A banalização da justiça gratuita

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Resumo: Trata-se de ensaio que aborda a temática da concessão da gratuidade de justiça considerando os termos da Carta Magna da Lei 1.060/50 bem como da moderna jurisprudência acerca do objeto.

Editada na década de 50, a Lei 1.060 disciplina a concessão da assistência judiciária aos necessitados, estabelecendo normas que estabelecem os critérios à gratuidade, bem como seus efeitos e demais procedimentos. Considerando o aspecto teleológico da norma, tem-se que esta objetiva facilitar o acesso à justiça àqueles que não dispõem de condições econômicas para suportar o ônus das custas judiciais, taxas judiciárias e honorários advocatícios.

Nesta esteira, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, assevera que "não basta assegurar constitucionalmente o princípio da inafastabilidade do controle judiciário, se, a par disso, para além do meramente formal, deixava-se de instituir instrumentos capazes de assegurar, de forma efetiva, solução rápida e adequada dos pleitos, desconsiderando-se, ademais, a maior ou menor condição de fortuna, o poder de que desfrutam[1]"

Com efeito, a assistência confere acesso gratuito a todos que, por inequívoca hipossuficiência financeira, não reúnem condições para demandar em juízo, tornando efetivo o conceito de isonomia material e a exata finalidade do Judiciário, na solução de conflitos. Num breve esforço histórico, é preciso recordar que o diploma sob exame entrou em vigor sob a égide da Constituição Federal de 1946, representando importante avanço à sistemática jurídica brasileira, contemplando regra de cunho social de sobeja relevância aos jurisdicionados de baixa renda.

Assim, a lei 1.060 foi recepcionada, em partes, pela superveniente promulgação da Carta Magna, de 1988, senão veja-se.

Há muito, prevaleceu à tese que bastaria ao jurisdicionado pugnar pela assistência judiciária para que o magistrado concedesse a graça em seu favor, gozando, portanto, de presunção juris tantum, no que tange à alegada hipossuficiência financeira. É o que se depreende da inteligência do artigo 4º, do referido diploma legal, que expressamente assegura o benefício mediante simples afirmação, na exordial formulada pelo Requerente.

No entanto, é preciso consignar que o mencionado dispositivo, alterado pela Lei 7.510/86, vai de encontro às disposições do inciso LXXIV, artigo 5º, da Constituição Federal, cujo dispor, prescreve que "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. De sua leitura, é possível depreender que, após o advento da "Constituição cidadã", a comprovação da hipossuficiência de recursos revela-se "conditio sine qua non" à concessão da gratuidade ao acesso da Justiça. Noutros termos, o artigo 4º, da Lei 1.060, restou prejudicado, face à não recepção do dispositivo legal pela Carta Magna.

Respeitável parcela da doutrina resiste ao entendimento, aduzindo que os termos "assistência jurídica" e "assistência judiciária" não devem ser concebidos como sinônimos. Em que pese o brilhantismo daqueles doutrinadores, é preciso reconhecer que embora distintos, seria contraditório e nada isonômico entender que aqueles pretensos beneficiários da Defensoria Pública sejam obrigados a comprovar a hipossuficiência financeira, ao passo que os patrocinados por advogados particulares sejam dispensados de fazê-lo.

É que, na verdade, não se deve aplicar o direito mediante simples apego ao termo empregado no texto constitucional, mas levar a efeito à finalidade almejada pelo constituinte, especialmente no tocante à efetividade da norma. Trata-se, pois, do necessário exercício de hermenêutica constitucional, exigindo forçosa análise do Princípio da força normativa[2].

Cediço que a gratuidade de justiça objetiva conferir amplo acesso àquele que efetivamente não dispõe de recursos financeiros para acessar ao Judiciário, De modo que, por via reflexa, ter-se-á por letra morta o inciso LXXIV, artigo 5º, CF, caso prevaleça o entendimento que exclui a obrigação dos jurisdicionados assistidos por defensores particulares comprovarem tal hipossuficiência, eis que se estabelece injustificável quebra da isonomia em relação aos assistidos por Defensores Públicos, bem como redução da esperada efetividade da norma constitucional.

Noutras linhas, o dever de comprovar a insuficiência de recursos deve ser estendida também aos pretendentes da assistência jurídica, sob pena ensejar irreparáveis injustiças a terceiros. Afinal, pessoas de manifesta baixa renda seriam compelidas a fazer prova de sua renda, ao passo que muitos jurisdicionados, com efetiva condição econômica para suportar o ônus do processo, seriam incentivados a pugnar pela graça, privilegiando-se, portanto, a má-fé.

Os Tribunais de Justiça tem-se manifestado acerca do tema, especialmente aquele pertencente ao Estado do Rio Grande do Sul, que, em diversas oportunidades, entendeu pela "necessidade de comprovação da referida condição, sob pena de desvirtuamento do instituto da assistência aos necessitados.[3]

Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça – STJ, em recente julgado proferido pela Corte, entendeu pela obrigatoriedade do pretenso beneficiário comprovar a insuficiência de recursos, consoante se afere, in verbis:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO. RECURSO ESPECIAL DESERTO. PEDIDO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA FORMULADO NO CURSO DO PROCESSO. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE BENEFICIÁRIO. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL. SÚMULA N. 187/STJ.

1. Quando formulado o pedido de concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita no curso do processo, é imprescindível que haja a comprovação da condição de beneficiário, o que não se deu in casu.

2. Precedentes: AgRg nos EAg 1345775/PI, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe 21.11.2012; e EDcl no AREsp 275.831/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 12.3.2013.

3. Não realizado o preparo, o recurso mostra-se deserto, o que atrai a incidência da Súmula n. 187/STJ, segundo a qual "é deserto o recurso interposto para o Superior Tribunal de Justiça, quando o recorrente não recolhe, na origem, a importância das despesas de remessa e retorno dos autos." 4. Agravo regimental não provido.[4] (Grifo nosso)

Das premissas lançadas neste ensaio, pode-se abstrair que após a promulgação da Constituição Federal, de 1988, não mais prevalece à disposição do artigo 4º, da lei a lei 1.060/50, devendo o beneficiário comprovar a hipossuficiência financeira. Entender o contrário denotaria subverter a finalidade do benefício, banalizando o instituto ao abrir as portas do Judiciário a indivíduos que reúnem condições para o custeio das custas judiciais e honorários advocatícios.

 

Notas:
[1] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Processo Civil e Constituição. Revista do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, 6, 1985, p. 63.
[2] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 17ª ed. Saraiva: Sâo Paulo, 2013, p. 161.

[3] TJRS, AGRAVO DE INSTRUMENTO,QUARTA CÂMARA CÍVEL Nº 70053947354 ,Des. Aghate Elsa, j.em 04.04.13

[4] STJ, AgRg no AREsp 281.430 MG, Rel Min MAURO CAMPBELL MARQUES, j. 18/04/2013


Informações Sobre o Autor

Richard Paes Lyra Junior

Procurador do Município de Limeira-SP especialista em Direito Tributário pela Escola Paulista de Direito – EPD


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