A possibilidade de acumular benefícios previdenciários: aposentadoria, auxílio doença e auxílio acidente

Resumo: A impossibilidade de o segurado do RGPS que se aposenta, mas continua trabalhando e contribuindo para a previdência, tem de acumular benefício além de sua aposentadoria, é o tema da presente tese, que é resultado de pesquisa realizada junto ao INSS, à jurisprudência pátria e a melhor doutrina, que se posiciona frente à vedação expressa de acúmulo de benefício pelo segurado aposentado que permanece trabalhando, sendo tratado como qualquer outro trabalhador que tem a obrigação de contribuir para o sistema previdenciário, mas no momento em que necessita da retribuição recebe um sonoro “NÃO” da Autarquia Federal que encontra o respaldo para sua negativa na legislação previdenciária.

Palavras-chave: Benefícios. Acúmulo. Aposentadoria. Auxílio acidente. Auxílio doença.

Sumário: Introdução. 1. A natureza da previdência social. 2. Acumulação de benefícios. 3. Da penalidade prevista para a cumulação indevida. 4. Antes da Lei 9.528/97. 5. O príncípio da contrapartida.

Introdução

A legislação previdenciária veda o recebimento conjunto de alguns benefícios, salvo no caso de direito adquirido. Este ensaio aponta para o segurado aposentado, que se aposenta por idade ou tempo de contribuição, mas continua a trabalhar e a contribuir, obrigatoriamente, para a previdência. Ocorre que, caso venha a se acidentar, ou ser acometido por enfermidade, não poderá contar com o acúmulo de seu benefício de aposentadoria com auxílio acidente ou auxílio doença, dada a malfadada vedação legal.

O que se verifica observando situações como as narradas acima é que a lei trata com diferença os trabalhadores que não são aposentados e os trabalhadores já aposentados, mas que ainda permanecem ativos no mercado de trabalho.

Não parece nenhum pouco razoável a separação dada pela lei previdenciária a esses dois trabalhadores (não aposentados e aposentados), pois a Previdência Social se discerne por um sistema custeio de contribuição e retribuição. Portanto, a reflexão a seguir considerará o caráter bilateral do RGPS que deveria alcançar, ou continuar, alcançando, também, o segurado que após se aposentar continua atuante no mercado de trabalho.

1. A natureza da previdência social

Nos termos do art. 201 da Constituição Federal de 1988:

“A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:”

Conforme definição do texto constitucional acima a previdência social é sustentada por dois princípios básicos: compulsoriedade e contributividade.

Compulsoriedade, porque o recolhimento é obrigatório, pois é certo que se aos segurados fosse dada a opção de verter parte de sua remuneração para o sistema da previdência social ou utilizar todos os ganhos de forma que entendesse melhor, grande parte escolheria a segunda opção. Com a exclusão de tantos trabalhadores do sistema protetivo, quando estes ficassem impossibilitados de exercer suas atividades, não teriam como prover o seu sustento, as consequências seriam desastrosas.

Contributividade, porque todo indivíduo que pretender ter direito a qualquer beneficio da previdência social, deverá se enquadrar na condição de segurado, que justamente precisa contribuir para a manutenção desse sistema previdenciário. Inclusive o aposentado que volta a exercer a atividade profissional remunerada, é obrigado a contribuir para o sistema.

2. Acumulação de benefícios

Em regra, o segurado e seus dependentes só poderão fazer jus a um único benefício que substituía a renda do trabalho, assim, a legislação previdenciária veda o recebimento conjunto de alguns benefícios. A lista pode ser conferida no artigo 167 do Decreto 3048/99 e no artigo 124, da Lei 8.213/91, no entanto, o presente ensaio tem foco na impossibilidade de acumular, com a aposentadoria por tempo de contribuição e por idade, os benefícios como auxílio doença e auxílio acidente, motivo pelo qual, esses, serão tratados com ênfase.

De acordo com a legislação previdenciária, não é possível acumular aposentadoria com auxílio doença, tampouco aposentadoria com auxílio acidente.

O professor Carlos Gouveia define auxílio acidente, consoante art. 86 da Lei 8.213/91, como sendo o “benefício (indenização) previdenciário devido ao segurado que após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultar em sequela definitiva, a qual implique em redução da capacidade laborativa para o trabalho que habitualmente desempenhava”.[1]

O auxílio doença é definido, pelo professor Ivan Kertzman, como o benefício que se deve ao segurado que ficar incapacitado para o trabalho ou atividade habitual por mais de 15 dias.

Sob o argumento legal de que é necessário proteger o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema (art. 201, caput CF). De fato, existem critérios que devem ser observados para que o sistema seja protegido e se mantenha a sua sustentabilidade. O que se não pode conceber, porém, é que o trabalhador que se aposenta e continua no mercado de trabalho, contribuindo para manter a referida sustentabilidade do sistema previdenciário (que tem caráter contributivo/retributivo), fortuitamente, ao necessitar de amparo previdenciário encontre a resistência do artigo 18, § 2º, da Lei 8.213/91 nos seguintes termos:

“Art. 18 (…)

§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado”. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)

Ora, não parece razoável que o trabalhador que se aposentou por ter cumprido com a imposição legal de contribuir pelo tempo determinado[2], seja desamparado em caso de ser acometido por algum mal acidentário ou doença, se ainda contribui compulsoriamente.

Por todos os ângulos que se observe não há lógica nesta determinação, e nem há que falar que o objetivo seja proteger o custeio do sistema, pois o indivíduo nesta situação está ativo no mercado e, portanto, contribuindo com a manutenção da previdência.

Tal qual qualquer outro trabalhador não aposentado, o trabalhador aposentado, também, e, ainda, contribui para manter o equilíbrio financeiro e atuarial previdenciário, daí não poder dizer que seja um risco à sustentabilidade da previdência que tais indivíduos cumulem dois benefícios.

3. Da penalidade prevista para a cumulação indevida

Se comprovada a cumulação indevida de benefícios, ficará mantido o benefício concedido de forma legítima, enquanto o que fora concedido de forma irregular será cessado ou suspenso, sem prejuízo de serem cobrados os valores pagos indevidamente, observando-se, claro, a prescrição quinquenal, nos moldes do art. 424, da Instrução Normativa INSS/PRES n. 45/2010.

O INSS entende que não é possível a cumulação dos benefícios e a lei já prevê a punição para quem cumulá-los.

Contudo, o que se pode observar é que a intenção do legislador que vedou a possibilidade de cumular tais benefícios, não foi outra, senão, a de tolher direitos do segurado que além de ter que continuar carregando a obrigação de contribuir para o sistema previdenciário ainda é punido caso perceba dois benefícios cumulativamente.

Assim, o aposentado que, ainda, é um trabalhador contribuinte, é compelido a contribuir, sem, contudo, poder alcançar as finalidades de tal contribuição e, se por ventura, alcançá-la por modo escuso à lei, será punido com a obrigação de devolver o quantum percebido no período de forma corrigida, é claro.

Forçoso crer que tal punição é no mínimo injusta, pois, se houve contribuição daquele indivíduo para a manutenção do sistema que, tem como razão de existir a cobertura dos riscos sociais, ou seja, deve destinar os recursos (recolhidos aos cofres da previdência) a quem deles necessite.

4. Antes da lei 9.528/97

Até a edição da Lei 9.528/97 era possível a cumulação do auxílio acidente com aposentadoria, hoje só é possível tal cumulação se a percepção do referido benefício for anterior à vedação legal, por força do princípio previdenciário: tempus regit actum (o tempo rege o ato).

Ou, no caso de direito adquirido em que “deverá ser respeitado o direito adquirido à acumulação, na hipótese de o segurado ou dependente ter acumulado benefícios que, posteriormente, passaram a não mais poder ser acumulados”[3]

O professor Carlos Gouveia, na obra Benefícios por incapacidade e perícia médica, explica que em passado não muito distante, o Tribunal da Cidadania, Superior Tribunal de Justiça, entendia que quando o auxílio acidente fosse anterior à Lei 9.528/97, mesmo que a aposentadoria fosse posterior, seria possível a cumulação.

Contudo, quando a matéria previdenciária teve sua competência realocada da 3ª Seção para a 1ª Seção do STJ, este passou a entender que a cumulação só seria possível quando a aposentadoria e o auxílio acidente fossem anteriores à alteração introduzida pela aludida lei ao norte.

Na mesma lição, o Professor, indaga a decisão da seguinte forma: “…como tal posicionamento fora tão alterado com uma simples modificação de competência interna. Sem narrar que como uma lei posterior pode suprimir direito adquirido?”

Todavia, a matéria objetada foi recebida pelo STF, através do Recurso Extraordinário n. 687.813-RS, via repercussão geral.

Até a conclusão deste trabalho, porém, não havia sido julgada (ver anexo).

5. O príncípio da contrapartida

Quando a lei veda o recebimento de dois benefícios para o aposentado que continua ativo no mercado de trabalho, trata com desigualdade os trabalhadores, ora se o trabalhador não aposentado pode fazer jus ao recebimento de benefício de auxílio doença ou auxílio acidente, porque não o pode fazer o trabalhador aposentado, uma vez que este tem as mesmas incumbências que aquele?

Com efeito, o comando legal diz que é segurado aquele que contribui e, estando na condição de segurado faz jus ao benefício quando dele precisar, afinal até ali contribuiu para custeio de uma possível ocorrência de contingência.

Pouco importa se é ou não aposentado, a uma porque cumpriu com a exigência legal do cumprimento de tempo de contribuição ou idade, a duas porque continua a contribuir para a manutenção do sistema.

A aparente desigualdade entre os trabalhadores é causada por um choque de contradições legais, pois por um lado, a Lei Magna determina que a Social tem caráter contributivo/retributivo e sua filiação é compulsória, por outro lado, a Lei Federal veda o recebimento de mais que um benefício àquele que se aposentou, mas que por continuar atuante no mercado permanece contribuindo.

E é a permanência da contribuição que torna possível o acúmulo dos benefícios aqui estudados, fazendo desnecessária e injusta a punição do indivíduo que os acumula.

É o princípio da contrapartida que se invoca para esclarecer o entendimento sobre a possibilidade de acúmulo dos benefícios de aposentadoria com auxílio acidente ou auxílio doença, pois é o responsável pelas receitas e despesas dentro da seguridade social.

A regra da contrapartida é fundamentada no art. 195, § 5º, da CF/88:

“§ 5.º. Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”.

Por óbvio que se for criada uma fonte de custeio, esta terá que garantir algum benefício.

Portanto, se a criação de um benefício está condicionada à existência de uma fonte de custeio, significa dizer que há um planejamento para equilíbrio financeiro, estruturado na premissa da contribuição e da retribuição. Assim, não se pode admitir a não cumulação dos benefícios em comento sob o argumento de se ferir o equilíbrio financeiro atuarial.

Uma vez que o benefício foi instituído em consonância com o princípio da contrapartida, o sistema estará apto a garantir sua proteção social.

Conclusão

No que se refere à cumulação dos benefícios aqui estudados, verifica-se que, o que se deve levar em conta é que se a contribuição exigida pelo INSS é compulsória, o contribuinte de alguma forma deverá dispor de algum benefício da autarquia, não podendo ser aceito o argumento de que a permissão da cumulação dos benefícios pode prejudicar o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema.
Talvez uma alternativa, fosse a concessão da imunidade tributária ao trabalhador aposentado, ou mesmo a própria isenção concedida através da Carta Magna.
 
Referências
GOUVEIA, Carlos Alberto Vieira de. Benefício por incapacidade & perícia médica: Manual Prático. 2ª. ed. Curitiba: Juruá, 2014.
KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. 12ª. ed. Bahia: Editora JusPodivm, 2015.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Senado Federal, 1988.
BRASIL. Instituto Nacional do Seguro Social. < http://www.previdencia.gov.br/>. Acesso em 24 de fevereiro de 2016.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=689759&classe=RE&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M > Acesso em 29 de fevereiro de 2016.
BRASIL. Planalto. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8213cons.htm> Acesso em 24 de fevereiro de 2016.
 
Notas:
[1] Gouveia, Carlos Alberto Vieira de. Benefício por incapacidade e perícia médica – Manual Prático. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2014. p. 141

[2] Qual seja: 30 anos se mulher ou 35 anos se homem, ou ter atingido a idade 60/65 somada à quantidade mínima de 180 contribuições, Art. 201, § 7º, I, II CF/88 e Art. 25,II, Lei 8.213/91.

[3] AMADO, Frederico. Direito e Processo Previdenciário sistematizado. 3ª ed. 2012, p.681


Informações Sobre o Autor

Sonia Regina de Morais Prates

Advogada graduada pela Universidade Estácio de Sá – Uniradial pós graduando em Direito Previdenciário pela Faculdade Legale


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