Ativismo judicial e o novo papel do poder judiciário na jurisdição constitucional: parâmetros e possibilidades

Resumo: Apresenta uma análise sobre a expansão do Poder Judiciário e da evolução do constitucionalismo. Discorre sobre a compatibilidade do constitucionalismo – e do seu papel contramajoritário – com a democracia. Expõe o atual estágio do constitucionalismo no país, adotando-se a concepção do neoconstitucionalismo. Explica o fenômeno da judicialização da política e das relações sociais. Demonstra o papel do Judiciário atualmente sob o enfoque do ativismo judicial. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica. Ao final, analisa-se a atuação do Poder Judiciário frente aos princípios da inafastabilidade de jurisdição e da separação de poderes.

Palavras-Chave: Poder Judiciário. Constitucionalismo. Judiciliazação da Política e das Relações Sociais. Ativismo Judicial.

Sumário: 1. Introdução. 2. A expansão do Poder Judiciário pós-88; 3. Constitucionalismo e democracia; 4. Neoconstitucionalismo; 5. Judicialização da política e das relações sociais; 6. Ativismo judicial.

“Não é possível a prática da democracia sem uma organização judiciária independente e capaz de atuar com eficiência na salvaguarda dos direitos fundamentais da pessoa humana”. Dalmo de Abreu Dallari (1996)

1. INTRODUÇÃO

“Come senators, congressmen

Please heed the call

Don't stand in the doorway

Don't block up the hall”. Bob Dylan

Em 2016, o Brasil passou por um dos momentos mais conturbados de sua história desde a promulgação da Constituição em 1988, culminando com a abertura do segundo processo de impeachment sobre um Presidente da República desde a redemocratização do país.

O descontentamento da sociedade com os representantes eleitos e sua irresignação com os grandes casos de Corrupção na Administração Pública podem ser observados desde os protestos de 2013, contra várias iniciativas e omissões governamentais.

Nesse contexto, fazendo o necessário discernimento entre as paixões partidárias e a influência da opinião pública nas decisões judiciais, as recentes manifestações públicas em apoio ao Juiz Federal Sérgio Moro são emblemáticas. É dizer, grande parte da população sente-se mais representada e demonstrou apoio a um juiz de primeira instância – concursado – em detrimento dos Políticos eleitos pela via democrática.

Por sua vez, na contramão de iniciativas parlamentares – amplamente divulgadas pelos noticiários – o Ministério Público Federal, novamente sem juízo de mérito, já conseguiu mais de 2 (dois) milhões de assinaturas em apoio as 10 Medidas Contra à Corrupção (Projeto de Lei de Iniciativa Popular), no intuito de prevenir e reprimir de forma mais severa esta espécie de delito.

 Com efeito, os últimos tempos tem sido marcados pelo fortalecimento das instituições, notadamente do Poder Judiciário, que tem dado a última palavra em questões de grande importância, em decorrência da crescente judicialização da política e das relações sociais. Os tempos estão mudando.

É inegável o deslocamento do poder dos Poderes Executivo e Legislativo para o Judiciário, em razão da inércia, ausência de vontade política, casos de corrupção e outras vicissitudes daqueles outrora mencionadas.

Nesse contexto, não há como se enxergar o princípio separação de poderes como estanque e intocável em uma sociedade cada vez mais ativa e consciente de seus direitos.

Desse modo, é possível vislumbrar a ascensão do Poder Judiciário, principalmente do Supremo Tribunal Federal, que passa a não só exercer um papel contramajoritário, mas também representativo e iluminista. Primordialmente para assegurar a democracia e os direitos fundamentais, mas sem desconsiderar os anseios da sociedade.

O presente artigo pretende demonstrar, a partir de uma visão maleável do princípio da separação de poderes, a legitimidade do Poder Judiciário para atuar – quando provocado – na efetivação da Constituição Federal, com fundamento nos princípios da inafastabilidade de jurisdição e da dignidade da pessoa humana.

2. A EXPANSÃO DO PODER JUDICIÁRIO PÓS-88

A Constituição Federal de 1988 pode ser considerada o marco histórico do processo de redemocratização do país[1], simbolizando a transição do regime ditatorial – guiado pela legalidade paralela dos atos institucionais e por graves violações aos direitos humanos – servindo também como marco jurídico[2].

A Carta Magna promulgada se qualifica como compromissária e dirigente. Prevendo direitos e estabelecendo metas e objetivos a serem atingidos pelo Estado. No âmbito do Poder Judiciário, garantiu sua autonomia financeira e administrativa, ampliando sua importância política. Assegurou a independência funcional dos magistrados. Além de promover o acesso à justiça por meio de diversos dispositivos.[3]

É de se ressaltar que, ao contrário do Legislativo e do Executivo – os quais de alguma forma possuem ligação entre si – o Poder Judiciário é o que se mostra mais independente, não se intricando com nenhum outro Poder, singularizando-se dos demais.[4]

Como bem assevera Rodrigo Brandão[5], o sistema político instituído pela Constituição de 1988 favoreceu à expansão do Poder Judiciário. Sobre o prisma das condições institucionais, o autor aduz que o catálogo de direitos é o mais generoso de nossa história constitucional. Incluindo direitos a prestações negativas e positivas por parte do Estado.

No que toca o controle de constitucionalidade, ampliou o rol de legitimados para propositura das ações do controle abstrato, viabilizando o acesso de grupos da sociedade civil e partidos políticos. Fato que elevou consideravelmente o número de demandas junto ao Supremo Tribunal Federal – STF.

Outro ponto considerado pelo referido autor, é a atribuição de competências superlativas ao Supremo Tribunal Federal. Ou seja, além da função de Tribunal Constitucional, desempenha a função de foro especializado e recursal de última instância.

Em suma, a bíblia política promulgada em 1988 consagrou a solução compromisso, ampliando a competência originária do STF em relação aos remédios constitucionais e ao controle abstrato de normas.[6]

3. CONSTITUCIONALISMO E DEMOCRACIA

A grande controvérsia acerca do constitucionalismo contemporâneo gira em torno de sua compatibilidade com a democracia. A questão não é nova, mas intensifica-se com a atual tendência de judicialização das relações políticas e sociais.

Como referido anteriormente, a questão do aparente antagonismo entre constitucionalismo e democracia surge com o nascimento das Constituições, como assevera Lenio Luiz Streck[7], “Com efeito, a Constituição nasce como um paradoxo porque, do mesmo modo que surge como exigência para conter o poder absoluto do rei, transforma-se em um indispensável mecanismo de contenção do poder das maiorias”.

É nesse ponto que, eventualmente, podem colidir as noções de constitucionalismo e democracia, como aduz Barroso[8] ao afirmar que “a vontade da maioria pode ter de estancar diante de determinados conteúdos materiais, orgânicos ou processuais da Constituição”.

Dessa maneira, como bem expõe Lenio Streck[9], poderia entender-se que o constitucionalismo é antidemocrático. Nas palavras do autor:

“Se se compreendesse a democracia como a prevalência da regra da maioria, poder-se-ia afirmar que o constitucionalismo é antidemocrático, na medida em que “subtrai” da maioria a possibilidade de decidir determinadas matérias, reservadas e protegidas por dispositivos contramajoritários”.

Para Barroso, em princípio, cabe a jurisdição constitucional efetuar o controle e garantir que a deliberação majoritária observe o procedimento prescrito e não vulnere os consensos mínimos estabelecidos na Constituição.

Ainda de acordo com Barroso, o aparente paradoxo nos tempos modernos reside em “harmonizar a existência de uma Constituição – e dos limites que ela impõe aos poderes ordinários – com a liberdade necessária às deliberações majoritárias, próprias do regime democrático” O autor ainda assevera que as questões que desafiam a doutrina e a jurisprudência atualmente são as seguintes: por que um texto elaborado décadas ou séculos atrás (a Constituição) deveria limitar as maiorias atuais? E por que se deveria transferir ao judiciário a competência para examinar a validade de decisões dos representantes do povo?

As respostas para essas indagações vêm sendo respondidas pela doutrina, o próprio Barroso afirma que:

“A Constituição de um Estado democrático tem duas funções principais. Em primeiro lugar, compete a ela veicular consensos mínimos, essenciais para a dignidade das pessoas e para o funcionamento do regime democrático, e que não devem poder ser afetados por maiorias políticas ocasionais. (…) Em segundo lugar, cabe a Constituição garantir o espaço próprio do pluralismo político, assegurando o funcionamento adequado dos mecanismos democráticos”.

Entendimento este que se coaduna com o raciocínio de Lenio Streck:

“Na verdade, a afirmação da existência de uma “tensão” irreconciliável entre constitucionalismo e democracia é um dos mitos centrais do pensamento político moderno, que entendo deva ser desmistificado. Frisa-se, ademais, que se existir alguma contraposição, esta ocorre necessariamente entre a democracia constitucional e democracia majoritária, questão que vem abordada em autores como Dworkin, para quem a democracia constitucional pressupõe uma teoria de direitos fundamentais que tenham exatamente a função de colocar-se como limites/freios às maiorias eventuais”.

STRECK afirma ainda que:

“Por isso, o alerta que bem representa o paradoxo que é a Constituição: uma vontade popular majoritária permanente, sem freios contramajoritários, equivale à volonté générale, a vontade geral absoluta propugnada por Russeau, que se revelaria, na verdade, em uma ditadura permanente”.

Daí a importância do Poder Judiciário na democracia, como explica Barroso:

“Sem embargo de desempenhar um poder político, o Judiciário tem características diversas dos outros Poderes. É que seus membros não são investidos por critérios eletivos nem por processos majoritários. E é bom que seja assim. A maior parte dos países do mundo reserva uma parcela de poder para que seja desempenhado por agentes públicos selecionados com base no mérito e no conhecimento específico. Idealmente preservado das paixões políticas, ao juiz cabe decidir com imparcialidade, baseado na Constituição e nas leis”.

Pode-se entender, portanto, tomando emprestadas as palavras de Barroso que:

“Longe de serem conceitos antagônicos, portanto, constitucionalismo e democracia são fenômenos que se complementam e se apoiam mutuamente no Estado contemporâneo. Ambos se destinam, em última análise, a prover justiça, segurança jurídica e bem estar social. Por meio do equilíbrio entre Constituição e deliberação majoritária, as sociedades podem obter, ao mesmo tempo, estabilidade quanto às garantias e valores essenciais, que ficam preservados no texto constitucional, e agilidade para a solução das demandas do dia a dia, a cargo dos poderes políticos eleitos pelo povo”.

Conclui-se que eventuais tensões em torno do princípio da separação dos poderes são inevitáveis. A realização dos fins constitucionais, em especial da efetivação dos direitos fundamentais, pode bater de frente com os interesses dos poderes eleitos, que muitas vezes não respeitam o texto constitucional. Devendo prevalecerem os princípios constitucionais quando contrapostos com deliberações políticas que os contrariem.

4. NEOCONSTITUCIONALISMO

Atualmente, o constitucionalismo passa por uma fase de transformação, não se conformando apenas em limitar o poder dos governantes, mas principalmente preocupa-se em efetivar os direitos e garantias fundamentais. O novo conceito vem sendo chamado de pós-positivismo. Este caracteriza-se, segunda parte da doutrina, pela ideia de união entre o Direito e a Moral. No modelo constitucional, ele vem sendo denominado por diversos autores como: neoconstitucionalismo. Como pode-se extrair da acepção da palavra este modelo expressa a ideia de novo, ou do que veio depois, dando o sentido de mudança na teoria jurídica.

Na visão de Luís Roberto Barroso[10], são três os marcos fundamentais que mobilizam a mudança de paradigma: o histórico, o filosófico e o teórico. Segundo o doutrinador, o marco histórico deu-se após a segunda guerra mundial, aproximando as ideias de constitucionalismo e de democracia, produzindo uma nova forma de organização política: O Estado Democrático de Direito.

Já o filosófico diz respeito ao pós-positivismo, que procura harmonizar as ideias do positivismo e do jusnaturalismo, de forma a atenuar a dicotomia existente entre ambos. Nas palavras do Ministro, em artigo intitulado ‘’Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito’’, o pós-positivismo “busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas”. Buscando-se uma nova interpretação do direito, valorizando os direitos fundamentais, fundados no princípio da dignidade da pessoa humana.

Ainda de acordo com o jurista, no marco teórico ocorreram três grandes transformações: i) o reconhecimento da força normativa da constituição; ii) a expansão da jurisdição constitucional; iii) o desenvolvimento de uma nova dogmática de interpretação constitucional.

Em breve síntese, Barroso explica que a força normativa, deu-se com a atribuição de norma jurídica à norma constitucional, superando a ideia de que a Constituição era apenas um documento político. Sendo todas as normas jurídicas dotadas de imperatividade.

A expansão da jurisdição, inspirada pela supremacia da Constituição, dá-se na medida em que os direitos fundamentais foram constitucionalizados, passando a serem protegidos pelo Poder Judiciário. Daí a criação de Tribunais Constitucionais, em um modelo em que vigora o controle de constitucionalidade, que no caso brasileiro poderá ser exercido na via difusa, por qualquer juiz ou tribunal, bem como na forma concentrada, pelo Supremo Tribunal Federal, o guardião da Constituição.

Sem embargo do emprego dos elementos tradicionais da aplicação do Direito, a interpretação constitucional tem como princípios: a supremacia da constituição, a presunção de constitucionalidade das normas e atos do Poder Público, a interpretação conforme a Constituição, a unidade, a razoabilidade e a efetividade.

No desenvolver do direito constitucional, a suas premissas de interpretação tornaram-se insatisfatórias para a resolução dos conflitos da sociedade contemporânea. Ao passo em que estas necessariamente tiveram de passar por grandes transformações. A nova interpretação passa por conceitos que incluem: às cláusulas gerais, os princípios, as colisões de normas constitucionais, a ponderação e a argumentação. Elas são importantes na medida em que devido as diferentes pretensões protegidas pelo texto constitucional, surgem-se conflitos específicos entre elas, que necessitam harmonizar-se e conviver conjuntamente.

Em sua maioria os conflitos se dão entre colisões de normas constitucionais, dotadas de mesma hierarquia, sobre o mesmo fato, lhe dando soluções diversas. Nesse cenário, Ana Paula Barcellos[11] explica que os direitos fundamentais parecem entrar em choque em muitas circunstâncias, mas outros elementos constitucionais também podem apresentar uma convivência difícil em determinados ambientes.

O neoconstitucionalismo está ligado a diversos fenômenos do direito contemporâneo, como sintetiza Daniel Sarmento[12]:

“a) reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos e valorização da sua importância no processo de aplicação do Direito; b) rejeição ao formalismo e recurso mais frequente a métodos ou “estilos” mais abertos de raciocínio jurídico: ponderação, tópica, teorias da argumentação etc; c) constitucionalização do Direito, com a irradiação das normas e valores constitucionais, sobretudo os relacionados aos direitos fundamentais, para todos os ramos do ordenamento; d) reaproximação entre o Direto e Moral; e) judicialização da política e das relações sociais, com um significativo deslocamento de poder da esfera do Legislativo e do Executivo para o Poder Judiciário”.

Essa nova etapa constitucional ocasionou um processo de constitucionalização do direito de forma intensa, acarretando com uma crescente demanda ao Poder Judiciário, denominada de uma verdadeira judicialização da vida, campo fértil para o ativismo judicial, ante o princípio da inafastabilidade de jurisdição e a primazia da concretização dos direitos e garantias fundamentais.

5. JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E DAS RELAÇÕES SOCIAIS

Com a expansão do Poder Judiciário e da Jurisdição Constitucional decorrentes da Constituição de 1988, acompanhou-se uma crescente judicialização da política e das relações sociais. Além da constitucionalização abrangente e do sistema misto e amplo do controle de constitucionalidade, outras condições contribuíram para o fenômeno.

De acordo com o Professor Luís Roberto Barroso[13], a demanda do Poder Judiciário aumentou significativamente em razão de diversos fatores. Entre eles: a redescoberta da cidadania e a conscientização das pessoas em relação aos seus próprios direitos; a ampliação do rol desses direitos, incluindo novas ações e ampliação da legitimação para tutela de interesses; a recuperação das liberdades democráticas e das garantias da magistratura.

Barroso faz ainda importante distinção entre judicialização e ativismo judicial. A judicialização significa que questões de grande relevância sob o prisma político, social ou moral são decididas, em última instância (às vezes em única), pelo Poder Judiciário. Constituindo verdadeira transferência de poder ao Judiciário em detrimento das instâncias políticas. Afastando a dicotomia existente entre direito e política.

As causas para o fenômeno são variadas. Em primeiro lugar, como ressaltado anteriormente, é o reconhecimento da importância do Poder Judiciário forte e independente, como órgão essencial da democracia. Em seguida, pode-se destacar a desilusão da sociedade com a política, em virtude da ausência de representatividade e funcionalidade dos parlamentares eleitos. Por fim, como consequência direta desta última, em muitos cenários, os próprios políticos preferem que o Judiciário decida sobre questões polêmicas, no intuito de evitar desgastes em razão de sua deliberação.

Herval Sampaio[14] salienta que, no Brasil, encontram-se presentes todas as condições políticas e jurídicas que dão apoio a essa expansão do Poder Judiciário. Citando, como exemplo, a utilização dos tribunais pelos grupos de interesse e grupos de oposição.

Conclui-se que o Judiciário, no atual cenário contemporâneo, atua de forma legítima e decisiva na construção e garantia de direitos, derivado de suas atribuições e competências constitucionais.[15]

6. ATIVISMO JUDICIAL

O ativismo judicial é uma expressão advinda dos Estados Unidos, país no qual ocorreu uma profunda e silenciosa revolução em relação a inúmeras práticas políticas, conduzindo a uma jurisprudência de cunho progressista em matéria de direitos fundamentais. Com efeito, o ativismo judicial pode ser descrito como a participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior ingerência no campo de atuação dos outros Poderes.[16]

Frederico Wildson[17] defende que o princípio constitucional da inafastabilidade de jurisdição fundamenta o modelo de ativismo judicial no Brasil, com foco na efetivação dos direitos fundamentais. O autor afirma que o direito de acesso à justiça – corolário do princípio da inafastabilidade – conjugado com o princípio da dignidade da pessoa humana, “impelem uma atuação judicial comprometida com a realização dos valores constitucionais, principalmente dos direitos fundamentais, abrindo as portas do judiciário para virtualmente qualquer causa”. O que, como fim derradeiro, influenciaria uma postura ativista dos magistrados.

O tema encontra maior relevo nos Tribunais Superiores, notadamente no Supremo Tribunal Federal. Razão pela qual o presente trabalho se delimitará à Jurisdição Constitucional. Contudo, o ativismo não se limita aqueles, tendo em vista que já na primeira instância os juízes têm se deparado com as novas situações e complexidades da vida moderna.[18]

De antemão, registre-se que não existe critério absoluto e infalível para se comprovar a existência de uma decisão impropriamente ativista. O que não significa que não se tenha um padrão mínimo de deferência das decisões em detrimento dos outros Poderes.[19]

Daniel Sarmento e Cláudio Pereira Souza[20], em interessante estudo, apontam parâmetros para a medida do ativismo no exercício da Jurisdição Constitucional. Asseverando que o primeiro aspecto a ser considerado é o grau de legitimidade democrática do ato normativo. Ou seja, quanto mais democrático tenha sido a elaboração do ato normativo, mais autocontido deve ser o Poder Judiciário no exame de sua constitucionalidade.

Já em sentido inverso, cabe ao Poder Judiciário proteger de maneira ativa as condições de funcionamento da própria democracia, quando ameaçadas pelos detentores do poder político. Ainda neste contexto, o critério deve ser igualmente utilizado no tocante à proteção de minorias estigmatizadas. Outro parâmetro de cunho ativista se refere à relevância material do direito fundamental em jogo, devendo estes prevalecerem sobre a vontade da maioria ante a possibilidade de sua restrição.

Outros pontos considerados pelos referidos autores são a capacidade institucional do Judiciário em comparação ao órgão que editou o ato normativo quando as decisões exigirem conhecimentos técnicos fora do Direito. E a denominada inconsistência temporal, consubstanciada na tendência humana de sobrevalorizar interesses de curto prazo. Importa esclarecer: o sistema político, via de regra, almeja a reeleição, ensejando ações que rendam efeitos positivos durante o mandato. Situação que pode ameaçar importantes direitos e conquistas de longo prazo, voltadas as próximas gerações.

Posto isto, conforme aduz o Min. Luís Roberto Barroso[21], não há mais como se conceber o modelo tradicional da separação de poderes no constitucionalismo contemporâneo. Nesse sentido, Paulo Gustavo Gonet Branco[22] afirma que não é possível conter o exercício da função jurisdicional em nome de um modelo ideal, fixo e determinado da separação de poderes e “reduzir esse princípio a mais uma frase-curinga”, beirando o pan-principiologismo.

O papel contramajoritário do Poder Judiciário amplamente conhecido e estudado anteriormente, funda-se na premissa de que as decisões dos órgãos eletivos seriam provenientes da vontade majoritária. Diametralmente opostas as decisões proferidas pelo Judiciário, em virtude de seus membros não serem eleitos. Entretanto, conforme assinala Barroso, o legislativo nem sempre expressa a vontade majoritária, atendendo muitas vezes à interesses próprios. Sobre o tema, adverte Dallari[23]:

“De qualquer modo, o direito seria sempre político, mas a partir da concepção do Poder Legislativo como órgão ou conjunto de órgãos em que são produzidas as leis, essa politicidade passou a caminhar muito próxima da política-partidária. Desse modo foi estabelecida uma ambiguidade, pois a lei pode ser a expressão do direito autêntico, nascido das relações sociais básicas e expressando os valores de um grupo social, mas geralmente, passou a expressar apenas a vontade do grupo que predomina em determinado momento da vida do povo, sendo muitas vezes um instrumento de interesses individuais ou grupais contrários aos de todo o povo”.

Nesse cenário, vislumbra-se que o Poder Judiciário atende, em alguns contextos, melhor o sentimento da sociedade do que os poderes eleitos. Diversos fatores podem ser indicados como causas para o fenômeno. Quanto ao Judiciário, é de ressaltar que os juízes, em primeira instância, são investidos por meio de concurso público, no qual qualquer bacharel em direito – das mais diversas origens sociais e culturais – desde que atendidos determinados requisitos objetivos podem participar. Outrossim, pode-se apontar ainda a garantia da vitaliciedade, assegurando que os juízes não fiquem sujeitos a política eleitoral. Por fim, importa ressaltar o dever de motivação das decisões judiciais aos magistrados.

Por seu turno, os parlamentares precisam de elevados financiamentos para se elegerem, fazendo com que, geralmente, estes procurem contribuições junto a grupos empresariais. Em contrapartida, os atores políticos acabam vinculados à defesa de interesses particulares. Ademais, não se pode enxergar que a vontade da maioria – por seus representantes eleitos – legitimaria o poder em qualquer circunstância. Nesse ponto, deve ser observada a democracia deliberativa, fundada em uma legitimação discursiva, ancorada no debate público, aberto e livre, do qual se encontrem os argumentos das decisões políticas.

No que toca as Cortes Supremas, Barroso assevera ainda que estas, além do papel representativo, desempenham um papel iluminista. “Encarregado de empurrar a história”. Ou seja, assegurando avanços sociais que demorariam décadas nas instancias ordinárias. Devendo ser utilizado com reservas, porém imprescindível. No Brasil, são exemplos desse papel as decisões tomadas pelo STF que equipararam as uniões estáveis homoafetivas com as convencionais e permitiram a interrupção da gravidez de fetos anencefálicos. Em ambos os casos a proteção de um direito fundamental legitimou sua atuação.

Desse modo, não se pode analisar o papel das Cortes Constitucionais e do próprio Judiciário como um todo sem levar em consideração a Constituição que devem efetivar. No caso brasileiro, não há de se falar em um ativismo reprovável, uma vez que a Carta Magna está impregnada de valores políticos e morais como princípios jurídicos.[24]

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

À guisa de conclusão, vislumbra-se que o neoconstitucionalismo tem como missão efetivar os direitos fundamentais, buscando, ainda, reaproximar o Direito e a Moral.

Com a crescente judicialização da política e das relações sociais, devido a maior conscientização da sociedade em relação aos seus direitos e a ampliação das legitimidades e direitos, deslocou-se o poder das esferas do Legislativo e do Executivo para o Judiciário.

Nesse diapasão, diante do cenário político nacional marcado pelo déficit de representatividade, o Poder Judiciário desempenha um papel muito relevante, com as funções de assegurar as regras democráticas e assegurar os direitos e garantias individuais, primando pela democracia substancial.

O ativismo judicial demonstra a participação mais ampla do Judiciário em temas de grande relevância, principalmente diante da inércia do poder competente, mas também substituindo sua decisão, diante de flagrante ilegalidade.

Essa postura encontra fundamento nos princípios da independência do Poder Judiciário e da inafastabilidade de jurisdição. Não havendo mais como se conceber uma leitura estanque e irredutível do princípio da separação de poderes.

Com efeito, a atuação do Judiciário não pode ser ilimitada, incondicionada e totalmente discricionária, devendo-se dar preferência ao Legislativo. Não obstante, analisados determinados parâmetros, embasados principalmente na legitimidade democrática do ato e na proteção e/ou efetivação de direitos fundamentais, o Poder Judiciário tem o dever de atuar.

Nessa perspectiva, notadamente o Supremo Tribunal Federal, não teria um papel contramajoritário, mas também representativo e iluminista, atendendo anseios da sociedade que não são efetivados pelos representantes eleitos, tendo como fonte de legitimidade e limite à Constituição Federal.

Desse modo, vislumbra-se que a jurisdição constitucional se torna um importante instrumento de controle das maiorias eventuais, de forma a garantir que os procedimentos prescritos sejam seguidos, e ainda, de assegurar os direitos fundamentais básicos e respeito aos direitos das minorias.

 

Referências
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SARMENTO, Daniel e SOUZA, Cláudio Pereira Direito Constitucional: Teoria, História e Métodos de Trabalho. 1ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012
SARMENTO, Daniel e SOUZA, Cláudio Pereira. “Notas sobre Jurisdição Constitucional e Democracia: A Questão da “Última Palavra” e alguns Parâmetros de Autocontenção Judicial” In: André Fellet e Marcelo Novelino. Constitucionalismo e Democracia. Salvador: Juspodivm.
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TEDESCO, Aline Lazzaron. “Ativismo, Hermenêutica e Humanização da Atividade Judicial”.
 
Notas:
[1] SARMENTO, Daniel e SOUZA, Cláudio Pereira. Direito Constitucional: Teoria, História e Métodos de Trabalho. 1ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012. pg. 301.

[2] BRANDÃO, Rodrigo. “A judicialização da Política: Teorias, Condições e o Caso Brasileiro”. In: André Fellet e Marcelo Novelino. Constitucionalismo e Democracia. Salvador: Juspodivm. pgs. 615-655

[3] SARMENTO, Daniel e SOUZA, Cláudio Pereira. Direito Constitucional: Teoria, História e Métodos de Trabalho. 1ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

[4] CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.).
Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.

[5] BRANDÃO, Rodrigo. “A judicialização da Política: Teorias, Condições e o Caso Brasileiro”. In: André Fellet e Marcelo Novelino. Constitucionalismo e Democracia. Salvador: Juspodivm. pgs. 615-655

[6] MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. Pg. 43.

[7] STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. Pg. 17.

[8] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013. Pg. 211.

[9] STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. Pg. 19.

[10] BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Disponível em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/themes/LRB/pdf/neoconstitucionalismo_e_constitucionalizacao_do_direito_pt.pdf>

[11] BARCELLOS, Ana Paula. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle de políticas públicas. Disponível em: <www.direitopublico.com.br/pdf…/artigo_controle_pol_ticas_p_blicas_.p>.

[12] SARMENTO, Daniel e SOUZA, Cláudio Pereira. Direito Constitucional: Teoria, História e Métodos de Trabalho. 1ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012. Pg. 691.

[13] BARROSO, Luís Roberto. “Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil Contemporâneo”. In: André Luiz Fernandes Fellet, Daniel Giotti de Paula e Marcelo Novelino (Orgs). As novas faces do ativismo judicial. Salvador: Juspodivm, 2013, pgs. 225-270.

[14] SAMPAIO, José Herval. “Ativismo Judicial: Autoritarismo ou Cumprimento dos Deveres Constitucionais?”. ”. In: André Luiz Fernandes Fellet, Daniel Giotti de Paula e Marcelo Novelino (Orgs). As novas faces do ativismo judicial. Salvador: Juspodivm, 2013, pgs. 403-430

[15] ASENSI, Felipe Dutra. “Algo Está Mudando No Horizonte do Direito? Pós-Positivismo e Judicialização da Política e das Relações Sociais”. ”. In: André Luiz Fernandes Fellet, Daniel Giotti de Paula e Marcelo Novelino (Orgs). As novas faces do ativismo judicial. Salvador: Juspodivm, 2013, pg. 205-223.

[16] BARROSO, Luís Roberto. “Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil Contemporâneo”. In: André Luiz Fernandes Fellet, Daniel Giotti de Paula e Marcelo Novelino (Orgs). As novas faces do ativismo judicial. Salvador: Juspodivm, 2013, pgs. 225-270.

[17] DANTAS, Frederico Wildson da Silva. “O Princípio Constitucional da Inafastabilidade: Estudo com Enfoque no Ativismo Judicial.

[18] TEDESCO, Aline Lazzaron. “Ativismo, Hermenêutica e Humanização da Atividade Judicial”.

[19] BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. “Em Busca de um Conceito Fugidio – O Ativismo Judicial”. André Luiz Fernandes Fellet, Daniel Giotti de Paula e Marcelo Novelino (Orgs). As novas faces do ativismo judicial. Salvador: Juspodivm, 2013, pgs.387-402

[20] SARMENTO, Daniel e SOUZA, Cláudio Pereira. “Notas sobre Jurisdição Constitucional e Democracia: A Questão da “Última Palavra” e alguns Parâmetro de Autocontenção Judicial” In: André Fellet e Marcelo Novelino. Constitucionalismo e Democracia. Salvador: Juspodivm. pgs. 125-158.

[21] BARROSO, Luís Roberto. “A razão sem voto: O Supremo Tribunal Federal e o governo da maioria”.

[22] BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. “Em Busca de um Conceito Fugidio – O Ativismo Judicial”. André Luiz Fernandes Fellet, Daniel Giotti de Paula e Marcelo Novelino (Orgs). As novas faces do ativismo judicial. Salvador: Juspodivm, 2013, pgs.387-402

[23] DALLARI, Dalmo. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996

[24] BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. “Em Busca de um Conceito Fugidio – O Ativismo Judicial”. André Luiz Fernandes Fellet, Daniel Giotti de Paula e Marcelo Novelino (Orgs). As novas faces do ativismo judicial. Salvador: Juspodivm, 2013, pgs.387-402


Informações Sobre o Autor

Thiago Marinho

Residente Judicial – ESMARN/UFRN. Graduado em Direito pela Universidade Potiguar – UnP (2015)


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