Apontamentos críticos acerca da Teoria da Imputação Objetiva

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Resumo:Este trabalho consiste na análise da teoria da imputação objetiva no Direito Penal brasileiro, apontando críticas sobre o tema e buscando expor de maneira concisa seus aspectos controvertidos. Faz-se a apresentação dos fundamentos e elementos da imputação objetiva e, em seguida, são feitos alguns comentários acerca de sua aplicação ou não.

Palavras-chave: Imputação objetiva, nexo de causalidade, responsabilidade penal, risco.

Abstract: This work consists of the analysis of the theory of the objective imputation in the Brazilian Criminal law, pointing critical on the subject and searching to display in concise way its controverted aspects. It becomes presentation of the beddings and elements of objective imputation e, after that, are made some commentaries concerning its application or not. The study it is of the bibliographical type, using itself of the method of the compilation and collects of data for the dialético method, locking up with the valuation for the researcher.

Key words: Objective imputation, nexus of causalidade, criminal liability, risk.

Sumário: Introdução. 1. Fundamentos da Teoria da Imputação Objetiva. 1.1. Criação de um risco não permitido. 1.2. Incremento do risco permitido. 1.3. O princípio da confiança. 1.4. Realização de um risco não permitido. 2. Críticas à imputação objetiva. Conclusão. Referências.

Introdução

A teoria da imputação objetiva domina o debate da dogmática jurídico-penal, não só na Alemanha, mas também em diversos outros países, dentro e fora do continente europeu. Dentro da incessante discussão sobre a determinação de quando se pode considerar a lesão a um interesse jurídico obra de uma pessoa, vem ganhando destaque, na literatura forense, a teoria em questão, pela qual se procura fazer uma releitura dos elementos necessários à verificação da tipicidade, mais especificamente dos componentes do tipo objetivo.

O trabalho é do tipo bibliográfico, utilizando-se do método da compilação e coleta de dados pelo método dialético, encerrando com a valoração pelo pesquisador.

Em um primeiro momento serão analisados os princípios fundamentais da teoria. Posteriormente, apontaremos as críticas precípuas sobre a necessidade ou não de sua utilização no Direito Penal brasileiro. Ao final, constata-se a desnecessidade de aplicação do novel posicionamento doutrinário em nosso ordenamento jurídico-penal.

1. Fundamentos da Teoria da Imputação Objetiva

A teoria da imputação objetiva – que procede de Larenz e Honig (1927, 1930) – tem atualmente em Roxin e Jakobs seus mais destacados representantes, onde sua pretensão não é, propriamente, em que pese o nome, imputar resultado, mas, em especial, delimitar o alcance do tipo objetivo[1] (matar alguém, por exemplo), de sorte que, em rigor, é mais uma teoria da “não imputação” do que uma teoria “da imputação”. Trata-se, além disso, não só de um corretivo à relação causal, mas de uma exigência geral da realização típica, a partir da adoção de critérios essencialmente normativos, de modo que sua verificação constitui uma questão de tipicidade, e não de antijuridicidade, prévia e prejudicial à imputação do tipo subjetivo (dolo e culpa).

Seu ponto de partida é a substituição da relação de causalidade, como único fundamento da realização entre ação e o resultado, por outra relação entre a ação e o resultado, por outra relação, elaborada sobre a base de considerações jurídicas, e não naturais. Portanto, além do nexo material (para os crimes materiais), exige o nexo normativo (alcançado através de uma análise valorativa, identificando-se relevância jurídica do fato), surgindo como um critério restritivo dogma causal material.

O fundamento da imputação objetiva é a causalidade relevante, ou seja, a causalidade típica. Examina-se na estrutura da imputação objetiva a relação de causalidade entre a conduta e o resultado, quando se tratar de crimes materiais, e a relevância jurídica da produção desse resultado, sob a ótica da realização de um risco juridicamente não autorizado.

1.1. Criação de um risco não permitido

A teoria da imputação objetiva trabalha com um conceito-chave: o conceito de risco permitido. Se permitido o risco (socialmente tolerado), não caberá imputação; se não permitido, porém, como regra, terá lugar a imputação objetiva do tipo.

Para a verificação se haverá ou não a responsabilização do agente, faz-se necessário saber o que seria o risco permitido e diante de tal conceituação analisar este às avessas.

Esta expressão é utilizada em múltiplos sentidos e segundo Roxin, falta clareza a sua significação. Para ele, risco permitido deve ser entendido como uma conduta que cria um risco juridicamente relevante, mas que de um modo geral (independentemente do caso concreto) está permitida e por isso, à diferença das causas de justificação, exclui a imputação do tipo objetivo. Assim, a imputação objetiva se exclui quando a ação que causa causalmente produziu o resultado não supera os limites do risco permitido. Exemplo de risco permitido é a condução automobilística observando-se todas as regras de trânsito, pois não se pode negar que o tráfego viário constitui um risco relevante para a vida, saúde e bens materiais, coisa que prova irrefutavelmente a estatística de acidentes. Não obstante, o legislador permite o tráfego viário (com determinadas regras de cuidado) porque os interesses preponderantes são nesse sentido.

1.2. Incremento do risco permitido

De acordo com Galvão, trata-se de princípio elaborado por Claus Roxin, o qual refere que “se a conduta incorreta do autor fizer aumentar a probabilidade da produção do resultado, em comparação com o risco permitido, caracteriza-se o tipo objetivo; caso contrário, não haverá tipicidade objetiva”[2].

Prossegue Galvão afirmando que para Roxin, é preciso examinar se a norma formulada ex ante, operando também sobre a base fática do conhecimento ex post, pode seguir sendo reconhecida como uma proibição com sentido e que reduz o risco da ocorrência do resultado (e nesse caso, imputação do resultado) ou se, partindo do novo estado de conhecimentos, a mesma parece in concreto inidônea ou ao menos impraticável (e em tal caso não haverá imputação do resultado).

1.3. O princípio da confiança

O princípio da confiança significa que, apesar da experiência de que outras pessoas cometem erros, se autoriza a confiar – numa medida ainda por determinar – em seu comportamento correto, sendo entendido não como acontecimento psíquico, senão como estar permitido confiar.

De acordo com este princípio, não se imputarão objetivamente os resultados produzidos por quem obrou confiando em que os outros se manterão dentro dos limites do perigo permitido. Exemplo: “A”, conduzindo o seu carro, atravessa um cruzamento com o semáforo verde, sem tomar medida alguma de precaução para o caso de que algum automóvel que circule na outra direção não respeite o semáforo vermelho que proíbe sua passagem. “B” desrespeita o semáforo vermelho e colide com o carro de “A”, resultando a morte de “B”. Este resultado não se imputa a “A” objetivamente pelo efeito do princípio da confiança. Isso é assim porque não se pode imaginar que todo motorista tenha que dirigir seu carro pensando continuamente que o resto dos participantes do trânsito podem cometer imprudências ou que existem crianças ou idosos frente aos quais se deve observar um maior cuidado.

Não obstante, ainda que desenvolvido para o trânsito, o princípio da confiança pode-se aplicar em todas aquelas atividades em que concorrem distintas condutas perigosas numa mesma situação.

1.4. Realização de um risco não permitido

A imputação ao tipo objetivo pressupõe que no resultado se realize precisamente o risco não permitido criado pelo autor, estando excluída a imputação se, ainda que o autor crie um perigo para o bem protegido, o resultado se produz não como efeito desse perigo, senão só em conexão causal com o mesmo.

Para a imputação de resultados típicos não basta, segundo a teoria da imputação, que alguém tenha provocado os resultados típicos de modo causal e que tenha criado, mediante sua conduta, um risco desaprovado de produção de tais resultados. É necessário, ainda, que estes resultados se configurem como a realização de um risco desaprovado pelo autor[3].

No que diz respeito aos critérios utilizados para a identificação do resultado realizado pela situação de risco, cabe inicialmente notar que se a consideração sobre a criação de um risco desaprovado realiza-se ex ante, pois de antemão deve-se saber qual a conduta compatível com as expectativas sociais, a análise da realização do risco se desenvolve por meio de valoração ex post. Assim, como a apuração da relação de causalidade natural se verifica após a ocorrência do resultado, a constatação da vinculação entre a situação de risco e a ocorrência do resultado penalmente relevante somente ocorre após a produção deste[4].

2. Críticas à imputação objetiva

Muito se discute a utilidade da teoria da imputação objetiva na resolução de problemas jurídico-penais. Entre as críticas que se lhe dirigem, a maior parte refere-se à fluidez dos conceitos-chave da teoria (“risco permitido”, “incremento do risco” etc.) e à pretensão de ocupar, desnecessariamente, os espaços do dolo e da inobservância do cuidado objetivo necessário, para a determinação da tipicidade de condutas dolosas ou culposas, respectivamente.

Paulo Queiroz duvida de sua aplicabilidade prática. Explica que, em relação aos crimes culposos, risco permitido significa em última análise, ausência de imprudência, imperícia ou negligência: ausência de culpa enfim[5]. Tratar-se-ia, portanto, de um supérfluo penal. Já quanto aos crimes dolosos, bastaria recorrer-se ao princípio proibitivo da punição de meras intenções para solucionar-se, por exemplo, o caso do agente que convence o desafeto a praticar esportes violentos ou a tomar um trem e vem a conseguir seu propósito lesivo. Conclui o citado autor: o surrealismo dos exemplos citados pelos defensores da teoria da imputação objetiva põe de manifesto que seu âmbito de aplicação é reduzidíssimo (se é que existe mesmo), de sorte que em razão do seu excessivo grau de abstração, constitui, em boa parte, uma pura especulação teórica desprovida de interesse prático[6].

Para Cezar Bitencourt, os reflexos da teoria da imputação objetiva devem ser muito mais modestos do que o furor de perplexidades que está causando no continente latino-americano e europeu. Afinal, a única certeza, até agora, apresentada pela teoria da imputação objetiva é a incerteza dos seus enunciados, a imprecisão dos seus conceitos e a insegurança dos resultados que pode levar! Afirma ainda que, sem opor-se às inquietudes e investigações que se vêm realizando, há já alguns anos, recomenda-se cautela e muita reflexão no que se refere aos progressos e resultados “miraculosos” sustentados por determinado segmento de aficionados de tal teoria[7].

Conclusão

A teoria em estudo causa, preliminarmente, devido a sua denominação, a impressão de maior rigidez na análise do enquadramento legal das ações ou omissões dos agentes, fazendo crer que cada vez mais condutas serão consideradas típicas. Entretanto, com uma leitura atenta das suas premissas e das soluções dos exemplos apresentados, percebe-se, quando menos, o aumento da possibilidade de descriminalização de várias condutas; não apenas das de menor significância, mas, inclusive, de outras de maior gravidade e afetação aos bens jurídicos.

Embora o tema em análise esteja ganhando corpo no direito brasileiro com a opinião de consagrados juristas, deve haver cautela ao analisar o tema proposto, pois não se vislumbra, ao menos em um primeiro momento, a necessidade da sua aplicação em nosso sistema penal.

Adotar-se, na atualidade, os postulados da teoria da imputação objetiva como critérios absolutos para a intervenção jurídico-penal do Estado nos fatos concretos é postura arriscada. Não se trata de orientar-se ou não por princípios garantistas do direito penal, do direito penal mínimo, ou ainda, perder de vista o caráter subsidiário e fragmentário do direito repressivo. Hodiernamente, em não raras decisões monocráticas e colegiadas, já se observa a descriminalização de condutas integradas aos costumes da sociedade ou que causam a esta ou ao patrimônio individual danos de pequena significância, não sendo necessária a intervenção estatal para a repressão dessas condutas.

Importante ressaltar, também, que muitos dos argumentos e princípios utilizados pela teoria já são aplicados pela doutrina e jurisprudência brasileira. Citam-se: culpa exclusiva da vítima, inexigibilidade de conduta diversa.

Ao referir-se a teoria em exame a risco socialmente permitido ou desaprovado, risco tolerado, proibido, incremento do risco, realização do risco não permitido, faz uso de critérios elásticos, obscuros, imprecisos. A única unanimidade existente é em relação ao fato de a teoria não estar acabada e necessitar de uma série de adaptações.

Ocorre que, dada a subjetividade e abstração dos temas abordados, tanto o intérprete quanto o julgador terão dificuldades de estabelecer o próprio âmbito de atuação e de aplicação desses conceitos, nos quais os valores e convicções de cada pessoa determinarão diferentes caminhos a seguir.

Precisa-se de cautela para não nos tornarmos vítimas, quiçá, de mais um modismo na seara criminal. Há inclusive um jargão dizendo “que toda a vez que a Europa acende fogo, a América Latina emite fumaça”, ainda mais no Brasil, onde se impôs uma cultura de que tudo o que é importado é melhor. Deve-se observar que são realidades diferentes, condições sócio-econômico-culturais díspares, sistemas legislativos diversos, não sendo possível utilizarem-se sempre as mesmas premissas para fundamentar o ordenamento jurídico. 

Referências
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, vol. 1.
CALLEGARI, André Luís. Imputação Objetiva. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.
GALVÃO, Fernando. Imputação Objetiva. 2. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.
QUEIROZ, Paulo. A Teoria da Imputação Objetiva. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 9, n. 103, p. 6-8, junho 2001.
ROXIN, Claus. Funcionalismo e Imputação Objetiva no Direito Penal. Tradução: Luís Greco. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.
 
Notas:
[1] TAVARES, 2000, p. 222.

[2] GALVÃO, 2002, p. 64.

[3] CALLEGARI, 2004, p. 43.

[4] GALVÃO, Fernando. Op. cit., p. 92.

[5] QUEIROZ, 2001, p. 6.

[6] Ibidem, p. 8.

[7] BITENCOURT, 2006, p. 313.


Informações Sobre o Autor

Felipe Rocha Panconi

Defensor Público do Estado de Minas Gerais.Pós-Graduado em Ciências Penais pela Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF


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