Inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor

Resumo: A proteção do consumidor é um grande desafio, uma vez que a sociedade de consumo trouxe complexidade aos seus atores, ao passo que os mecanismos legislativos nem sempre se mostram eficientes a superar a vulnerabilidade do consumidor. Diante disso, o Código de Defesa do Consumidor, Lei n° 8.078 de 11 de setembro de 1990-, em seu artigo 6º, VIII, instituiu a inversão do ônus da prova, o que, indubitavelmente, constituiu uma das mais importantes inovações legislativas no que diz respeito à proteção ao consumidor. Ademais, observa-se que nesse cenário de proteção ao hipossuficiente, qual seja o consumidor é possível entender a proteção jurídica lançada à sociedade consumerista. A regra da inversão do ônus probandi, atua como efetivo mecanismo de proteção do consumidor. É com vistas à vulnerabilidade do consumidor que se disciplina a ideia da inversão do ônus da prova, logo se busca o equilíbrio das relações de consumo, bem como limita práticas abusivas.

Palavras-chaves: Código de Defesa do Consumidor. Inversão do ônus da Prova. Mercado Consumidor.

Abstract: Currently, consumer protection is a major challenge, since the consumer society brought complexity to his actors, while the legislative mechanisms do not always show efficient to overcome consumer vulnerability. Thus, the Consumer Protection Code, Law n ° 8.078 of September 11, 1990, in Article 6, VIII, establishing the reversal of the burden of proof, this undoubtedly was one of the most important legislative innovations in With regard to consumer protection. Moreover, it is observed that this protection scenario at a disadvantage, namely the consumer can understand the legal protection launched the consumerist society. The rule of the reversal of the burden probandi, acts as the consumed effective protection mechanism. It is with a view to consumer vulnerability that disciplines the idea of ​​reversing the burden of proof, so we seek to balance the relations of consumption and limits abusive practices.

Keywords: Consumer Protection Code. Reversal of the burden of the trial. Consumer market.

Sumário: 1. Introdução. 2. Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990. 2.1. O ônus da prova no Código de Processo Civil. 3. A inversão do ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. 3.1. O consumidor como parte hipossuficiente. 3.1.1. A Vulnerabilidade do Consumidor. 3.1.1.1. A Verossimilhança das Alegações. 4. O momento da inversão do ônus probatório. 5. Considerações finais. Referências.

1 INTRODUÇÃO

A proteção lançada ao consumidor é relativamente atual na sociedade brasileira, de maneira que é um fenômeno jurídico desconhecido em momentos pretéritos.

A sociedade moderna vive sob a presença do modelo associativista, ou seja, a construção de uma sociedade de consumo cada vez mais crescente. Por outro lado, o crescimento do acesso à Justiça nem sempre foi proporcional ao crescimento da oferta de produtos e serviços. Logo tendo em vista a defesa dos interesses dos consumidores, o direito do consumidor se desenvolveu como uma nova disciplina jurídica autônoma.

Uma vez que, por si só, o mercado não apresenta mecanismos eficazes capazes de superar a vulnerabilidade do consumidor, torna-se, assim, iminente a intervenção do Estado.

A justiça se faz por meio de princípios e valores jurídicos, associados à dignidade da pessoa humana e aos fundamentos da República, à medida que as relações jurídicas devem ser consubstancias na premissa da ordem justa e revestida de legalidade. A construção da justiça é, dessa forma, o fim maior de qualquer Estado que se intitule como democrático de direito, assim como o Brasil se denomina. Diante disso, a aplicação das normas deve atender o caso em concreto, e por diversas vezes deve se flexibilizar para melhor atender as demandas sociais, abrindo assim mão dos rigores normativos para dessa forma agir com equidade.

Mesmo que de forma simplificada, o artigo 5, inciso XXXII da Constituição Federal de 1988, trouxe à ordem jurídica vigente disposições sobre a necessidade de proteção aos consumidores, ao passo que estabeleceu a incumbência estatal de prover na forma e nos termos da lei a defesa do consumidor, sendo premissa elevada a categoria de clausula pétrea.

Insta dizer que as relações de consumo são acima de tudo relações jurídicas, uma vez que pressupõem polos distintos, objeto possível, e forma prescrita e não defesa em lei.

Assim, o Código de Defesa do consumidor, Lei n° 8.078/90, apresenta um rol de normas e direitos estruturalmente moderno, e reconhecido internacionalmente como um paradigma na proteção dos consumidores. Estabelece princípios básicos como a proteção da vida, da saúde da segurança, da educação para o consumo, com vistas ao atendimento das necessidades da realidade do mercado, tendo em seu conteúdo um conceito amplo de consumidor, bem como do fornecedor.

Ademais, sendo o direito uma ciência social, torna-se imprescindível que acompanhe as mutações culturais, políticas, sociais e de mercado. Diante disso, o legislador busca formular uma legislação eficiente firmada em fundamentos principiologicos destinados a nortear as relações.

Nessa baila, nasce a ideia da inversão do ônus da prova como um a medida com vistas a facilitar a defesa dos interesses dos consumidores, especialmente no âmbito judicial.

O artigo 6º, VIII do referido dispositivo legal determina a inversão do ônus da prova ao consumidor, quando, no processo civil, for verossímil a alegação ou quando for o consumidor hipossuficiente na relação de consumo.

Indubitavelmente, a finalidade precípua da inversão do ônus da prova é tornar mais eficiente a defesa do consumidor, bem como ampliar o acesso ao poder judiciário, uma vez que tal instituto proporciona uma benesse ao consumidor diante da instrução probatória no âmbito judicial.

Isso ocorre, uma vez que há evidente desigualdade entre consumidor versus fornecedor.

Igualmente importante salientar que a inversão do ônus da prova é exceção da regra, uma vez que nos termos do artigo 333 do Código de Processo Civil, a regra é de a que o ônus da prova incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo de seu direito.

Diante do exposto, pretende-se como desfecho da presente pesquisa demonstrar como a inversão do ônus da prova constitui eficiente instrumento jurídico na efetividade e na observância do contraditório e da ampla defesa, e principalmente no equilíbrio às relações jurídicas.

2 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR- LEI 8.078 DE 11 DE SETEMBRO DE 1990

O Código de Defesa do Consumidor surgiu da necessidade da tutela jurídica estatal com vistas à proteção aos direitos mínimos do consumidor, tais como a dignidade, a segurança e a proteção dos interesses econômicos, na perspectiva da melhoria da qualidade de vida, uma vez que o consumidor é parte vulnerável do mercado de consumo (GRINOVER, 2011).

Igualmente, o Código de Defesa do Consumidor tem por finalidade atender os ditames viabilizados pelo princípio da Ordem Econômica disposto no artigo 170 da Constituição Federal de 1988, o qual declara que é direito do consumidor a educação e a informação para o consumo quanto aos direito e as obrigações tanto do fornecedor quanto do consumidor.

“É mister que se diga, entretanto que o Código de Defesa do Consumidor não é uma panaceia para todos os males que o afligem, e não é por ele tem sido criado que deixaram de existir outras normas relativas às relações de consumo, e existentes no Código Civil, Comercial, Penal, etc., bem como na legislação esparsa a mesmos que com ele seja compatível (…). A matéria proteção e defesa do consumidor é por si só vasta e complexa, donde ser prática possível à previsão de tudo que diga respeito aos direitos e deveres dos consumidores e fornecedores (GRINOVER, et al, 2011 p.10)”.

Dessa forma, a legislação consumerista é válida tendo em vista a perspectiva de suas diretrizes que visam proporcionar efetiva proteção ao consumidor, bem como a busca da harmonia entre os personagens que norteiam essa relação.

Conforme menciona Diniz (2012, p.125) tem-se que uma das maiores novidades trazidas com o Código de Defesa do Consumidor, é a possibilidade da inversão do ônus da prova, uma vez que, como já citado anteriormente, os direitos do consumidor já eram disciplinados na legislação nacional, mesmo que de maneira esparsa.

Por isso mesmo é que as disposições tratadas no Código de Defesa do Consumidor tem cunho multidisciplinar, formando, assim, um evidente microssistema jurídico.

Ademais, antes mesmo de se analisar a inversão do ônus da prova, é necessário fazer algumas considerações, deve se ter em mente que o processo é um instrumento pelo qual o direito material de materializa, cujo objetivo é cumprir a função pacificadora. Dessa forma, ao se adotar mecanismos que facilitem o acesso, bem como a própria persecução processual, o direito cumpre de forma mais efetiva a função social inerente a sua disciplina (BAUMAN, 2008, 113).

Assim, o instituto da inversão do ônus da prova é um desses mecanismos que permitem o acesso de forma igualitária, mesmo aos hipossuficientes, conferindo, dessa maneira, plena e efetiva equiparação de direitos e equilíbrio à tutela jurisdicional.

Sabe-se que o processo não é apenas um meio técnico de se atingir um fim, ao passo que, hodiernamente, premissas, como por exemplo, a ética, alcançam uma dimensão intrínseca ao processo. Logo, a produção probatória, bem como a comprovação dos fatos controversos tornam-se cada vez mais valorativos no deslinde dos conflitos.

Vê-se, então, a dimensão do ônus da prova, uma vez que se deve permitir a produção de todas as provas possíveis em igualdade de direitos e obrigações. As regras que constituem o ônus da prova têm natureza procedimental, dessa forma são produzidas de acordo com a vontade das partes envolvidas no conflito. Constroem, assim, posteriores regras de julgamento, ao passo que influenciam no resultado da demanda.

2.1 O ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

As disposições conceituais ligadas ao ônus da prova estão disciplinadas no artigo 333, incisos I e II do Código de Processo Civil. Nos termos do dispositivo legal, o ônus da prova incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo de seu direito. Por outro lado, ao réu, quanto da existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Logo, conforme se extrai do aludido artigo, cabe àquele que alega provar o fato. Por fato constitutivo entende-se que são aqueles que dão início à lide, qual seja a demanda, ou seja, são aqueles que o tem por finalidade revelar o direito do demandante.

Por outro lado, por fato modificativo entende-se como aquele que tem o poder de alterar as condições iniciais do direito alegado pelo autor, ao passo que fato extintivo tem aquele que é forte o suficiente a extinguir o direito que gerou ao réu determinada obrigação oriunda de uma relação jurídica. E por fim o fato impeditivo é aquele capaz causar obstáculos ao direito do autor.

Daí decorre o fato de que o fundamento aplicado ao ônus da prova está diretamente relacionado à premissa da repartição igualitária e à equidade. O direito contemporâneo não permite que o magistrado abra mão de decidir uma demanda por insuficiência de provas. Deste modo, cabe ao juiz, mesmo que de ofÍcio requerer à parte que determine as provas necessárias à instrução processual. A construção do ônus da prova tem função estimular as partes a provar suas alegações, bem como a finalidade de auxiliar o juiz em seu convencimento.

No entanto, urge dizer que, a regra contida no artigo 333 do Código de Processo Civil, qual seja, a da inversão do ônus da prova, sofre no Direito do Consumidor relevantes alterações com vistas a garantir maior efetividade e instrumentalidade ao processo. No Código de Defesa do Consumidor, Lei n° 8.078/90, a inversão do ônus da prova é regra, no entanto é aplicada a critério do magistrado.

3 A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Inicialmente cumpre destacar o conceito de inversão do ônus da prova, seus requisitos e, por conseguinte, sua aplicabilidade. Desta feita, vale mencionar que o termo “ônus” tem sua origem etimológica no latim, e seu significado tem como premissa o termo autenticidade extremamente relacionado à obrigação, ou seja, ao ônus probandi. Ademais, fala-se na ideia de: “daquele que tem o ônus/obrigação de provar”.

Nessa esteira, cumpre retornar ao ordenamento jurídico nacional, em que por meio da Constituição Federal de 1988 se reconheceu o homem como sujeito de direitos e obrigações diante da ordem civil. Isso posto, tem-se que a ordem civil conferiu direitos e obrigações também ao consumidor, seja ele pessoa individual ou coletiva, assegurando a proteção constitucional por meio das disposições do princípio da ordem econômico nacional, disposto em seu artigo 170, V (MARQUES; BENJAMIN, 2006, p. 78).

Posteriormente, como já citado, com o advento da Lei 8.078/90, ao consumidor restou garantido o direito básico à efetivação da defesa de seus direitos. No entanto, a legislação em momento algum deixou de legislar acerca das obrigações também destinadas ao consumidor, tal como a boa-fé ou mesmo as regras da inversão do ônus da prova, com vistas a garantir equilíbrio às relações de consumo, porquanto a notável vulnerabilidade do consumidor.

Ademais:

“A proteção do consumidor é um desafio da nossa era e representa, em todo o mundo, um dos temas atuais do Direito. […] É com os olhos postos nessa vulnerabilidade do consumidor que se funda a nova disciplina jurídica. […] Toda e qualquer legislação de proteção ao consumidor tem, portanto, a mesma ratio, vale dizer, reequilibrar a relação de consumo, seja reforçando, quando possível, a posição do consumidor, seja proibindo ou limitando certas práticas do mercado” (GRINOVER, et al, 20011, p. 12)

Nessa toada, o legislador buscou identificar não somente a finalidade do instituto, mas também trouxe à baila o momento adequado, bem como os requisitos legais para que ocorra inversão, nos termos do artigo 6, inciso VIII, da Lei 8.078/90. Vale mencionar: “ Art. 6°. São direitos básicos do consumidor: (…).VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências (…) (BRASIL. Lei n/ 8.078/90)”.

Por outro lado, no direito pátrio vigora que o ônus da prova cabe ao autor. Deve, então, o autor da ação provar o fato constitutivo de seu direito, nos termos em que disciplina o artigo 333, inciso I do Código de Processo Civil. De modo contrário, cabe ao réu provar acerca da existência de fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do autor, conforme estabelece o mesmo artigo, em seu inciso II.

“A inversão do ônus da prova não é restrita a casos em que o consumidor se encontra na posição processual de autor. Também quando o consumidor se encontra na qualidade de réu pode surgir à necessidade da inversão do ônus probatório. O art. 333, II, do CPC, coloca sobre os ombros do réu o ônus de provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. A alegação de algum fato dessa natureza pelo réu configura a chamada defesa de mérito indireta. Imagine-se a propositura de demanda por fornecedor de serviços, que esteja a cobrar valor supostamente devido pelo réu consumidor. Este contesta, alegando nada dever, em razão de novação, efetuada após a contratação dos serviços. Ordinariamente, cabe ao réu a alegação de fato modificativo do direito do autor. Em se tratando, porém, de réu consumidor que se enquadre na moldura da hipossuficiência, aplicável será a regra do art. 6º, VIII, do CDC. A inversão do ônus da prova pode, então, se verificar em prol do consumidor réu, para que esse se veja livre do fardo consistente em comprovar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor” (ANDRADE, 2015, p.9).

Entretanto, conforme aduz Pias (2013), quando o assunto é consumidor, em decorrência da vulnerabilidade e hipossuficiência da parte perante a disparidade quando comparado ao fornecedor, esta regra é flexibilizada, a fim de proporcionar equilíbrio e igualdade.

No entanto, é importante citar que nas relações de consumo, o Código de Processo Civil se aplica subsidiariamente à legislação consumerista.

3.1 O CONSUMIDOR COMO PARTE HIPOSSUFICIENTE

O termo hipossuficiente inicialmente não integrava o texto do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor. No entanto, quando da tramitação do projeto no Congresso Nacional, o texto passou por adequações, momento em que trouxe à baila o termo hipossuficiente (GRINOVER, 2011).

A palavra hipossuficiente, é etimologicamente formada pelo prefixo hipo, do grego hipó, que tem por significado o desígnio de escassez ou inferioridade, e pelo vocábulo suficiente, ou melhor, insuficiente, uma vez que se relaciona a mínimo (CALMON DE PASSOS, 2008, p.323).

Em terras brasileiras, e também nos termos do dicionário da língua portuguesa insculpido pela Academia Brasileira de Letras, o termo hipossuficiente esta ligado à “pessoa economicamente fraca, ou seja, àquela que não possui autossuficiência de recursos”.

“Hipossuficiência, como já sabe, é terminologia do chamado Direito Social, ou do Direito do Trabalho, e deve ter aqui a conotação de pobreza econômica. É mister que não se confunda hipossuficiência “ stricto sensu”, de cunho economicamente econômico, com vulnerabilidade” (GRINOVER, 2011,p.164).

Por derradeiro, hipossuficiente pode, por fim, ser compreendido como a falta de capacidade do consumidor, em decorrência de fatores ligados à ordem econômica, social, cultural, uma vez que, em decorrência desses fatores indubitavelmente é mitigado do consumidor a possibilidade de se comprovar a veracidade de suas alegações em detrimento da maior capacidade econômica do fornecedor (AVALIERI FILHO, 2010, p.87).

A hipossuficiência do consumidor pode ocorrer de diversas formas, seja devido ao desconhecimento sobre aspectos relacionados aos produtos ou serviços, ou até mesmo diante da maior complexidade que envolve as relações de consumo. O que certamente justifica a inversão ônus probatório.

A hipossuficiência é, portanto, condição precípua somente quando diante de uma relação de consumo constituída, na qual se verifique evidente desequilíbrio em detrimento do consumidor, ao passo que não seria correto ou adequado exigir prova por parte do consumidor, pois notadamente torna dificultosa a comprovação.

3.1.1 A Vulnerabilidade do Consumidor

O Artigo 4° inciso I, do Código de Defesa do Consumidor reconhece o consumidor como parte vulnerável da relação de consumo. Este reconhecimento visa concretizar a isonomia disposta na Constituição Federal, ou seja, significa que o consumidor é a parte mais fraca nos termos da relação de consumo. Tal fraqueza é vista como real e concreta e é decorrente de aspetos econômicos.

“É por isso que, quando se fala em “escolha” do consumidor, ela já nasce reduzida. O consumidor só pode optar por aquilo que existe e foi oferecido no mercado, visando seus interesses empresariais, que são, por evidente, os da obtenção do lucro” (NUNES, 2014, p. 177).

A vulnerabilidade, logo decorre do fato de o consumidor não ter conhecimentos técnicos acerca dos bens colocados do mercado de consumo, destarte que este fica por vezes sujeito às imposições do mercado, tendo como norte unicamente a boa-fé que se espera das relações contratuais.

Pois bem, é em decorrência da complexidade que norteia as relações jurídicas na sociedade contemporânea que se justifica a construção de um embarcadouro jurídico apto a legislar no sentido de limitar o monopólio comercial, cenário este em que o consumidor fica desprovido de proteção.

Logo, visando coibir a manifesta superioridade do mercado em detrimento do consumidor, tanto na esfera judicial quando no âmbito administrativo, é que se ratificou o reconhecimento da vulnerabilidade da parte consumerista. Fundada como ensina Brito; Duarte, aput Marques (2002, p. 120) na “falta de conhecimentos jurídicos específicos, conhecimentos de contabilidade ou de economia".

3.1.1.1 A Verossimilhança das Alegações

A verossimilhança é uma das condições que deve estar presente para que se permita ao magistrado dar inicio à inverta o ônus da prova, com a finalidade de se facilitar a defesa do consumidor. A verossimilhança está relacionada com as disposições do artigo 335 do Código de Processo Civil, ao aduzir que, na falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum de forma subsidiaria (GRINOVER, 2011).

A verossimilhança traz à baila a ideia de verdade, ou seja, daquilo que tem consubstancial aparência de verdadeiro/provável.

O Código de Defesa do Consumidor dispõe que quando verossímil as alegações do consumidor este esta dispensado de produzir demais provas.

Resta ao magistrado a análise de identificação da verossimilhança, não obstante que esta análise passa por paramentos subjetivos, ou seja, depende do juízo de valor, levando-se em consideração o caso em concreto, bem como a força normativa dos fatos.

Para tanto é necessário que se tenha o mínimo de informações concretas das quais seja possível se extrair elementos suficientes a comprovar a verdade do alegado, ou seja, indícios que possam induzir ou indicar a verdade.

“Essa convicção de verossimilhança é claro, não se confunde com a convicção de verossimilhança da tutela antecipatória, pois não é uma convicção fundada em parcela das provas que ainda podem ser feitas no processo, mas, sim, uma convicção fundada nas provas que puderam ser realizadas no processo, e que, diante da natureza da relação de direito material, devem ser consideradas suficientes para fazer crer que o direito pertença ao consumidor” (ARAÚJO, 2007, p.02).

A verossimilhança é extraída do juízo de probabilidade, ao passo que a alegação do consumidor deve ser tida como provavelmente verídica. O juiz deve aceitar como provável, e não restritamente verdadeira. Ou seja, em suas alegações, o consumidor não precisa provar veementemente o fato, do contrário não haveria nenhuma necessidade da inversão do ônus da prova. Logo, o instituto perderia sua razão jurídica.

A verossimilhança bem como a hipossuficiência são requisitos necessários, e indissociáveis à inversão do ônus da prova nos termos do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor. Bom lembrar que, apesar de já dito, a hipossuficiência não relaciona a mera hipossuficiência econômica, no entanto, leva-se em consideração a diminuição da capacidade do consumidor para tantos fatores, como por exemplo, a informação, e a educação que são avaliados (NUNES, 2014, p 178).

Já quando o assunto é a verossimilhança não se exige a absoluta certeza da verdade, mas a aparência de verdade capaz de demonstrar indícios de verdade nas alegações do autor.

Ocorre que, quando verificado ausentes os requisitos exigidos para que se permita a inversão do ônus da prova, incidirão as regras contidas do Código de Processo Civil, aplicadas, então, nas relações de consumo.

4 O MOMENTO DA INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO

Ao se provar o alegado, as partes cumprem muito mais do que uma suposta obrigação, já que, na verdade, ao se provar o alegado, as partes visam suprir seus interesses individuais, uma vez que é certo que a omissão pode causar prejuízos a si próprios (ARAÚJO, 2007).

A inversão do ônus da prova jamais deve ser vista como uma forma de coação, uma vez que é uma faculdade da parte, mesmo que, indubitavelmente, ao se abster de provas, certamente tal conduta terá consequências, ou seja, o ônus que tem alguém de provar sobre a narrativa de determinado fato, não pode ser visto como um dever de prova, mas sim a expressão do exercício de interesses próprios, regido pela ampla defesa (NUNES, 2014).

“O ônus probatório corresponde ao encargo que pesa sobre as partes, de ministrar provas sobre os fatos que constituem fundamento das pretensões deduzidas no processo. Ônus não é sinônimo de obrigação e ônus de provar não é o mesmo que obrigação de provar. O conceito de ônus (encargo), enquanto necessidade de prova para prevenir um prejuízo processual corresponde ao conceito de “obrigação”, mas pertence a área distinta do direito: o ônus, ao direito processual; a obrigação, ao direito material […]. O ônus não é o mesmo que “dever jurídico”, mas um “encargo”. O dever é sempre em relação a alguém; há uma relação jurídica entre dois sujeitos, em que um deve uma prestação ao outro; a satisfação da obrigação é do interesse do sujeito ativo. O ônus, por seu turno, é em relação a si mesmo; satisfazer o ônus é interesse do próprio onerado” (ALVIM, 2006, p. 266).

Ou seja, cabe às partes muito mais do que alegar, mas sim levarem à tona a veracidade de suas alegações. Logo parte a quem interessa a prova deixar de produzi-la, poderá sofrer o ônus de sua omissão.

A inversão do ônus da prova pode se dar ex oficio pelo juiz, ou até mesmo por requerimento das partes. Suas regras são aplicadas tanto na instrução processual, bem como no julgamento da demanda. Insta observar que, havendo o requerimento por uma das partes para que ocorra a inversão probatória, o juiz deve desde logo apreciar o pedido. Entretanto, caso decida ele pelo indeferimento do feito, deve fazê-lo logo em despacho inicial. Ou seja, no despacho em que o juiz confere a existência, ou não, dos pressupostos de validade do processo, para em seguida determinar a citação do réu (GRINOVER, et al.2011)

“A despeito do que parece indicar, o texto do art. 6°, VIII, do CDC não está a conferir ao juízo um poder discricionário, de inverter ou não o ônus da prova. A inversão do ônus da prova é produzida ope legis, ou seja, decorre da própria lei, uma vez presentes os requisitos estabelecidos em lei, os quais são apenas reconhecidos no caso concreto pelo juízo (no momento de proferir a sentença). O juízo, quando considera pertencente ao fornecedor o ônus da prova, o faz porque a lei o determina, não porque assim entenda conveniente. Não se está a tratar de atividade discricionária do juízo, mas de atividade vinculada à lei. De acordo com esse raciocínio, não é correta a distinção, realizada por parte considerável da doutrina, entre hipóteses de inversão “legal” – de que seria exemplo o art. 38 do CDC, que cuida do ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária – e de inversão “judicial” do ônus da prova – na qual se enquadraria o art. 6º, VIII, do CDC. Todos os casos de inversão do ônus da prova são legais, na medida em que os requisitos para a inversão vêm estabelecidos em lei “(ANDRADE, 2015, P.12).

Importante observar que, para a relação processual estar amplamente formada é imprescindível que a defesa integra o feito, de modo que somente com a apresentação da defesa é que se permite aferir com certeza se existe ou não, entre as partes, litigio.

Um dos temas mais contraditórios e polêmicos que envolvem a inversão do ônus da prova, esta relacionado ao momento de sua aplicabilidade. A legislação apensar de tratar do tema inversão do ônus da prova deixou de dizer qual o momento de sua apreciação, sendo assim problemática ainda não ratificada pela doutrina ou pela jurisprudência (JORGE, 2007, p.03).

Inicialmente preenchido os requisitos da hipossuficiência, vulnerabilidade e verossimilhança, o julgador tem a incumbência de inverter o ônus da prova, no entanto há dois posicionamentos doutrinários acerca do tema, a primeira dispõe que a regra de distribuição da inversão é uma regra relacionada ao juízo, ou seja, orienta que o magistrado deve aplicar a inversão do ônus da prova no momento do julgamento final do litígio, dessa forma apenas no final do processo é que ela será aplicada (JORGE, 2007).

Por outro lado há uma segunda corrente que dispõe que o momento mais propicio a inversão do ônus probandi, seria a do despacho saneador, no qual o juiz, ao sanear o processo com vistas a sua ideal formatação verificaria acerca das providencias de cunho probatório.

Mas ainda há os que defendem que a inversão do ônus da prova trata-se de regra processual, de tal sorte que deveria ser aplicada sempre em todo processo no qual envolva matéria de consumo, de tal modo que sua aplicabilidade deve ocorrer desde os momentos iniciais do processo.

5 CONSIDERAÇÔES FINAIS

Conforme exposto ao longo da presente pesquisa, a Lei n° 8.078/90, intitulada Código de Defesa do Consumidor, sabiamente regulamentou as relações de consumo, proporcionando a esta maior segurança jurídica, bem como igualdade.

Tendo em vista os ensinamentos que se extraem dos princípios que norteiam a inversão do ônus da prova tem se por derradeiro que a vulnerabilidade à hipossuficiência ao ser avaliadas em consonância com as necessidades do consumidor proporciona justo acesso à ordem jurídica, no sentido de corrigir eventuais desigualdades entre as partes, logo em consonância aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Vale dizer, que esses princípios são, indubitavelmente, premissas maiores do devido processo legal, bem como a concretude do Estado Democrático de Direito.

Assim, conclui-se que a citada lei é uma norma protecionista de ordem pública e de interesse social, geral e principiológica, devendo imperar sob todas as demais espécies anteriores que com ela chocarem.

Dessa forma, o presente estudo procurou explanar de forma clara e objetiva as nuances que disciplinam a inversão do ônus da prova, bem como concluiu que por meio dela fica evidente a efetivação do contraditório e da ampla defesa e o equilíbrio processual.

Por fim, conclui-se que, as disposições contidas no artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, são mais do que uma mera inovação jurídica. São um marco entre a desigualdade e o devido processo legal.

Diante disso, verifica-se que a inversão do ônus da prova deve ser continuamente provocada para que, o equilíbrio nas relações entre consumidor versos fornecedor seja justo.

Imprescindível ressaltar, portanto, que a inversão do ônus da prova no direito consumerista é um instituto que proporciona efetiva proteção e defesa judicial do consumidor, ao passo que se bem aplicado, consuma-se o verdadeiro acesso à justiça. Nesse diapasão, foi possível concluir que o ônus da prova no direito processual civil brasileiro cabe incialmente ao autor, quando o fato é constitutivo de seu direito, por outro lado cabível ao réu o ônus de provar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos.

De modo adverso, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, a inversão do ônus da prova ocorre posteriormente ao reconhecendo da verossimilhança da alegação que devem ser demonstradas por meio de argumentos válidos perante as alegações do autor, ou mesmo quando confirmada a hipossuficiência do consumidor, como bem explanada, não apenas sobre o ponde de vista econômico, mas também social e cultural.

Ademais, é possível perceber que o tema ainda não resta consolidado na doutrina no que se refere ao momento mais adequado para a aplicação da inversão do ônus probatório, uma vez que tem sido aplicada a discricionariedade do magistrado ao determinar a inversão, podendo ocorrer tanto na fase inicial do processo, propiciando às partes a ampla defesa e o contraditório, quanto posteriormente com a sentença, momento em que o juiz, após a instrução, irá realizar a ponderação das provas levadas aos autos, conferindo, assim, uma regra de julgamento.

 

Referências
ANDRADE, André Gustavo C. de. A Inversão do Ônus da Prova no Código de Defesa do Consumidor – O momento em que se opera a inversão e outras questões. Disponível em: http://www.tjrj.jus.br/institucional/dir_gerais/dgcon/pdf/artigos/direi_consu/a_inversao_do_onus_da_prova_no_cdc.pdf. Acesso em: 07 set. 2015.
ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.
ARAÚJO, Alexandre Costa de. A inversão do ônus da prova nas relações de consumo: aonde vamos? Jus Navigandi. Teresina, ano 12, n. 1352, 15 mar. 2007. Disponível em: . Acesso em: 05 set. 2015.
AVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. Ed. Atlas. 2ª ed., São Paulo. 2010, p. 87.
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Informações Sobre o Autor

Francielle Aparecida Lavagnoli

Advogada atuante nos ramos do Direito Civil e Trabalhista pós graduada em Direito Público Acadêmica do curso de Letras


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