A epidemia das cesáreas no Brasil e o mito do parto normal

Resumo: O presente ensaio científico propõe analisar a questão do grande número de cesarianas realizadas no Brasil, sendo considerada uma “epidemia”, realizando uma conexão entre a realidade brasileira contextualizada em uma reportagem retirada de um site de notícias e o quinto Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODMs), qual seja, melhora na saúde materna. No Brasil, o parto natural ainda é considerado um dilema, sendo desvalorizado tanto pelos “mitos” que o cercam, quanto pelos valores pagos aos obstetras. Partindo deste cenário, a Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta o país como líder em cesárias no mundo. Diante desta realidade, foi desenvolvido um projeto chamado Parto Adequado, que tem por objetivo diminuir esses percentuais. A partir dessas informações, compreende-se que para alcançar a melhora na saúde materna é necessário qualificar todo sistema de assistência as gestantes; valorizar o parto normal e desvincular-se dos mitos que o cercam.

Palavras-chave: Epidemia de Cesarianas, Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), Melhora na Saúde Materna.

Abstract: The present scientific essay proposes to analyze the issue of the large number of cesarean sections performed in Brazil, being considered an "epidemic", making a connection between the Brazilian reality contextualised in a news report withdrawn from a site and the fifth Development Objective of the Millennium Development Goals (MDGs), ie, improved maternal health. In Brazil, natural childbirth is still considered a dilemma, being devalued both by the "myths" and the surrounding, as well as the obstetrician payments. From this scenario, a World Health Organization (WHO) points to the country as leader in Caesareans in the world. Faced with this reality, a project called Parto Adequado was developed, which aims to reduce these percentages. From this information, it is understood that in order to achieve improvement in maternal health, it is necessary to qualify each and every assistance system for pregnant women; valuing normal childbirth and dissociating itself from the myths surrounding it.

Keywords: Caesarean Epidemic, Millennium Development Goals (MDGs), Improvement in Maternal Health.

Sumário: Introdução. 1.2. Contextualização do tema: “epidemia” de cesarianas no Brasil e o quinto Objetivo de Desenvolvimento do Milênio – melhoraria da saúde materna 2. Resultados e Discussões Conclusão. Referências.

Introdução

Este ensaio científico tem como finalidade analisar uma reportagem que diz respeito à realidade brasileira no que se refere à quantidade expressiva de cesarianas realizadas no país. Este tema possui relação com o quinto objetivo trazido pelos “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – ODM”, qual seja, melhorar a saúde materna. Para tanto, a reportagem abordada foi selecionada no site do BBC Brasil, intitulada “Contra a epidemia das cesáreas: projeto consegue aumentar número de partos normais”. Esta matéria foi escrita pela repórter Mariana D. Barba, e divulgada em junho de 2016.

A reportagem trata do elevado número de cesarianas realizadas no Brasil, eis que a Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta o país como líder em cesárias no mundo (em cada 10 partos, 8,5 são cesáreas, sendo que a OMS recomenda o equivalente a 1,5). Diante desta realidade, foi desenvolvido um projeto chamado Parto Adequado, que tem por objetivo diminuir esses percentuais. Em um ano, esse projeto conseguiu baixar as taxas em 9 pontos nos quarenta hospitais do país que o implementaram, fazendo com que a média de cesáreas caísse de 78% para 69%, nesses hospitais (BARBA, 2016).

Mas por que a necessidade desse projeto? O parto normal no Brasil é desvalorizado, tanto pelos “mitos” que o cercam, quanto pelos valores pagos aos obstetras. No que tange os mitos ao redor das cesarianas, o primeiro corresponde as interpretações exageradas dos sinais fetais, o que leva as gestantes ao pavor. Outras situações são as inseguranças referentes a dor do parto, o tempo incerto de duração e, também, os possíveis problemas neurológicos que podem afetar o bebê – sendo que esta é uma questão comprovada, cientificamente, pois quando o parto é bem assessorado, não ocorre.

Entretanto, no se que refere aos valores pagos aos obstetras, essa é uma situação polêmica, pois os médicos que acompanham um parto natural precisam dispor de tempo, deixando de atender em seus consultórios, ou, inclusive, realizando apenas um parto no dia em razão da demora de alguns partos naturais. Esse, inclusive, é um dos motivos constatados de maior relevância para o Brasil ter elevados índices de cesarianas, afirma Barba (2016).

1.2. Contextualização do tema: “epidemia” de cesarianas no Brasil e o quinto Objetivo de Desenvolvimento do Milênio – melhoraria da saúde materna

Segundo Barba (2016) em conversa com médicas obstétricas e com a presidente da ONG de direitos das mulheres, para que haja uma melhora considerável desses números é necessário: a) melhorar a remuneração dos profissionais obstétricos que realizam os partos normais; b) ter equipes multidisciplinares nos hospitais; c) valorizar a enfermagem, tendo em vista que esses profissionais são os que mais trabalham durante o trabalho de parto, pois o médico é chamado no momento do nascimento; d) capacitar os médicos, pois foram preparados para cesarianas, tendo que reaprender os procedimentos de um parto normal.

No quinto objetivo trazido pela Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – ODM – consta melhorar a saúde materna. Esse objetivo possui duas metas: a) reduzir a mortalidade materna, b) universalizar o acesso à saúde sexual e reprodutiva. Segundo dados do mencionado Relatório, o Brasil enfrenta dificuldades no que tange a “meta A”, entretanto houve uma redução considerável, comparando os dados atuais aos dados de 1990 a 2011, visto que a taxa de mortalidade materna brasileira caiu para 55%, 141 para 64 óbitos por 100 mil nascidos vivos (ODM, 2014).

De acordo com ODM (2014), o principal indicador da “meta A” consiste na Razão de Mortalidade Materna (RMM). A mortalidade das mulheres durante a gravidez, parto ou puerpério (período de 42 dias após o parto) está reduzindo no Brasil, conforme números demonstrados anteriormente (64 óbitos por 100 mil nascidos vivos). Entretanto a RMM ainda está acima da meta estipulada para 2015, qual seja, 35 óbitos por 100 mil nascidos vivos. A redução da RMM se deve a causas obstétricas diretas, resultantes de complicações durante a gravidez, parto ou puerpério, decorrentes de omissões, intervenções, tratamentos equivocados ou eventos associados às causas já citadas.

Nesse sentido, um fator que dificulta a redução da mortalidade materna é o elevado número de cesarianas realizadas na país. Infelizmente os números são muito altos e a tendência é permanecer crescendo. Em 1996, as cesáreas correspondiam a 41%, subindo em 2011 para 54%. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que não se ultrapassem os percentuais de 5% a 15% de partos por cesariana. A OMS aponta o Brasil como líder em cesárias no mundo (ODM, 2014). Esses dados possuem uma relação direta com o conteúdo da reportagem selecionada para este estudo.

Conforme o ODM (2014), esse indicador representa um grande desafio para a política brasileira de saúde. A realização indiscriminada de cesarianas envolve riscos desnecessários tanto para a mãe quanto para o bebê, além dos custos adicionais ao sistema de saúde. Mulheres submetidas a cesarianas têm 3,5 vezes mais chances de morrer e 5 vezes mais chances de contrair uma infecção puerperal, sem contar a maior ocorrência de partos prematuros. Para reduzir a mortalidade materna é necessário dar atenção qualificada ao parto e assistência obstétrica de emergência (meta A).  Também é preciso ter acesso a serviços de pré-natal e planejamento familiar, dimensões relativas a meta B.

Partindo desse ínterim, Souza (2013) afirma que os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio abarcam aspectos amplos do desenvolvimento social e econômico e um grande exemplo consiste, justamente, nessa meta de reduzir a mortalidade materna. O autor continua, mencionando que o grande número de mulheres que morrem a cada ano em razão de complicações na gravidez, parto ou puerpério, em sua maioria, também decorrem da conjuntura social, econômica e cultural do país. Assim, na medida em que os governos desenvolvem políticas públicas capazes de diminuir a mortalidade materna, ao mesmo tempo estão promovendo o desenvolvimento social.

Entretanto, esse progresso ainda é lento, pois a quantidade de mulheres que morrem de causas relacionadas a gravidez ainda é elevado em todo o mundo. Também se observam grandes disparidades no interior dos países em desenvolvimento e, ainda, quando a população é desagregada por faixas de renda e educação, a realidade tende a piorar. Desta forma, os países, incluindo o Brasil, estão frequentemente em distintos caminhos para eliminar a mortalidade materna (FERRAZ; BORDIGNON, 2012; SOUZA, 2013).

Assim, com intuito de alcançar melhorias nesses índices, no Brasil o Sistema Único de Saúde (SUS) tem adotado medidas como a regulamentação da vigilância de óbitos maternos e políticas públicas voltadas à melhoria da saúde materna, como a Rede Cegonha. Essa política pública foi lançada em 2011 com o objetivo de reduzir a mortalidade materna e neonatal e organiza-se por meio dos seguintes componentes: a) pré-natal; b) parto e nascimento; c) puerpério e atenção da saúde da criança; d) sistema logístico. O foco deste programa é reforçar a rede hospitalar convencional, principalmente a obstetrícia de alto risco, além da criação de novas estruturas de assistência, fomentando Centros de Parto Normal e qualificação dos profissionais da saúde (PORTAL DA SAÚDE, texto digital).

Nesse sentido, de acordo com Ferraz; Bordignon (2012) e Souza (2013), o fortalecimento do sistema de saúde e a melhora na qualidade da assistência resultam em um “fenômeno de transição obstétrica”, caracterizado pela transição de altos índices para baixa mortalidade materna, com predominância das causas obstétricas diretas de mortalidade materna, ou seja, apostar na qualificação dos profissionais é algo essencial e repercute em resultados positivos.

2. Resultados e Discussões

 A partir desse viés, entende-se que para alcançar a meta referente à redução da mortalidade materna é preciso qualificar todo o sistema de assistência às gestantes; valorizar o parto normal e desvincular-se dos mitos que o cercam; promover os profissionais da enfermagem, pois são estes que mais auxiliam durante o trabalho de parto; e desenvolver um “pacto” entre todos os profissionais envolvidos para efetivamente melhorar o atendimento obstétrico, chegando a um consenso no que tange à remuneração dos médicos quando realizam partos naturais. Isso porque a prevenção da morte materna evitável é o fator principal para obter melhoras no que tange à saúde da mulher (FERRAZ; BORDIGNON, 2012; SOUZA, 2013).

Portanto, reduzir a mortalidade materna significa promover o desenvolvimento econômico, profissional, cultural e social, fomentando as dimensões do desenvolvimento humano. Além disso, favorece a melhora da saúde para toda população, eis que evita uma série de desgastes, tanto pessoais quanto da rede de saúde, priorizando o desenvolvimento humano e ampliando o foco no bem-estar da sociedade. Desse modo, o desenvolvimento humano é o processo de ampliação das liberdades dos indivíduos, oportunizando a escolha da vida que desejarem de acordo com as capacidades e oportunidades disponíveis (ATLAS BRASIL, 2013).

Conclusão

Conforme análise da reportagem, denota-se que a quantidade de cesáreas realizadas no Brasil ainda é elevado em relação ao índice sugerido pela Organização Mundial da Saúde. Esses índices indicam muitos fatores, relatados acima, os quais caracterizam, inclusive, a taxa elevada de mortes maternas no momento ou após o parto.

Se sabe que todo procedimento cirúrgico implica riscos, porém, muitas vezes as mulheres grávidas não tem como opção outro procedimento para realizar o parto a não ser a casariana. E é justamente essa possibilidade de escolha que pode refletir em resultados positivos para a redução de mortes das mães e dos bebês, aliada a uma equipe profissional adequada e disposta a colaborar para o bom atendimento das mulheres grávidas, reduzindo os riscos decorrentes dos procedimentos do parto.

Assim, compreende-se que prevenir mortes maternas evitáveis caracteriza uma forma de bem-estar coletivo, pois o cuidado se reflete nos indivíduos, nas famílias e na comunidade. Além disso, se promove uma evolução na assistência à saúde e se garante o direito à vida dessas mulheres e crianças, evidenciando a busca pela promoção dos direitos humanos  (FERRAZ; BORDIGNON, 2012).

 

Referências
ATLAS BRASIL. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2013. Disponível em: http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/o_atlas/desenvolvimento_humano/ Acesso em: 05 set. 2016.
BARBA, Mariana D. Contra epidemia de cesáreas no Brasil: projeto consegue aumentar número de partos normais. São Paulo: BBC Brasil, 2016. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/brasil-36565542 Acesso em: 24 ago. 2016.
FERRAZ, Lucimare; BORDIGNON, Maiara. Mortalidade materna no Brasil: uma realidade que precisa melhorar. Revista Baiana de Saúde Pública, v. 36, n. 2, p. 527-538, 2012.
OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO – ODM. Relatório Nacional de Acompanhamento. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2014.
PORTAL DA SAÚDE. Rede Cegonha. Disponível em: http://dab.saude.gov.br/portaldab/ape_redecegonha.php Acesso em: 05 set. 2016.
SOUZA, Joao Paulo. Mortalidade materna e desenvolvimento: a transição obstétrica no Brasil. Revista Brasileira Ginecologia Obstétrica, v. 35, n. 12, p. 533-535, 2013.

Informações Sobre os Autores

Ana Christina Konrad

Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento da Universidade do Vale do Taquari, Mestra em Ambiente e Desenvolvimento, graduada em Direito (UNIVATES); Bolsista PROSUC/CAPES

Bruno Nonnemacher Buttenbender

Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento da Universidade do Vale do Taquari, Mestre em Ambiente e Desenvolvimento pela UNIVATES, Graduado em Administração pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul

Marcele Scapin Rogerio

Doutoranda em Ambiente e Desenvolvimento pela UNIVATES, Mestra em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, Especialista em Educação Ambiental pela Universidade Federal de Santa Maria, Graduada em Direito pela Universidade de Cruz Alta – UNICRUZ


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