Proteção jurídica da identidade sexual do transexual

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Resumo: Este trabalho tem como escopo o estudo de um dos pontos polêmicos atinentes à proteção jurídica da identidade sexual, qual seja, a possibilidade de retificação no nome do transexual, independentemente da realização da cirurgia de adequação ao sexo. Desta forma, apresentar-se-ão conceitos e posicionamentos existentes acerca do tema proposto e focar-se-á na questão dos transexuais operados e não operados. Enfim, como a lei é omissa, buscar-se-á na jurisprudência e na doutrina soluções cabíveis.

Palavras-Chaves: Transexual; Possibilidade de retificação no nome do transexual independente de realização de cirurgia de transgenitalização; Princípios jurídicos envolvidos; Omissão da lei; Problemas enfrentados pelo transexual; Direitos dos transexuais.

Sumário: 1. Introdução; 2. Noções relacionadas ao tema em debate; 2.1 Formas de identificação sexual; 2.2 Noções de transexualidade; 2.3 Diferença entre os transexuais e os demais tipos sexuais; 2.4 Cirurgia: da proibição à autorização para ser feita pelo SUS; 3. Princípios regentes da matéria; 3.1 Da dignidade da pessoa humana; 3.1.1 Dos direitos da personalidade; 3.1.2 Da identidade pessoal e sexual; 3.2 Da cidadania; 3.3 Da autonomia corporal; 3.4 Do direito à saúde; 3.5 Do preconceito; 3.6 Do direito à liberdade; 4. Da possibilidade de mudança registral; 4.1 Da lei dos registros públicos; 4.2 Do projeto de lei 70-B; 4.3 Da mudança de nome e sexo do transexual independente da cirurgia; 5. Conclusão; Referências.

1. INTRODUÇÃO

Inúmeras e diversas são as discussões acerca da proteção jurídica da identidade sexual. Nesse tema se inserem assuntos variados e pitorescos, presentes em incansáveis debates e que, cada vez mais, aguçam o interesse dos pesquisadores e estudiosos do Direito que vislumbram soluções para as questões controvertidas propostos. Tais, assuntos, apenas a título Inúmeras e diversas são as discussões acerca da proteção jurídica da identidade sexual. Nesse tema se inserem assuntos variados e pitorescos, presentes em incansáveis debates e que, cada vez mais, aguçam o interesse dos pesquisadores e estudiosos do Direito que vislumbram soluções para as questões controvertidas propostos. Tais, assuntos, apenas a títuloInúmeras e diversas são as discussões acerca da proteção jurídica da identidade sexual. Nesse tema se inserem assuntos variados e pitorescos, presentes em incansáveis debates e que, cada vez mais, aguçam o interesse dos pesquisadores e estudiosos do Direito que vislumbram soluções para as questões controvertidas propostas. Tais assuntos, apenas a título exemplificativo, têm como exemplo a possibilidade dos transexuais realizarem a cirurgia de adequação de sexo, o direito desses indivíduos de retificarem o prenome após terem realizado o mencionado ato cirúrgico, os meios para que sejam incluídos na sociedade ou para que não sofram o preconceito; todas essas situações estão cercadas por uma característica comum e marcante: a polêmica de interpretações.

Também não difere a questão proposta neste trabalho, uma vez que seu foco central está na legalidade da retificação do nome e do sexo do transexual no registro civil, sem a necessidade de realizar a cirurgia de transgenitalização. Trata-se de assunto comentado pela doutrina e jurisprudência com vasta divergência de opiniões, apesar de algumas tendências, já assentadas como se irá demonstrar ao longo deste trabalho.

Delimitado apenas este ponto, ainda assim, tornar-se-á necessária a explanação de alguns elementos relevantes concernentes ao problema enfrentado pelo presente trabalho. Deste modo, o conceito de transexual, as formas de identificação sexual, a diferença entre os transexuais e os demais tipos sexuais, a possibilidade de realização da cirurgia de transgenitalização a ser feita pelo SUS e itens diversos serão citados previamente antes de adentrar no tema propriamente dito.

Destarte, incongruente seria se a Ciência do Direito fosse estática, de modo que não pudesse englobar as mudanças incessantes da sociedade. Há de se entender que, as normas fluem em consonância com os valores e fatos da sociedade que são, por suas características próprias, dinâmicos.

A omissão da lei no que diz respeito aos vários aspectos ínsitos à questão da possibilidade de alteração do nome do transexual sem a necessidade de realizar a cirurgia deixa uma larga margem aos nossos julgadores para que utilizem o livre convencimento que lhes é outorgado do modo que lhes bem convierem. A falta de dispositivos legais, como se vê, aos magistrados restam apenas as demais fontes do Direito como um todo, bem como a experiência cotidiana adquirida nos tribunais, para que seja dada solução aos conflitos jurídicos como os controvertidos da proteção jurídica da identidade sexual.

Considerando que os direitos à liberdade, à dignidade, à saúde, à cidadania, à personalidade, à identidade pessoal e sexual são princípios constitucionais que devem ser respeitados, pode-se dizer que o cerne do princípio da igualdade reluz na proibição do tratamento discriminatório. Ou seja, são vedados os atos que visem restringir, prejudicar ou até findar o exercício de direitos e liberdades fundamentais, em razão de etnia, raça, sexo, cor, idade, origem e religião.

O transexual, alvo deste trabalho é um indivíduo que possui extrema insatisfação com a própria identidade, representada pelo nome e do sexo. O descompasso entre o que se é de fato e o que vem representando através do nome e sexo em seus documentos de identificação, impede a pessoa de viver com dignidade e corrobora para um sentimento de total inadaptação.

É por isso que nessa perspectiva jurídica, o que se tem que evitar é, com a finalidade de superar a disforia sexual, afirmar que só é feminino e só é masculino quem atender a determinadas, fixas, rígidas e excludentes combinações de características, impostas pelas convicções sociais de maior parte da sociedade ou pela pretensão de um saber médico objetivo e neutro.

Mas o que prevê o ordenamento jurídico brasileiro quando o assunto é a suavização dos sofrimentos enfrentados por esses indivíduos, iguais como quaisquer outros que, também, possuem o direito aos princípios fundamentais elencados pela Carta Magna? Existem meios para retificação do nome dos transexuais sem a necessidade de realizar a cirurgia de adequação de sexo? Caso negado, estariam os juristas cometendo infração as normas contidas em nossa Constituição? As normas contidas na Lei de Registros Públicos esclarecem algo sobre tais indagações? Estaria o médico cometendo lesão corporal ao realizar a cirurgia em questão?

Inúmeras são as perguntas a responder para que seja firmada uma conclusão. O presente trabalho pretende, enfim, apresentar respostas às perguntas formuladas alhures; participar aos interessados o posicionamento que têm tomado nossos juristas e comunicar as soluções que têm tomado os nossos magistrados.

2. NOÇÕES RELACIONADAS AO TEMA EM DEBATE

Eis a chave do tema abordado para nos familiarizarmos com o assunto abordado neste trabalho. Algumas questões devem sem esclarecidas, permitindo aos leitores maior entendimento sobre o que venha a ser discutido, começando, pelas formas de identificação sexual que nos permite chegar ao conceito do transexual, devendo este ser diferenciado dos demais tipos sexuais e por fim, abordando o direito destes de ter a cirurgia de transgenitalização oferecida pelo SUS de acordo com princípios fundamentais.

2.1 Formas de identificação sexual

Diante do reconhecimento de somente dois sexos na sociedade em que vivemos e no Direito o qual exercemos, só há chance do indivíduo se enquadrar em um deles, feminino ou masculino, até mesmo, para exercer seus direitos. Estes podem ser exercidos através do Direito de Família, Direito Previdenciário e outros ramos que compõem nosso ordenamento jurídico brasileiro.

Ressalta-se a existência de várias formas de identificação sexual, das quais analisaremos as mais importantes delas.

A primeira, denominada sexo gonádico ou gonodal, tem como enfoque as glândulas sexuais destinadas à produção de hormônios: ovários, determinando o sexo feminino e os testículos, determinando o sexo masculino.

O sexo cromossômico, como o próprio nome sugere, é aquele formado pela junção dos cromossomos sexuais contidos nos gametas femininos com aqueles existentes nos gametas masculinos. Portanto, identificamos um indivíduo do sexo masculino quando reunidos os cromossomos XY, sendo o primeiro, pertencente ao óvulo e o segundo pertencente ao espermatozóide; com o encontro dos cromossomos XX tem-se a formação de um indivíduo do sexo feminino, sendo um X contido ao óvulo e o outro, ao espermatozóide. Vejamos:

“Na atual fase do conhecimento científico, a identificação do sexo do ser humano é irreversível e ocorre no momento da concepção, dependendo do número dos cromossomos em cada célula. Sabe-se que todo ser humano recebe um cromossomo X, da mãe. Quem herde um cromossomo X do pai, é mulher (XX), quem herde um Y, é homem (XY)”. (TJRS, Apelação Cível nº70022504849, Rel. RuiPortanova, julgamento 06/04/2009, página 10).

Já o sexo morfológico resulta da aparência ou forma de um indivíduo de acordo com seu aspecto genital. O pênis, os testículos e os escrotos constituem os caracteres primários da sexualidade masculina, enquanto os da feminina são os ovários, a vagina, o útero e as trompas.

Tem-se, também, o sexo legal, definido através das relações do indivíduo na sociedade, ou seja, na sua vida civil. Determina-se o sexo legal pela certidão de nascimento da pessoa, realizada no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais. Tal identificação sexual tem como denominação, também, sexo civil ou sexo jurídico.

Afirma-se, também, que os hormônios são relevantes para identificação do indivíduo como homem ou mulher. Vejamos:

“Coincidem também componentes de ordem hormonal para caracterização do sexo, predominando o estrogênio (hormônio feminino) ou a testosterona (hormônio masculino).” (TJRS, Apelação Cível nº70022504849, Rel. RuiPortanova, julgamento 06/04/2009, página 10/11).

Por fim, tem-se o sexo psíquico. Este se refere ao feed back psicológico do indivíduo frente a determinados estímulos. Resulta da combinação fisiológica, genética e psicológica decorrente da atmosfera sociocultural na qual o indivíduo se insere. Salienta-se, portanto, que o sexo psíquico ou psicossocial é aquele, o qual, a pessoa realmente acredita pertencer diante dos fatores mencionados acima.

Segundo Maria Helena Diniz, o transexual possui um distúrbio psíquico de identidade sexual. Diante disso, o correto seria submetê-lo à tratamento psicológico, através de psicanálise, psicoterapia para acarretar a mudança de sua mente, adequando-a aos seus atributos físicos. Porém, de nada adianta tais técnicas em vista de que a doença psíquica do transexual é genética, ou seja, causada por defeito cromossômico ou fatores hormonais, e por isso, incurável. (DINIZ, 2006, p. 289-290)

Considerar-se-á a mais relevante das demais formas de identificação sexual para o tema abordado, pois, notar-se-á que se o sexo psíquico do transexual, sozinho, se diverge das demais formas de identificação sexual. Salienta-se que este realmente acredita, decorrente de seu sexo psíquico, pertencer ao sexo morfológico, legal, cromossômico e gonodal, oposto.

Ressalta-se que, o ambiente psicossocial em que o indivíduo se insere é extremamente importante para manter ou estimular as diferenças hormonais descobertas na fase pré-natal das crianças do sexo feminino ou masculino, mesmo diante da diminuição desses hormônios após o nascimento. Como ensina Tereza Vieira:

“O sexo não é mais considerado tão somente como um dado fisiológico (e, portanto, geneticamente determinado) e, por isso, imutável, a partir de contribuição das áreas de conhecimento da psicologia, da biologia, da antropologia, entre outros”. (VIEIRA, 1,999, p. 117)

Acerca dessa identificação, Stefano Rodotà esclarece que demanda-se muito tempo para a estruturação definitiva e a definição dos caracteres sexuais do indivíduo, na realidade, faz-se necessário um tempo maior do que o exigido para afirmar o sexo de recém nascido nos registros civis. Ademais, afirma o dever de não se confiar na clareza e obviedade do sexo genético. Nota-se que o sexo descrito nos registros público é uma questão meramente ligada ao papel social cominado a um elemento biológico que se presume ser imutável. No entanto, tal presunção não pode ser considerada, atualmente, com a mesma certeza do passado. http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2164/Transexualismo-e-o-direito-a-redesignacao-do-estado-sexual. Acesso em 22 de fevereiro de 2012).

Em concordância, assim se manifesta o Ministério Público do Rio Grande do Sul:

“Afora a herança genética, em função da obrigação jurídica de declarar o sexo no assento de nascimento, providência que em geral ocorre nos primeiros dias de vida do ser humano, tem-se como parâmetros os seus órgãos sexuais externos. Apesar dessa verificação de ordem natural no momento do nascimento, constata-se que algumas pessoas sofrem de profunda, persistente e autêntica insatisfação psíquica em razão de seu sexo anatômico, assumindo um sexo psicológico oposto, Há uma clara contradição entre o sexo genético e genital, e o sexo cerebral ou social. É o que caracteriza o transexual”. (TJRS, Apelação Cível nº70022504849, Rel. RuiPortanova, julgamento 06/04/2009, página 11).

Pelo exposto, seria coerente negar ao transexual o direito à busca de equilibrar seu corpo com sua mente? Seria correto negar a este à sua identidade sexual e uma vida feliz? O correto seria tentar tirá-los da vida dupla e angustiante em que vivem optando por sua sexualidade psicológica para amenizar os transtornos e recuperar a sua saúde mental. Assim, também, entende a autora Maria Helena Diniz (DINIZ, 2006, p. 290)

2.2 Noções de Transexualidade

Como já exposto acima, transexual é aquele que rejeita sua identidade genética e a autonomia de seu gênero, identificando-se, psicologicamente, com o gênero oposto, em outras palavras, é aquele que possui corpo de um sexo e mas se sente pertencer a sexo diverso a este, que é biológico. A cisão entre a identidade física, sexual e psíquica do transexual ocasiona problemas jurídico-existenciais, dos quais, vários ainda são assuntos polêmicos abordados pelo nosso ordenamento jurídico, como, por exemplo, a retificação do nome do transexual, independente da cirurgia, problema a ser tratado pelo presente trabalho.

Quanto à definição do transexual, assim se manifesta Maria Helena Diniz:

“O transexual apresenta uma anomalia surgida no desenvolvimento da estrutura nervosa central, por ocasião de seu estado embrionário, que, contudo, não altera suas atividades intelectuais e profissionais, visto que em testes aplicados apurou-se que possui, em regra, um quociente intelectual (QI) entre 106 e 118, isto é, um pouco superior à média.” (DINIZ, 2006, p. 285).

Em seqüência a autora afirma:

 “Como, em regra, tem QI superior à média, seu desemprego não está relacionado a sua capacidade ou incapacidade intelectual, mas á inadequação do registro civil à sua aparência”. (DINIZ, 2006, p. 286).

A autora defende a idéia que a transexualidade refere-se à condição sexual da pessoa que rejeita a sua identidade genética e sua anatomia, identificando-se, assim, com o gênero do sexo oposto.

Assim, o transexualismo é considerado uma patologia ou doença, segundo múltiplos autores e algumas entidades médicas, como veremos a seguir. Para a medicina, o transexualismo é considerado uma “síndrome de disforia de gênero”. Esta se caracteriza por determinar e englobar um estado emocional de constante depressão e ansiedade do indivíduo.

Segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID –10 – F.64.0), o transexual caracteriza-se por:

“Um desejo de viver e ser aceito como um membro do sexo oposto, usualmente acompanhado por uma sensação de desconforto ou impropriedade de seu próprio sexo anatômico e um desejo de se submeter a tratamento hormonal e cirurgia para seu corpo tão congruente quanto possível com o seu sexo preferido.”

Outrossim, o Conselho Federal de Medicina , na resolução 1.482/97, considera o transexual como: “portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à auto mutilação ou auto-extermínio.”

Portanto, ver-se-á a necessidade de ressaltar que muitas vezes a dor e sofrimento são tão grandes, que os transexuais sentem-se presos a um corpo que não condiz com a sua realidade e seu estado emocional.

Para alguns doutrinadores, transexuais são pessoas que sofrem de neurodiscordância de gênero, ou seja, a hipótese cerebral dos mesmos (parte do cérebro que responde aos estímulos sexuais) possui estrias mais estreitas diferentes dos homens comuns, sendo idênticas a de uma mulher biológica, resultando no denominado hermafroditismo hipofásico.

Conclui-se, então, que transexual não é aquele simplesmente possui desejo de trocar de sexo. Tal idéia faz-se ultrapassada e constitui um patamar discriminatório, quando na realidade, a procura desses indivíduos é apenas apela adaptação física afim de exercerem suas vidas sociais, espíritas, sexuais e emocionais, o que, infelizmente, não se é alcançado pela maioria deles, e se alcançadas vagarosamente e com extrema dificuldade.

Pelo exposto, ver-se-á a necessidade de aplicar princípios e normas jurídicas para a suavização dos sentimentos maléficos a saúde psíquica dos transexuais, inclusive como forma de respaldar os direitos humanos existentes no ordenamento jurídico brasileiro, outrossim, para erradicar o preconceito existente quanto à transexualidade e que, ironicamente, é algo vedado na Constituição da República de 1988 em seu artigo 5º, caput:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”

Mais adiante analisaremos com mais discricionariedade tal direito fundamental garantido pos nossa Carta Magna de 1988.

Por fim, a demonstração de que as características físicas e psíquicas do transexual, não estão em conformidade com as características que o seu nome representa coletiva e individualmente são suficientes para determinar a retificação de seu registro civil.

2.3 Diferença entre o transexual e os demais tipos sexuais

Apesar do presente trabalho ter como objeto apenas o indivíduo transexual é importante diferenciar estes, dos demais “tipos sexuais”: homossexuais, travestis, bissexuais e intersexuais.

O homossexual sente-se adequado quanto à determinação de seu sexo, veste-se e tem corpo adequado a ele. Não admite ser confundido com o sexo oposto, porém, sua atração afetiva e erótica dar-se-á por pessoas do mesmo sexo que os seu. Ademais, não repudia o seu sexo anatômico, na verdade, utiliza-o como fonte de prazer, fazendo o divergir do transexual. Outrossim, o Ministério Público se manifestou:

“… a expressão homossexualismo é utilizada para designar o interesse e a atração sexual por indivíduos do mesmo sexo. Não constituiria uma patologia, mas um estilo de comportamento”. (TJRS, Apelação Cível nº70022504849, Rel. RuiPortanova, julgamento 06/04/2009, página 10).

Já o travesti tem satisfação em utilizar roupas do sexo oposto, por defesa ou fetiche. Não repudiam seus genitais externos, reconhecendo, assim, seu sexo biológico, totalmente diferente do transexual, que possui extremo desejo de reversão sexual mediante cirurgia de transgenitalização. Confira-se:

“… o indivíduo manifesta prazer de cunho sexual em vestir-se com as roupas do sexo oposto ao seu, não tendo necessariamente atração sexual pelo sexo diverso.” – (TJRS, Apelação Cível nº70022504849, Rel. RuiPortanova, julgamento 06/04/2009, página 9/10).

O bissexual varia na atração sexual ora por mulheres, ora por homens, enquanto para o transexual é inadmissível obter relações sexuais com pessoas de sexo biológico divergente ao seu. Em suma, é a oscilação entre o heterossexual e o homossexual, sem que isso leve à renúncia de uma das suas identidades.

Diferente de todos os tipo sexuais descritos acima, o intersexual, mais conhecido por hermafrodita, é aquele que possui características dos dois sexos, femininos e masculinos. Por isso, devem se submeter à cirurgia para adequação do sexo fenotípico, genético e gonodal, após estudo detalhado da identidade e do sexo desenvolvido. Almejam, tão somente,a definição do sexo ao qual pertence, são necessariamente desejando o feminino ou o masculino Em contrapartida, o transexual possui apenas características físicas de um só sexo e requerem o reconhecimento de seu sexo psíquico.

Diante do exposto, conclui-se que o transexual não se confunde com esses “tipos sexuais” citados acima. Trata-se de uma situação diferenciada, merecendo, portanto, tratamento diferenciado, consagração da especialidade, de acordo com o princípio constitucional da isonomia: “a lei deve tratar de maneira desigual os desiguais”.

2.4 Cirurgia: da proibição à autorização para ser feita pelo SUS

O Sistema Único de Saúde oferece cirurgias de trasgenitalização aos transexuais a partir da portaria 457, de 19 de agosto do Ministério da Saúde.

Essa conquista teve início com o ajuizamento da ação civil pública, pelo Ministério Público Federal contra a União, para que, aos transexuais, fossem garantidas todas as medidas relevantes que possibilitassem a realização dos procedimentos médicos necessários para a realização da cirurgia de mudança de sexo, pelo SUS, bem como os demais procedimentos complementares sobre caracteres sexuais secundários e gônadas. Ademais, o Ministério Público requereu a edição de ato normativo para a previsão dos procedimentos cirúrgicos para a realização da cirurgia de transgenitalização, na Tabela de Procedimentos Remunerados pelo SUS, denominada Tabela SIH-SUS.

Confira-se:

“DIREITO CONSTITUCIONAL. TRANSEXUALISMO. INCLUSÃO NA TABELA SIHSUS DE PROCEDIMENTOS MÉDICOS DE TRANSGENITALIZAÇÃO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE E PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO POR MOTIVO DE SEXO. DISCRIMINAÇÃO POR MOTIVO DE GÊNERO. DIREITOS FUNDAMENTAIS DE LIBERDADE, LIVRE DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE, PRIVACIDADE E RESPEITO À DIGNIDADE HUMANA. DIREITO À SAÚDE. FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO.” (TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.71.00.026279-9/RS, RELATOR : Juiz Federal ROGER RAUPP RIOS,APELANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, APELADO : UNIÃO FEDERAL, ADVOGADO : Luis Antonio Alcoba de Freitas)

Os direitos fundamentais de igualdade, da proibição de discriminação por motivo de sexo, do livre desenvolvimento da personalidade, da liberdade, do direito à saúde, da privacidade e do direito à dignidade humana foram o embasamento da decisão do relator Doutor Roger Raupp Rios. Portanto, configuraria discriminação a exclusão da cirurgia de mudança de sexo e dos procedimentos complementares da lista de procedimentos médicos custeados pelo SUS, uma vez que tal procedimento já é oferecido a todas as pessoas que dele precisam, devendo ser feito a todos de forma igualitária, não podendo ser recusado aos transexuais que desejam realizar a cirurgia de neofaloplastia e de neocolpovulvoplastia. Ademais, a cirurgia não é ilícita no âmbito criminal, diante do caráter terapêutico e não mutilador.

Assim se manifestou o relator:

“o direito à saúde é direito fundamental, dotado de eficácia e aplicabilidade imediatas, apto a produzir direitos e deveres nas relações dos poderes públicos entre si e diante dos cidadãos, superada a noção de norma meramente programática, sob pena de esvaziamento do caráter normativo da Constituição.” (TRF da 4ª região – Apelação Cível nº 2001.71.00.026279-9/RS, Rel. Roger Raupp Rios)

O Sistema Único de Saúde tem como princípio o atendimento integral, conforme disposto no artigo 198,II, da Constituição Federal. Diante do exposto, todos os cidadãos têm direito ao acesso aos serviços de saúde e aos procedimentos previstos no sistema médico. Ressalta-se a criação do SUS como forma de aplicar o direito fundamental mencionado, consoante com o dever do estado de promovê-la.

Conforme já exposto, a transexualidade é considerada uma doença internacionalmente reconhecida pela Organização Mundial da Saúde. Dassa forma, o Estado não pode negar aos doentes-transexuais o acesso ao procedimento médico existente ofertado pelos hospitais. Salienta-se a cirurgia de adequação sexual como o único tratamento médico aceito pela comunidade científica internacional.

A inclusão dos procedimentos relativos à transexualidade em questão, dentre os previstos da Tabela SIH-SUS é uma correção judicial em vista da discriminação que lesa os direitos fundamentais dos transexuais, uma vez que eles já estão contemplados pelo sistema público de saúde.

Aduz-se que os transexuais não assim os são por ato de vontade e sim, por motivo de moléstia, por serem portadores de desvio psicológico permanente de identidade sexual, ou seja, nenhum cidadão gostaria de ter tal doença.

O transexualismo não decorre da invocação do direito de dispor do próprio corpo, como uma variante do direito à liberdade sexual, decorre, na esfera jurídica, do direito ao livre desenvolvimento da personalidade.

Ademais, o artigo 13, do Código Civil traz disposições que se torna lícita a realização da cirurgia em questão, uma vez que defende o ato de disposição do próprio corpo, quando importar a diminuição permanente da integridade física ou contestar os bons costumes. Ou seja, sabe-se que o transexual sofre de doença genética incurável e impedir que o mesmo faça a cirurgia de adequação ao sexo, seria o mesmo que infringir a norma contida neste artigo, uma vez que violaria a integridade física do indivíduo em questão. Tal assunto será abordado com mais profundidade no capítulo a seguir.

Por fim, destaca-se que a cirurgia de transgenitalização é, somente, uma cirurgia de adequação sexual, a fim de reajustar o sexo biológico do transexual ao psicológico, visando à redução do sofrimento desses indivíduos.

3. PRINCÍPIOS REGENTES DA MATÉRIA

Em decorrência da falta de previsão legal sobre o tema, podemos nos amparar em diversos princípios previstos na Constituição Federal de 1988 para ratificar a possibilidade de o indivíduo transexual retificar o seu registro civil.

Ademais, a percepção inflexível de que só é masculino ou só é do sexo feminino aquele que atender determinadas características, rígidas, fixas, impostas pelas convicções da maior parte da sociedade ou pelo saber médico objetivo, não faz reduzir a disforia sexual. Ressalta-se, que tais percepções geram violações de direitos fundamentais e é o mesmo que negar a dinâmica e a evolução da sociedade.

3.1 Da dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana constitui fundamento da República Federativa do Brasil na conformidade do artigo 1º, inciso III, da Constituição federal de 1988 e é um dos princípios mais importantes de nosso ordenamento jurídico. Confira-se:

“Art, 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento:

… III – a dignidade da pessoa humana;”. (Constituição Federal de 1988)

O direito ora explicitado, bem como o direito ao nome são consagrados como direitos fundamentais na Magna Carta, diferencia o indivíduo na sua vida em sociedade, protegendo o seu nome, a sua nacionalidade, a sua filiação, o momento do seu nascimento e o seu sexo. Em simples palavras, é o direito de a pessoa ser ela mesma. Nesse sentido se manifesta Paulo Otero:

“É a marca distintiva da pessoa, que a individualiza, permitindo a construção da sua personalidade. É a sua maneira de ser, como se realiza na comunidade, com seus atributos e defeitos, com suas características e aspirações, com sua bagagem cultural.” (TJRS, Apelação Cível nº70022504849, Rel. RuiPortanova, julgamento 06/04/2009, página 17.)

Ver-se-á jurisprudência acerca desse assunto:

“A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido,um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem à pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venha a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.” (TJRS, Apelação Cível nº70022504849, Rel. RuiPortanova, julgamento 06/04/2009, página 17)

No entanto, por diversas vezes o transexual é submetido a situações de ridículo. Estas acontecem, por exemplo, no comércio, na procura de emprego pelos transexuais ou até a ida em hotéis, em suma, em locais públicos, a margem da sociedade, gerando lesão ao seu bem maior que é a sua dignidade. Nota-se extrema dificuldade desses indivíduos na aquisição de empregos. Está presente, portanto, a exclusão social na vida dessas pessoas.

Adentrando mais ao tema, a insatisfação com a própria identidade, representada pelo nome, a diferença do que se é realmente e o que vem a representar através do nome, impede essas pessoas a viverem com dignidade, gerando um sentimento de completa inadaptação.

É um princípio que postula o valor da pessoa humana e afirma o respeito incondicional a sua dignidade, ou seja, deve-se respeitar o outro independentemente dos contextos integrantes e das situações sociais em que a pessoa concretamente se insira. O transexual não deve se olvidar dos seus direitos fundamentais, o valor absoluto não é a comunidade ou a classe, mas sim, o homem pessoal, embora socialmente na classe e na comunidade.

3.1.1 Dos direitos da personalidade

Para Jorge Miranda:

“os direitos de personalidade são posições jurídicas fundamentais do homem que ele tem pelo simples fato de nascer e viver; são aspectos imediatos da existência de integração do homem; são condições essenciais ao seu ser e devir; revelam o conteúdo necessário da personalidade; são emanações da personalidade humana em si; são direitos de exigir de outrem o respeito da própria personalidade; tem por objeto, não algo de exterior ao sujeito, mas modos de ser físicos e morais da pessoa ou de bens da personalidade física, moral e jurídica ou manifestações parcelares da personalidade humana.”( Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional-Tema IV- Direitos Fundamentais, 3ª edução, Coimbra Editora, p. 58/59)

Nota-se que na proteção da personalidade, a lei tutela os indivíduos contra qualquer ameaça de ofensa á sua personalidade física ou moral e até mesmo a ofensa ilícita, propriamente dita.

Os direitos, aqui, explicitados são direitos naturais. Visa à proteção das funções da pessoa, do seu jeito de ser, de sua estrutura.

O direito da personalidade está intimamente ligado aos transexuais, uma vez que através dele se pode refletir sobre redesignação do nome desses indivíduos. Ressalta-se a importância da retificação do nome, visto que manter a identidade é motivo de chacotas, preconceitos, constrangimentos e até exclusão social, como já exposto acima, que além de tudo contribuem de forma extremamente relevante para a plena dignidade da pessoa humana.

Por fim, se com o término na segunda guerra mundial passou-se a tutelar de forma mais intensa o direito da personalidade, diante da Declaração Universal dos Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais de 1950, se o direito da personalidade é referente a invulnerabilidade, conservação, dignidade e reconhecimento da livre atuação da personalidade, gerando o dever, no direito, de abstenção para todos os indivíduos da coletividade, não se deveria admitir o direito a retificação do nome do transexual? Fato é que não haveria justificativas na ética e na moral em relação ao desentendimento à súplica do indivíduo que busca viver e conviver em sociedade de forma digna sem se expor a situações humilhantes e constrangedoras quando solicitado os documentos de identificação do transexual.

3.1.2 Da identidade pessoal e sexual

Identidade pessoal é o mesmo que ser único, representado por suas próprias características, individualidades e ações, fazendo constituir a realidade do indivíduo, não podendo ser degradada, uma vez que a verdade não pode ser descartada. Porém, ser único não é o ser somente para si, e sim para as demais pessoas, portanto, a identidade pessoal é representada pela imagem social. Pode-se dizer, que consiste no modo pelo qual as pessoas enxergam a si mesmas, estando intimamente ligada à própria imagem. É de extrema relevância, uma vez que afeta a maneira como as pessoas se sentem e de como se comportam em situações desafiadoras. Salienta-se, que a identidade pessoal é a maneira do indivíduo se enxergar exatamente conforme as demais pessoas o enxerga quando está em estreita harmonia com os outros e com o mundo a sua volta. Em contrapartida pode ser extremamente diferente quando o indivíduo não está em harmonia com as demais pessoas, provocando, dessa forma, um sentimento de grande confronto para ele se tornar apreciado pelas pessoas pelo que realmente é.

Vale ressaltar, que é direito da pessoa não ser confundida com outrem, o que faz-se limitar a identidade pessoal ao direito ao nome. Se tal assunto se refere a uma integral representação da personalidade individual, deve-se considerar, portanto, que a identidade da pessoa é dinâmica, uma vez que, sofre modificações de acordo com os vários comportamentos assumidos. O que é digno de tutela jurídica, não é a aparente identidade, e sim a projeção externa da personalidade sempre quando refletida a realidade dos valores e ações daquela pessoa em específico.

Ademais, sabe-se que o nome é um dos dados da identificação da pessoa, devendo este ser retificado de acordo com a identidade pessoal de cada indivíduo, sendo do transexual, no caso em tela, assim como o sexo que deve ser adequado à este como forma de preservar e conquistar a identidade pessoal e sexual.

A identidade sexual representa um aspecto extremamente relevante na identidade pessoal, na medida em que a sexualidade está presente em todas as manifestações da personalidade da pessoa.

“Sexualidade vista primordialmente como um fenômeno humano que se enraíza no corpo e não uma vida objetivamente biológica à qual se sobrepões uma superestrutura consciente e ética. Identidade sexual e pessoal em estreita ligação com uma pluralidade de direitos da pessoa, como os referentes ao livre desenvolvimento da personalidade, à saúde, à integridade psíquica e ao bem-estar.” (TJRS, Apelação Cível nº70022504849, Rel. RuiPortanova, julgamento 06/04/2009, página 16).

É de fundamental importância relembrar, que para o transexual, o seu sexo anatômico não coincide com sua identidade, visto que sua verdade, individualidade aponta para o sexo psíquico. O entendimento é majoritário acerca de deferimento da cirurgia de transgenitalização aos transexuais como forma de adequação do sexo morfológico com o psíquico, porém, escassas são as decisões que admitem a alteração do nome desse indivíduo independentemente da realização cirúrgica. Vejamos:

“RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO – TRANSEXUAL – CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO JÁ REALIZADA – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – MUDANÇA DE NOME – NECESSIDADE PARA EVITAR SITUAÇÕES VEXATÓRIAS – INEXISTÊNCIA DE INTERESSE GENÉRICO DE UMA SOCIEDADE DEMOCRÁTICA À INTEGRAÇÃO DO TRANSEXUAL. – A força normativa da constituição deve ser vista como veículo para a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, que inclui o direito à mínima interferência estatal nas questões íntimas e que estão estritamente vinculadas e conectadas aos direitos da personalidade.- Na presente ação de retificação não se pode desprezar o fato de que o autor, transexual, já realizou cirurgia de transgenitalização para mudança de sexo e que a retificação de seu nome evitar-lhe-á constrangimentos e situações vexatórias. – Não se deve negar ao portador de disforia do gênero, em evidente afronta ao texto da lei fundamental, o seu direito à adequação do sexo morfológico e psicológico e a conseqüente redesignação do estado sexual e do prenome no assento de seu nascimento. V.V.” (TJMG, Processo nº 1.0024.05.778220-3/001(1), Relator Edivaldo Georgo dos Santos, Data do julgamento 06/03/2009)

No entanto, não é somente a aparência física que constitui a identidade do transexual, o nome, também, é uma forma de projeção social da verdade do transexual. Portanto, dever-se-á ser retificado como forma de adequar ao seu sexo psíquico, fazendo valer, então, a tutela da identidade pessoal e sexual.

3.2 Da cidadania

Os constitucionalistas entendem por cidadão, somente o indivíduo titular dos direitos políticos de votar e ser votado. Porém, a cidadania, prevista no artigo 1º, inciso II, da Constituição Federal de 1988, possui um sentido muito mais amplo. Cidadão é o sujeito de direitos e obrigações, ou seja, pessoa participante do Estado.

Portando, ver-se-á a necessidade de deferimento da retificação do nome do indivíduo transexual, uma vez que seu nome não corresponde à maneira como aparece em suas relações com o mundo exterior. Admitir o contrário é o mesmo que dificultar ou até mesmo impedir o exercício das atividades habituais do ser humano, negando-lhe o seu direito à cidadania.

Ressalta-se, que, muitos indivíduos transexuais chegam ao ponto de suicídio por tamanha insatisfação, como já visto, por motivo de doença. Abrandar os sintomas da doença significa facilitar o exercício da cidadania, uma vez que se sentindo à vontade frente á sociedade, poderão cumprir com seus direitos e obrigações com maior tranqüilidade. Como por exemplo, o transexual com seu registro civil adequado ao seu sexo psíquico terá maior facilidade em cumprir o seu direito e dever de votar, e, indo até mesmo mais distante, terá mais chance de ser votado, em vista que retificando seu nome, terá menor índice de preconceito da sociedade.

3.3 Da autonomia corporal

Assim dispõe o artigo 13, Código Civil:

“Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.”

Diante desse artigo podemos afirmar a legalidade da realização da cirurgia de transgenitalização nos transexuais, visto que sobre os transexuais pode-se afirmar que:

Possuem “um desejo de viver e ser aceito como um membro do sexo oposto, usualmente acompanhado por uma sensação de desconforto ou impropriedade de seu próprio sexo anatômico e um desejo de se submeter a tratamento hormonal e cirurgia para seu corpo tão congruente quanto possível com o seu sexo preferido.” (CID –10 – F.64.0)

O transexual é “portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à auto-mutilação ou auto-extermínio.” (Conselho Federal de Medicina, na resolução 1.482/97)

Vê-se, claramente, que pode haver necessidade da realização da cirurgia visando à integridade psíquica desses indivíduos. Por outro lado, sabe-se que não é somente o órgão genital que é relevante para consolidar a integridade física dos transexuais. Na realidade, o legislador ao mencionar os direitos da personalidade deixou de tutelar a integridade psicológica e a dignidade do indivíduo que é entendida como cláusula de tutela da pessoa humana, no caso, do transexual, e ainda, não mencionou nada acerca da disposição do nome, sendo que, em casos como os dos transexuais, referem-se, também, a um direito de personalidade para que seja preservada sua identidade pessoal, física, psíquica e sexual. Porém, resta claro que os princípios constitucionais são suficientes para resolver o drama abordado pelo presente trabalho, não precisando de lei que aborde especificamente este tema. O transexual, por não ter o nome de acordo com o sexo psíquico passa por situações de extremo preconceito, exclusão social, chegando até a apresentar depressão ou suicídio. Tais situações fáticas não decorrem, somente, da insatisfação com a incompatibilidade entre aparência física e psíquica, e sim com a incompatibilidade de tudo que diverge de seu sexo psíquico, sendo, também, seu nome.

3.4 Do direito à saúde

O direito à saúde esta previsto no artigo 196 da nossa Constituição Federal. Assim dispõe o mesmo:

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário as ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Segundo a Organização Mundial de Saúde:

“Saúde é o completo de bem estar físico, psíquico e social” (http://portal.saude.gov.br/portal/saude/default.cfm. Acesso em 24 de março de 2012)

Diante de todo o conteúdo já exposto e diante das afirmativas acima, conclui-se que para os indivíduos transexuais, o bem estar psíquico, social e físico somente será alcançado por meio da redesignação de seu estado sexual, englobando, assim, a cirurgia de transgenitalização e a retificação do nome do mesmo.

Nesse sentido:

“TRANSEXUAL. ALTERACAO DE SEXO. AUTORIZACAO. JURISDICAO VOLUNTARIA. Decididamente, não há que se falar em reprovabilidade nem em censurabilidade na pratica da cirurgia de “mudança de sexo” em face das condições expostas na inicial, pois é inadmissível exigir que o interessado suporte o conflito psicológico que vivencia atualmente, o qual esta acarretando sérios prejuízos para a saúde física e mental. De acordo com o disposto no artigo 5 da Constituição Federal, ninguém será submetido a tratamento desumano. E, obviamente, exigir que o interessado continue suportando a sua atual situação, nas condições acima mencionadas, proibido de se submeter a necessária cirurgia terapêutica, constitui, certamente, uma forma odiosa de lhe infringir um aceitável tratamento desumano, em flagrante violação aos direitos humanos e ao referido dogma constitucional”. (http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/journals/2/articles/31170/submission/copyedit/31170-34462-1-CE.pdf. Acesso em 23 de março de 2010)

A cirurgia de transgenitalização no indivíduo transexual já é utilizada, no Brasil, há um bom tempo. Não obstante o Conselho Federal de Medicina autorizar sua pratica desde 1997, com a Resolução n. 1.482, posteriormente revogada pela Resolução n. 1.652/02, e até o momento, inexiste legislação específica para autorização e regulação das suas conseqüências jurídicas.

Ressalta-se que, na maioria dos casos, o transexual já consegue retificar seu nome quando feita a cirurgia de transgenitalização. Por que, então a não autorização pela maioria dos magistrados da retificação do nome do individuo em destaque sem que tenha feita a cirurgia?

Diante da inexistência de legislação especifica ou de alterações nas legislações já existentes, que asseguram direitos aos transexuais, dentre eles o direito a retificação do nome e do sexo, aplica-se os princípios constitucionais já existentes.

Sabe-se que o transexual é portador de doença genética incurável, como afirma Maria Helena Diniz, que tal indivíduo tem tendência à automutilação e que sofre por insatisfação pessoal e perante a sociedade que não o aceita como um cidadão normal, com direitos e obrigações como qualquer outro existente. (DINIZ, 2006, p.290)

Portanto, negar a retificação de seu nome, seria o mesmo que desobedecer ao princípio de direito a saúde explicitado nesse item, pois, tal concessão amenizaria o sofrimento do indivíduo em questão, resultando em melhora em sua saúde mental.

Neste sentido se manifesta o Ministério Publico do Rio Grande do Sul:

“Identifica-se no transexual um distúrbio de saúde, a que corresponde um direito de buscar a sua cura e a diminuição de seu sofrimento, através dos meios médicos possíveis. É também uma faceta do direito a proteção da saúde do ser humano, inscrito no art. 196 da Constituição da Republica. Evidentemente, não se compreende que os direitos das pessoas estejam subsumidos na busca de satisfações ilimitadas, embora a técnica e a ciência estejam descortinando pretensões inimagináveis. Todavia, os sentimentos humanos são elementos da vida e devem ser considerados, porque fatores importantes para o equilíbrio e a dignidade da pessoa. Talvez a formula do bem-estar consigo mesmo seja a busca de paz anterior. Difícil de definir, embora possa corresponder ao pleno gozo dos sentimentos. E física e espiritual. Representa tranqüilidade de consciência, ausência de sofrimento por desejos insatisfeitos ou por aspirações contrariadas.” (TJRS, Apelação Cível nº70022504849, Rel. RuiPortanova, julgamento 06/04/2009, página 19/20).

Portanto, ver-se-á a legitimidade de autorizar a retificação do registro civil dos transexuais uma vez, que, também, pelo princípio da isonomia, possuem o direito de gozar da saúde, como os demais indivíduos. São portadores de doença a qual merece tratamento e diminuição do sofrimento causado desses doentes, uma vez que, ainda por cima, não existe cura para tal doença genética, provocada por defeito cromossômico ou fatores hormonais. (DINIZ, 2006, p.290).

Outrossim, não se pode olvidar, que à adequação do sexo representa a busca de um corpo e mente equitativos, estando, inclusive amparado no direito ao próprio corpo, no direito à saúde. Sendo assim, seria inconstitucional a vedação da realização da cirurgia de transgenitalização, que tem exclusiva finalidade terapêutica.

3.5 Do preconceito

O senso comum aceita, tão somente, o sexo biológico, considerando que, um indivíduo ao ser classificado como homem ou mulher terá, de forma natural, o comportamento e sentimento feminino ou masculino e seu desejo será conforme as pessoas do seu sexo e/ou gênero, ou seja, dirigido a pessoas com sexo oposto ao seu. Portanto, admite-se, com maior naturalidade, a combinação dos elementos sexo, orientação e gênero, como estando freqüentemente combinados de um mesmo modo, homem masculino heterossexual e mulher feminina heterossexual. No entanto, tais elementos dispostos acima podem ter inúmeras combinações.

Varias delas já foram dispostas no capitulo em que foi enfatizado os “tipos sexuais”, quais sejam: homossexuais, intersexuais, travestis, bissexuais e os travestis, objetos dessa pesquisa.

O que foge do senso comum torna-se preconceito. O mais irônico é que assim dispõe o artigo 5, caput, da Constituição Federal:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito a vida, a segurança e a propriedade…”

Se assim determina esse artigo, sendo clausula pétrea do nosso ordenamento jurídico, deveria, então, serem os transexuais tratados de forma isonômica e com garantia de inviolabilidade a vida, segurança e a propriedade dos mesmos, o que na pratica, não ocorre.

Por que, então, os transexuais sofrem exclusão social, enfrentam enorme dificuldade para obterem emprego, são motivos de chacotas nas escolas, nas ruas, na sociedade de forma geral? Por que os direitos desses indivíduos a vida, a segurança e a propriedade são violados a todo tempo conforme já exposto nos itens acima?

Fato é que os transexuais sofrem discriminação continuamente, fazendo-o sentir ainda, com mais vigor, os sofrimentos causados pelo descompasso entre o sexo psíquico e os demais já expostos.

Exemplo disso e de tentativa de acabar com a discriminação ocorreu recentemente, no ano de 2010, no estado de Alagoas. Vejamos:

“01/03/2010 – 07h00

TRAVESTIS E TRANSEXUAIS PODERAO USAR NOME SOCIAL NAS ESCOLAS PUBLICAS DE ALAGOAS

Carlos Madeiro

Especial para UOL Educação

Em Maceió

Travestis e transexuais terão direito a utilizar o nome social nas escolas públicas do Estado. A mudança passa a vigorar, de fato, quando for publicado no Diário Oficial, o que deve acontecer nesta semana.

A medida foi aprovada pelo CEE (Conselho estadual de Educação) na última terça-feira (23). O pedido foi feito pela ONG Pró-Vida LGBT em janeiro de 2009. Após esse período de análise, os conselheiros decidiram garantir a travestis e transexuais o direito de serem chamadas pelo nome feminino que adotam socialmente – e não o masculino da certidão de nascimento.

Relatora do processo no CEE, Barbara Deodora acredita que o respeito à diversidade sexual e um passo crucial para garantir a inclusão dos homossexuais nas escolas. A homofobia priva os travestis do direito básico a educação e provoca isolamento. Ser reconhecido pelo nome social devolve o direito à cidadania, disse ela.

Pela decisão, o nome social de travestis e transexuais deve ser inserido nos documentos internos, como cadernetas escolares e provas, com exceção apenas do histórico escolar e do diploma – que devem conter o nome original e uma referência ao nome social.

Para solicitar a mudança, basta fazer a solicitação por escrito. No caso de menores de 18 anos, o pedido deve ser feito pelos pais ou responsáveis.

Crescimento da violência

A medida chega em momento de crescimento da violência contra homossexuais no Estado. Segundo um levantamento do Grupo Gay da Bahia, o Alagoas liderou o ranking de assassinatos em janeiro, registrando cinco das 13 mortes do país no primeiro mês de 2010. No ano passado, o Estado registrou 12 crimes, ficando – proporcionalmente – entre os cinco mais violentos do país. Para o diretor da ONG Pró-Vida, Dino Alves, a mudança aprovada pode ajudar a reduzir as mortes tirando travestis e transexuais da exclusão social. ‘Por que eles não têm acesso ao mercado de trabalho? Porque falta qualificação, que, depende do ensino básico. Ou seja, [com essa medida] reduz a situação de vulnerabilidade’, ressaltou.

‘Essa decisão é marco histórico. Mas e importante dizer que, enquanto esse projeto tramitava no Conselho, outros estados aprovaram medida semelhante e as colocaram em prática’, disse. Para ele, a decisão demorou ‘muito’.

Alves conta que percebeu o problema ao analisar a pouca freqüência escolar de travestis e transexuais. ‘eu sentia a dificuldade deles nas escolas. Quando era anunciado o nome na chamada, se tornava motivo de gozação. No banheiro, os meninos sempre tinham a história de que os travestis iam para lá ficar vendo os pênis deles. Já as meninas inventavam que elas tinham AIDS. Ou seja, um ambiente de preconceito que levava a desistência’, explicou.

Preconceito leva a evasão

Depois de muito se esconder, a estudante do segundo ano do ensino médio, Bianca Lima, conseguiu ser chamada pelo nome social na escola Maribondo, na periferia Maceió. Mas, para vencer o preconceito e convencer diretores, professores e colegas, foram necessários diálogo e insistência.

‘Tenho 26 anos e não conclui o ensino médio antes por conta do preconceito, das humilhações que passava. Eu acabava desistindo de freqüentar as aulas’, conta Bianca.

Ela relembra que, por vários anos abandonou a escola para fugir da gozação de colegas e até de professores. Curiosamente, o fato que mais lhe marcou veio de um homossexual: ‘Tive um professor que, apesar de ser gay, não aceitava me chamar pelo nome que adotei. O preconceito existe dos homossexuais também, porque sou um gay que me visto de mulher’, disse.

Com a determinação, Bianca diz que vai enfrentar menos preconceito. ‘Não vou mais precisar ficar convencendo as pessoas na chamada para dizer meu nome social. Será obrigatório. Não vou mais me preocupar em descobrirem meu nome na escola e ficarem fazendo brincadeiras preconceituosas. Com a medida, já até penso em me mudar para uma escola mais próxima de casa. Agora vou enfrentar apenas o preconceito fora da escola’, afirmou Bianca.” (http://educqcqo.uol.com.br/ultnot/2010/03/01/ult105u9126.jhtm. Acesso em 03 de março de 2012)

Este é apenas um dos casos relacionados a preconceito com transexuais. Insta salientar a necessidade de amenizar esse preconceito e, como visto no caso acima, a retificação do nome desses indivíduos seria uma forma relevante de colocar isso em pratica.

Ademais, assim dispõe o artigo 3, inciso IV, da Magna Carta:

“Art. 3 Constituem objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil:

IV- promover o bem estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

Deveria, então, o Estado adotar medidas, como a retificação do nome e sexo, por exemplo, a fim de colocar em prática o artigo transcrito acima, promovendo, assim, o bem estar dos transexuais, amenizando o preconceito a eles.

No mesmo sentido o Ministério Publico do Rio Grande do Sul se manifesta, porem, em relação a necessidade da realização da cirurgia de transgenitalizacão, afirmando a existência de situações de preconceito as quais os transexuais se submetem:

“Não se desconhece que os transexuais encontram diversos problemas para viver em sociedade e são numerosas vezes considerados e estigmatizados como degenerescência moral. São pessoas diferentes, sim, mas tem direito a igualdade de tratamento na ordem jurídica e social. Por isso, o reconhecimento da identidade sexual e a possibilidade de redesignação do sexo, através da cirurgia, sem prejuízo de eventual consolidação normativa sobre o tema, já existente em alguns países, constituem o caminho para o fortalecimento da sua auto-estima, da sua consideração social, a fim de que sejam tratados com respeito e dignidade a que fazem jus como seres humanos.” (TJRS, Apelação Cível nº70022504849, Rel. RuiPortanova, julgamento 06/04/2009, página 26).

3.6 Do direito a liberdade

No exercício da liberdade, o indivíduo tem o direito da busca pela qualidade de vida, não, somente por meio do pleno funcionamento das suas funções orgânicas e psíquicas, também no emprego das suas faculdades e na satisfação dos seus anseios.

As extremas insatisfações do individuo com a própria identidade, impedem a pessoa de viver com dignidade e, ainda, constitui fator de perturbação social por não se adaptar ao meio, sendo que e fundamental que a pessoa componha equilíbrio com o meio.

Assim vive o transexual, e negar a retificação de seu nome seria, também, negar o exercício de sua liberdade.

Liberdade significa poder realizar as coisas em conformidade com a própria vontade, sem qualquer interferência externa, ressaltando que tais atos não impliquem em prejuízo para as demais pessoas.

Sendo assim, o transexual deve ser livre para realizar a cirurgia de transgenitalização, bem como para retificar o nome, conforme a sua própria vontade, sem qualquer interferência, inclusive do Estado, uma vez que este possui a obrigação de proibir só aquilo que está estritamente necessário ao bem comum do povo.

Os princípios demonstrados neste capítulo representam a solução para a retificação dos nomes dos transexuais. Baseando-se neles não há o que se falar em proibição de tal direito desses indivíduos.

Ver-se-á, a seguir, outros argumentos pertinentes a possibilidade de mudança registral, ressaltando que a Constituição é o embasamento de toda a matéria jurídica. Portanto, qualquer manifestação, lei, norma que nega tal possibilidade pode ser considerada inconstitucional, uma vez que a Carta Magna é favorável a retificação do nome dos indivíduos em questão.

4. DA POSSIBILIDADE DE MUDANÇA REGISTRAL

4.1 Da Lei dos registros Públicos

O nome civil é um direito de identificação da pessoa, disposto no artigo 16 do Código Civil de 2002. Este é composto por prenome, o qual designa cada membro da família, e por sobrenome, o qual identifica o nome da família. Confira-se:

“Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.” (Código Civil de 2002)

Assim dispõe o artigo 50, da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973:

“Todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá ser dado a registro, no lugar em que tiver ocorrido o parto ou no lugar da residência dos pais, dentro do prazo de 15 (quinze) dias, que será ampliado em até 3 (três) meses para os lugares distantes mais de 30 (trinta) quilômetros da sede do cartório”.

É obrigatório, portanto, a atribuição de nome à criança, cabendo aos pais a escolha do nome individual, aplicando-se, o princípio da liberdade. Em relação ao nome de família, prevalece o princípio da veracidade.

O nome tem como características ser indisponível, inalienável, imprescritível, irrenunciável e inexpropriável.

 Ademais, considera-se o direito ao nome ser híbrido em decorrência de apresentar os elementos público e privado. Este é atributo da personalidade, decorre da autonomia da vontade humana e, por isso, tende à mutabilidade, em vista de que ninguém pode ser escravo do nome. Já o público, tem como regra a imutabilidade.

A Lei nº 6.015 de 1973 (Lei de Registros Públicos) tem como critério a imutabilidade do nome como regra, admitindo-se o contrário, somente em casos excepcionais trazidos pela doutrina. Eis o que dispõe o artigo 58 da presente Lei:

“Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.”

Neste sentido tem-se a decisão demonstrada no capítulo anterior, do estado de Alagoas, onde os transexuais poderão ser chamados por seus devidos nomes sociais nas escolas públicas, em razão do preconceito enfrentado no cotidiano desses indivíduos.

Porém, existe possibilidade legal de alteração do nome civil quando este expuser o titular ao ridículo ou a situação de vexame, bem como se tratando de nome exótico. Vejamos:

“Os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. Quando os pais não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso, independente da cobrança de quaisquer emolumentos, á decisão do juiz competente.” (Artigo 55, parágrafo único da Lei de registros Públicos)

Não poderia, então, empregar a analogia a este artigo no caso dos transexuais? Estes indivíduos não são expostos ao ridículo e passam por situações vexatórias em razão do nome à eles registrados?

Nota-se que o legislador, ao redigir esse artigo, não dimensionou constante modificação social, da evolução da sociedade, esquecendo-se que as questões vexatórias, não são oriundas, tão somente, de nome ridicularizado, engraçado, estranho, etc., mas poderiam ser detectadas após o indivíduo atingir a sua personalidade, a identidade sexual, causando descompasso entre o nome o sexo da pessoa, fazendo esta passar por situações de vexame, expondo o indivíduo ao vexame, ferindo, assim, o direito do mesmo à dignidade da pessoa humana, como é o caso dos transexuais.

Ademais, ainda sobre o artigo 55, parágrafo único da Lei de registros Públicos, insta salientar a isonomia dos indivíduos, devendo o transexual, portanto, ser respaldado por tal direito.

Outrossim, existem outras situações específicas em que é possível a alteração do nome civil do indivíduo: quando houver erro gráfico evidente, caracterizado por equívocos de grafia, quando há finalidade de incluir apelido notório , conforme disposto no artigo 58, da Lei nº 6.015/73), em decorrência de adoção (Estatuto da criança e adolescente, artigo 47, parágrafo 5º e artigo 1.627, do Código Civil), em decorrência do uso prolongado e constante de nome diverso, quando ocorrer homonímia depreciativa, gerando complicações sociais ou profissionais e pela tradução, nos casos em que foi grafado em língua estrangeira (ROSENVALD, 2007, p. 174-175)

A única possibilidade de alteração do nome de maneira imotivada ocorre quando o indivíduo atinge a maioridade, até completar dezenove anos. Assim dispõe o artigo 56, da Lei de Registros Públicos:

“O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa”.

A respeito deste artigo, pode-se dizer que os transexuais que souberem da existência desta norma e que, ainda, descobrirem sua identidade sexual a tempo, ou seja, um ano após terem atingido sua maioridade civil serão acobertados pela possibilidade de retificação do seu nome, desde que não prejudique os apelidos de família.

No entanto, não é todo e qualquer cidadão que conhece todas as normas emanadas do nosso ordenamento jurídico. Ademais, tal conhecimento pode vir após um ano de sua maioridade e, ainda, pode ser que o transexual seja classificado de modo secundário, sendo aquele que descobre sua identidade sexual após a adolescência. Nesses casos, dever-se-ão esses indivíduos serem excluídos de usufruírem desse direito? Talvez o legislador não tenha pensado na questão específica desses portadores de doença, porém, necessitam eles de respaldo jurídico que possam suprir a omissão do legislador neste sentido.

Por outro lado, em decorrência da complexidade social e da ausência de lei para solução dos conflitos sociais, cabe ao julgador o papel de intérprete do ordenamento jurídico, analisando conforme o caso concreto. Por isso, tem-se admitido a alteração do nome do indivíduo não só no que se refere aos permissivos legais descritos acima.

“O doutrinador Pontes de Miranda (1971, p. 284) critica o princípio da imutabilidade do prenome, afirmando que a função identificadora do nome não bastaria para considerá-lo imutável e inalterável. Para o autor, não há um princípio jurídico de imutabilidade do prenome e sobrenome, tratando-se de uma regra jurídica adotada pelo nosso sistema” (http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12614. Acesso em 23 de março de 2012).

Nesse mesmo sentido pronunciaram os professores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

“(…) o princípio da inalterabilidade relativa do nome implica a possibilidade de o juiz modificar o nome (seja o prenome, seja o sobrenome) em casos justificáveis, na defesa da proteção integral da personalidade humana, independentemente de previsão legal” (http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12614. Acesso em 23 de março de 2012).

Outrossim, o TJMG se manifestou acerca da possibilidade de alteração do nome, principalmente quando o nome acarretar distúrbios psicológicos no indivíduo, conforme o voto do Desembargador Wander Marotta. Vejamos:

“o excessivo apega à lei pode levar, neste caso, a uma injustiça, ou à aplicação exacerbada do conceito corrente de justo, que nem sempre coincide com a regra jurídica. (…) ‘sentir’ e ‘compreender’ também é fazer hermenêutica. Talvez seja a melhor forma de ‘interpretar’. Sentir o drama humano; compreender que a lei não possui uma vontade única, mas várias vontades, que o intérprete, na complexidade da vida, tentará aplicar na realização do mais justo.” (TJMG, AC 1.0000.00.289.475-6-001, Rel. Des. Belizário de Lacerda, j. 30/09/2003).

De um lado a lei no papel, nas páginas do Diário Oficial significando cristalização inflexível, despersonalizada, fria. De outro a lei analisada no caso concreto, em concordância com a atividade humana e adaptada pelos julgados.

De fato, não se pode resolver o problema de retificação do nome do transexual através da Lei de Registros Públicos. Porém, configura-se patente o conflito entre a legalidade da mencionada lei e os princípios constitucionais existentes que não só corroboram para a elucidação do tema abordado por este presente trabalho, como tem a solução deste.

No entanto, antes de abordar as questões pertinentes ao texto constitucional, importante explicitar o caminho que o ordenamento jurídico vem trilhando a fim de conceder aos indivíduos transexuais seus respectivos direitos. Nesse sentido, tem-se o projeto de lei-70-B, o qual veremos no item a seguir.

4.2 Do Projeto de Lei nº. 70-B

O Projeto de Lei nº. 70-B de 1995, de autoria do Deputado José Coimbra está em tramitação no Congresso Nacional. É um verdadeiro marco para os transexuais, uma vez que constitui um grande passo frente à legalização da redesignação do estado sexual desses indivíduos em nosso país, pois, tem como objetivo tornar legal as cirurgias de transgenitalização, bem como a posterior retificação do nome no registro civil.

A proposta desse parlamentar significa um acréscimo ao artigo 129, parágrafo 9º do Código Penal, a fim de que seja excluída do crime de lesão corporal a cirurgia de adequação sexual, ou seja, a conduta do médico ao realizar tal procedimento não irá constituir o crime previsto no artigo 129, do Código Penal.

Ademais, o deputado propõe, ainda, alterações no artigo 58 da Lei dos registros Públicos (Lei nº. 6.015/1973). De início, com a aprovação deste projeto, o mencionado artigo passaria a conter três parágrafos. O primeiro deles muito semelhante ao original:

“Quando for evidente o erro gráfico do prenome, admite-se a retificação, bem como a sua mudança mediante sentença do juiz, a requerimento do interessado, no caso do parágrafo único do art. 55, se o oficial não houver impugnado.”

O segundo, com previsão de nova possibilidade de alteração do nome com relação à realização do procedimento cirúrgico de adequação de sexo. Vejamos:

“Será admitida a mudança do prenome mediante autorização judicial, nos casos em que o requerente tenha se submetido à intervenção cirúrgica destinada a alterar o sexo originário.”

O terceiro e último parágrafo dispõe sobre a averbação no registro de nascimento e no documento de identidade do indivíduo ser transexual. Neste último caso, a comissão assim propôs a nova redação do parágrafo:

“No caso do parágrafo anterior, deverá ser averbado no assento de nascimento o novo prenome, bem como o sexo, lavrando-se novo registro.”

Após a cirurgia, o transexual deveria estar amparado, também, pelo direito à imagem, uma vez que ele pretende mostrar à sociedade suas novas características, e qualquer tentativa de suprimir a divulgação de sua atual imagem violaria esse direito.

O indivíduo em questão possui o direito à intimidade e, também, ao sigilo, em vista de que a cirurgia de transgenitalização praticada deve permanecer no âmbito de sua provacidade. Ressalta-se que qualquer forma de exibição acarretaria conseqüências negativas para a moral e bem estar do transexual. Além disso, as particularidades da vida deste indivíduo devem permanecer em silêncio por mais que o indivíduo se exponha ao público.

Pelo exposto, a norma contida no terceiro parágrafo traria ao transexual desconfortos extremos, sendo ainda alvo de preconceitos.

Neste sentido, assim se manifesta Maria Helena Diniz:

“Entendemos que deve haver a adequação do prenome ao novo sexo do transexual operado sem qualquer referência discriminatória na carteira de identidade, de trabalho, no título de eleitor, no CPF etc. O mandado judicial de retificação deveria então, ordenar não só a averbação À margem do registro masculino ou feminino (e não transexual).” (DINIZ, 2002, P.283)

Ademais, foi apresentada emenda aditiva a qual acrescenta mais um parágrafo no artigo 58, ou seja, o quarto parágrafo. Confira-se:

“É vedada a expedição de certidão, salvo a pedido do interessado ou mediante determinação judicial.”

Ressalte-se que o referido Projeto de Lei já nasce precisando de reformas, pois, apesar de ser extremamente relevante se faz omisso diante de algumas questões, tais como: ser necessária ou não a autorização judicial para o exercício da cirurgia de transgenitalização; a explicitação dos destinatários da norma; qual o estado civil do indivíduo transexual para que seja realizado o procedimento cirúrgico; não aborda a possibilidade de operações em incapazes, ainda que assistidos pelos seus tutores ou genitores; não dispõe sobre a possibilidade de alteração no registro civil do transexual que já passou pelo procedimento cirúrgico que possui filho e do registro deste e foi omisso quanto às garantias ao transexual para que este exerça os direitos decorrentes do seu novo estado sexual. Portanto, não explanou sobre os limites do alcance jurídico desse reconhecimento, bem como, foi omisso em relação aos respectivos deveres. Ademais, vale ressaltar, que o Projeto exclui os indivíduos os quais ainda não realizaram a cirurgia de adequação de sexo.

Diante do exposto acima, percebe-se que o referido Projeto é um primeiro passo rumo à solução dos problemas dos transexuais no Brasil. Explicita-se, porém, que não constitui uma lei que irá solucionar, definitivamente, os problemas dos transexuais no nosso país, muito menos o problema abordado pelo tema do presente artigo.

4.3 Da mudança de nome e sexo do transexual independente da cirurgia – decisões inéditas

A questão da mudança do nome do transexual no registro civil suscita extrema divergência entre entendimentos, uma vez que, no Brasil ainda não existe legislação específica regulamentando o tema, repita-se.

Verifica-se uma resistência por parte da doutrina conservadora brasileira em admitir a presente questão, em vista de que o registro deve ser preciso e regular, constituindo, portanto, a expressão da verdade. Ademais, afirma-se que o registro é imutável, podendo ser retificado, somente, em casos específicos e expressamente previstos em lei.

No entanto, diante da falta de previsão legal acerca desse assunto, tem-se o amparo em vários princípios na Constituição da República de 1988 para ratificar a possibilidade do transexual de realizar a retificação do seu registro civil. Conforme já abordado em capítulo anterior deve-se utilizar dos seguintes princípios: dignidade da pessoa humana, identidade pessoal e sexual, cidadania, direito à saúde e a liberdade.

A utilidade da lei pode ser verificada através de sua correspondências à situações do cotidiano e necessidades da sociedade. No entanto, existem situações que são carentes de zelo jurídico, possuem lacunas a serem solucionadas através dos instrumentos acima mencionados, manifestando-se, então, a preocupação em compatibilizar e estudar situações inovadoras a serem positivadas.

A aplicação dos princípios e da analogia para possibilitar a retificação do nome dos transexuais é a forma mais condizente de fazer justiça, uma vez que, em sendo isso plausível, estará sendo cristalizado o princípio da dignidade da pessoa humana.

Não haveria justificativa dentro da moral e da ética o desatendimento à súplica do transexual, ser humano que busca um convívio digno em sociedade sem se expor a situações humilhantes, degradantes e constrangedoras quando solicitado, no caso, os documentos de identificação.

Comprovadas as condições da pessoa, judicialmente, embora não exista legislação específica a respeito, somente a jurisprudência o admite, deve o pleito ser acolhido, autorizando-se a retificação do nome no registro civil.

Apesar de o Judiciário do Estado de Minas Gerias ser resistente à retificação do nome desses indivíduos, têm-se inúmeras decisões do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro acerca desse assunto de modo positivo, sob a justificativa de que o direito à identidade sexual não se apóia no instrumento, mas no caso concreto, ou seja, na realidade sexual. Confira-se:

APELAÇÃO. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. TRANSEXUALISMO.TRAVESTISMO. ALTERAÇÃO DE PRENOME INDEPENDENTEMENTE DA REALIZAÇÃO DE CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO. DIREITO À IDENTIDADE PESSOAL E À DIGNIDADE. CONFIRMAÇÃO DE SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU. ACOLHIMENTO DE PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SEGUNDO GRAU. A demonstração de que as características físicas e psíquicas do indivíduo, que se apresenta como mulher, não estão em conformidade com as características que o seu nome masculino representa coletiva e individualmente são suficientes para determinar a sua alteração. A distinção entre transexualidade e travestismo não é requisito para a efetivação do direito à dignidade. Tais fatos autorizam, mesmo sem a realização da cirurgia de transgenitalização, a retificação do nome da requerente para conformá-lo com a sua identidade social. Pronta indicação de dispositivos legais e constitucionais que visa evitar embargo de declaração com objetivo de prequestionamento. Rejeitadas as preliminares, negaram provimento. Unânime.” (TJRS – 70022504849, 8ª C. Cív., Rel. Des. Rui Portanova, j. 16.04.2009).

”Registro civil. Transexualidade. Alteração do prenome. Cabimento. Necessidade de produção de prova, com possibilidade de eventual concessão de tutela antecipada. Mudança de sexo. Impossibilidade jurídica momentânea. Sobrestamento do processo até que seja julgada a outra ação onde a parte pede que o estado forneça o tratamento cirúrgico. Averbação da mudança. 1. O fato da pessoa ser transexual e exteriorizar tal orientação no plano social, vivendo publicamente como mulher, sendo conhecido por apelido, que constitui prenome feminino, justifica a pretensão, já que o nome registral é compatível com o sexo masculino. 2. Diante das condições peculiares da pessoa, o seu nome de registro está em descompasso com a identidade social, sendo capaz de levar seu usuário a situação vexatória ou de ridículo, o que justifica plenamente a alteração. 3. Possibilidade de antecipação de tutela caso fique demonstrado descompasso do nome de registro com o nome pelo qual é conhecido na sociedade, devendo ser realizada ampla produção de prova. 4. Descabe sobrestar o curso do processo enquanto a questão da identidade social do autor não ficar esclarecida. 5. Concluída a fase cognitiva e apreciada a antecipação de tutela, é cabível determinar o sobrestamento do processo até que seja realizada a cirurgia para a transgenitalização, quando, então, o autor deverá ser submetido a exame pericial para verificar se o registro civil efetivamente não mais reflete a verdade. 6. Há, portanto, impossibilidade jurídica de ser procedida a retificação do registro civil quando ele espelha a verdade biológica do autor, mas, diante da perspectiva do tratamento cirúrgico, essa impossibilidade torna-se momentânea, o que justificará, plenamente, o sobrestamento do processo. Recurso provido em parte.” (TJRS, 7.ª C.Cív., AI 70026211797, Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. 18.02.2009).

Alteração de registro civil. Transexualidade. Cirurgia de transgenitalização. O fato de o apelante ainda não ter se submetido à cirurgia para a alteração de sexo não pode constituir óbice ao deferimento do pedido de alteração de registro civil. O nome das pessoas, enquanto fator determinante da identificação e da vinculação de alguém a um determinado grupo familiar, assume fundamental importância individual e social. Paralelamente a essa conotação pública, não se pode olvidar que o nome encerra fatores outros, de ordem eminentemente pessoal, na qualidade de direito personalíssimo que constitui atributo da personalidade. Os direitos fundamentais visam à concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual, atua como sendo uma qualidade inerente, indissociável, de todo e qualquer ser humano, relacionando-se intrinsecamente com a autonomia, razão e autodeterminação de cada indivíduo. Fechar os olhos a esta realidade, que é reconhecida pela própria medicina, implicaria infração ao princípio da dignidade da pessoa humana, norma esculpida no inciso III do art. 1º da Constituição Federal, que deve prevalecer à regra da imutabilidade do prenome. Por maioria, proveram em parte.” (TJRS – AC 70013909874, 7ª C. Cív, Rel. Desa. Maria Berenice Dias, j. 05.04.2006).

“TRANSEXUALISMO. REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO. RETIFICACAO. MUDANCA DE PRENOME. MUDANCA DO SEXO. Registro Civil. Pedido de retificação do prenome e do sexo constantes do assentamento de nascimento do postulante na serventia de Registro Civil das Pessoas Naturais. Pessoa que, inobstante nascida como do sexo masculino, desde a infância manifesta comportamento sócio-afetivo-psicológico próprio do genótipo feminino, apresentando-se como tal, e assim aceito pelos seus familiares e integrantes de seu círculo social, sendo, ademais, tecnicamente caracterizada como transexual, submetendo-se a exitosa cirurgia de transmutação da sua identidade sexual originária, passando a ostentar as caracterizadoras de pessoa do sexo feminino. Registrando que não é conhecido pelo seu prenome constante do assentamento em apreço, mas pelo que pretende substitua aquele. Conveniência e necessidade de se ajustar a situação defluente das anotações registrais com a realidade constatada, de modo a reajustar a identidade física e social da pessoa com a que resulta de aludido assentamento. Parcial provimento do recurso, para determinar que sejam promovidas as alterações pretendidas no aludido assentamento Conveniência e necessidade de se ajustar a situação defluente das anotações registrais com a realidade constatada, de modo a reajustar a identidade física e social da pessoa com a que resulta de aludido assentamento.” (TJRJ – AC, 8ª. C. Cív., 2005.001.17926. Rel. Des. Nascimento Povoas Vaz, j. 22.11.2005).

REGISTRO CIVIL. TRANSEXUALIDADE. PRENOME. ALTERAÇÃO. POSSIBILIDADE. APELIDO PÚBLICO E NOTÓRIO. O fato de o recorrente ser transexual e exteriorizar tal orientação no plano social, vivendo publicamente como mulher, sendo conhecido por apelido, que constitui prenome feminino, justifica a pretensão já que o nome registral é compatível com o sexo masculino. Diante das condições peculiares, nome de registro está em descompasso com a identidade social, sendo capaz de levar seu usuário à situação vexatória ou de ridículo. Ademais, tratando-se de um apelido público e notório justificada está a alteração. Inteligência dos arts. 56 e 58 da Lei n. 6015/73 e da Lei n. 9708/98. Recurso provido."” (TJRS – 7.ª C.Cív., AC 70001010784, Rel. Des. Luis Felipe Brasil Santos, j. 14.06.2000).

Dessa forma se manifesta o Ministério Público do Rio Grande do Sul:

 “De fato, a identidade do transexual deve ser reconhecida perante o Estado, permitindo-se a retificação do registro civil, independentemente da realização da cirurgia, a fim de que a pessoa possa gozar de seus direitos como homem ou mulher, com dignidade, sem discriminação de qualquer espécie.” (TJRS, Apelação Cível nº70022504849, Rel. RuiPortanova, julgamento 06/04/2009, página 27).

Nota-se, portanto, a preocupação de parte da sociedade frente aos problemas enfrentados pelos indivíduos, objetos do presente estudo.

É necessário que o Magistrado, quando aplicar o direito diante das lacunas, sobreleve os princípios constitucionais de modo imparcial, com a finalidade de proteger o transexual, na medida em que este merece respeito como qualquer outro cidadão.

A retificação do nome é uma maneira de satisfazer as necessidades pessoais do transexual, corroborando o fim dos conflitos pessoais e para o bem estar psíquico do mesmo. Ao usufruir o direito em questão, este indivíduo deixa de passar por situações vexatórias e humilhantes, alem de ver atendido o seu direito a identidade, a integridade psíquica, a vida privada, a liberdade, a saúde e a dignidade da pessoa humana.

É necessário que haja uma releitura dos institutos jurídicos até então existentes, a fim de que seja solucionado os problemas dos transexuais, em vista de novas realidades que aparecem frente aos olhos da sociedade. Ver-se-á a urgência de modificações, afinal, é a figura de Têmis, em apresentação a justiça, que lança os olhos da sociedade rumo ao futuro, colocando em evidência um equilíbrio cada vez mais fervoroso na balança do conhecimento.

5. CONCLUSÃO

Com todas as discussões apresentadas, conclui-se que desimporta a apuração da verdade sobre o gênero ou a sexualidade a qual o transexual pertence para reconhecer a sua condição de ser humano e, também, digno.

Como já fora dito, a sociedade está em constante mutação e o Direito deve acompanhar essas modificações, seja no plano jurídico ou no plano legislativo.

Antigos dogmas devem ser superados. Não se pode considerar o sexo apenas, por exemplo, em seu aspecto morfológico, de acordo com a genitália externa, ou em seu aspecto hormonal, conforme já exposto. Dessa forma, noção de sexo é bastante complexa, uma vez que engloba vários componentes, inclusive o psicológico. Portanto, o conceito de sexo que leva em consideração apenas aspectos morfológicos, hormonais, gonodais, cromossômicos e legais é insuficiente. Portanto, o sexo jurídico deve ser o mesmo do sexo vivido psicologicamente e socialmente pelo indivíduo.

Nesse sentido, o transexual se constitui em uma pessoa a qual possui um sexo morfológico, porém, se identifica com o sexo oposto psicologicamente.

Apesar de não resolver todos os problemas do transexual, a mudança de nome no registro civil é de extrema relevância por ser necessidade urgente desse indivíduo. Ressalta-se que ninguém deve ser vítima de situações vexatórias e tratamentos discriminatórios. É o que ocorre quando a aparência física ou a identidade pessoal e sexual não coincidem com o sexo e nome constantes no registro.

Dessa forma, apesar de no Brasil não existir legislação específica sobre o tema ver-se-á a necessidade dos magistrados de levar em consideração os princípios gerais do Direito, ao proferirem sentenças, visando a proteção do transexual, que é uma pessoa como qualquer outra merecedora de ver assegurados os seus direitos fundamentais.

Cabe ressaltar, a urgente necessidade de promulgação de uma lei ampla que englobe toda a problemática transexual, o que já vem acontecendo em países do mundo inteiro.

Salienta-se que o novo assento de nascimento do indivíduo em questão não deve mencionar nada a respeito deste ser um transexual, uma vez que tal fato atenta contra o direito da personalidade e, ainda, gera discriminação social a qual estamos tentando erradicar.

A retificação do nome dos transexuais é uma forma de satisfazer os anseios destes indivíduos com a finalidade de viverem normalmente em sociedade. Constitui uma forma de por fim aos conflitos sociais, pois eles deixariam de passar por situações humilhantes e vexatórias perante a sociedade. Ademais, são pessoas que, também, têm direito à identidade, à integridade física e psíquica, à honra, à saúde, à vida privada e à dignidade.

O problema abordado pelo presente trabalho existe. Fato é que não podemos deixar predominar a hipocrisia e continuarmos caminhando em sentido oposto à história ao desenvolvimento científico. Assim, cabe à sociedade e aos juristas, operários do Direito, de forma primordial ao Poder Legislativo, lutar a fim de combater os preconceitos e colocar em prática as palavras contidas na Constituição da República, de 1988: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.” (artigo 5º, Constituição Federal de 1988)

 

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TJRS, 7.ª C.Cív., AI 70026211797, Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. 18.02.2009
TJRS – 70022504849, 8ª C. Cív., Rel. Des. Rui Portanova, j. 16.04.2009
TJRS – AC 70013909874, 7ª C. Cív, Rel. Desa. Maria Berenice Dias, j. 05.04.2006
TJRJ – AC, 8ª. C. Cív., 2005.001.17926. Rel. Des. Nascimento Povoas Vaz, j. 22.11.2005
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Informações Sobre o Autor

Viviane Jéssica Botteon

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário UNA; Inscrita na OAB/MG; Pós Graduada em Direito Médico e da Saúde pela PUC-MINAS


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