendo tal elemento próprio da questão prejudicial em si mesma considerada (não se refere ao nexo lógico).

Para referido processualista, esse elemento consiste em a solução da prejudicial exigir do juiz a mesma operação metal que faz ao decidir a questão principal. Assim, para se considerar uma questão como prejudicial é preciso verificar se o juiz ao decidi-la aplica uma norma, fruto da sua interpretação, a fatos relevantes apurados concretamente.

Em outros termos: a questão prejudicial, para ser entendida como tal, tem que implicar uma subsunção do fato à norma. Isso a diferencia das questões meramente de fato ou daquelas denominada comumente como questões de direito.

Em suma, tem-se como características da questão prejudicial: o nexo de prejudicialidade lógico (a decisão da prejudicial faz parte do itinerário lógico percorrido pelo juiz para decidir a questão prejudicada); a necessidade (não há como decidir a prejudicada sem antes decidir a prejudicial); a operação do juiz deve envolver a aplicação de norma jurídica a um fato.

Contudo, a doutrina majoritária tem como insuficiente ter-se essa semelhança entre as operações mentais do juiz para a caracterização da questão como uma prejudicial. Considera que só se caracteriza como prejudicial a questão que possa figurar em processo autônomo (FERNANDES, 1988, p. 60).

Nesse caso, dificilmente se poderá falar que o valor da causa é uma questão prejudicial em relação à competência dos juizados especiais civis e ao tipo de procedimento a ser adotado em uma reclamação trabalhista (Barbosa Moreira dava exemplo semelhante: valor da causa versus o tipo de recurso cabível na vigência do CPC/39). Dentro do conceito proposto pelo renomado processualista carioca, a questão sobre o valor da causa pode figurar como uma prejudicial.

Aparentemente confundem-se os conceitos de questão e de causa prejudicial. Esta, sim, deve ter sua gênese em uma questão com aptidão para figurar em processo autônomo (ALVIM, 1975, pp. 27/28). Uma questão prejudicial pode apenas ser objeto de cognição judicial na motivação da sentença, não obstante seja possível, em certos casos, ser veiculada na causa de pedir de demanda em um processo autônomo, v.g. em ação declaratória incidental, quando haverá um pedido conexo a ser julgado.

Contudo, em geral, os doutrinadores que pregam a necessidade de a questão prejudicial poder figurar em processo autônomo para caracterizar-se como tal, foram os que se dedicaram ao estudo da ação declaratória incidental.

Por exemplo, Ada Pelegrini Grinover (1972, p. 24), em seu livro sobre ação declaratória incidental, apesar de conceituar as prejudiciais inicialmente em um sentido mais amplo, diz, expressamente, que para o seu estudo era relevante considerar como questões prejudiciais aquelas que podem ser objeto de ação autônoma. No mesmo sentido, Adroaldo Furtado Fabricio (1995, p. 56) em obra sobre o mesmo tema, faz o corte metodológico sem qualquer justificação que não seja o objeto do seu estudo.

Veja-se que no trabalho sobre as questões prejudiciais a coisa julgada, da lavra do Barbosa Moreira (1967, p.22 e segs.), a relevância (o diferencial) era a aptidão para fazer coisa julgada: as prejudiciais poderiam compor aquilo que seria objeto da cognição judicial, quando “decidida” incidentalmente, hipótese em que não fariam coisa julgada.

Mas, tudo indica que essas características são repercussões mais ligadas a politicas legislativas, devendo-se evitar corte metodológico empobrecedores do estudo da matéria destituídos de apoio cientifico. Ter aptidão para ser objeto de processo autônomo ou não fazer coisa julgada, se decidida incidentalmente, não são aspectos essenciais. O NCPC confirma essa ideia, como se verá.

Assim, no que tange à caracterização dessas questões, pode-se dizer que existe um nexo de causalidade lógica e jurídica entre a decisão da prejudicial e a da questão vinculada. Ou seja, a prejudicial contém um elemento jurídico que é comum em relação à outra questão, por isso que sua decisão influencia a subsequente, em termos jurídicos. É pensar em uma ação de alimentos em que surja duvida sobre a filiação biológica. A decisão de tal questão é um antecedente jurídico necessário para a decisão da questão subsequente (se os alimentos são devidos).

3- Questões preliminares e prejudiciais

A doutrina clássica (BARBOSA MOREIRA, 1972, p. 89) diz que as questões prévias podem dividir-se em duas espécies: (1) preliminares e (2) prejudiciais. Ressalta-se que os conceitos são relativos, sendo uma questão preliminar ou prejudicial sempre em relação à outra, que se pode chamar pelo nome de “subordinada”. Vale dizer, o conceito é relacional, o que confere certa mutabilidade às suas configurações, podendo, certa questão, cujo conteúdo é “x”, funcionar ora como uma preliminar ora como prejudicial, a depender do referencial.

José Carlos Barbosa Moreira (1972, p. 89) deixa de lado o conteúdo das questões prévias (se regidas pelo direito material ou processual) para fazer a sua diferenciação. Explica, na mesma obra, que o primeiro passo é observar que o conceito é relacional.

Ensina o jurista (1972, p. 81):

“A tentativa de distinguir entre as classes de questões prévias com base, apenas, na consideração da pertinência ao mérito, de um lado, ou à ação ou ao processo, de outro, não obtém resultados satisfatórios justamente porque se contenta com a aplicação de um critério que, fecundíssimo alhures, aqui não toca o nervo do problema. Convém atentar em que todo o fenômeno de que se está tratando emerge deste dado substancial: a existência de uma relação lógica de subordinação.”

E continua o grande processualista carioca (1972, pp. 81/83):

“Uma questão prévia – e o mesmo se dirá da questão a ela subordinada- pode dizer respeito ao processo, à ação ou ao mérito, sem que essa característica, relevantíssima de outros pontos-de vista, nos esclareça sobre a função que a questão prévia exerce como tal, isto é, sobre a natureza de sua relação com a questão subordinada. Mas se é precisamente essa relação, e só ela, que a faz prévia, que justifica o caráter prioritário da sua solução, a luz projetada não atingiu ainda o essencial.[…]

Parece de toda a vantagem localizar diretamente, ab initio, as modalidades sob as quais se apresentam as relações de subordinação, e apoiar nelas a tentativa de classificação das questões prioritárias.

Ora, não se afigura difícil, mesmo num exame superficial dos casos que a doutrina e a prática abundantemente registram, estabelecer fundamental distinção entre duas formas de manifestação do fenômeno. Observem-se estes exemplos corriqueiros: (a) em certo feito, o juiz, no momento de proferir a sentença, verifica que, revel o réu, cuja citação se fizera por edital, não funcionou o representante judicial dos ausentes, e anula o processo, sem apreciar o mérito; (b) noutro, em que se reclama do fiador o adimplemento, o réu alega, em sua defesa, a nulidade da obrigação principal, e o juiz reconhecendo-a por via de consequência julga improcedente o pedido.

Com efeito: em (a) a influência que a solução da questão subordinante exerce sobre a da questão subordinada traduz-se no fato de que aquela condiciona a existência desta, mas não o seu eventual conteúdo.

Em (b), é bem diversa a influência que a solução da questão subordinante exerce sobre a subordinada, bem diverso o tipo de relação que existem entre ambas. A segunda, com efeito, depende da primeira não no seu ser, mas no seu modo de ser.”

Barbosa Moreira (1972, pp. 85/86), depois de indicar a confusão terminológica existente na doutrina e jurisprudência, e de buscar subsídios históricos, que não vem ao caso expor, chama de “questões prejudiciais” aquelas cujas decisões influenciam o teor da decisão da questão que lhe é subordinada, e designa de questões preliminares aquelas que, se acolhidas, impedem que o juiz se pronuncie sobre a outra subordinada.

Portanto, de acordo com o referido jurista (1972, pp. 81/85), pode-se dizer que a diferença reside no seguinte: as questões preliminares são as que impedem o pronunciamento sobre a outra que lhe está vinculada por um nexo lógico e jurídico. Ou seja, essas questões colocam ou retiram um impedimento ao pronunciamento da questão subordinada. Sua decisão propicia ou impede a admissibilidade da outra questão vinculada.

Assim, por exemplo, se o juiz entender que não é o órgão competente para julgar certa demanda, isso o impede de apreciar eventual alegação de ilegitimidade ad causam, ou mesmo a questão principal atinente ao mérito da demanda. Portanto, em uma ação de cobrança, acolhida a preliminar de incompetência do juízo, não se deve apreciar se o autor tem direito de receber determinada quantia, em decorrência de certo contrato de mutuo. Sabe-se que os autos devem ser remetidos ao juiz competente que poderá apreciar a questão e julgar o pedido.

Já a questão prejudicial tem influência no teor da questão prejudicada. Ressalta-se, contudo, que existem graus de influência, sendo certo que em alguns casos a decisão da prejudicial determina inteiramente o teor da decisão da questão prejudicada.

O exemplo é de Barbosa Moreira (1972, p. 80):

“Tício propõe ação contra Caio para cobrar-lhe a importância x; Caio, em defesa, invocando crédito contra Ticio, alega compensação, mas Tício replica afirmando a nulidade do ato jurídico de que se teria originado esse suposto crédito. A controvérsia sobre a nulidade é, à evidência, prejudicial da decisão de meritis. Ora, se o crédito invocado pelo réu monta igualmente a x, a solução da prejudicial condicionará totalmente o pronunciamento sobre o pedido de Tício: ou Caio será condenado a pagar x, acolhida a prejudicial de nulidade, ou não será condenado a pagar coisa alguma, repelida a prejudicial.”

Mas, casos há em que outros fundamentos atuam, exercendo influência complementar na decisão da questão prejudicada, de modo que a determinação será apenas parcial.

Assim, na sentença, decidir se existe o vínculo de emprego é uma questão prejudicial em relação à questão sobre se são devidos verbas rescisórias, horas extras, salários inadimplidos. Não existindo o vínculo, não há débitos. Existindo, porém, tais verbas podem ter sido pagas, de modo que há uma influência entre aquela questão e esta, mas não uma determinação do teor da decisão da questão prejudicada, na segunda hipótese.

3.1 A Tipificação e o conteúdo das questões

Tornaghi (1978, p. 327) ensina que “a solução de questões preliminares apenas acende o sinal vermelho ou verde, mas nada diz quanto ao caminho que se deve seguir dali por diante”. Entretanto, para referido jurista (1978, p. 329) o objeto da questão preliminar é sempre de direito processual, enquanto as questões prejudiciais versariam sempre sobre direito substancial.

Com base nas lições de Barbosa Moreira (1972, pp. 80/82), que se reputam adequadas, pode-se dizer que apesar de as questões preliminares dizerem respeito à admissibilidade da decisão de outra questão (subordinada), não significa que tenham que estar sempre fora do mérito.

Os exemplos a seguir esclarecem e indicam variações no objeto das prejudiciais e preliminares, confirmando a tese de que não é o conteúdo da questão (se regida pelo direito material ou não) que a qualifica como prejudicial ou preliminar.

Casos de variações no que tange às preliminares: (1) Tem-se exemplo em que a preliminar é regida pelo direito processual e a subordinada regida pelo direito material: a competência do juiz em relação à questão do direito ao crédito que é objeto do pedido de condenação do réu a pagar certa quantia; (2) tem-se em que a preliminar e a questão subordinada são regidas pelo direito processual: numa ação de cobrança, a decisão da questão acerca da competência do juízo funciona como uma preliminar em relação à da ilegitimidade ad causam. Declarada a incompetência remete-se o processo para o juiz competente. A suspeição é uma preliminar em relação à competência do juízo (Barbosa Moreira, 1967, pp. 22 e segs.).

Variações no que tange às prejudiciais: (1) Hipótese em que teríamos duas questões, uma prejudicial e outra subordinada, sendo ambas regidas pelo direito processual: valor da causa em relação ao procedimento da reclamação trabalhista ou em relação à decisão sobre a competência dos juizados especiais cíveis. Veja-se que as prejudiciais não estão necessariamente ligadas à res in iudicium deducta; (2) Exemplo em que a prejudicial é regida pelo direito material e a subordinada, pelo direito processual: validade da cláusula de eleição do foro versus competência territorial; a questão sobre a validade ou não do ato de naturalização em relação à legitimidade ad causam do autor de uma ação popular; a questão da existência de interesse da União para determinar a competência da justiça Federal ou Estadual. Ou: validade do mandato outorgado ao advogado em relação à capacidade postulatória (nos casos em que não se reconhece o direito da parte postular em juízo sem a representação processual); (3) Tem-se que a prejudicial e a prejudicada são regidas pelo direito material: a demanda em que se pede a decretação da nulidade de certo ato jurídico por ter sido praticado por uma pessoa absolutamente incapaz. A validade do ato é questão prejudicada, e a incapacidade é questão prejudicial. Ou: a questão da paternidade numa ação de alimentos.

Os exemplos poderiam multiplicar-se. Fica demonstrado, assim, na linha dos ensinamentos do Barbosa Moreira (1972, pp. 80/85), que as questões prévias podem versar sobre direito material ou processual, sendo certo que sua distinção liga-se ao tipo de influência que exercem sobre a questão subordinada: a preliminar caracteriza-se por sua decisão impedir a decisão da questão subordinada ou retirar o obstáculo para que possa ser decidida. A prejudicial caracteriza-se por sua decisão exercer influência no teor do pronunciamento da outra que lhe é subordinada.

3.2- A prescrição

Há divergência na doutrina no que tange à tipificação da prescrição, entendendo uns que se trata de uma questão prejudicial e outros, de uma preliminar.

O saudoso professor José Carlos Barbosa Moreira considera que a prescrição é uma questão de mérito. Se o referencial for outra questão de mérito (a existência de uma dívida pecuniária, compensação) tem-se que apreciar antes, por imperativo lógico e jurídico, se a pretensão de direito material está prescrita (se não é mais exigível), pois se estiver, haverá um impedimento para a análise da questão de mérito principal. Assim, na hipótese, a prescrição funciona como uma preliminar de mérito (1967, pp. 31/32).

Portanto, nessa hipótese, falar “preliminar de mérito” não é uma contradição (há doutrina que assim considera, dizendo que “se é mérito não pode ser preliminar!”), uma vez que poderá existir uma relação de preliminariedade entre duas questões de mérito.

Nas palavras do jurista carioca (1967, pp. 31/32):

“Assinala-se que nem todas as questões prévias embutidas no meritum causae mantêm com a decisão da questão principal o tipo de relação de que aqui se cuida [de prejudicialidade]: a questão da prescrição, por exemplo, ou antes a solução que se lhe dê, seja qual for, pode apenas erguer ou remover um impedimento à apreciação, pelo juiz, da questão concernente à efetiva exigibilidade da obrigação cujo cumprimento se pede; nada mais. Reconhecida a prescrição, fica o juiz dispensado de prosseguir na sua atividade cognitiva, mas nenhuma indicação daí se tira quanto ao modo por que ele decidiria, se tivesse de prosseguir. Negada a prescrição, a via fica igualmente aberta ao acolhimento ou à rejeição da demanda. Chamar “prejudiciais”, portanto, às questões prévias de mérito, com exclusão de todas as outras, é separar figurar homogêneas e juntar figuras heterogêneas.”

A prescrição não extingue o direito, atuando sobre a exigibilidade da pretensão de direito material (art. 189 do CCB). A decisão que acolhe a alegação do fato extintivo dessa pretensão deixa intacta a questão principal. A decisão que rejeita, apenas possibilita apreciar essa questão, atinente à existência da relação jurídica de direito material ou ao direito postulado.

Sabe-se que, declarada a prescrição, o juiz julgará o pedido improcedente (art. 487, II, e § 1º do art. 332, do NCPC).  A decisão sobre a questão da prescrição exerce influência no sentido em que se julgará o pedido. Mas, importa lembrar que julgar o pedido não é decidir uma questão. Em linha de princípio, esta é decidida antes dele, na motivação da sentença (DINAMARCO, 2000, p. 241).

Quando se tipificam os capítulos, existe aquele em que se julga a pretensão a se obter o julgamento do pedido e aquele em que os pedidos serão julgados. Vale dizer, um capítulo sobre a admissibilidade da demanda e outros em que o mérito é apreciado (DINAMARCO, 2006, pp. 31/46).

Em rigor, a prescrição deve ser tratada como uma questão de mérito, mais especificamente, como uma preliminar de mérito, uma vez que tem a ver com a admissibilidade da decisão de outra questão de mérito (a principal).

Contudo, Fredie Didier (2015, p. 489) tem em conta referencial diverso. Considera que é uma questão prejudicial (de mérito) em relação ao julgamento do pedido, uma vez que sua decisão exerce influência no teor desse julgamento, o que pode ser questionado, tanto que em caso de pagamento de dívida prescrita não cabe repetição do indébito (CABRAL DOS REIS, 2013, pp. 588).

3.3- As Questões e os capítulos da sentença

Como se disse, é comum ter-se um capítulo da sentença que verse sobre a admissibilidade da demanda e outros em que o mérito é apreciado (DINAMARCO, 2006, pp. 31/46). Dentro deles, indiferentemente, podem existir questões (preliminares ou prejudiciais) regidas pelo direito material ou pelo direito processual.

De acordo com Candido Rangel Dinamarco (2017, p. 214) mérito ou objeto do processo corresponde à pretensão de direito material veiculada no pedido da demanda, sendo importante a causa de pedir apenas para a identificação dessa pretensão, por exemplo, no estudo da coisa julgada. Esse modo de pensar é justificado pelo referido jurista por entender que a consideração de aspectos da causa de pedir, na motivação, não traz proveito prático ao demandante no mundo fenomênico ou extraprocessual.

Dentro desse contexto, são questões de mérito aquelas que o juiz “decide” na motivação da sentença (em um capítulo do mérito) para possibilitar o julgamento do pedido no seu dispositivo.

Referem-se às “questões de fato”, ou seja, àquelas que surgem quando o juiz necessita de assentar se determinado fato ocorreu no mundo fenomênico, e às “questões de direito”, sendo estas: 1) as dúvidas quanto ao sentido a ser atribuído a um enunciado normativo ou sobre a sua constitucionalidade; 2) questões cujas soluções resultam na declaração de existência ou inexistência de uma situação jurídica, assim como se dá no reconhecimento da validade de uma compra e venda.

Vale dizer, podem-se incluir, também, entre as questões de mérito, as dúvidas sobre as consequências do fenômeno da incidência de um texto normativo do direito material, vale dizer, acerca da existência de uma relação jurídica ou de um direito decorrente do fato gerador especificado na causa de pedir (a conclusão da subsunção). Esse tipo de questão de direito (em sentido amplo) pode figurar como uma “questão principal de mérito”, ou como uma prejudicial a tal questão.

Por exemplo, reconhece-se como sendo uma questão de direito que deveria ser decidida no capítulo sobre o mérito da causa, vale dizer, que deveria ser decidida antes do julgamento do pedido, a dúvida enfrentada pelo magistrado acerca da existência de certa obrigação pecuniária (sobre a consequência jurídica do fato apurado), que poderia funcionar como causa de pedir em uma demanda de cobrança. A questão da nulidade do mutuo, que deu origem ao débito objeto da demanda, figuraria como uma prejudicial de mérito.

Fica evidente que se pode questionar a relação jurídica que surge da incidência de um enunciado normativo sobre o fato essencial previsto abstratamente na regra legal aplicável, e que foi narrado na causa de pedir, questão essa que, em linha de princípio, será decidida na motivação da sentença (fora do eixo pedido-dispositivo).

Incluem-se, também, entre as questões de mérito, as prejudiciais que determinam o sentido da decisão da principal, desde que regidas pelo direito material, bem como as questões preliminares de mérito, por exemplo, como a prescrição.

Por outro lado, as questões principais (sem qualificar se de mérito ou não), desde que consideradas como aquelas que têm o seu teor influenciado pela decisão de outra, entendimento adotado aqui, podem dizer respeito, também, a uma questão regida pelo direito processual. O mesmo ocorre com as prejudiciais.

Além das “questões de mérito”, cogita-se das “questões de rito”, que são atinentes às condições da ação e aos pressupostos processuais, chamados, por muitos, de “preliminares” (sem a qualificação “de mérito”).

A palavra é usada nesse sentido restrito quando se trata da organização de capítulos da sentença e se refere apenas às questões regidas pelo direito processual, atinentes à admissibilidade do julgamento do pedido (e, não, à admissibilidade da decisão de outra questão).

Contudo, como se disse, as questões de rito, assim como as questões regidas pelo direito material, podem figurar como questões prejudiciais ou preliminares em relação a outras questões (principais ou subordinadas), sendo estas regidas pelo direito material ou não.

Assim, não obstante a utilidade da separação entre mérito e preliminares ao julgamento do mérito, por exemplo, no estudo dos capítulos da sentença, advirta-se, novamente, é preciso cuidado para não separar o que deve ficar junto (preliminares podem não ser de rito e prejudiciais podem não ser regidas pelo direito material) e para não empobrecer a riqueza e utilidade prática do estudo dos fenômenos da prejudicialidade e da preliminariedade.

Portanto, deve-se considerar: 1- a relação de subordinação (preliminariedade ou prejudicialidade) pode ocorrer sendo a questão principal ou subordinada regida pelo direito material ou processual, o mesmo ocorrendo em relação à questão vinculante; 2- uma mesma questão pode atuar ora como subordinada, ora como subordinante, a depender do referencial, do tipo de implicação existente entre os termos da relação; 3-  pode-se dividir a sentença em capítulos, uns para decidir as preliminares de rito (atinentes à pretensão ao julgamento do pedido – sem adentrar no mérito) e outros para julgar cada pedido, mas deve-se ficar atento para a possibilidade de haver relações de preliminariedade ou de prejudicialidade dentro de cada capítulo. Assim, naquele em que se aprecia a preliminar de ilegitimidade ativa ad causam em uma ação popular, a validade do ato de naturalização do autor é uma prejudicial à questão de rito. Por outro lado, a incompetência do juízo deve ser decidida antes da ilegitimidade ad causam e esta antes da decisão acerca do interesse de agir, por existir relações de preliminariedade entre as questões.

Insista-se: o termo “preliminares” pode ser usado para designar o capítulo da sentença que trata da admissibilidade da demanda (matérias regidas pelo direito processual), mas não se deve esquecer que essa palavra possui uso técnico próprio, servindo para designar um tipo de questão que pode surgir no curso do processo.

Dessa forma, reafirma-se que não é a matéria objeto da questão (direito processual ou material) que a faz figurar como questão subordinante ou subordinada (principal), mas o modo como se relaciona com outra. Assim, podem existir questões prejudiciais e preliminares de mérito ou de rito (idem em relação às subordinadas ou principais).

4- Questões prejudiciais e coisa julgada no NCPC

Barbosa Moreira (1967, p. 45), em estudo clássico, como já se disse, afirmava que as questões prejudiciais apresentam como característica própria, e que lhes daria ar de juridicidade, o fato de que o juiz para solucioná-las ter que aplicar a norma, fruto da sua interpretação, a um fato, sendo que não transitam em jugado quando decididas incidentalmente.

Em verdade, quando Barbosa Moreira desenvolveu seu estudo, o parágrafo único do art. 285 do CPC/39 criava dúvidas sobre se as questões prejudiciais (de mérito) faziam coisa julgada.

Assim, a sua pesquisa tinha o objetivo de interpretar esse dispositivo legal e de demostrar os limites objetivos da coisa julgada, tendo evidenciado, considerando dados históricos do processo civil italiano, que as prejudiciais não fazem coisa julgada, ao contrário do que se poderia pensar numa visão literal do disposto do CPC/39. Verificou que habitava, no paragrafo único do art. 285, o fenômeno do efeito preclusivo da coisa julgada.

O nobre jurista carioca assinalou não se mostrar necessário para a caracterização da questão prejudicial sua aptidão para figurar em processo autônomo, exatamente porque ainda que se considere tal restrição conceitual, é certo que essas questões podem ser solucionadas incidentalmente, não verificando relevância prática no aspecto da autonomia. O que as distinguiria de outras é não transitar em julgado quando “decididas” incidentalmente. Teria que haver uma cumulação de pedidos, entretanto, neste caso, já não se deveria cogitar de questão, mas de causa prejudicial.

Embora Clarisse F. Lara Leite (2008, pp. 79/80) entenda que a caracterização prescinde da existência de um raciocínio de subsunção, sendo relevante apenas haver uma vinculação jurídica entre as decisões das questões, evidencia que a restrição conceitual acima referida afasta o estudo de questões que apresentam repercussões importantes no processo.

Contudo, a doutrina majoritária dizia que a além do nexo lógico entre a questão prejudicial e a prejudicada, a sua caracterização exigia que aquela também pudesse figurar em ação e processo autônomo ou ter aptidão para apresentar-se como uma causa prejudicial à outra.

Essa corrente majoritária, que vingou, também, na vigência do CPC/73, pode continuar a ser acolhida, a partir do CPC/15? Ou seja, para caracterizar-se como prejudicial, a questão deve ter aptidão para figurar em ação autônoma? Decididas incidentalmente (sem pedido) não fazem coisa julgada?

Veja-se o teor dos dispositivos legais do NCPC que tratam da matéria:

“ Art. 503.  A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.

§ 1o O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo, se:

I – dessa resolução depender o julgamento do mérito;

II – a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia;

III – o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal.

§ 2o A hipótese do § 1o não se aplica se no processo houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial.”

Pode-se extrair que apenas o pedido (mérito) é propriamente objeto de julgamento, sendo certo, entretanto, que se devem considerar as questões principais decididas na motivação da sentença para identificar os limites da coisa julgada. Vale dizer, de acordo com o caput, só faz coisa julgada o que é julgado no dispositivo (o pedido). As decisões das questões principais, na motivação, não transitam em julgado, mas não podem ser alegadas em outra demanda com o objetivo de modificar o resultado anterior. Ou: o juiz deve decretar a coisa julgada, impedindo o prosseguimento de demanda futura em que for alegada a mesma questão principal para obter-se novo julgamento do pedido apreciado em demanda anterior (TALAMINI, 2005, p. 70). Mas, em principio, a questão principal pode ser decidida de modo diverso em demanda posterior, se outro for o pedido. Há exceções, como no caso de se pedir mil reais, com trânsito em julgado, e, em demanda posterior, se pedir cem reais, alegando-se o mesmo fundamento fático e jurídico (TALAMINI, 2005, p. 70).

O § 1º diz ocorrer algo equivalente ao julgamento do pedido, quando há a resolução de uma questão prejudicial (de mérito). O dispositivo fala em decisão expressa e incidental, pontuando que não se admite decisão implícita.

O § 1º diz ocorrer algo equivalente ao julgamento do pedido, quando há a resolução de uma questão prejudicial (de mérito). Portanto, o objeto do processo, a pretensão decidida, pode já não se limitar apenas ao pedido. O preceito legal fala em decisão expressa e incidental, pontuando que não se admite decisão implícita.

Ainda, nos termos do § 1º, I, art. 503 do NCPC, a decisão da questão prejudicial poderá fazer coisa julgada, sem que exista pedido, desde que presentes certos requisitos.

Fazer “coisa julgada”, na hipótese, deve ser traduzido na exigência de que a prejudicial seja regida pelo direito material, tendo aptidão para figurar em ação e processo autônomo, embora, a partir do NCPC, não seja necessário um pedido incidental para que seja decidida com força de coisa julgada.

Tereza Alvim (1977, pp. 27/28), na linha da melhor doutrina, referindo-se às questões prejudiciais regidas pelo direito material, esclarece que essas podem transformar-se em causas prejudiciais à outra, desde que propostas em demanda autônoma e estejam ambas pendentes.

Contudo, veja-se que o legislador fala em “questão prejudicial”. Assim, sem que haja uma causa prejudicial ou uma demanda incidente, o juiz decide uma questão com força de coisa julgada. Mas, isso nem sempre acontecerá.

Tem-se, então, que as prejudiciais decididas incidentalmente, sem pedido, fazem coisa julgada, se foram prejudiciais de mérito e estiverem subordinadas à outra questão, também regida pelo direito material, e restarem preenchidas certas exigências legais. Então, continuam existindo prejudiciais que não transitam em julgado.

Tem razão Marcelo Abelha Rodrigues (2016, p. 695) ao considerar que, de acordo com o NCPC, apenas quando a questão prejudicial e a prejudicada forem regidas pelo direito material, tendo aptidão para figurar em demanda autônoma, é que haverá a sua imunização pela autoridade da coisa julgada.

Vale dizer, para que a sua decisão faça coisa julgada, a questão prejudicial deve figurar como uma questão de mérito, respeitante a uma dúvida sobre uma relação jurídica subordinante. Da mesma forma a questão principal (subordinada), deve ser uma questão regida pelo direito material. Além disso, devem estar presentes os requisitos dos incisos do art. 503 acima transcritos.

Assim, ainda que a prejudicial seja uma questão regida pelo direito material, se se relacionar com outra regida pelo direito processual, a sua decisão incidental não fará coisa julgada.

Por exemplo, se o réu alegar a nulidade do ato de naturalização do autor da ação popular, como fundamento da arguição da ilegitimidade ativa ad causam, sendo decretada esta, a decisão daquela questão prejudicial, acerca de vício, não poderá ficar coberta pelo manto da coisa julgada, pois, nesse caso, a questão subordinada é regida pelo direito processual. O processo será extinto sem resolução de mérito.

Em corroboração, o inciso I, do art. 503, acima transcrito, diz que haverá o julgamento do pedido. Assim, se o processo for extinto sem resolução do mérito, ainda que ocorra a decisão de uma questão prejudicial de mérito incidentalmente, essa decisão não transita em julgado.

De outro giro, teria aptidão para transitar em julgada, v. g., a decisão acerca da existência do vínculo de emprego quando este é alegado como prejudicial à questão da existência de verbas rescisórias, pois se tem duas questões de mérito em relação de prejudicialidade.

Fazer coisa julgada significa que a decisão da prejudicial deverá ser obedecida seja quando tiver que ser decidida incidentalmente em outro feito, ainda que diante de pedido diverso, seja quando figurar como questão principal em ação autônoma futura.

Importa salientar que o inciso I, do art. 503, evidencia ser necessário haver a decisão de uma questão prejudicial, não se apegando ao resultado, de modo que essa decisão faz coisa julgada ainda que a sentença seja desfavorável ao autor (NEVES, 2017, pp. 884/889). Por exemplo, na demanda em que se pedem alimentos alegando existir relação de filiação biológica, a decisão que certifica existência dessa relação fará coisa julgada, ainda que o pedido seja julgado improcedente.

O inciso II diz que a decisão da questão prejudicial só faz coisa julgada se precedida do contraditório efetivo. Deve haver possibilidade de produção de provas e de influenciar o teor da decisão a ser proferida, o que se afere observando-se a sua motivação. Portanto, se as partes falaram apenas de passagem ou de modo secundário, não se poderá cogitar de coisa julgada a envolver a “decisão” da questão prejudicial. Deve-se observar o contraditório não apenas como potencialidade. Isso fica evidente com a previsão de que em caso de revelia a decisão da prejudicial não fará coisa julgada (inciso II).

O juiz pode fazer surgir uma questão prejudicial no processo e decidi-la com força de coisa julgada (AMARAL, p. 609), suscitando-a de oficio, v.g., no caso da incapacidade civil absoluta de uma das partes, ou transformando uma alegação em dúvida. Não há limitação na lei, mas devem-se observar os demais requisitos, entre os quais a necessidade de contraditório (art. 9º do NCPC), sendo vedadas decisões surpresas (art.10º do NCPC).

O inciso III, do art. 503, do NCPC evidencia que para fazer coisa julgada o juízo deve ter competência em razão da matéria e da pessoa para decidir a questão prejudicial, o que se afere verificando se não haveria incompetência absoluta para julgá-la se fosse caso de uma demanda autônoma. Assim, se o juiz trabalhista decidir uma questão prejudicial regida pelo direito de família, não se poderá cogitar de coisa julgada.

Por fim o § 2º evidencia a necessidade de cognição ampla (vertical e horizontal) pelo juiz, com boa possibilidade probatória. Não haver restrições probatórias e limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial, em verdade, é um aspecto da exigência de efetivo contraditório, poder a parte fazer a prova e não haver limitação em relação às matérias arguíveis.

Pode-se dizer ainda, numa interpretação finalística, que mesmo que não existam limitações probatórias no procedimento, mas se, em concreto, observar-se que a prova não foi produzida a contento, o juiz não está autorizado a julgar com base em presunção e considerar que a decisão fica coberta pelo manto da coisa julgada. Então, também, nesse caso, não haverá coisa julgada em relação às prejudiciais (contra: NEVES, 2017, pp. 884/889).

A coisa julgada sobre as prejudiciais substitui a técnica, do CPC/73, da ação declaratória incidental, tendo o mesmo efeito. Assim, se o interessado tiver um crédito liquido e certo de valor superior ao cobrado, a extensão da coisa julgada não lhe serve para pedir o excedente; terá que reconvir e pedir a condenação do autor-reconvindo a pagar a diferença (DIDIER; BRAGA; DE OLIVEIRA, 2015, 234).

Advirta-se que a decisão da questão prejudicial não depende de pedido, mas, ainda assim, deve constar também do dispositivo da sentença (MARINONI; ARENHART; MATIDIERO, 2017, pp. 682/684), pois, com o novo regime, passa a compor o objeto do processo e a ter efeitos no mundo fenomênico ou extraprocessual. Em nome da segurança jurídica e tendo em conta os princípios da boa-fé e da colaboração, o juiz deve decidi-la em capítulo separado, demonstrando, inclusive, que a decisão da prejudicial faz coisa julgada, no caso concreto, por restarem presentes os requisitos dos incisos do art. 503 do NCPC. Evitam-se, assim, transtornos com a identificação da coisa julgada, em processo futuro. Em caso de omissão, cabem embargos de declaração. Mas, reconheça-se que há controvérsia, existindo doutrina que afirma que a coisa julgada opera por força da lei (não se discorda), sendo desnecessária tal conduta judicial, devendo o juiz, que atua no processo futuro, verificar, se for o caso, a ocorrência do fenômeno jurídico, de oficio ou mediante a alegação das partes (DIDIER; BRAGA; DE OLIVEIRA, 2015, p. 535).

Poder-se-ia indagar se a decisão de uma questão prejudicial à questão da impossibilidade jurídica do pedido (causa de pedir) ficaria imunizada pela coisa julgada. A resposta, como todos sabem, depende do entendimento sobre se a impossibilidade jurídica do pedido compõe o mérito da causa ou é um requisito de admissibilidade da demanda.

Ou seja, deve-se saber se o juiz ao decretar a impossibilidade jurídica do pedido decide se o autor não tem o direito vindicado. Seguindo a lição mais recente do Liebman, trata-se de uma condição da ação, mais exatamente, do interesse de agir, sendo certo que para restar presente tal condição da ação, faz-se necessária a narração da violação de um interesse jurídico relevante no ordenamento jurídico, o que absorve a ausência de proibição legal à sua satisfação (WATANABE, 2000, p. 76).

Por outro lado, o fato de o NCPC não usar o termo “condição da ação” não significa que esse conceito lógico-jurídico fundamental, útil e bastante experimentado deixou de existir para a ciência do direito processual (NERY, 2015, p. 71/72), sendo certo que boa parte das críticas ao seu uso resta superada pela previsão no novel diploma legal de que outra demanda só pode ser proposta se corrigido o vício que ensejou a extinção do processo sem resolução de mérito (§ 1º do art. 486 do CPC/15), e pela previsão de cabimento de ação rescisória.

Saliente-se, ainda, que a extensão dos limites objetivos da coisa julgada à decisão das prejudiciais tem repercussão na teoria geral dos recursos (DIDIER, BRAGA E DE OLIVEIRA, 2015, p 535). Imagine-se que o réu alegou compensação. O autor em réplica diz que o negócio jurídico de onde deriva o crédito a compensar é nulo. O juiz singular acolheu a nulidade, mas, ainda assim, julgou improcedente o pedido por outro fundamento (pagamento). Terá o réu interesse em recorrer, pois a decisão da questão prejudicial transita em julgado. A doutrina, por isso, indica que a técnica trazida pelo NCPC pode implicar aumento do tempo de duração do processo.

5- A aplicação ao processo do trabalho

A doutrina majoritária enfatiza que o artigo 15 do NCPC não revogou o art. 769 da CLT, de modo que além da omissão do diploma celetista, exige-se o requisito da compatibilidade da norma a ser importada (SCHIAVI, 2017. P. 457).

Como explica Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2017, p. 52), o art. 15 do NCPC fala em aplicação complementar e subsidiária, significando, respectivamente, que o processo civil pode ser aplicado se a CLT regular o assunto de modo insuficiente ou se for omissa em regular o instituto.

Tem-se avançado para considera-se possível a convivência harmônica dos diplomas, aplicando-se o CPC ainda que exista norma sobre certo tema na CLT, desde que a integração implique ganho de efetividade (SCHIAVI, 2017, P). Assim,  reconhece-se que pode haver lacuna legal em decorrência de mudanças valorativas e sociais, por envelhecimento da lei, observando-se a norma mais favorável.

Por outro lado, como se sabe, a coisa julgada opera por força de lei (DIDIER; BRAGA; DE OLIVEIRA, 2015, p. 535), de modo que desde que não caiba mais recurso da decisão judicial de mérito, haverá coisa julgada, uma vez assim se concretiza a hipótese de incidência do art. 502 do NCPC.

Outro aspecto relevante é não prejudicar a celeridade processual, elemento nuclear para se permitir a aplicação subsidiária, tendo em conta que o juiz, na Justiça do Trabalho, decide demandas em que se pedem verbas de natureza alimentar.

Portanto, deve-se observar o caso concreto, deixando-se de aplicar o NCPC nas hipóteses em que houver comprometimento da celeridade. Por exemplo, se for necessário produzir prova exclusivamente sobre fatos da relação jurídica prejudicial, o tempo pode ser um adversário a ser considerado. Se a demanda for julgada improcedente, não se deve aplicar a técnica de extensão dos limites da coisa julgada às prejudiciais, pois haveria a possibilidade de recurso ao tribunal, o que consumiria tempo.

Deve-se atentar, também, para a vulnerabilidade técnica e econômica do trabalhador, ainda que se possa argumentar estar representado por advogado. É uma repercussão do principio da isonomia e do acesso à justiça. Importa considerar, por exemplo, que o empregado, em geral, encontra dificuldade para provar os fatos constitutivos do seu direito. Os documentos ficam com o empregador.

Por outro giro, o processo é instrumental, de modo que se devem considerar as particularidades do direito material, entre os quais a existência de subordinação entre empregado e empregador, sendo certo que a capacidade financeira deste último permite-lhe resistir com facilidade ao tempo exigido para o julgamento da lide.

Assim, deve-se aplicar o artigo 503, seus parágrafos e incisos, ponderando-se, no caso concreto, os princípios da celeridade e da segurança jurídica e observando-se se há aumento da eficiência processual pela maior abrangência da coisa julgada, com estancamento de potenciais conflitos conexos e redução do número de reclamações trabalhistas, sem prejuízo para os princípios da isonomia e do acesso à justiça para o reclamante hipossuficiente.

6-Direito intertemporal

Por derradeira, é preciso considerar que de acordo com o art. 1.054 do NCPC, o disposto no art. 503, 1º, somente se aplica aos processos protocolados após o início da vigência do novel diploma legal (18/3/2016).

Conclusões

Pontos são os fundamentos das afirmações feitas pelos sujeitos do processo. Questões são pontos controvertidos.

As questões que surgem no processo concernem a afirmações a respeito das quais se tem dúvida. Podem ser criadas pelas partes, por outros sujeitos intervenientes ou pelo juiz, e dizer respeito a fatos ou a interpretação de lei ou às consequências da incidência (direitos decorrentes de relações jurídicas).

Tem-se classificado as questões prévias em prejudicais e preliminares, consistindo a diferença no seguinte: a decisão das primeiras influencia o teor da decisão daquela que lhe é subordinada, enquanto a decisão das segundas, a admissibilidade da decisão da que lhe é subordinada.

Doutrina clássica considera que as questões prejudiciais são aquelas que mantem com outra uma relação necessária de subordinação lógica e jurídica, sendo certo que a operação mental que o juiz faz para decidi-las é o aspecto que demonstra a sua juridicidade, consistindo em ter-se que aplicar a norma, fruto da sua interpretação, a um fato.

A aptidão para figurar em processo autônomo não é requisito para a caracterização de uma questão como prejudicial e tampouco o seu conteúdo, podendo ser regidas pelo direito material ou processual.

Mas, para fazer coisa julgada, de acordo com o NCPC, a prejudicial consiste em uma dúvida sobre a existência de uma relação jurídica, portanto, deve estar vinculada a outra questão, também, regida pelo direito material, e apresentar essa aptidão.

O NCPC estendeu o limite objetivo da coisa julgada à decisão das questões prejudiciais de mérito, técnica que imita a ação declaratória incidental, mas a decisão independe de pedido.

A sentença deve ser organizada em capítulos, uns atinentes às preliminares de rito (julga-se a pretensão ao processo) e outros para o julgamento do pedido (mérito), podendo existir dentro desses capítulos questões que se relacionam em termos de preliminariedade ou de prejudicialidade.

Em nome da segurança jurídica, do princípio da cooperação e tendo em conta que o objeto do processo passa a ter abrangência diversa, o magistrado deve decidir a questão prejudicial em capítulo separado, demonstrando, ainda, a presença dos requisitos legais que permitem a aplicação da nova técnica.

A aplicação do art. 503, seus parágrafos e incisos, ao processo do trabalho, requer que se verifique, em cada caso concreto, se haverá aumento da eficiência processual (redução de demandas potenciais), sem prejuízo para a celeridade e da segurança jurídica.

 

Referências
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AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às Alterações do Novo CPC. São Paulo: RT, 2015.
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DIDIER, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2015, vol.1.
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FABRICIO, Adroaldo Furtado. Ação Declaratória Incidental. São Paulo: RT, 1995.
FERNANDES, Scarance. Prejudicialidade. São Paulo: RT, 1988.
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa Garcia. Curso de Direito processual do Trabalho. São Paulo: Método, 2017.
GRINOVER, Ada Pellegrini. Ação Declaratória Incidental. São Paulo: RT, 1972.
LEITE, Clarisse. F. L. Prejudicialidade no Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2008.
MARINONI, L. G.; ARENHART, S. C.; MATIDIERO, D. Novo Curso de direito processual Civil. São Paulo: RT, 2017, vol. 2.
NERY, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal. São Paulo: RT, 2015.
NEVES, Daniel A. Manual de direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2017.
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Método, 2016.
SCHIAVI, M. Manual de Direito Processual do Trabalho. São Paulo: LTr, 2017.
TALAMINI, Eduardo. Coisa Julgada e sua Revisão. RT: São Paulo, 2005.
TORNAGHI, Helio. Instituições de Direito Processual Penal. São Paulo: RT, 1978.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et. al. Primeiros Comentários do Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015.
WATANABE, Kazuo. Cognição no Processo Civil. São Paulo: Bookseller, 2000.

Informações Sobre o Autor

Helio Estellita Herkenhoff Filho

Analista Judiciário do TRT da 17 Região. Ex-professor de Direito da UFES. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho e em Direito Processual Civil. Tem livros e artigos jurídicos publicados. É membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil


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