Análise das consequências jurídicas da violação nas mídias sociais, do direito de imagem, honra, intimidade e privacidade, na perspectiva do direito civil brasileiro

Resumo: A presente pesquisa tem por objetivo analisar a tutela jurídica do direito de imagem, honra, intimidade e privacidade do morto diante da sua veiculação indevida nas redes e mídias sociais. Para tanto, o estudo dos direitos da personalidade, especificadamente, do direito de imagem, honra, intimidade e privacidade do morto e a sua aplicabilidade na esfera cível, se faz imprescindível, na medida em que permite compreender, neste particular, o alcance da tutela específica e as formas de reparação do direito de imagem do morto quando violado em face da sua exposição indevida nas condições citadas. O tema escolhido aborda os direitos civis e suas relações com os princípios constitucionais, destacando a sua correlação e o confronto entre estes preceitos salvaguardados pelo ordenamento jurídico brasileiro. [1]

Palavras-chave: Dignidade da Pessoa Humana. Direito de Personalidade. Direito de imagem do morto. Mídias sociais.

Abstract: This study aims to analyze the legal guardianship of the deceased's image right before their improper placement in networks and social media. Therefore, the study of personal rights, specifically, the right of honor image, intimacy, privacy the dead  and its applicability in the civil sphere, it is essential, in that it allows us to understand, in particular, the scope of specific protection and ways to repair the testator's image rights when violated in the face of their undue exposure in the aforementioned conditions. The theme addresses the civil rights and their relations with the constitutional principles, highlighting its correlation and the confrontation between these precepts protected by Brazilian law. The methodology has a bibliographic character, from the reading of different sources of teaching and research in law, jurisprudence and judged, with the scope to support the arguments.

Keywords: Human Dignity. Personality of law. Right of image of the dead . Social media.

Sumário:  Introdução. 1. Personalidade – conceito, início e fim. 2. Direitos da personalidade do morto. 2.1 Direitos da personalidade do morto e o princípio da dignidade da pessoa humana 2.2 Direito de imagem e sua eficácia post mortem 2.3 Direito à honra e sua eficácia post mortem 2.4 Direito à intimidade e sua eficácia post mortem 2.5 Direito à privacidade e sua eficácia post mortem 3. Direitos da personalidade do morto versus liberdade de imprensa. 3.1 Da liberdade de manifestação do pensamento 3.2 Do acesso à informação e da liberdade de fatos e notícias 3.3 Da liberdade de imprensa nas mídias sociais 4. Da responsabilidade civil por violação, nas mídias sociais, do direito de imagem, honra, intimidade e privacidade e corpo do morto. 4.1 Da tutela dos direitos de personalidade do morto 4.2 Da Legitimação Ativa 5. Conclusão. Referências. Anexo.

INTRODUÇÃO

A dinâmica da sociedade impõe transformações sociopolíticas e econômicas que alteram o direito e, consequentemente, a forma de resolver os conflitos sociais. Na fase contemporânea a sociedade passou e passa por transformações irreversíveis em suas estruturas de sustentação, sobretudo a partir do avanço tecnológico que alterou e diversificou as relações sociais e a forma de divulgar informações, impactando diretamente nas relações jurídicas.

As interações sociais, facilitadas pela internet, se tornaram mais velozes e plurais, rompendo fronteiras e limites morais e éticos, notadamente pela falta de controle e pelo pseudoanonimato. A ampla possibilidade de compartilhamento instantâneo de textos, fotos, vídeos (inclusive de pessoas mortas) e imagens diversas podem facilmente violar a imagem, a intimidade e a privacidade do cidadão.

Neste contexto, a exposição não autorizada das imagens ou vídeos de qualquer natureza, inclusive do morto, ferem o direito de personalidade e chamam a atenção para a responsabilidade civil dos agentes que porventura cometerem o ato ilícito.

Além das pessoas vivas que detém personalidade, o morto também pode sofrer a violação desses direitos, considerando que alguns deles projetarão seus efeitos post mortem.

O estudo do direito de imagem, honra, intimidade e privacidade do morto e as consequências da sua violação, são importantes e oportunos pelos reflexos que trazem na estrutura psíquica do homem, ofendendo diretamente a sua dignidade e, especialmente no caso do falecido, afetando diretamente seus entes queridos, sejam eles amigos ou familiares, pois vilipendia a história de vida construída que, muitas vezes, serve de referência para as próximas gerações de seu grupo familiar ou mesmo da sociedade em que viveu.

Para o desenvolvimento do presente trabalho, optou-se por estruturá-lo para desenvolvê-lo da seguinte forma: no primeiro ponto, será abordado o conceito de personalidade, seu início e fim. No segundo ponto, tratar-se-á dos direitos da personalidade do morto, sob a perspectiva da dignidade da pessoa humana, abordando, especificamente os direitos de imagem, honra, intimidade e privacidade do morto e sua eficácia post mortem. No terceiro ponto, analisar-se-á o conflito entre os direitos da personalidade do morto e a liberdade de imprensa, ingressando no estudo da liberdade de manifestação do pensamento, no acesso à informação e da liberdade de fatos e notícias e na liberdade de imprensa nas mídias sociais. Por fim, no quarto ponto, será analisado a responsabilidade civil por violação, nas mídias sociais, do direito de imagem, honra, intimidade e privacidade do morto, além da tutela dos direitos de personalidade do morto e a legitimação ativa.

No que concerne à metodologia utilizada para este trabalho, a pesquisa bibliográfica foi fundamental para embasar os conceitos doutrinários abordados e, principalmente, para respaldar a construção teórica visando facilitar a melhor análise do estudo de caso selecionado, que serviu de referência para o desenvolvimento da presente temática.

Para a formulação do citado lastro, foram realizadas pesquisas junto ao ordenamento jurídico brasileiro, desde a Constituição Federal até o mais recente diploma legal que trata desta temática, jurisprudência, bem como trabalhos científicos, além da doutrina construída por juristas renomados, a exemplo de Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona, Flávio Tartuce, Cavallieri Filho e Alexandre de Moraes.

1. PERSONALIDADE – CONCEITO, INÍCIO E FIM

A ideia de personalidade está atrelada ao conceito de pessoa, isto é, através do atributo da personalidade se adquire direitos e se contrai deveres, bem como se existe como ser humano. Nesta esteira de entendimento, Plácito (2010, p.581), manifesta que: “A personalidade civil, assim, revela-se na suscetibilidade de direitos e de obrigações ou na aptidão legal de ser sujeito de direitos .” (grifo do autor)

O atributo da personalidade é inerente à condição de ser pessoa. E, segundo o ordenamento jurídico pátrio, os possuidores de personalidade jurídica são as pessoas naturais/físicas e jurídicas. A legislação brasileira entende que pessoa natural ou pessoa física é o ser humano que nasce com vida, sendo sujeito de direitos que ao nascer tem legitimidade para praticar atos da vida civil.

Na didática de Ehrhardt Jr (2009, p.112) pessoa natural é o “sujeito de direito personificado”. Aduz o autor, para melhor entendimento, que o ser humano ao nascer vivo, é titular de direitos e deveres no aspecto civil, e pode praticar os atos jurídicos próprios do ordenamento jurídico. Além da pessoa física, o ordenamento atribui personalidade à pessoa jurídica, que é composta pela reunião de pessoas ou afetação de patrimônio, visando a realização de um fim específico e lícito.

Desta forma, uma vez reconhecida a personalidade da pessoa jurídica, é certo que se lhe atribui capacidade jurídica reconhecida por norma. Verifica-se, portanto, que nos termos da legislação em vigor, a pessoa natural ou jurídica é possuidora de personalidade jurídica e, portanto, tem aptidão de titularizar direitos e deveres na ordem civil. Nos termos do artigo 1º, do Código Civil de 2002 “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.

A personalidade, como atributo intrínseco do sujeito de direito tem, além de sua individualização, a sua existência e duração. No caso do homem essa duração se caracteriza pelo interregno entre o nascimento e a morte. O indivíduo, ao nascer com vida, torna-se sujeito ativo e passivo nas relações sociais e econômicas. O Código Civil estabelece em seu artigo 2º que “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

Cumpre, no entanto, analisar a situação jurídica do nascituro, diante da redação da segunda parte do artigo 2º do Código Civil. A palavra nascituro deriva do latim nasciturus, que designa aquele que há de nascer. Nas palavras de Plácito (2010): “Designa, assim, o ente que está gerado ou concebido, tem existência no ventre materno; está em vida intrauterina. Mas não nasceu ainda, não ocorreu o nascimento dele, pelo que não se iniciou sua vida como pessoa”.

Em relação à personalidade do nascituro, existem três teorias, a saber: a natalista, a condicionalista e a concepcionista. A teoria natalista afirma que o nascituro é possuidor de direitos futuros não deferidos, ou seja, só detém a expectativa deste. A teoria condicionalista defende que o nascituro não deve ter personalidade reconhecida, só sendo permitido a realização de atos destinados à conservação do direito, ou seja, o exercício desses direitos são condicionais e só se concretizam com o nascimento com vida. Por fim, a teoria concepcionista entende que no momento da concepção, ou melhor, da fecundação do óvulo com o espermatozoide já existe uma vida que deve ser juridicamente protegida.

Apesar das divergências doutrinárias acerca do tema, o entendimento majoritário, defendido entre outros por Marcos Ehrhardr Júnior, é no sentido de que o Código Civil adotou a teoria natalista, pois afirma em seu artigo 2ª que a personalidade se inicia com o nascimento com vida, resguardando os direitos do ser que está sendo formado.

Além do nascituro, o natimorto, que deriva do latim natus (nascido) e mortus (morto), ou seja, aquele (a) que nasceu sem vida ou aquele (a) que nasceu com vida, mas que logo em seguida veio a falecer possui os mesmos direitos do nascituro no ordenamento pátrio. Nesse sentido, o Enunciado I, da I Jornada de Direito Civil do Conselho Federal de Justiça afirma em seu artigo 2º que “a proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e sepultura”.

Determinado o início da personalidade da pessoa natural, cumpre-nos agora analisar o seu fim.

Na esfera jurídica a extinção da personalidade da pessoa natural ocorre com a morte. Isso significa o fim, ou seja, a extinção da vida civil e consequentemente o encerramento dos seus deveres e obrigações inerentes ao direito. Com a confirmação do óbito, cessam os direitos e obrigações personalíssimas do indivíduo.

Diante do exposto, pode-se afirmar que a personalidade é um predicado do indivíduo e o acompanha ao decorrer da sua vida, desde o nascimento até a sua morte.

Cumpre esclarecer, outrossim, que a personalidade abarca os valores intrínsecos e extrínsecos do ser humano como imagem, privacidade, intimidade, honra, direito ao próprio corpo etc. Assim, a noção de personalidade jurídica, garante ao indivíduo a proteção fundamental, merecendo salvaguarda pela Constituição Federal, no contexto dos direitos fundamentais.

Ademais, no âmbito da legislação infraconstitucional, mais especificamente no Código Civil, podemos observar a tutela dos aspetos da personalidade, no capítulo sobre os direitos da personalidade.

Em resumo, a personalidade nada mais é que um atributo conferido ao homem e os direitos da personalidade são fundamentais para que a dignidade da pessoa humana seja exercida em sua plenitude, esteja o indivíduo vivo ou morto. Assim sendo, a projeção dos direitos da personalidade post mortem é cerne do referido trabalho, pois será discutido como o indivíduo mesmo morto poderá ter seus direitos resguardados.

2. DIREITOS DA PERSONALIDADE DO MORTO

A partir da filosofia humanista difundida pelo Cristianismo se reconheceu os direitos da personalidade. Entretanto, esses direitos só tiveram ascensão com textos como o Bill of rights em 1689; a Declaração de Independência das Colônias Americanas em 1776; a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789, que foi proclamada com a Revolução Francesa; a Declaração Universal dos Direitos do Homem em 1948, que ainda refletiam os efeitos devastadores da Segunda Guerra Mundial e na Convenção Europeia em 1950.

No Brasil, o grande marco da tutela do ser humano e os aspectos da sua personalidade se deram na Constituição Federal de 1988, esculpidos no rol do artigo 5º, inciso X.

O Código Civil de 2002, quando abordou o tema dos direitos da personalidade, deu alicerce à doutrina e à jurisprudência para debaterem e julgarem os casos concretos com maior embasamento jurídico. O legislador infraconstitucional dedicou o capítulo II, Título I, Livro I da Parte Geral do Código Civil em seus artigos 11 ao 21 para tratar do tema dos direitos da personalidade no âmbito civil.

Os direitos da personalidade são direitos subjetivos que resguardam a essência e liberdade do ser humano atingindo-o como um todo em seus mais variados aspectos. O sujeito ativo da relação jurídica será o indivíduo. Por outro lado, o sujeito passivo será a coletividade.

Os direitos de personalidade têm por objeto as projeções físicas, psíquicas e morais do homem, consideradas em si mesmo e em sociedade e têm, ainda, suas características definidas amplamente pela doutrina, a saber: o caráter absoluto, pois tem efeito erga omnes; extrapatrimoniais, porquanto, são insuscetíveis de uma avaliação pecuniária; impenhoráveis; irrenunciáveis e inafastáveis, uma vez que o seu titular não pode renunciar ou abrir mão desse direito; particular, pois o indivíduo não pode transferir a sua titularidade; inexpropriáveis, pois não podem ser retirados do indivíduo; imprescritíveis, uma vez que não se perde a pretensão de exercer o direito de personalidade pelo decurso do tempo – não obstante eventual pretensão indenizatória se submeta a prazos prescricionais.

Os direitos de personalidade são do mesmo modo vitalícios, pois se adquire na concepção e se extingue, em regra, com a morte do indivíduo. Vale notar, que ao tratar da característica da intransmissibilidade, o legislador permitiu a projeção post mortem dos direitos personalíssimos. A projeção post mortem nada mais é do que a concessão que os parentes do morto têm para pleitear em defesa da violação dos direitos do falecido.

No que toca à intransmissibilidade dos direitos de personalidade, cabe destacar que, nas palavras de Farias e Rosenvald (2016, p.183) “Falecendo, pois, o titular de um direito de personalidade, não haverá transmissão, extinguindo-se, automaticamente, a relação jurídica personalíssima”.

Cumpre notar, no entanto, e como dito acima, que apesar da intransmissibilidade, mesmo com a morte, esses direitos da personalidade do morto terão proteção jurídica, uma vez que caberá ao cônjuge sobrevivente, parentes em linha reta ou colaterais até o quarto grau, pleitearem em direito próprio, cessação e/ou reparação dos danos decorrentes de possíveis violações, o que veremos com maior profundidade no ponto 4.2.

Entrementes, quanto à classificação dos direitos da personalidade, pode-se afirmar que a mesma é divergente entre os doutrinadores, pois o rol apresentado pelo legislador é meramente exemplificativo, não sendo portanto numerus clausus e, dessa forma, são também ilimitados.

Nos próximos pontos serão abordados os direitos de personalidade do morto e o princípio da dignidade da pessoa humana e a projeção post mortem desses direitos.

2.1.Direitos da personalidade do morto e o princípio da dignidade da pessoa humana

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana está consolidado no art. 1º, Inc. III da Constituição Federal de 1988 e é com supedâneo nesse princípio que se impõe um tratamento digno e isonômico entre as pessoas independente de raça, cor, origem, credo etc.

O referido princípio constitucional assegura ao homem a sua afirmação como um ser pensante, que possuem direitos e obrigações que devem ser tutelados e também exercidos. Tais direitos garantem em sua totalidade condições dignas para ter uma vida saudável e plena, exceto no momento da sua limitação em prol da coletividade. Esses direitos também fazem parte das três dimensões de direitos decorrentes da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.

Os direitos de personalidade são fundamentais em sua totalidade e estão vinculados à singularidade e autonomia do ser humano visando à proteção da sua individualidade, ou seja, visa proteger os seus direitos personalíssimos na sua mais alta particularidade, não podendo ser objeto de desconsideração a nenhum ser humano, seja ele, capaz ou incapaz.

Na IV Jornada de Direito Civil, no Enunciado n 274 do Conselho da Justiça Federal, que trata sobre o artigo 11 do Código Civil, esse aspecto foi ventilado, in verbis:

“Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). 2. Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação.”

Assim sendo, cumpre ressaltar que deve haver a flexibilização do interesse coletivo em face do particular, tendo em vista a preservação de direitos inerentes à personalidade.

Neste diapasão, Ehrhardt Jr, (2009, p.198), assevera: “A noção de dignidade apresenta uma dimensão dúplice, ao mesmo tempo defensiva (serve como limite, ao orientar direitos fundamentais) e prestacional (cria tarefas, ou seja, deveres cometidos pelo Estado) ”.

Verifica-se então que a tutela da personalidade é pluridisciplinar, ou seja, não pertence exclusivamente ao direito civil ou ao direito constitucional. Na perspectiva do direito constitucional está inserida nos direitos fundamentais, enquanto que no direito civil, diz respeito aos direitos da personalidade.

O princípio da dignidade da pessoa humana, inserido pela Constituição Federal, é norma constitucional vinculante e terá implicações no que tange à proteção dos direitos da personalidade. Por isso, o direito civil promove a valorização da pessoa humana nos seus mais variados aspectos, tentando assim tornar a sociedade mais justa e igualitária por colocar em prática esse princípio constitucional.

Por fim, pode-se afirmar que o princípio da dignidade da pessoa humana abrange todos os direitos que são necessários para que o indivíduo seja reconhecido como pessoa, preservando assim a sua integridade física, psíquica e intelectual, além de garantir o livre desenvolvimento da sua personalidade.

2.2 Direito de imagem e sua eficácia post mortem

O direito de imagem se destaca entre o rol de direitos personalíssimos e é considerado autônomo, além de estar ligado a outras dimensões dos direitos da personalidade como a honra, a vida privada, intimidade, identidade.

Nesse sentido, Cavalieri (2008) esclarece que:

“A imagem é um bem personalíssimo, emanação de uma pessoa através da qual proteja-se, identifica-se e individualiza-se no meio social. É o sinal sensível da sua personalidade, destacável do corpo e suscetível de representação através de múltiplos processos, tais como, pinturas, esculturas, desenhos, cartazes, fotografias, filmes”. (CAVALIERI, 2008, p.104).

A Constituição Federal em seu artigo 5, incisos V e X, classifica aos diferentes conceitos de imagem em imagem–retrato, imagem-atributo e imagem – voz. Do mesmo modo Stolze e Pamplona (2013), assim entende, in verbis:

A imagem, em definição simples, constitui a expressão exterior sensível da individualidade humana, digna de proteção jurídica. Para efeitos didáticos, dois tipos e imagem podem ser concebidos: a) imagem-retrato – que é literalmente o aspecto físico da pessoa imagem-atributo- que corresponde à exteriorização da personalidade do indivíduo, ou seja, à forma como ele é visto socialmente (STOLZE; PAMPLONA, 2013, p.221).

No que concerne ao direito à imagem este deve abranger todo o conjunto de características que possibilitam a identificação do indivíduo na sociedade da qual faz parte, vivo ou morto. Apesar de a imagem ter proteção tanto constitucional quanto em outros ramos do direito, o uso desta não é proibido por lei, porque o que a norma proíbe é a utilização da imagem sem o devido consentimento do indivíduo, consoante estabelece o Código Civil de 2002, in verbis:

“Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”. (BRASIL, CC, 2002)

Vale destacar, a partir da leitura analítica do artigo citado, que só se considera violação da imagem, seja da pessoa viva ou morta, a exposição não autorizada por quem é de direito.

Nesse particular, a disposição da imagem pode ocorrer por autonomia privada ou decorrer da lei e essa licença para o uso da imagem é um negócio jurídico onde se deve demonstrar a manifestação da vontade, podendo esta ser expressa ou tácita e acontecer por meio da cessão de uso dos direitos à imagem de forma gratuita ou restritiva e contratual.

Isso ocorre geralmente com as pessoas públicas que, mesmo após falecidas, podem ter o uso da sua imagem cedida por parentes. O Enunciado 278 do Conselho Nacional de Justiça, também abordou o tema afirmando que: “A publicidade que venha a divulgar, sem autorização, qualidades inerentes a determinada pessoa, ainda que sem mencionar seu nome, mas sendo capaz de identificá-la, constitui violação a direito da personalidade”.

Em alguns casos, no entanto, não cabe falar em violação ao direito de imagem como, por exemplo, de imagens captadas em locais públicos, cuja reprodução caracteriza o ônus da suportabilidade, ou ainda, nos casos de segurança pública, pois visa a proteção da coletividade e do interesse público.

Nesta amplitude, apesar dos direitos da personalidade cessarem com a morte, esse direito se projeta para resguardar o direito dos legitimados com vistas e preservarem a integridade, a honra, a imagem dentre outros atributos do morto que devem permanecer intactos.

2.3. Direito a honra e sua eficácia post mortem

A honra é o equivalente ao valor moral da pessoa e está atrelada à reputação, ao prestígio social do possuidor desse direito. Em síntese, é a dignidade na vida em sociedade. A honra pode ser objetiva (aquela correspondente à reputação da pessoa, a fama e o bom nome) ou subjetiva (que é a honra íntima que está intrinsicamente ligada à consciência do indivíduo e ao sentimento de autoestima).

O Pacto de San José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, estabelece no seu artigo 11 e incisos que toda pessoa tem direito ao respeito a honra e o reconhecimento de sua dignidade, e que todo indivíduo tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas.

Com as mudanças na sociedade contemporânea o direito a honra tornou-se relativo, alterável, devendo o juiz analisar o caso concreto, pontuando requisitos como a notoriedade e veracidade dos fatos. A honra do indivíduo em vida ou após sua morte, poderá ser atingida por meio de atos ilícitos como a injúria, a calúnia e a difamação e, com a ocorrência desses atos, o ofendido poderá pleitear a reparação tanto no âmbito civil, quando no âmbito penal.

Vale destacar que não caracteriza violação a honra, a divulgação de fatos ou notícias que visem o interesse da coletividade, como por exemplo, na apuração de crimes. Como firmou a Apelação Cível Nº 70055106660 (Nº CNJ:0235293-86.2013.8.21.7000) , julgada pelo relator Eugênio Facchini Neto da  Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul :

“[…] APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. LIBERDADE DE IMPRENSA. DIREITO À INFORMAÇÃO. DIREITO À IMAGEM E À HONRA DOS MORTOS. notícia criminal atual. presunção de interesse público. ausência de ilicitude ou de excesso no direito de informar.[…]”

 No julgado citado verifica-se que a análise de eventual violação ao direito à honra, em tais circunstâncias, deve ser feita à luz do caso concreto, para que somente então, possamos afirmar se houve ou não violação a esse direito personalíssimo.

Cumpre notar, outrossim, considerando a temática objeto do nosso estudo, que o morto também tem uma tutela da sua honra. Neste particular, trata-se de uma hipótese de projeção dos efeitos post mortem à honra do morto. O morto por não mais possuir a sua subjetividade não será possuidor de honra subjetiva, restando, portanto, a honra objetiva, que é aquela que está relacionada à reputação do indivíduo perante terceiros. O que permanece da honra objetiva do morto é o respeito a sua memória, que quando violada atinge seus familiares e amigos.

Desse modo, a honra do falecido é fundamental, pois mesmo morto, a sua memória se perpetuará ao longo do tempo, e, por isso, merece total proteção do ordenamento jurídico em detrimento aos legitimados, que buscarão preservar esse direito ao máximo em respeito ao ente querido falecido.

2.4 Direito à intimidade e sua eficácia post mortem

No âmbito do direito da intimidade deve-se proteger não só a intimidade em si, como também os dados pessoais dos indivíduos sua vida pessoal, luto etc. A intimidade está ligada a muitos direitos da personalidade, a exemplo do direito de imagem que, quando violado pode também ofender a sua intimidade, esteja o indivíduo vivo ou morto.

A intimidade é um direito da personalidade que está intrinsecamente conexa à vida privada. Esse direito tem respaldo constitucional, sendo considerado inviolável tendo, portanto, natureza de direito subjetivo autônomo. O Código Civil em seu artigo 21, trata da inviolabilidade da vida privada e salienta que o juiz quando provocado deverá adotar as providências necessárias para impedir ou cessar o ato lesivo.

A intimidade, vale dizer, não se confunde com a vida privada, pois aquela guarda segredos íntimos e anseios que só o indivíduo sabe. Por outro lado, a vida privada é menos secreta. Ainda sobre a intimidade, vale citar o mestre Cunha Júnior (2009, p.680): “A intimidade é a vida secreta ou exclusiva que alguém reserva para si, sem nenhuma repercussão social, nem mesmo junto à sua família, aos seus amigos e ao seu trabalho”

Preservar a intimidade, no mundo contemporâneo, seja da pessoa viva ou morta, com tantas inovações tecnológicas, ascensão das mídias sociais etc., está se tornando cada vez mais difícil e, embora o direito à intimidade possua autonomia, a sua violação abrange outros direitos personalíssimos como honra, imagem e privacidade. O direito de intimidade do morto é indispensável para que se preservem seus segredos e sua vida confidencial em determinadas situações, como, por exemplo, no achado de um diário secreto, quando presume-se que o falecido não admitiria que aqueles detalhes de sua vida chegassem ao conhecimento público.

Na seara da intimidade post mortem, chamou a atenção da sociedade brasileira o caso do cantor sertanejo Cristiano Araújo, morto tragicamente em um acidente automobilístico em junho de 2015. A divulgação de forma inescrupulosa do vídeo da necropsia e de fotos do corpo no caixão feitas por funcionários da funerária causaram repúdio nacional e, evidentemente, violou a intimidade, pertencente à vítima e a sua família. No caso de violação da intimidade, seja ela post mortem ou não, caberá medida judicial, devendo assim a justiça adotar soluções visando prevenir ou reprimir a lesão.

2.5. Direito à privacidade e sua eficácia post mortem

A privacidade hoje, com o advento da Internet e consequentemente das mídias sociais, é preservada com a finalidade de controlar o fluxo de informações que dizem respeito ao indivíduo, esteja ele vivo ou não. Vale ressaltar, por oportuno, que os direitos da personalidade que se projetam após a morte estão em evidência no presente trabalho.

O direito à privacidade está resguardado na Carta Magna em seu artigo 5º, incisos V, X, XI, XII, LX.  A privacidade consiste na vida pessoal do indivíduo que inclui sentimentos íntimos e sentimentos externos. Além disso, é um meio de se concretizar a dignidade da pessoa humana em uma perspectiva social e econômica.

 A intimidade é mais secreta do que a vida privada, onde estão inseridos a intimidade e o segredo (sigilo) que guardam sentimentos que só pertencem ao titular, vivo ou morto. Em outra esfera o segredo é aquilo que não pode ser revelado, nem divulgado, quer dizer, é sigiloso. Diante da perspectiva histórica da privacidade que com a ascensão da Internet, tornou-se cada vez mais difícil protegê-la, o Código Civil brasileiro estabelece em seu artigo 21: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.

Portanto, como salienta o artigo acima mencionado, a privacidade é intangível, tendo por isso proteção específica. Neste sentido, Farias e Rosenvald (2016) reforçam:

“A outro giro, se a violação atinge, a um só tempo, a privacidade do titular e algum outro bem jurídico (como a honra ou a imagem), haverá uma dupla ilicitude e, por conseguinte, serão devidas tantas indenizações quantos sejam os bens jurídicos violados. Isso exatamente por conta da autonomia do direito à privacidade”. (FARIAS; ROSENVALD, 2016, p.263)

A privacidade é autônoma, e susceptível de violação sem atingir direitos como a imagem e a honra do indivíduo vivo ou morto, sendo que na violação à privacidade post mortem, deve-se aplicar a solução mais adequada ao caso concreto.  

3. DIREITOS DE PERSONALIDADE DO MORTO VERSUS LIBERDADE DE IMPRENSA

A liberdade de imprensa, hoje direito fundamental e princípio democrático, surgiu na Antiguidade com o objetivo de informar os atos oficiais do governo.

No Brasil, iniciou-se com a chegada da família Real Portuguesa em 1808. Mesmo com a promulgação de uma nova Constituição em 1934, o Estado continuava a impor censura à imprensa o que perdurou até a ditadura militar entre 1964 e 1985. Somente em 1988 com a promulgação de uma nova Constituição, a imprensa recebeu resguardo constitucional em seu artigo XXX, tornando-se cláusula pétrea.

Assim, a Carta Magna atual delega aos meios de comunicação a livre divulgação de informações quando as mesmas forem verdadeiras e de interesse público. No Estado Democrático de Direito a liberdade de imprensa não pode sofrer censura arbitrária. Neste sentido, o artigo 220, §1 da Constituição Federal assevera: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”.

Do mesmo modo, os direitos de personalidade também não podem ser violados, pois ambos detêm proteção constitucional especial, conforme art. 5º Inc. X da carta Magna.

Neste contexto, os direitos de personalidade diferem das liberdades públicas, pois esses direitos são resguardados pelo direito privado, assegurando a garantia mínima da pessoa humana para exercer suas atividades internas ou exteriorizar suas vontades para a sociedade.

Na mesma direção, as liberdades públicas sejam elas, liberdade de imprensa, de pensamento ou de expressão, são liberdades concedidas pelo Estado nas relações individuais e coletivas. Sobre o assunto, Farias e Rosenvald lecionam (2016):

“Em outras palavras, enquanto os direitos de personalidade afirmam à proteção avançada da pessoa humana, estabelecendo condutas negativas da coletividade (obrigação de não fazer, isto é, não violar a personalidade de outrem) as liberdades públicas funcionam a partir de garantias constitucionais impondo condutas positivas ao Estado para que estejam assegurados os direitos de personalidade.” (FARIAS; ROSENVALD, 2016, p.184)

Deste modo, eventualmente poderá ocorrer conflito ou colisão entre dois ou mais direitos quando o ordenamento jurídico pátrio os proteger simultaneamente. Por isso, tendo em vista a temática abordada no presente trabalho,  entendemos importante e oportuno, analisar e discutir os aspectos e soluções possíveis, diante do caso concreto e de possíveis colisões entre o direito à liberdade de imprensa e direitos à honra, à imagem, e a privacidade do morto.

Para resolução deste conflito legal, partimos da premissa de que entre eles não há hierarquia, considerando que são direitos tutelados em sede constitucional e infraconstitucional, devendo se estabelecer, portanto, uma ponderação, uma proporcionalidade, observando-se sempre o caso concreto. A técnica da ponderação, nada mais é do que uma técnica de decisão jurídica, utilizada em casos de difícil solução e geralmente é utilizada no caso concreto onde se podem usar normas de mesma hierarquia que indicam soluções diferentes.

Para o jurista Robert Alexy, a ponderação é um elemento parcial da proporcionalidade, e que para chegar até ela deve-se seguir uma ordem. O jurista criou a chamada “Lei da Ponderação”, onde quanto maior a insatisfação de um princípio, maior será a relevância para a satisfação do outro.

E neste particular vale citar o Enunciado n 279 da IV Jornada de Direito Civil 79 do Conselho da Justiça Federal, in verbis:

“A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações.”

A colisão desses direitos, além de atingir as pessoas vivas, alcançam também as pessoas falecidas. A imprensa, por exemplo, muitas vezes desvia do foco de informar e acaba violando os direitos personalíssimos e, por essa razão, o ordenamento jurídico brasileiro limita o exercício da atividade jornalística e estende essas regras ao morto, tutelando em relação a este, direitos como honra imagem, privacidade.

A imprensa muitas vezes extrapola o limite de seu direito de informar, infringindo os direitos do morto, como, por exemplo, no julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios em Apelação Cível nº 2008.01.1.017067-4 da 2 ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal:

“[…] DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. A LIBERDADE DE IMPRENSA (CF, ART. 220, § 1º) NÃO PODE SER DEFENDIDA AO PONTO DE FERIR, DE MODO DESPROPORCIONAL, A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (CF, ARTIGOS 1º. III; 3º, IV E 5º, V E X). PRESTÍGIO À PROTEÇÃO DOS DIREITOS INERENTES À PERSONALIDADE. EXPOSIÇÃO INDEVIDA DE FOTOGRAFIA DE ADOLESCENTE DEGOLADO. ABUSO DO DIREITO DE INFORMAR, POR VIOLAÇÃO À DOR DOS FAMILIARES E AO RESPEITO À MEMÓRIA DOS MORTOS[…]”

Muitas vezes, no caso concreto há uma dicotomia, pois de um lado há uma imprensa que expõe de forma indevida a imagem de uma pessoa morta – a exemplo do caso do cantor sertanejo Cristiano Araújo, referido acima -, o que redunda numa demonstração de total desrespeito com os familiares da vítima e a ofensa à memória do falecido, o que pode acarretar um pedido de danos morais pelos interessados.

Nesse sentido, observamos que o direito de informação não tem caráter absoluto e ilimitado, pois encontra barreiras que visam à proteção dos direitos de personalidade.

Não há dúvida de que a liberdade de imprensa exerce um papel primordial para formação do senso crítico das pessoas, porém a publicação de fatos e notícias deve conter veracidade e modicidade, sob pena dos responsáveis responderem civilmente pelos atos praticados, nos termos da Súmula 221 do STJ: “São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação.”.

A Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa) não foi recepcionada pelo Texto Constitucional de 1988, além de ser revogada pela Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 130. Em relação à essa ADPF, o ministro relator, Carlos Ayres Brito, salientou que a liberdade de imprensa deve ser exercida de forma plena, sem quaisquer condicionamentos prévios. Para ele, a liberdade de imprensa é um “sobre direito” da personalidade e dessa forma os direitos personalíssimos só poderiam ser defendidos no caso de abusos e restritos a reparação civil, direito de resposta e eventual prescrição criminal.

Com a vedação da Lei de Imprensa de 1967 pelo Supremo Tribunal Federal em 2009, os limites da liberdade de imprensa são impostos através do texto constitucional, legislação civil e penal. Sendo assim, as lides que envolvam divulgação de notícia, como por exemplo, de pessoa morta nas mídias sociais, devem ser solucionadas através da técnica da ponderação acima mencionada.

3.1 Da Liberdade de manifestação de pensamento

A liberdade de manifestação de pensamento é o direito que o indivíduo tem de expor o que pensa, podendo assim expressar suas convicções. Para Da Silva, (2013, p.243):
“[…] ela se caracteriza como exteriorização do pensamento no seu sentido mais abrangente. É que, no seu sentido interno, como pura consciência, como pura crença, mera opinião, a liberdade de pensamento é plenamente reconhecida”.

Após a ditadura militar no Brasil e com a promulgação da ‘’Constituição Cidadã” , a liberdade de manifestação de pensamento finalmente foi considerada como preceito fundamental. A partir disso o poder estatal não pode limitar a liberdade de manifestação de pensamento por meio da censura, sendo garantida essa liberdade em seu pleno exercício.

O artigo 5ª, inciso IX, da Carta Magna afirma que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. A liberdade de manifestação de pensamento, por ser direito fundamental, é garantida pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos que, no seu artigo 19 afirma que ninguém poderá ser molestado por suas opiniões e que toda pessoa terá direito a liberdade de expressão.

O Pacto de São José da Costa Rica no artigo 13, incisos I, II e III, dispõe que toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão, que não estarão sujeitos a censura prévia, como também não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos.

Além disso, a Declaração Universal dos Direitos do Homem em 1948 assegurou em seu artigo 19 que: “Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.

Por fim, vale ressaltar que a liberdade de pensamento não é um direito absoluto, estando sujeito a limites, como por exemplo, a não violação de direitos personalíssimos do indivíduo vivo ou morto, sendo assim, se esses direitos não forem observados acarretam a responsabilidade no âmbito civil.

3.2. Do acesso à informação e da liberdade de fatos e notícias

O direito à liberdade de informação abrange o direito de informar, ser informado e se informar. O direito de informar é assegurado pela Constituição Federal em seu artigo 220, caput, quando assegura que a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerá qualquer restrição. No que diz respeito ao o direito de ser informado, é a faculdade que o indivíduo tem de se manter adequadamente atualizado sobre os fatos e notícias. Para Cunha (2009, p.669): “O direito de informar, ademais, compreende dois direitos distintos: o direito de veiculares ideias, conceitos e opiniões; e o direito de transmitir notícias atuais sobre fatos relevantes e de interesse coletivo e sobre elas formular os respectivos comentários ou criticas”.

Em relação ao exercício profissional jornalístico é garantido o sigilo da fonte. A Constituição Federal quando proclamou o sigilo da fonte tinha o intuito de que a sociedade tivesse garantida toda divulgação de fatos e notícias de interesse público. Em contrapartida, o habeas data é um remédio constitucional, que tem a finalidade de garantir ao indivíduo o acesso às informações que lhe dizem respeito e estejam arquivados em órgãos públicos e privados.

Quanto ao direito de se informar, este é uma faculdade que tem o indivíduo de obter informações sem qualquer limitação. Possui ainda proteção constitucional no artigo 5ª, inciso XIV que declara: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.

Modernamente, a junção do direito jornalístico e a mídia social deu origem ao jornalismo multimídia ou web jornalismo, facilitando a transmissão de informações em tempo real e a interação entre o público e o profissional de jornalismo. A liberdade de imprensa não ofende os direitos de personalidade quando tem por finalidade o interesse científico e cultural, quando a informação é de interesse público ou no caso dos atos praticados serem por pessoas de notoriedade no âmbito social.

Neste contexto, há que se destacar, no que toca à tutela dos direitos personalíssimos do morto, o reconhecimento do direito ao esquecimento. O direito ao esquecimento é o direito facultado às pessoas vivas, e no caso do falecido, a seus sucessores, para esquecer um fato que já ocorreu.

Todavia, com o advento da internet, em que os arquivos de notícias são facilmente acessados, eternizados e divulgados sem controle, esse direito tem sido cada vez mais desrespeitado. No direito ao esquecimento devem-se ponderar os interesses em conflito, isto é, os direitos de personalidade e a liberdade de imprensa.

 O Enunciado 531 do VI Jornada de Direito Civil também trata deste tema, a saber: “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”. Todavia, com o advento da internet, onde os arquivos de notícias são facilmente acessados, eternizados e divulgados sem controle, esse direito tem sido cada vez mais desrespeitado. A Lei 12.965 de 2014, também conhecida como Lei do Marco Civil da Internet, destaca em seu artigo 7, X:

“Art. 7o O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos.

X – exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada aplicação de internet, a seu requerimento, ao término da relação entre as partes, ressalvada as hipóteses de guarda obrigatória de registros prevista nesta Lei.”

No que tange ao direito ao esquecimento e as mídias sociais o legislador brasileiro adotou a técnica da ponderação em relação ao caso concreto, devendo observar o tempo da ocorrência do fato e o momento em que o mesmo foi relembrado, como, por exemplo, no caso de Aida Curi:

“[…]RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSA VS. DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA DIRETA-JUSTIÇA. HOMICÍDIO DE REPERCUSSÃO NACIONAL OCORRIDO NO ANO DE 1958. CASO "AIDA CURI". VEICULAÇÃO, MEIO SÉCULO DEPOIS DO FATO, DO NOME E IMAGEM DA VÍTIMA. NÃO CONSENTIMENTO DOS FAMILIARES. DIREITO AO ESQUECIMENTO. ACOLHIMENTO. NÃO APLICAÇÃO NO CASO CONCRETO. RECONHECIMENTO DA HISTORICIDADE DO FATO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE DESVINCULAÇÃO DO NOME DA VÍTIMA. ADEMAIS, INEXISTÊNCIA, NO CASO CONCRETO, DE DANO MORAL INDENIZÁVEL. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE IMAGEM. SÚMULA N. 403/STJ. NÃO INCIDÊNCIA.[..]”

        Neste caso, o Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial Nº 1.335.153 – RJ (2011/0057428-0) julgado pelo relator Ministro Luís Felipe Salomão relatou que não houve violação ao direito de esquecimento, pois o fato foi relembrado 50 anos após a morte da vítima.

3.3. Da liberdade de imprensa nas mídias sociais

Neste sub tópico, analisaremos a liberdade de imprensa no âmbito das mídias sociais quando divulgam indevidamente a imagem do morto.

Na sociedade contemporânea, o termo imprensa tornou-se mais amplo, pois estão inseridos nesse contexto os meios de comunicação ou de informação como jornais, revistas, rádio, TV, e Internet (mídias sociais). Existem vários tipos de mídia social, como por exemplo, blogs, sites de relacionamento, sites de buscas. As mídias sociais no conceito de Cavallaro Filho (2013, p.49): “Podem ser conceituadas como tecnologias e práticas on-line usadas por pessoas ou empresas para disseminar conteúdo, provocando o compartilhamento de opiniões, ideias, experiências e perspectivas”.

Na sociedade contemporânea com advento da Internet a forma mais utilizada para se informar e trocar informações são através das mídias sociais, por meio de e-mails, aplicativos como o Whatsapp.e redes sociais, como o Facebook e o Instagram.

Em relação a responsabilidade civil do ofensor “ virtual “ foi criada a Lei do Marco Civil da Internet que versa sobre princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil e que pode alcançar o site ou provedor que cometer infração. A lei prevê o sigilo e a inviolabilidade das comunicações feitas virtualmente, filtrando, regulamentando e fiscalizando o conteúdo postado na rede com a finalidade garantir a privacidade do internauta. Com efeito, as mídias sociais são provedores de hospedagem, como salienta Lawand (2007):

“Provedor de hospedagem é o que, mediante pagamento (ou gratuitamente, quando a remuneração é efetuada por empresas comerciais interessadas em divulgar seus anúncios), armazena as páginas eletrônicas da Internet e outros arquivos em servidores próprios ou alheios, garantindo a disponibilização a terceiros, por meio de contrato 6.” (LAWAND, 2007, p.36 apud CAVALLARO FILHO, 2013, p.58)

Neste diapasão, observamos que as mídias sociais armazenam o conteúdo de terceiros, muitas vezes sem controle e sem autorização, em seus servidores e devem responder pelos atos ilícitos de terceiros, quando tem ciência da ocorrência do ato ilícito e não tomam as providências necessárias para fazer cessar a violação a direitos.

4. DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR VIOLAÇÃO, NAS MÍDIAS SOCIAIS, DO DIREITO DE IMAGEM, HONRA, INTIMIDADE E PRIVACIDADE DO MORTO

Antes de adentramos na temática da violação do direito da personalidade do morto é imperativo ressaltar que a veiculação indevida de fatos, notícias e imagem do falecido nas mídias sociais se configura de um ato ilícito, que tem a reparação civil como consequência legal.

O legislador ao tratar da responsabilidade civil, teve como finalidade reprimir o dano moral ou patrimonial causado pelo autor do ato ilícito. Nas palavras de Gonçalves (2010, p.19) “Pode-se afirmar, portanto, que responsabilidade exprime ideia de restauração de equilíbrio, de contraprestação, de reparação do dano”. Desse modo, o ato ilícito nada mais é do que uma ação ou omissão do indivíduo de forma voluntária, que viola um direito ou contraria a lei, causando assim um dano que também pode ser exclusivamente moral.

Para o presente trabalho interessa aprofundar a responsabilidade no âmbito civil em relação à violação do direito da personalidade do morto, que, neste caso, é extracontratual ou aquiliana, isto é, aquela que deriva da falta de respeito ao direito do próximo e às normas que determinam a conduta e que visam prevenir uma lesão aos direitos concedidos a terceiros.

Em se tratando de responsabilidade extracontratual, aplica- se o artigo 186 do Código Civil, a saber: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. ” Ainda na órbita da responsabilidade civil existe a responsabilidade subjetiva, que é aquela que para o agente ser responsabilizado deve-se observar se o mesmo agiu com dolo ou culpa.

Em outra vertente, a responsabilidade objetiva prescinde de culpa e deve ter dano e nexo de causalidade para configurar a responsabilidade. Neste sentido, vale citar Gonçalves (2010, p.48): “Nos casos de responsabilidade objetiva, não se exige prova de culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano. Em alguns, ela é presumida pela lei. Em outros, é de todo prescindível”.

Os pressupostos para a responsabilidade civil são três, a saber: a conduta – que eventualmente inclui a noção de culpa -, o nexo causal e o dano. A conduta pode ocorrer através da ação que é uma conduta positiva, ou através da omissão – que é uma conduta negativa -, podendo ser voluntária ou involuntária.

Ainda no âmbito da conduta, observa-se o fenômeno da imputação, onde atribui-se a responsabilidade pela ocorrência de algo a alguém. O imputável é quem tem capacidade e discernimento mental e que sabe que poderia ou deveria agir de outro modo. Já o inimputável é o indivíduo que não tem sanidade mental e nem capacidade de entender que está cometendo um ilícito.

A culpa só é relevante nas hipóteses de responsabilidade civil subjetiva  e  divide-se em lato sensu, abrangendo os tipos de comportamento que confrontam ao direito e strictu sensu que é caracterizada pela imprudência, imperícia e negligência, e também o dolo – intenção de causar o dano ou de violar um direito com a finalidade de prejudicar ao outro. Outro requisito importante é o nexo de causalidade que ocorre entre o ato ilícito e o dano causado. Vale dizer, no resumo de Cavalieri (2008, p.46): “O nexo causal é um elemento referencial entre a conduta e o resultado. É através dele que poderemos concluir quem foi o causador do dano”.

Por sua vez, no que diz respeito ao dano, o mesmo é de suma importância no âmbito da responsabilidade civil, já que sem o dano não há que se falar em reparação. O dano pode ser material ou patrimonial e, como o nome afirma, vai atingir o patrimônio do ofendido, sendo a sua consequência jurídica o ressarcimento ou a reparação patrimonial. Nesse diapasão, Tartuce (2011): “Assevera que os danos patrimoniais ou materiais constituem prejuízos, perdas que atingem o patrimônio corpóreo de uma pessoa natural, pessoa jurídica ou ente despersonalizado”.

Por sua vez, o dano quando na esfera moral, atinge o ser humano na sua essência, e a sua ocorrência lesiona um direito da personalidade. Na visão de Cavallieri (2014, p.93): “Só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar”.

Sendo assim, todo dano moral vem da violação a um, ou a vários direitos da personalidade, que acarreta prejuízo aos interesses jurídicos do indivíduo que servirão para quantificar a indenização.

A imagem do morto, por ser individualizada, pode sofrer qualquer violação da identidade pessoal, divulgação indevida e vulgar discriminação, gerando o dever de reparar o dano patrimonial ou moral que resultar desse ato.

A divulgação da imagem do morto em certas circunstâncias, caracteriza um ato ilícito, como no caso concreto da morte do cantor sertanejo Cristiano Araújo, que teve sua imagem divulgada de forma humilhante e vexatória após seu falecimento, ficando evidente a conduta ilícita através violação dos direitos da personalidade como a imagem, honra, privacidade, intimidade do cantor. A simples violação ao direito de imagem já é suficiente para acarretar responsabilidade jurídica, desde que haja o nexo causal, como leciona Chaves e Rosenvald (2016), in verbis:

“Configura-se o dano moral pela simples e objetiva violação a direito da personalidade. Por isso, afirma-se que a prova desse dano moral é in re ipsa, isto é, ínsita no próprio fato, caracterizada pela simples violação da personalidade e da dignidade do titular”. (CHAVES; ROSENVALD, 2016, p.205).

Sendo assim, o lesado pode pleitear a reparação por dano moral e patrimonial provocado por violação à sua imagem-retrato ou imagem-atributo e pela divulgação não autorizada de escritos ou declarações feitas.

Em relação aos danos morais eou materiais causados pela veiculação indevida de fatos e imagens da pessoa falecida nas mídias sociais, consagrou-se no ordenamento jurídico brasileiro a teoria do abuso de direito, também conhecida como Teoria dos Atos Emulativos. Nessa teoria o ato inicialmente é licito e torna-se ilícito por exceder os limites da sua finalidade econômica ou social que se relaciona com o princípio da socialidade, e por exceder limites pelos bons costumes ou boa-fé que se vincula com o princípio da eticidade.

Nesta seara o Código Civil em seu artigo 187 dispõe: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. ”

Neste sentido, a apelação cível nº 0010458-31.2015.8.19.0007 julgada pelo Desembargador relator Ferdinaldo Nascimento pelo da Décima Nona Câmara Cível do Estado do Rio de Janeiro:

“[…]APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. DANOS MORAIS. Exposição de imagem de pessoa morta e ensanguentada em matéria jornalística. Demanda ajuizada pelo cônjuge sobrevivente com o fim de compelir o réu a se abster de divulgar por qualquer meio a imagem de fls. 8. Sentença procedente. Manutenção do decisum. Abuso do direito de informação com violação ao direito de imagem do morto.[…]”

   O referido julgado demonstra o evidente abuso de direito cometido na supracitada matéria jornalística, pois não utilizou do princípio da modicidade para a divulgação da notícia e acabou violando além do direito de personalidade do morto, o direito próprio do cônjuge.

4.1. Da tutela dos direitos de personalidade do morto

No âmbito do ordenamento jurídico pátrio, o legislador adotou instrumentos jurídicos que visam tutelar os direitos de personalidade, sejam eles civis, constitucionais ou processuais. Sobre esse aspecto, vale mencionar Farias e Rosenvald (2016):

“Perfilhando-se à regra já insculpida no art.5º, X, da Constituição Federal e nos arts. 536 e 537 do Código de Processo Civil de 2015 (para a tutela jurisdicional individual […], veio o art.12 do Texto Codificado a estabelecer a possibilidade de tutela (proteção) preventiva e repressiva (compensatória) para os direitos de personalidade”. (FARIAS; ROSENVALD, 2016, p.200)

Neste ponto convém destacar as tutelas preventiva e repressiva. A tutela preventiva surge com o reconhecimento de que direitos como os da personalidade exigem uma proteção para evitar a sua violação, repetição ou continuação do ato ilícito, e a mesma é admitida aos direitos de personalidade justamente pelo seu caráter extrapatrimonial, o que dificulta ou anula a reparação total dos danos causados.

Na didática do eminente professor de Didier (2016, p.241) “Isto é, uma forma de tutela do direito que fosse apta a inibir o ilícito e proteger a norma em si mesma, sem se importar com o elemento do dano”. A tutela preventiva diferencia-se da repressiva, pois aquela visa evitar a concretização de um ato ilícito, enquanto que a repressiva atua quando o ato ilícito já ocorreu e gerou consequentemente um dado.

A tutela repressiva deve ser encarada como uma forma secundária de tutela protetiva, pois ela só é utilizada quando o ato ilícito já foi concretizado e consequentemente o dano também. Porém deve se salientar que basta a ocorrência do ato ilícito para que haja a reparação, sem o dano ser necessariamente prescindível.

O juiz é quem deverá fixar as indenizações de acordo com a extensão do dano. Uma ressalva deve ser feita no âmbito da tutela repressiva em relação à indenização. O do artigo 944 do Código Civil dispõe que “A indenização mede-se pela extensão do dano”. E o parágrafo único, detalha: “se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização”. Sendo assim, deve-se analisar o caso concreto, observando a proporção entre a culpa e o dano.

Outro meio de tutelar os direitos personalíssimos do morto é através do direito de resposta, regido pela Lei 13.188/15, que pode ser considerado tutela específica autônoma ou tutela indenizatória, dependendo, portanto do caso concreto. Esse direito tem respaldo constitucional, porque assim está contido no artigo 5 ª, V da Constituição Federal: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.” Na concepção de Morais (2012):

“A Constituição Federal estabelece como requisito para o exercício do direito de resposta ou réplica a proporcionalidade, ou seja, o desagravo deverá ter o mesmo destaque, a mesma duração (no caso de rádio e televisão), o mesmo tamanho (no caso da imprensa escrita) que a notícia que gerou a relação conflituosa”. (MORAIS, 2012, p.52).

Ainda versando sobre o tema, artigo 2ª da Lei 13.188/15 destaca: “Ao ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social é assegurado o direito de resposta ou retificação, gratuito e proporcional ao agravo”.

A lei considera matéria qualquer reportagem, notícia que divulgue conteúdo não consentido pelo ofendido, ou no caso do morto, por seus familiares, mesmo que por um equívoco de informação que viole a honra, a imagem, reputação, de pessoa física ou jurídica. Ainda que haja retratação ou retificação espontânea não impedem o exercício do direito de resposta do ofendido nem prejudicam a ação de reparação por dano moral. O direito de resposta, ou de retificação, tem prazo decadencial de sessenta dias a partir da data de divulgação, publicação ou transmissão da matéria ofensiva.

Mesmo com a não recepção da Lei de Imprensa pela Constituição Federal, o direito de resposta foi admitido pelo ordenamento jurídico brasileiro, tendo inclusive legislação própria que versa sobre o direito de resposta ou retificação do ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social.

4.2. Da Legitimação Ativa

A legitimação ativa em prol dos direitos da personalidade do morto está estampada no parágrafo único do artigo 12 e parágrafo único do artigo 20 do Código Civil que, não só garante a proteção jurídica às pessoas lesadas diretamente, mas também àquelas que foram lesadas indiretamente pela violação causada ao direito de personalidade que um dia foi conferido ao parente morto. De acordo com o parágrafo único do citado artigo, o cônjuge (e também o companheiro), os ascendentes, os descendentes e os colaterais até o quarto grau são os lesados indiretos.

Sendo assim, quando o ato ilícito atinge o morto, em verdade, está atingindo os entes queridos vivos, indiretamente, pois, segundo Farias e Rosenvald (2016), “O dano é diretamente dirigido ao falecido, mas atinge, obliquamente, pessoas que estavam atreladas afetivamente a ele”. Ainda sobre esse aspecto o Código Civil, no parágrafo único do art 20, estabelece que “ Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes “.

Em relação à legitimidade para pleitear ação em favor do morto, o parágrafo único do artigo citado, ao falar dos lesados indiretos não estabelece uma distância de parentesco entre os ascendentes, descendentes e o falecido, ou seja, por mais distante que o ascendente ou descendente esteja na linha de sucessão, podem ainda assim defender a memória do morto.

Além disso, deve-se reconhecer a condição exemplificativa desse rol e salientar que o companheiro e os colaterais também podem pleitear direito próprio. Como salienta o Enunciado 400 do Conselho da Justiça Federal “Os parágrafos únicos dos arts. 12 e 20 asseguram legitimidade, por direito próprio, aos parentes, cônjuge ou companheiro para a tutela contra lesão perpetrada post mortem”.

Os direitos dos lesados indiretos são próprios e os mesmos não atuarão como substitutos processuais ou legitimados extraordinários, pois apesar de ter a finalidade de defender os direitos de personalidade de seus entes já falecidos, também estarão defendendo os seus próprios direitos da personalidade, como por exemplo, a honra.

Nas palavras de Farias e Rosenvald (2016):

“O lesado indireto é aquela pessoa que padece um dano próprio, derivado de um ilícito que tem por vitima uma terceira pessoa, em relação à qual há um vínculo de natureza patrimonial ou extrapatrimonial que resulta afetado. Este é o chamado dano reflexo, pois o dano provém de uma situação jurídica objetiva que vincula o lesado indireto e a vítima direta.Também conhecido como dano por ricochete, haja vista que a lesão atinge imediatamente o indivíduo A, mas indiretamente atinge interesses dignos de proteção de B, que de alguma forma está ligado.” (FARIAS; ROSENVALD, 2016, p.332).

Em suma, em relação a proteção dos direitos da personalidade post mortem, são os lesados indiretos que devem requerer a medida protetiva, seja ela preventiva ou reparatória.

5 CONCLUSÃO

O presente artigo tem como intuito fazer uma análise das consequências jurídicas da violação nas mídias sociais, do direito de imagem, honra, intimidade, e privacidade do morto, na perspectiva do direito civil.

Com o advento da internet e consequentemente das mídias sociais, se tornou cada vez mais comum a violação aos direitos da personalidade do morto, que atinge de forma reflexa os ascendentes, descendentes etc., também chamados de lesados indiretos.

O direito à liberdade de imprensa que abrange também as mídias sociais vem colidindo com os direitos de personalidade seja do indivíduo vivo ou morto, sendo assim o legislador brasileiro utiliza a técnica da ponderação para aplicar de forma justa a solução para o caso concreto. Em relação a Lei de Imprensa, a mesma não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, pois atentava contra princípios como dignidade da pessoa humana.

Os legitimados para pleitear os direitos do morto estão elencados nos parágrafos únicos dos artigos 12 e 20 do Código Civil, sendo eles: os ascendentes, descendente, cônjuge ou colaterais até o quarto grau. Esses legitimados pleiteiam em direito próprio para salvaguardar os seus direitos de personalidade e também do ente querido que já faleceu.

O ordenamento jurídico pátrio tutela os direitos personalíssimos em vários âmbitos, como o civil, constitucional e processual. Entre os mecanismos de tutela desses direitos estão a responsabilidade civil, direito ao esquecimento, direito de resposta, tutela inibitória e tutela específica. Recentemente foi promulgada a Lei do Marco Civil da Internet com o intuito de também preservar direitos da personalidade que podem ser violados pela rede mundial de computadores.

Por fim, evidencia-se que o legislador brasileiro ainda deve percorrer um longo caminho para melhor salvaguardar esses direitos personalíssimos que são tão importantes na vida do ser humano.

 

Referências
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Notas
[1] Trabalho orientado pela Profa. Nícia Nogueira Diógenes Abreu, Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais (Universidade Del Museo Social Argentino). Especialização em Direito Civil (Universidade Salvador). Especialização em Direito Tributário (Faculdade Jorge Amado Juspodivm). Graduação em Direito (Universidade Católica do Salvador – UCSal)


Informações Sobre o Autor

Amanda Caetano Piton

Bacharela em Direito pela Universidade Católica do Salvador


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