A gratuidade de justiça e o novo Código de Processo Civil

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Resumo: O presente artigo explora o instituto da gratuidade de Justiça, abordando, de forma sintética e objetiva, o seu contexto histórico, a sua evolução legislativa desde os tempos primórdios no mundo e no Direito brasileiro, as suas diferenças em relação à assistência jurídica e à assistência judiciária gratuita e, principalmente, a sua previsão no novo Código de Processo Civil (Lei Federal nº 13.105, de 16 de março de 2015, vigente a partir de 18 de março de 2016), que revogou diversos dispositivos da Lei n  1.060, de 05 de fevereiro de 1950, que tratavam do tema estabelecendo normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados. Desse modo, serão descritos sequencialmente e comentados os artigos do novo diploma processual civil que se referem à gratuidade de Justiça, à luz da doutrina e da jurisprudência, havendo, ao final, uma conclusão crítica sobre os seus pontos positivos e negativos na novel lei processual civil.

Palavras-chave: gratuidade. Justiça. Novo. Código de processo civil.

Abstract: This article explores the institute of the gratuitousness of Justice, approaching, in a synthetic and objective way, its historical context, its legislative evolution from the earliest times in the world and in Brazilian Law, its differences in relation to legal assistance and assistance (Law No. 13,105 of March 16, 2015, effective as of March 18, 2016), which repealed several provisions of Law No. 1,060 of May 5, Of February 1950, which dealt with the subject by establishing norms for the granting of legal aid to those in need. In this way, the articles of the new civil procedural instrument referring to the gratuitousness of Justice, in the light of doctrine and jurisprudence, will be described in a sequential manner and commented on, in the end, a critical conclusion about its positive and negative points in the novel procedural law civil.

Keywords: gratuity. Justice. New. Civil procedure code.

Sumário. Introdução. 1. Evolução histórica do instituto. 2. Diferença entre gratuidade de justiça, assistência jurídica e assistência judiciária. 3. Análise específica da gratuidade de Justiça no novo Código de Processo Civil. Conclusão. Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO

A garantia de acesso à justiça sempre foi um tema muito recorrente na sociedade, e atualmente ganhou um viés ainda maior, à luz da constante transformação e evolução nos campos político, econômico e jurídico. Em nosso país, o acesso à justiça encontra grandes dificuldades em razão da nossa vastidão territorial, que gera distorções e desigualdades sociais nos campos econômico e cultural.

A Constituição Federal de 1988, apelidada pela doutrina e jurisprudência de “Constituição Cidadã”, visando superar os entraves acima expostos, trouxe em seu bojo a previsão de diversos direitos fundamentais, dentre eles o direito à cidadania, que possui na gratuidade de justiça a expressão de uma de suas garantias.

No presente trabalho, trataremos do instituto da gratuidade de justiça, abordando a sua evolução histórica, as suas diferenças em relação a outros institutos e principalmente a sua previsão no Código de Processo Civil de 2015.

1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO

Na abordagem histórica da gratuidade da Justiça, vemos que, inicialmente, referido instituto estava umbilicalmente relacionado ao princípio universal do acesso à Justiça e ao direito à assistência jurídica e judiciária gratuitas.

Nesse sentido, segundo a doutrina[1], a primeira legislação mundial que fez referência à gratuidade de Justiça foi o Código de Hamurabi, escrito no século XXI a.C., que, no seu texto de 3.600 linhas e de 282 artigos, dispôs expressamente sobre a necessidade de tratamento equitativo entre as partes em um litígio instaurado.

Do mesmo modo, na Idade Antiga, em Roma, os membros das castas superiores da sociedade protegiam os menos favorecidos, informando-os acerca dos seus direitos e defendendo-os perante os Tribunais então vigentes.

Já durante os séculos III e IV d.C., em Constantinopla, berço do império de Constantino, a promulgação do “Édito de Milão” proporcionou aos pobres a isenção do pagamento de custas processuais, garantindo-lhes, ainda, a sua proteção judicial gratuita, realizada por defensores públicos.

Na Idade Média, o marco fundamental da gratuidade da Justiça foi a promulgação da Magna Carta, na Inglaterra, em 1215, que trouxe diversas garantias à população, dentre elas, o livre acesso à Justiça.

Podemos citar, ainda, a Declaração de Virgínia, de 1776, a Revolução Francesa, de 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 e, finalmente, o Código de Assistência Judiciária francês, publicado em 22 de janeiro de 1851, como marcos históricos do instituto da gratuidade da justiça.

No Brasil, país historicamente marcado pela grande desigualdade de classes sociais, em que grande parte da população há muito tempo não tem acesso sequer aos recursos necessários para a sua sobrevivência, a primeira notícia que se tem acerca da gratuidade da Justiça remonta ao período colonial, durante a vigência das Ordenações Filipinas, válidas até o Código Civil de 1916, sendo que tais ordenações, mesmo que timidamente, garantiam aos necessitados a assistência judiciária gratuita[2].

Posteriormente, com a promulgação da Constituição Federal de 1934, a assistência judiciária gratuita foi colocada no rol dos direitos individuais, sendo isentadas as pessoas necessitadas do pagamento de taxas e custas processuais, tratando-se de um grande avanço do Brasil nesse sentido, embora, naquela época, fosse exigida da parte a comprovação de rendimentos, expedida por Serviço de Assistência Social local, para fazer jus a esse direito (conforme artigo 72 da Constituição Federal de 1934).

Na sequência, em 1935, houve a criação do primeiro serviço de assistência judiciária, em âmbito estadual, financiado pelos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais.

Após a lacuna da Constituição Federal de 1937, a Constituição de 1946 restabeleceu a garantia da assistência judiciária gratuita, reinserindo-a no rol das garantias individuais, prevendo no artigo 141, § 35, que, “o poder público, na forma que a lei estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados”.

Porém, a gratuidade da justiça somente teve a sua normatização expressa e mais efetiva no Brasil por meio da Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, que estabeleceu diversos parâmetros inovadores para a concessão dos seus benefícios.

Nesse sentido, as principais inovações trazidas pela Lei n. 1.060/50 podem ser assim resumidas:

“a) No artigo 2º, o legislador garantiu a concessão dos benefícios da gratuidade da justiça aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, primando pelo princípio da igualdade material;

b) O artigo 3º apresentou um rol exemplificativo de abrangência do princípio da gratuidade da justiça, tais como os honorários advocatícios e periciais, os exames de DNA e os depósitos para a interposição de recursos, dentre outros, permitindo, assim, que tal rol fosse frequentemente atualizado por leis posteriores, para que a evolução da sociedade acompanhasse tais benefícios;

c) O artigo 4º, cuja redação foi dada pela Lei n. 7.510/1986, previu que a parte gozaria dos benefícios da assistência judiciária gratuita, em princípio, mediante simples afirmação na petição inicial de que não estaria em condições de suportar as custas processuais e honorários advocatícios sem prejuízo próprio ou da sua família;

d) O artigo 12 estabeleceu o prazo prescricional de 5 (cinco) anos, a partir da data da sentença final, para que a parte beneficiada pela isenção das custas efetuasse o seu pagamento, caso adquirisse condições financeiras no decorrer daquele prazo.”

A Lei nº 1060/50 foi recepcionada por todas as Constituições que lhe sucederam, inclusive a Carta Magna de 1988, atualmente vigente, que dispõe sobre o livre acesso à Justiça e sobre a gratuidade da Justiça, inserindo-os no rol dos direitos e garantias fundamentais, ex vi do artigo 5º, XXXV (princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional), LXXIV (prescreve que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”), LXXVI (garante a gratuidade do registro civil de nascimento e da certidão de óbito aos reconhecidamente pobres, na forma da lei) e LXXVII (prevê a gratuidade das ações de habeas corpus e habeas data e, na forma da lei, dos atos necessários ao exercício da cidadania).

A propósito, veja-se que, para a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a despeito de o artigo 5º, LXXIV, da Carta Magna, prescrever a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita “aos que comprovarem insuficiência de recursos”, tal disposição não revogou o artigo 4º da Lei n. 1.060/50, conforme a seguinte ementa de julgado:

“ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. BENEFÍCIO POSTULADO NA INICIAL, QUE SE FEZ ACOMPANHAR POR DECLARAÇÃO FIRMADA PELO AUTOR. INEXIGIBILIDADE DE OUTRAS PROVIDÊNCIAS. NÃO-REVOGAÇÃO DO ART. 4º DA LEI Nº 1.060/50 PELO DISPOSTO NO INCISO LXXIV DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.[…]

Em princípio, a simples declaração firmada pela parte que requer o benefício da assistência judiciária, dizendo-se 'pobre nos termos da lei', desprovida de recursos para arcar com as despesas do processo e com o pagamento de honorário de advogado, é, na medida em que dotada de presunção iuris tantum de veracidade, suficiente à concessão do benefício legal (REsp. nº 38.124/RS. Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira; Julgado em 20/10/1993,  DJ 29/11/1993).”

Desse modo, na vigência do artigo 4º da Lei n. 1.060/50, competiria à parte contrária impugnar expressamente os benefícios da gratuidade da justiça, e, somente após tal requerimento, o juiz intimaria a parte beneficiária para que comprovasse a sua situação econômica e, à luz de tal comprovação, deferiria ou não a pretendida isenção.

No âmbito do Direito Processual Civil, o CPC de 1973 silenciou em relação ao princípio da gratuidade da Justiça, e durante toda a sua vigência a gratuidade foi exclusivamente regulada pela Lei n. 1.060/50.

No novo Código de Processo Civil de 2015, o instituto da gratuidade da Justiça foi expressamente tratado no Livro III, Capítulo II, Seção IV, da Parte Geral, nos artigos 98 a 102.

Nesse ponto, é importante asseverar que o legislador da nova lei processual afastou qualquer possibilidade de confusão entre os institutos da “assistência judiciária gratuita” e da “gratuidade da justiça”, bem como revogou expressamente diversos artigos da Lei nº 1.060/50, permanecendo vigentes apenas os artigos 1º, 5º e parágrafos, 8º a 10º, 13 a 16 e 18 e 19, que cuidam, exclusivamente, da assistência judiciária gratuita.

Referidos artigos do novo Código de Processo Civil serão analisados em tópico próprio.

2. DIFERENÇA ENTRE GRATUIDADE DE JUSTIÇA, ASSISTÊNCIA JURÍDICA E ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA

Colocada a questão histórica do instituto da gratuidade da justiça, cumpre agora distingui-la dos institutos da assistência jurídica e da assistência judiciária gratuita.

Primeiramente, temos que a assistência jurídica e a assistência judiciária gratuita são institutos de direito administrativo, previstos no artigo 5º, LXXIV da Carta Magna, aplicados à parte hipossuficiente como condição inicial do seu ingresso no judiciário.

A assistência jurídica é gênero e pode ser entendida como a isenção de todas as custas e despesas processuais necessárias à prática dos atos processuais; já a assistência judiciária é uma espécie de assistência jurídica, relacionada à atuação gratuita de advogado inscrito regularmente na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e devidamente conveniado com a assistência judiciária, bem como está relacionada à atuação gratuita da Defensoria Pública, atualmente regida pela Lei nº 1.060/50.

A gratuidade de justiça, por sua vez, é um instituto eminentemente processual, que pode ser requerido ao juiz tanto no início quanto no decurso do processo, estando a sua manutenção condicionada à manutenção das condições que serviram de fundamento ao seu deferimento, atualmente regulado no novo CPC.

3 – ANÁLISE ESPECÍFICA DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Partindo especificamente para a análise da gratuidade de Justiça no novo CPC, vemos que o artigo 98 da nova lei processual prevê, no seu caput, que referido instituto é aplicável às pessoas físicas e jurídicas, brasileiras e estrangeiras, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios, na forma da lei.

Assim, o revogado artigo 2º da Lei n. 1.060/50 foi aperfeiçoado pelo novel legislador processual, que, amparado na jurisprudência, em especial na Súmula nº 481 do Superior Tribunal de Justiça (“Faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais”), estendeu tal benefício às pessoas jurídicas, exigindo dessas, entretanto, a comprovação de sua hipossuficiência, não bastando, nesse caso, tal como para as pessoas físicas, a mera afirmação de hipossuficiência feita na petição inicial.

Outrossim, é certo que qualquer das partes – autor, réu ou mesmo interveniente – poderá gozar dos benefícios da gratuidade de justiça, caso preencham os requisitos legais. No ponto, ressalte-se que, embora a lei se refira somente à “pessoa” natural ou jurídica, a doutrina e a jurisprudência entendem que o benefício também poderá ser deferido aos entes despersonalizados, tais como o espólio, condomínio e nascituro, dentre outros.

No § 1º do artigo 98 do novo CPC, tal como no revogado artigo 3º e incisos da Lei nº 1.060/50, temos um rol exemplificativo das hipóteses compreendidas pela gratuidade de justiça, podendo ser citados, como exemplo, as taxas e custas judiciais (inciso I), despesas com realização de DNA e “outros exames” (inciso V), os honorários advocatícios e periciais (inciso VI), e “a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório” (inciso VIII), expressão essa que reforça a idéia de que o rol realmente é exemplificativo.

No caso dos emolumentos devidos aos notários e registradores (inciso IX), houve inovação do novo CPC, pautada em jurisprudência sedimentada no Superior Tribunal de Justiça, conforme AgRg no RMS 24.557-MT, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 7/2/2013, assim ementado:

“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXTENSÃO DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA AOS ATOS PRATICADOS POR NOTÁRIOS E REGISTRADORES.

A gratuidade de justiça obsta a cobrança de emolumentos pelos atos de notários e registradores indispensáveis ao cumprimento de decisão proferida no processo judicial em que fora concedido o referido benefício. Essa orientação é a que melhor se ajusta ao conjunto de princípios e normas constitucionais voltados a garantir ao cidadão a possibilidade de requerer aos poderes públicos, além do reconhecimento, a indispensável efetividade dos seus direitos (art. 5º, XXXIV, XXXV, LXXIV, LXXVI e LXXVII, da CF). Com efeito, a abstrata declaração judicial do direito nada valerá sem a viabilização de seu cumprimento.”

Os §§ 2º e 3º do artigo 98 do novo Código de Processo Civil não inovam em relação ao artigo 12 da Lei n. 1.060/50, estabelecendo que eventual concessão do benefício não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência, sendo que essas ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade pelo prazo de até 5 (cinco) anos do trânsito em julgado da decisão que as certificou, devendo o credor, no curso desse prazo, comprovar que o requerente do benefício deixou de ter a insuficiência de recursos que justificou a concessão da gratuidade. Após o prazo de 5 (cinco) anos, é extinta a obrigação do beneficiário, mesmo que ele passe a reunir as condições econômicas para o custeio das despesas.

Já o § 4º do artigo 98 do novo CPC atribui ao beneficiário da gratuidade da justiça o dever de pagar, ao final, as multas processuais que lhe sejam impostas.

Logo, com toda razão, o legislador excluiu do rol da gratuidade da justiça eventuais multas processuais praticadas em decorrência da litigância de má-fé do beneficiário.

A propósito, o Superior Tribunal de Justiça, há muito tempo, já firmou o entendimento de que a má-fé processual não pode ser abarcada pela gratuidade da justiça, conforme se denota do seguinte precedente:

“MS. REPETIÇÃO. PUBLICAÇÃO. MULTA. MÁ-FÉ. JUSTIÇA GRATUITA. Trata-se de MS contra ato do diretor do cartório que, em execução movida contra o impetrante, fez publicar segunda intimação para a apresentação de contra-razões pela exeqüente diante dos REsp e RE interpostos. Anote-se que a primeira intimação apenas fez menção ao REsp. Isso posto, vê-se nítida a intenção de utilizar-se do MS como substituto de recurso cabível (Súm. n. 267-STF) e de forçar a análise de matéria fática (se houve ou não defeito na primeira publicação), o que se torna inviável na sede escolhida. Quanto à multa por litigância de má-fé e à circunstância de haver assistência da Justiça gratuita, isso não torna o impetrante infenso às penalidades, visto que assim entender resultaria em estender a finalidade a que se presta a gratuidade de Justiça, a permitir ao assistido fruir de posição privilegiada no processo enquanto possa praticar atos indevidos e ilegais durante o trâmite da ação sem sofrer qualquer punição por isso. Precedentes citados: EDcl no AgRg no REsp 94.648-SP, DJ 1º/12/2003, e EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 222.155-SP, DJ 27/3/2000. RMS 15.600-SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 20/5/2008.”

O § 5º do artigo 98 do novo CPC divide a gratuidade de justiça em integral ou proporcional, ou seja, o benefício pode ser deferido em relação a todos ou a somente alguns atos processuais, ou implicar na redução de um percentual das despesas processuais que o beneficiário tiver que adiantar no curso do procedimento.

Nos termos do caput do artigo 99, temos os momentos nos quais o pedido de gratuidade de justiça poderá ser formulado: na petição inicial, na contestação, na petição de ingresso de terceiro no processo ou no recurso.

Caso o pedido seja formulado após a primeira manifestação da parte na instância (petição inicial, contestação, petição de ingresso ou recurso), o requerente deverá fazê-lo por simples petição nos autos, sem suspensão do feito (art. 99, § 1º).

Quando o pedido de gratuidade de justiça for deferido no curso do processo, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não haverá extensão retroativa do benefício, conforme o seguinte precedente:

“GRATUIDADE. JUSTIÇA. REQUERIMENTO. CURSO. PROCESSO. POSSIBILIDADE. No caso, a recorrente, no momento da interposição da apelação, requereu os benefícios da justiça gratuita, alegando falta de condições financeiras para arcar com os encargos do preparo do recurso. A Turma entendeu que, conforme o art. 4º c/c o art. 6º da Lei n. 1.060/1950, pode-se requerer o benefício da gratuidade da justiça tanto no ato de demandar quanto no curso de processo, desde que não esgotada a prestação jurisdicional, sendo certa a impossibilidade de extensão retroativa da assistência judiciária. Precedentes citados: AgRg no AREsp 41.373-MS, DJe 4/11/2011; AgRg no AREsp 663-DF, DJe 29/6/2011, e AgRg no Ag 876.596-RJ, DJe 24/8/2009. REsp 903.779-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 17/11/2011.”

Os §§2º e 3º do artigo 99 do novo CPC reafirmam o entendimento da jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça (Súmula 481), já tratada em tópico passado, no sentido de que:

“a) Caso o pedido de gratuidade seja formulado por pessoa natural (pessoa física), em princípio, basta a mera alegação de hipossuficiência, que se presume verdadeira até prova em contrário (presunção juris tantum), sendo que tal prova compete à parte contrária (artigo 99, § 3º, c/c o artigo 374, IV, do novo CPC);

b) Caso o pedido de gratuidade seja formulado por pessoa jurídica (ou por entes despersonalizados), ela deverá comprovar os pressupostos legais para a concessão do benefício, sob pena de seu indeferimento.”

Entretanto, mesmo em se tratando de pedido formulado por pessoa física, caso o juiz evidencie, pela análise dos autos, que não estão presentes os pressupostos legais para a concessão da gratuidade, poderá determinar a sua comprovação pela parte requerente, sob pena de indeferimento do pedido (artigo 99, § 2º). Dessa forma, o juiz não poderá, ao seu livre arbítrio e de plano, negar liminarmente e inaudita altera pars o benefício da gratuidade de justiça.

O §4º do artigo 99 do novo CPC, reforçando a distinção entre assistência jurídica gratuita e gratuidade de justiça, prescreve que a eventual assistência por advogado particular não impede a concessão da gratuidade da justiça, caso presentes os requisitos legais, tal como já vinha sendo decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme seguinte excerto de recente julgamento:

"[…]   cumpre   destacar   que   a  contratação  de  advogado particular,  pelo  agravado,  não impede, por si só, a concessão dos benefícios  da  gratuidade  da justiça, pois o art. 5º, § 4º, da Lei 1.060/50  é expresso ao determinar que 'será preferido para a defesa da  causa o advogado que o interessado indicar e que declare aceitar o encargo' […] (STJ, 2ª Turma, AgRg no REsp 1386809 / ES, Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, DJ de 1.03.2016).”

Segundo o § 5º do artigo 99, eventual recurso que verse sobre o valor dos honorários de sucumbência fixados em favor do advogado do beneficiário estará sujeito ao preparo, salvo se o próprio advogado demonstrar que faz jus à gratuidade.

O § 6º do artigo 99 elenca a gratuidade da justiça como direito personalíssimo, que não se estende automaticamente ao litisconsorte ou ao sucessor do beneficiário, salvo requerimento e deferimento expressos, sendo que eles também deverão preencher os requisitos legais aptos ao deferimento do benefício.

Por fim, conforme o § 7º do artigo 99, se o benefício for requerido em sede recursal, o recorrente estará dispensado de comprovar o prévio recolhimento do preparo, incumbindo ao relator do Tribunal analisar o pedido e, se indeferi-lo, deverá fixar prazo para a realização do recolhimento.

O artigo 100, caput, da nova lei processual, estabelece o procedimento contraditório após o deferimento do pedido de gratuidade de justiça.

Nesse ponto, veja-se que o novo CPC inova, uma vez que, no sistema até então vigente, a impugnação à justiça gratuita era autuada em apartado, com utilização de peça processual específica para tal desiderato.

Com a vigência da nova lei processual, a impugnação será nos próprios autos, sem a necessidade de mais um incidente processual.

Desse modo, a parte contrária poderá impugnar o pedido em:

“a) Contestação, se a gratuidade for deferida ao autor;

b) Réplica, se a justiça gratuita for deferida ao réu;

c) Contrarrazões de recurso, se a gratuidade for deferida no recurso; ou

d) Petição simples, apresentada nos próprios autos no prazo de 15 (quinze) dias, sem suspensão do processo, nesse último caso quando o pedido de gratuidade for superveniente ou tiver sido formulado por terceiro.”

Já o parágrafo único do artigo 100 estabelece que, se o benefício da gratuidade for revogado em razão da impugnação da parte contrária, o requerente terá de custear as despesas processuais que deixou de pagar e, se estiver de má-fé, ainda pagará o décuplo de seu valor a título de multa, que será revertida em benefício da Fazenda Pública estadual ou federal e poderá ser inscrita em dívida ativa.

Os artigos 101 e 102 do novo CPC preveem os recursos cabíveis nos casos de indeferimento do pedido de gratuidade de justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação, bem como as providências a cargo do requerente após o trânsito em julgado da decisão que revoga a gratuidade.

Desse modo:

“a) Caso o pedido seja indeferido ou a impugnação for acolhida no curso do processo, caberá agravo de instrumento;

b) Caso o pedido de gratuidade seja decidido na sentença, caberá apelação.”

Na verdade, o novel legislador processual enterrou uma antiga discussão jurisprudencial, que ensejou inclusive entendimento há muito tempo sedimentado no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que, em qualquer hipótese, o recurso cabível seria o de apelação, à luz do revogado artigo 17 da Lei nº 1.060/50 (Nesse sentido: REsp 7.641/SP, 4.ª T., j. 01.10.1991, rel. Min. Athos Carneiro, DJ 11.11.1991, p. 16150).

Frise-se que, nos termos dos §§ 1º e 2º do artigo 101, o recorrente estará dispensado do recolhimento das custas até decisão final do relator sobre a questão, preliminarmente ao julgamento do recurso; confirmada a denegação ou a revogação da gratuidade, o relator ou o colegiado determinará ao recorrente o recolhimento das custas no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de não conhecimento do recurso.

Por fim, nos termos do artigo 102, caput e parágrafo único, do novo CPC, quando transitar em julgado a decisão que revogar a gratuidade de justiça, o requerente deverá recolher todas as despesas de cujo adiantamento foi dispensado, inclusive do recurso interposto, no prazo fixado pelo juiz, sem prejuízo de aplicação das sanções previstas em lei.

Se o requerente não efetuar o recolhimento determinado pelo juiz:

“a) Tratando-se de requerente autor, o processo será extinto sem resolução de mérito;

b) Tratando-se de requerente réu ou terceiro, não poderá ser deferida a realização de nenhum ato ou diligência requerida pela parte enquanto não for efetuado o depósito.”

CONCLUSÃO

A gratuidade de Justiça não é novidade no Direito e, nos seus primórdios, estava relacionada diretamente ao princípio universal do acesso à Justiça e aos institutos da assistência jurídica e judiciária gratuitas.

No Brasil, a gratuidade de Justiça teve sua normatização específica inicialmente na Lei nº 1.060/50, recepcionada pela Constituição Federal de 1988 e, recentemente, foi regulamentada no novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), que dedicou os artigos 98 a 102 ao tratamento do referido instituto, revogando diversos artigos da Lei nº 1.060/50 que tratavam do assunto.

Em muitos pontos, o novo Código de Processo Civil foi inovador, por exemplo, ao prever que a impugnação à justiça gratuita será nos próprios autos, sem a necessidade de mais um incidente processual, ao contrário da previsão da legislação anterior, no sentido da autuação em apartado, com utilização de peça processual específica para tal desiderato, bem como ao excluir do rol da gratuidade da justiça eventuais multas processuais praticadas em decorrência da litigância de má-fé do beneficiário, atendendo ao entendimento jurisprudencial há muito firmado no seio dos Tribunais Superiores, e também ao afastar qualquer possibilidade de confusão entre os institutos da assistência judiciária gratuita e da gratuidade da justiça.

Contudo, em outras disposições, a novel legislação não alterou a previsão então vigente desde a referida lei de 1950, ex vi dos §§ 2º e 3º do artigo 98 do novo Código de Processo Civil, que repetem as disposições do artigo 12 da Lei n. 1.060/50.

Portanto, a partir da análise dos mencionados dispositivos e sopesando os pontos positivos e negativos, vemos que, em geral, o novo legislador processual civil trouxe diversas novidades que objetivam, sobretudo, simplificar o procedimento, pacificar divergências jurídicas, evitar abusos por parte dos requerentes da gratuidade de justiça e, principalmente, evitar discussões processuais incidentais que impeçam o enfrentamento do mérito do processo.

 

Referências
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. vol. 2. São Paulo: Saraiva, 1989.
BRASIL. Lei Federal n.º 13.105, de 16 de março de 2015 (“Novo CPC”). Brasília: Presidência da República, 2015.
______. Lei Federal n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (CPC). Brasília: Presidência da República, 1973.
______. Lei Federal n.º 1.060, de 5 de fevereiro de 1950. Brasília: Presidência da República, 1950.
DE ALTAVILA, Jayme. Origem dos direitos dos povos. 6ª ed. São Paulo: Ícone, 1995.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2001.
HOUCK FILHO, Geraldo. Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Online, 2015.
SILVEIRA, Artur Barbosa da. Inovações no processo civil brasileiro: comentários tópicos ao novo Código de Processo Civil. 2ª Edição. Editora Juruá. Curitiba: 2016.
WAMBIER. Tereza Arruda Alvim e outros. Primeiros Comentários ao novo Código de Processo Civil Artigo por Artigo. 1ª Edição. Editora RT. São Paulo: 2015.
 
Notas
[1] DE ALTAVILA, Jayme. Origem dos direitos dos povos. 6ª ed. São Paulo: Ícone, 1995, p. 37/38.

[2] BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. vol. 2. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 374/375.


Informações Sobre o Autor

Artur Barbosa da Silveira

Procurador do Estado de São Paulo (PGE/SP). Ex-Advogado da União. Ex-Assessor de Ministro do Superior Tribunal de Justiça. Graduado em Direito pela Universidade Mackenzie/SP. Especialista em direito público, direito processual civil e direito tributário. Pós-graduando em direito previdenciário


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