O trabalho da mulher à luz da OIT

Resumo: O presente artigo, sem a pretensão de esgotar o assunto, tem por objetivo tratar do trabalho da mulher e sua proteção no âmbito internacional, particularmente no que diz respeito às regulamentações da Organização Internacional do Trabalho – OIT. Com isso necessário entender o que motivou a criação da OIT, bem como os seus fundamentos e objetivos. Além disso, compreender através de breve histórico sobre a mulher no mercado de trabalho e seu papel na sociedade para entender o sentido da proteção ao seu trabalho e a evolução que seu deu nas regulamentações da OIT sobre a mulher nas relações de trabalho. Trata ainda o artigo de breve comparativo entre as normas da OIT e da Consolidação das Leis do Trabalho, mostrando que ambas tinham o mesmo seguimento.

Palavras-chave: Trabalho. Mulher. OIT. Direitos. CLT.

Abstract: This article, without claiming to be exhaustive, aims to address women's work and its protection at the international level, particularly with regard to the regulations of the International Labour Organisation – ILO. With it necessary to understand what motivated the creation of the ILO, as well as the rationale and objectives. Moreover, by understanding the brief history of women in the labor market and its role in society to understand the sense of protection to their work and the evolution that gave her the regulations of the ILO on women in labor relations. It also discusses the article brief comparison between ILO standards and the Consolidation of Labor Laws, showing that both had the same treatment.

Keywords: Job. Woman. OIT. Rights. CLT.

Sumário: Introdução. 1. Evolução da OIT sobre o Trabalho da Mulher. 2. Aplicação das convenções e recomendações da OIT pelo Brasil. 3. Das normas da OIT e CLT em relação ao trabalho da mulher. Considerações Finais. Referência bibliográfica.

Introdução

O advento e os resultados da Revolução Industrial e da Primeira Guerra Mundial provocaram reflexões acerca da exploração do trabalho humano e seus reflexos na economia e na sociedade. Neste sentido, vem a necessidade de se dar maior atenção às questões trabalhistas. Então, em 1919 é criada a Organização Internacional do Trabalho – OIT, que embora faça parte da ONU tem autonomia e personalidade jurídica própria.

A Organização Internacional do Trabalho é uma organização permanente, constituída por vários países, os denominados Estados-membros, atuando no âmbito internacional. Sua estrutura é formada por três órgãos: Conselho de Administração, Repartição Internacional do Trabalho e a Conferência Internacional do Trabalho. Esta última é o órgão supremo, que detendo o poder deliberativo máximo dentro da OIT, se reúnem anualmente, donde surgem as convenções, resoluções e recomendações sobre as relações de trabalho, que uma vez ratificadas pelos Estados-membros passam a fazer parte de seu ordenamento jurídico.

No preâmbulo de sua Constituição, a OIT deixa clara a necessidade de alcançar a justiça social para que então se tenha a paz universal e que para isso é mister combater a miséria e outros males, o que se pode fazer através da promoção de condições dignas de trabalho. E na Declaração de Filadélfia (1944) anexada à sua Constituição, a OIT traz como um de seus princípios fundamentais o de que o trabalho não é uma mercadoria.

Desta forma, tendo por base pressupostos humanitários, políticos e econômicos, a Organização Internacional do Trabalho vem desempenhando ao longo destes anos o seu papel na busca pela justiça social e para isso levanta bandeiras bem definidas que vão além das relações estritamente trabalhistas, visto que questões outras tem influência direta sobre essas. Trabalho infantil, trabalho escravo e forçado, emprego juvenil, proteção social e igualdade entre gêneros e raças são temas principais da OIT, que além de serem regulamentados por convenções, são também objeto de estudo, de pesquisa, de programas para que os problemas sejam resolvidos.

Neste artigo, o foco será sobre a questão de gênero, especificamente o trabalho da mulher, que é alvo de muitos programas, estudos e controvérsias, isto porque historicamente a mulher, seja por questões biológicas ou sociais e políticas, sempre ficou à margem dos trabalhos remunerados, cabendo-lhe os papéis de dona de casa, esposa e mãe, enquanto que ao homem cabia o papel de provedor da família. Porém, isso foi mudando, e com a Revolução Industrial, o crescimento da exploração do trabalho da mulher ganhou grandes proporções. Contudo, se para os homens as condições de trabalho já não eram das melhores, para as mulheres e crianças as condições eram subumanas.

Vista como mão de obra barata, o trabalho da mulher foi bastante usado, sendo inclusive preferência dos empresários em razão do baixo custo que teriam, pois mulheres e homens desempenhavam as mesmas atividades e mesmo assim a mulher recebia um salário inferior ao do homem e ainda tinha uma jornada superior, em torno de 14 a 16 horas por dia.

Não bastando a longa jornada nas fábricas, as mulheres deveriam ainda realizar os afazeres de casa. Aliado a isso não havia nenhuma proteção em relação à trabalhadora gestante ou na fase de amamentação.

Diante das péssimas condições as quais as mulheres eram submetidas e da dificuldade que há para conciliar trabalho e família é que começaram a surgir legislações trabalhistas para garantir direitos específicos as mulheres, protegendo o seu trabalho.

Compreendendo que a discriminação negativa que há em relação à mulher no mercado de trabalho contribui para as desigualdades sociais que assolam o mundo, a OIT começou a voltar-se para esta questão de modo a elaborar convenções que buscassem proteger o trabalho da mulher, garantindo-lhe igualdade de condições no mercado de trabalho em relação ao homem.

Desta forma, a OIT vem ao longo de sua história numa luta pela igualdade entre homens e mulheres, para que tenham oportunidades iguais de emprego, bem como remunerações iguais. Para tanto, vem editando convenções que influenciam sobremaneira a legislação trabalhista de seus Estados-membros.

1. Evolução da OIT sobre o Trabalho da Mulher

As primeiras convenções da Organização Internacional do Trabalho sobre o trabalho da mulher foram as de nº 3 e nº 4, ambas de 1919. A Convenção nº 3 traz regulamentação relativa ao emprego da mulher antes e depois do parto, vez que a empregada gestante não tinha nenhuma proteção.

Essa convenção já traz avanços que as legislações dos Estados-membros não apresentavam. Considerando a época em que se vivia a OIT com o fulcro máximo de promover a igualdade, rompe com os paradigmas ao falar em seu artigo segundo da referida convenção que:

“Para a aplicação da presente Convenção, o termo “mulher” designa toda a pessoa do sexo feminino, qualquer que seja a idade ou nacionalidade, casada ou não, e o termo “filho” designa, todo o filho, legítimo ou não.” (grifos nossos)

Em verdade, mais do que direitos a OIT traz na Convenção a garantia do mesmo, derrubando desde já possíveis obstáculos para a efetivação da norma.

Contudo, em seu artigo 3º, a Convenção proíbe a mulher de trabalhar durante seis semanas após o parto, mas prevê uma indenização a ser paga a mulher para a sua manutenção e a de seu filho, enquanto ela estiver com o que hoje chamamos de licença maternidade. E quando do retorno ao trabalho lhe é assegurada folga para amamentar a criança.

Já a Convenção de nº 4 é relativa ao trabalho noturno da mulher. Essa estabelece o que se entende por período noturno de um modo geral e flexibiliza a sua compreensão conforme as peculiaridades dos países.

E em seu artigo terceiro proíbe que mulheres, independente da idade trabalhem durante a noite, seja em estabelecimento público ou privado. Faz, porém uma exceção aos estabelecimentos em que só são empregados os membros de uma mesma família.

Mais tarde, em 1953 a OIT elabora a Convenção de nº 100, que trata da igualdade de remuneração de homens e mulheres trabalhadores por trabalho de igual valor.

A Convenção traz isso como um princípio, que os Membros devem colaborar com as organizações de empregados e empregadores interessados para que de fato se efetive. Diz ainda, que esse princípio pode ser aplicado por meio de legislação nacional, convenções coletivas, fixação de remuneração, ou uma combinação desses meios.

A Convenção seguinte, que data de 1958, a de nº 111, dispõe sobre a discriminação em matéria de emprego e profissão, condenando a distinção, exclusão ou preferência com base na raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social, que possa afetar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em relação ao emprego ou profissão.

Essas quatro convenções foram posteriormente ratificadas pelo Brasil. E é possível observar que há uma distinção de tratamento dado à mulher enquanto trabalhadora.

As duas primeiras convenções, as de nº 3 e nº4 são de caráter proibitivo, em que se impede a mulher de trabalhar após o parto e de trabalhar a noite. Não são exatamente conferências de direitos, mas proibições com o fito de preservar a figura da mulher, para que pudesse continuar desempenhando o seu papel de mãe e esposa e ainda garantir o adjetivo de “mulher honesta”.

Observe que quanto ao trabalho noturno, a convenção embora o proíba para as mulheres, traz uma exceção, a de que se se tratar de estabelecimento em que todos os empregados sejam da mesma família a mulher poderá trabalhar a noite. Oras se é assim, o que se buscou proteger não foi o trabalho da mulher, mas a sua reputação, o que denuncia o pensamento em vigor, qual seja o de considerar-se a mulher ainda um ser “diferente” do homem.

Já a Convenção de nº 100 vem para de fato proteger o trabalho da mulher, garantir-lhe o direito de ter remuneração igual a do homem quando do desempenho de trabalho de igual valor, e na Convenção 111 a OIT vai mais adiante, pois trata da igualdade total entre homens e mulheres, para que ambos tenham oportunidades iguais em matéria de emprego e para tanto veda quaisquer discriminação de gênero na hora de contratar ou dar oportunidades de conseguir um emprego ou profissão.

Desta feita, fica evidente que a OIT evoluiu o seu pensamento em relação ao trabalho da mulher, primeiro levada pela corrente de pensamento vigente, traz convenções que visavam garantir que a mulher continuasse a desempenhar os papeis que a sociedade lhe impunha.

Mais tarde, contudo, tais instrumentos normativos vislumbravam de fato igualar o trabalho da mulher e do homem, vedando quaisquer discriminações em relação à mulher, tanto em relação ao direito de ter remuneração igual a do homem como também de igualdade de oportunidade a empregos e profissão.

Assim, desde então a OIT vem lutando contra a desigualdade de gênero principalmente no que tange às relações de trabalho, em que a mulher sempre acaba sendo vista com preconceito, o que repercute principalmente na remuneração que lhe é paga que ainda hoje tende a ser menor que a do homem embora desempenhe as mesmas funções e na dificuldade de acesso e oportunidades de emprego e até de profissão.

2. Aplicação das convenções e recomendações da OIT pelo Brasil

As convenções e recomendações são as principais normas produzidas pela Organização Internacional do Trabalho e o seu conjunto constitui o chamado Código Internacional do Trabalho.

Para melhor entender como se dá a aplicação destas normas cabe então diferenciá-las. Vale então trazer a explicação do doutrinador Mazzuoli:

“A diferença entre as convenções e as recomendações da OIT é somente formal, uma vez que, materialmente, ambas podem tratar dos mesmos assuntos. Em sua essência, tais instrumentos nada têm de diferente de outros tratados e declarações internacionais de proteção aos direitos humanos: versam sobre a proteção do trabalho e do trabalhador e um sem número de temas a estes coligados. Mas formalmente ambas se distinguem, uma vez que as convenções são tratados internacionais em devida forma e devem ser ratificadas pelos Estados-Membros da Organização para que tenham eficácia e aplicabilidade nos seus respectivos Direitos internos, ao passo que as recomendações não são tratados e visam tão somente sugerir ao legislador de cada um dos países vinculados à OIT mudanças no seu Direito interno relativamente às questões que disciplina.” (MAZZUOLI, 2012, p. 1040)

Desta forma, percebe-se que as recomendações da OIT não necessitam passar por nenhum processo para que sejam internalizadas, pois são normas que funcionam como diretrizes para inspirar os legisladores na elaboração de leis para regulamentar as relações trabalhistas em seus países, é como se fossem princípios gerais, tendo assim aplicação direta e imediata.

O professor Mazzuoli, contudo, alerta para a obrigação que a Constituição da OIT impõe, qual seja a de seus Membros submeterem as recomendações adotadas à autoridade interna competente e conclui:

“Assim, sob o aspecto formal tanto as convenções da OIT quantos as suas recomendações, depois de firmadas, devem ser submetidas, no caso brasileiro, ao crivo do Congresso Nacional para que este, no caso (…) das recomendações, adote medidas legislativas relativamente às disposições constantes de seu texto (ou seja, as transformem em lei) ou tome medidas de outra natureza.” (MAZZUOLI, 2012, p.1054)

As convenções, porém, por ter natureza jurídica de tratado, estando abertas à ratificação pelos Membros, passam, no Brasil, por um processo em que são transformadas em Decretos, conforme o artigo 49, inc. I da Constituição Federal de 1988, para que então possam fazer parte do ordenamento jurídico e gerar efeitos.

3. Das normas da OIT e CLT em relação ao trabalho da mulher

Como foi visto, a OIT em sua Convenção nº 4 de 1919 proibia o trabalho noturno da mulher, independente da idade e do estado civil, salvo se, se tratasse de empresa em que todos os empregados fossem da mesma família. Neste mesmo sentido era a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, porém com algumas diferenças. Vejamos:

“Art. 379. É vedado à mulher o trabalho noturno, considerado este o que for executado entre as vinte e duas (22) e as cinco (5) horas do dia seguinte

Parágrafo único. Estão excluídas da proibição deste artigo, alem das que trabalham nas atividades enumeradas no parágrafo único do art. 372:

a) as mulheres maiores de dezoito (18) anos, empregadas em empresas de telefonia, rádio-telefonia ou radiotelegrafia; 

b) as mulheres maiores de dezoito (18) anos, empregadas em serviços de enfermagem; 

c) as mulheres maiores de vinte e um (21) anos, empregadas em casas de diversões, hotéis, restaurantes, bares, e estabelecimentos congêneres;

d) as mulheres que, não participando de trabalho contínuo, ocupem postos de direção.” (grifos nosso)

Como se vê a CLT seguia os passos da Convenção nº 3 da OIT, porém com alguns avanços. Ao logo do tempo essa norma foi sendo alterada e hoje o trabalho noturno da mulher já é permitido. É o que se vê no artigo 381 da CLT, que faz parte da seção que dispõe sobre o trabalho noturno da mulher:

“Art. 381 – O trabalho noturno das mulheres terá salário superior ao diurno.

§ 1º – Para os fins desse artigo, os salários serão acrescidos duma percentagem adicional de 20% (vinte por cento) no mínimo.

§ 2º – Cada hora do período noturno de trabalho das mulheres terá 52 (cinqüenta e dois) minutos e 30 (trinta) segundos.”

Sobre o assunto Sergio Pinto Martins explica:

“A Lei nº 7855/89 revogou os arts. 379 e 380 da CLT, que versavam sobre a proibição do trabalho noturno da mulher. O trabalho da mulher é permitido é permitido em qualquer local, devendo-se observar as determinações do art. 73 da CLT quanto ao adicional noturno de 20% sobre a hora diurna, hora reduzida de 52 minutos e 30 segundos, compreendida entre as 22 e 5h. Logo, não há nenhuma distinção entre o trabalho noturno do homem e o da mulher, só em relação ao menor, que é proibido.” (MARTINS, 2012, p. 620)

No que diz respeito à maternidade, o artigo 3º da Convenção nº 3 da OIT não autorizava a mulher a trabalhar durante seis semanas depois do parto. Neste mesmo sentido dizia a CLT:

Art. 392. É proibido o trabalho da mulher grávida no período de seis (6) semanas antes e seis semanas depois do parto.”

Posteriormente o período foi alterado para quatro semanas antes e oito semanas após o parto. Atualmente o artigo 392 da CLT prevê que a mulher tem direito a cento e vinte dias de licença maternidade, sem prejuízo do emprego e do salário que a priori deveria ser pago pelo empregador. Assim explica a doutrina:

“O Decreto nº 51.627, de 18-12-62, promulgou a Convenção nº 3 da OIT, de 1919, que prevê o pagamento das prestações para a manutenção da empregada e de seu filho, que serão pagas pelo Estado ou por sistema de seguro. O Brasil ratificou também a Convenção nº 103 da OIT, de 1952, promulgada pelo Decreto nº 58.020, de 14-06-66, que reviu a Convenção nº 3, dispondo que “em caso algum o empregado deverá ficar pessoalmente responsável pelo custo das prestações devidas à mulher que emprega” (art. IV, 8).” (MARTINS, 2012, p.622)

Desta forma, cabe então ao sistema de seguro social realizar o pagamento do salário maternidade, no caso o INSS. Quando do retorno da empregada ao trabalho, a Convenção nº 103 da OIT dispõe sobre a amamentação, estabelecendo que a mulher poderá se ausentar um ou vários períodos do trabalho para que possa amamentar seu filho. E na CLT é o artigo 396 que dispõe sobre esse direito e diz o seguinte:

“Art. 396 – Para amamentar o próprio filho, até que este complete 6 (seis) meses de idade, a mulher terá direito, durante a jornada de trabalho, a 2 (dois) descansos especiais, de meia hora cada um.

Parágrafo único – Quando o exigir a saúde do filho, o período de 6 (seis) meses poderá ser dilatado, a critério da autoridade competente.”

E indo mais longe, conforme a Convenção nº 111 da OIT que é relativa à discriminação em matéria de emprego e profissão, a CLT veda a exigência de atestado ou exame “de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego.” Assim ensina o professor Amauri Mascaro:

“Ampliando a defesa da mulher contra a discriminação no emprego, a Lei n. 9.799, de 26 de maio de 1999, estabeleceu novas proibições de atos que considera discriminatórios e altera alguns dispositivos da CLT.

Proíbe (art. 373-A, IV, da CLT) a exigência de atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego, com o que de modo genérico inclui as práticas que eram especificadas pela lei anterior, não reproduzindo as referências nesta feitas à esterilização, indução ou instigamento à esterilização genética e à promoção do controle de natalidade, com o que aboliu dispositivos desnecessários para as finalidades visadas.” (NASCIMENTO, 2011, p. 918)

À luz das Convenções da OIT sobre igualdade entre homens e mulheres nas relações de trabalho, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, no capítulo III que dispõe sobre a proteção ao trabalho da mulher, já estabelece que “os preceitos que regulam o trabalho masculino são aplicáveis ao trabalho feminino, naquilo em que não colidirem com a proteção especial instituída por este Capítulo”.

Nesse sentido a Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho – TST, acolheu o Recurso de empregada da Caixa Econômica Federal – CEF que pleiteava 15 minutos de descanso antes do início das horas extras. Reiterou assim, posicionamento já firmado em 2008, por aquela Corte, quando da análise do incidente de inconstitucionalidade em relação ao referido artigo, se manifestara dizendo que:

“Não é demais lembrar que as mulheres que trabalham fora do lar estão sujeitas a dupla jornada de trabalho, pois ainda realizam as atividades domésticas quando retornam a casa. Por mais que se dividam as tarefas domésticas entre o casal, o peso maior da administração da casa e da educação dos filhos acaba recaindo sobre a mulher.”  (Processo TST-IIN-RR-1.540/2005-046-12-00.5, Acórdão do Tribunal Pleno, Ministro Relator Ives Gandra Martins Filho, DJ 13/2/2009).

O artigo 384 da CLT estabelece que as mulheres tenham direito a um descanso de quinze minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho. A empregada teve esse direito reconhecido pela 9ª Vara do Trabalho de João Pessoa, porém em sede de Recurso movido pela CEF, o Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região reformou a sentença por entender que tal instituto é inconstitucional.  Para o TRT:

“o único fato que justifica a diferenciação da mulher no trabalho é a maternidade. (…) Ademais, mesmo que se entenda constitucional o intervalo reclamado, ele somente seria aplicável quando da prorrogação de uma jornada de oito horas (regra geral para os trabalhadores), o que não é a hipótese dos autos, em que a reclamante estava sujeita a uma jornada de seis horas, (…)”.(Acórdão Processo Nº RO-105700-07.2010.5.13.0008. Processo Nº RO-1057/2010-008-13-00.6. Complemento PUBLICAÇÃO DE ACÓRDÃOS DA COLENDA 1ª TURMA DO TRT DA 13ª REGIÃO – OF: 00130/2011. Relator Desembargador UBIRATAN MOREIRA DELGADO)

O constituinte trouxe a igualdade formal entre homens e mulheres, mas esta não é suficiente, é imperioso que se tenha a igualdade material, o que é possível através da proteção ao trabalho da mulher.

Acertou assim o TST, ao acolher o recurso, pois entende que:

“a razão de ser da norma em comento é a proteção do trabalho feminino, em face da necessidade de uma proteção especial da mulher no ambiente de trabalho, tendo em vista a diferente compleição física natural da mulher em relação ao homem (e não com base em alguma inferioridade intelectual).” (Processo: RR – 121100-07.2010.5.13.0026. Número no TRT de Origem: RO-121100/2010-0026-13. Órgão Judicante: 7ª Turma. Relator: Ministro Ives Gandra Martins Filho.)

Lembra ainda:

“que o maior desgaste natural da mulher trabalhadora, em comparação com o homem, dada a diferente compleição física, não foi desconsiderado pelo Constituinte de 1988, que garantiu, por exemplo, diferentes condições para a obtenção da aposentadoria para homens e mulheres, bem como previu períodos distintos de licenças maternidade e paternidade (CF, art. 7º, XVIII e XIX; art. 201, § 7º, I e II; ADCT, art. 10, § 1º).” (Processo: RR – 121100-07.2010.5.13.0026. Número no TRT de Origem: RO-121100/2010-0026-13. Órgão Judicante: 7ª Turma. Relator: Ministro Ives Gandra Martins Filho.)

Por fim, vale ressaltar que hora extra, corresponde ao tempo trabalhado após a jornada de trabalho contratualmente acordada não importando, portanto, se a jornada é inferior a 8 horas diárias. Logo, ao contrário do que entende o TRT da 13ª Região, a empregada da CEF que tem jornada de 6 horas diárias faz sim jus ao intervalo de 15 minutos, pois as horas seguintes de trabalho configuram hora extra.

Assim sendo, vê-se que a jurisprudência nacional vem colaborando para alcançar a igualdade material entre mulheres e homens nas relações de trabalho, fazendo assim o que a OIT indica aos países-membros, que busquem de todas as formas colaborar para a aplicação e efetivação de suas convenções e recomendações.

Considerações Finais

Como é possível perceber, historicamente a mulher sempre foi vista como ser inferior ao homem, cabendo-lhe apenas o papel de dona de casa e reprodutora. Seu papel, contudo, muda notadamente na época da Revolução Industrial e com a Primeira Guerra Mundial, em que ela passa a trabalhar fora de casa, sendo, portanto remunerada.

Todavia, o ingresso da mulher no mercado de trabalho não foi motivo para fim da discriminação, mas de aproveitamento por parte dos empresários que exploraram o seu trabalho pagando-lhe baixos valores, remuneração inferior a dos homens.

Considerando assim o histórico de discriminação da mulher, que perdura hodiernamente, fica visível a importância de normas que visem à proteção ao trabalho da mulher. E ainda, de extrema relevância a regulamentação no âmbito internacional, posto que acaba por influenciar os países a melhorar suas legislações e aderirem à políticas de eliminação da desigualdade de gênero, especialmente no que se refere as relações trabalhistas.

Assim, vê-se que a Organização Internacional do Trabalho vem buscando de fato atingir os objetivos que lhe deram origem, pois atua não só na regulamentação através de normas, no caso das convenções, mas também na elaboração de diretrizes, como as recomendações, influenciando sobremaneira o Direito Brasileiro a tratar a mulher de forma digna, garantindo-lhe igualdade de oportunidade para conseguir emprego ou uma profissão e sua dignidade nas suas relações de trabalho. O que, embora ainda não tenha sido alcançado, teve seu cenário consideravelmente alterado, seja em razão destes mecanismos de proteção ao trabalho da mulher, internos e internacionais, seja em razão da própria evolução da sociedade, que tem aceitado a emancipação feminina.

Entretanto, ainda é necessário considerar os meandros da condição feminina, que tem em si, em sua maioria, a necessidade da maternidade, mas já não aceita que sua existência deva se limitar a isso. A mulher que é mãe, esposa, também deseja se inserir no mercado de trabalho, e assumir as várias atividades que a vida moderna lhe exige.

Por fim, resta aceitar tão somente que não há justificativa plausível para a discriminação, ou em termos mais brandos, para essa diferenciação de acesso ao mercado de trabalho de homens e mulheres, mas as questões históricas ainda pesam. Necessário aceitar que essas questões podem e devem ser superadas, e que apenas a edição de normas e convenções não são passíveis, por si só, de transformar tal realidade; além da internalização destas normas, devem ser adotadas políticas públicas de promoção da igualdade, as chamadas práticas de discriminação positiva.

 

Referência
BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452 de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das leis do Trabalho. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 ago. 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm>. Acesso em: 30 de dez. 2013.
MARTINS, Sergio Pinto, Direito do Trabalho, 28º ed., São Paulo: Atlas, 2012.
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, Curso de Direito Internacional Público, 6ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Curso de Direito do Trabalho, 26ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011.
OIT. Escritório Brasil, Convenções ratificadas pelo Brasil. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/convention>. Acesso em: 17 de dez. 2013.

Informações Sobre o Autor

Luana Elainy Rocha Magalhães

Bacharela em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina – CEUT . Pós-graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo CEUT. Advogada


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