Breves considerações sobre o crime de redução a condição análoga à de escravo

Resumo: O presente trabalho versa sobre o crime de redução à condição análoga à de escravo, cuja objetividade jurídica não se tem resumido à proteção da liberdade do indivíduo. A tendência de ampliação conceitual foi acompanhada pela alteração introduzida no Código Penal pela Lei 10.803/2003. Uma lei de méritos evidentes, sobretudo ao trazer elementos do tipo tão necessários para a correta punição do agente. Enfim, pode-se dizer que o escopo do trabalho é delimitar os principais aspectos do tipo penal: âmbito de aplicação e competência para julgamento. Expõe-se um tipo penal que não se basta em si, mas é seguramente vem a representar instrumental imprescindível ao fechamento do sistema de combate à subjugação do homem pelo homem.

Palavras-chave: crime – trabalhador – escravo.

Sumário: Introdução. 1. Proteção penal. 2. A competência para julgamento do crime de redução a condição análoga à de escravo. Conclusão. Referências

INTRODUÇÃO

A escravidão existe desde a antiguidade, tendo avançado consideravelmente no fim da idade média, mas gradativamente repelida sob influências dos diversos movimentos abolicionistas que visavam por término ao tráfico de escravos no Atlântico e libertar as pessoas da servidão imposta pelas colônias europeias. Todavia, não obstante existir na atualidade grande número de acordos internacionais que contêm disposições proibitivas destas práticas tanto em tempo de guerra quanto em tempo de paz, ela persiste.

É bem verdade que o conceito de escravidão tem sido alvo de controvérsia, sobretudo por não haver consenso sobre quais práticas devam assim ser enquadradas e, por conseguinte, ser eliminadas. Há certo consenso, todavia, que se enquadra como escravidão todo ato de captura, comércio ou apropriação forçada do indivíduo, negando-lhe sua personalidade e atribuindo-lhe o status de coisa.

Recentemente, houve ampla divulgação televisiva sobre práticas de escravidão sexual de mulheres brasileiras, muitas delas induzidas a erro quanto ao real motivo da contratação. Muitas delas pensavam estar sendo contratadas para trabalhos moralmente aceitos no exterior, mas acabaram por serem vítimas de uma das mais cruéis servidões. Com o passaporte retido, a vítima teria que trabalhar até o dia em que sua suposta dívida estivesse quitada, o que geralmente nunca acontecia.

Como dito, são inúmeras as modalidades de escravidão. O presente artigo, por sua vez, analisa esta exploração associada ao labor, versão contemporânea do que se praticava quando da escravidão trabalhista que imperava durante o período colonial. Não reconhece o ordenamento jurídico pátrio, todavia, que alguém submeta outrem à escravidão propriamente dita, pois se assim fosse, o Direito estaria permitindo a possibilidade de alguém deixar de ser pessoa para tornar-se coisa.

Para ser coerente com este entendimento – a inalienabilidade do status pessoal -, o que o Direito proíbe seria submeter pessoas às mesmas condições impostas ao que se chamava de escravo. Nunca, portanto, haverá de existir um escravo, mas pessoas expostas às condições análogas a ele.

O trabalho em condições análogas à de escravo é uma realidade em pleno século XXI aqui no Brasil, mas a sociedade brasileira reluta em reconhecer a gravidade do problema, um reflexo de uma aceitação histórica desta tão perversa forma de exploração da força de trabalho.

Uma realidade muitas vezes relacionada ao aproveitamento vil do homem no campo. Não porque inexista escravidão urbana, posto que notória a ocorrência em fábricas de tecidos ou na construção civil, mas pela impossibilidade em desassociar o trabalhador rural como principal sujeito passivo deste particular processo de produção. Uma realidade que se explica em parte pela baixa produtividade da agricultura brasileira, fortemente atrelada à sorte dos fatores climáticos. No fim, há muitos prejuízos e o lucro nem sempre é tão alto quanto o empregador espera.

Assim, na procura de otimizar seus ganhos, os empregadores, compensatoriamente, submetem as pessoas a condições laborais extremamente degradantes. Não lhes são oferecidas condições mínimas de saúde e segurança do trabalho e, ainda, por variados instrumentos de coação, são impedidos de interromper a prestação de tais serviços, normalmente prestados em terras longínquas, em especial no interior da região amazônica, onde o socorro é um desejo inesperado.

O Estado, que tem a responsabilidade de evitar que essas práticas tornem-se comuns, nem sempre põe em marcha todos os mecanismos que dispõe para abolir em definitivo esta forma secular de violação aos direitos humanos.

Um destes mecanismos é a tutela penal, considerando que as instâncias administrativas se mostrem incapazes ou ineficientes para a proteção ou controle social.

1. PROTEÇÃO PENAL

A Constituição Federal de 1988 estabelece como fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana, bem como a valorização do trabalho. Além disso, também preleciona serem invioláveis os direitos à liberdade, à vida e à igualdade.

Em face desses pilares, é possível entender que a necessidade da intervenção penal se justifica de tal modo que, diante da precariedade que o tipo penal do art. 149 do Código Penal Brasileiro foi concebido, tornou-se inafastável a densificação do preceito. Trata-se do crime de “redução a condição análoga à de escravo”, um crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa que se ponha como explorador de mão-de-obra, e vitimar qualquer indivíduo que esteja na condição de explorado[1].

Antes do advento da Lei nº 10.803, de 11.12.2003, a redação antiga do artigo 149 apenas dispunha genericamente que era proibido “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”. Tratava-se de um delito de tipo aberto, sem qualquer descrição da maneira que se daria a execução. Imaginava-se que poderia realizar-se mediante fraude, violência ou grave ameaça, em suas mais variadas formas, desde que se configurasse a completa submissão da vítima ao autor do fato, tal qual se verificava nos primórdios da civilização.

Todavia, a referida Lei alterou o artigo 149 profundamente, indicando taxativamente quais hipóteses levariam o intérprete a enquadrar o fato ao tipo penal. In verbis:

“Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

I – contra criança ou adolescente; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)”

Pela leitura do artigo supra, facilmente se chega à conclusão que o tipo penal rompeu a ideia tradicional de escravidão, em que a liberdade era o único elemento de definição e que a prestação deveria ocorrer necessariamente sob ausência de contraprestação do empregador. Atualmente, trabalho escravo não é mais sinônimo de trabalho forçado, sem remuneração e sem liberdade. Não que a proteção da liberdade de alguém não seja uma das objetividades jurídicas do tipo, mas não mais se resume a ela. A acepção é ampla: compreende o conceito de trabalho em condições degradantes, em que o empregador submete “o obreiro a uma situação humilhante, aviltante, que caracterize de fato o trabalho indigno” (MIRAGLIA, p. 147).

Com efeito, mesmo sabendo que o tipo penal não mais objetiva o combate ao cerceamento da liberdade, o texto continua posicionado no capítulo dedicado aos crimes contra a liberdade individual, na seção dos crimes contra a liberdade pessoal.

Logo, não só se considera “trabalho escravo” os casos em que presente a falta de liberdade. Por mais que esta associação seja tradicionalmente reconhecida, o legislador optou por considerar o trabalho em condições degradantes como trabalho com redução a condição análoga à de escravo.

Enfim, não se pode olvidar que o elemento mais importante para a definição do crime não é o cerceamento da liberdade nem a simples lesão à saúde da pessoa, mas a existência de uma relação trabalhista a justificar tais violações. Caso inexista relação ou vínculo trabalhista entre autor e vítima, não se configura o crime de redução à condição análoga de escravo, devendo, neste caso, verificar a presença de outros elementos a tipificarem algum crime relacionado à ameaça, violência ou à restrição da liberdade.

Como a relação trabalhista é marcada pela habitualidade na prestação dos serviços, o crime só se consumaria quando, dolosamente, o autor reduzisse a vítima à condição análoga à de escravo por um tempo razoável, dotada da mesma habitualidade que se espera da relação laboral que o inspira.  A razoabilidade, por sua vez, deve-se ser buscada no caso concreto, sendo impossível fixar algum período em abstrato, podendo inclusive ser verificado imediatamente, quando “se constatar a prática de violência que demonstre o ânimo imediato de submissão do empregado à vontade do empregador” (BELISARIO, 2005, p. 126). Belisario (2005, p. 126) cita como exemplos “o trancamento do obreiro à noite em barracão, a intimidação que não permita o desligamento imediato do serviço, ou, ainda, qualquer forma de cerceamento imediato da liberdade, fatos que atraiam a aplicação das regras de consumação do crime de sequestro”.

Ademais, tratando-se de crime em que o fator tempo é relevante, em que o dano se renova a cada momento em que o trabalhador tem sua liberdade limitada pelo sujeito ativo, pode-se enquadrá-lo como crime permanente. Portanto, enquanto perdurar a submissão ou cerceamento da liberdade, é possível a caracterização do flagrante delito.

Não se pode olvidar, contudo, que o agente deve ter o objetivo de “coisificar’ ou ‘instrumentalizar’ o homem-trabalhador, transformando-o em simples meio para a consecução do fim empresarial: obter mais lucros” (MIRAGLIA, p. 147), fato este que deverá ser inferido do conjunto probatório, à luz dos princípios da razoabilidade e demais específicos ao sistema penal acusatório.

 2. A COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DO CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO

Ainda que o delito em comento relacione-se ao vínculo laboral, o constituinte originário não contemplou a Justiça do Trabalho com a competência para processar e julgar o autor daquele. Nem mesmo com a Emenda Constitucional nº 45/2004, chamada de Reforma do Judiciário, houve tal previsão, contrariando anseio histórico dos justrabalhistas.

Por certo tempo, entendia-se que o juízo competente para processar e julgar o infrator seria a justiça comum estadual, dado não haver previsão para o julgamento do crime por outra justiça, seja ela federal ou especializada.

Todavia, nos termos já adiantados, com o advento da Lei 10.803/2003, que alterou o tipo previsto do artigo 149 da Lei Penal, passou-se a entender que o bem jurídico por ele tutelado deixou de ser apenas a liberdade individual, passando a abranger também a organização do trabalho, o que fez aventar importantes discussões sobre a competência para processar e julgar esses feitos.

Entendem alguns críticos que o artigo foi mal posicionado, posto que deveria localizar-se no capítulo dedicado aos crimes contra a organização do trabalho. A liberdade individual seria de menor importância quando comparada ao risco de se permitir que se neguem o devido valor ao trabalho, que se requer seja sempre digno para a sociedade. Não haveria dignidade em um trabalho forçado.

Neste caso, admitindo-se o erro topológico, entende-se que o sujeito ativo deverá ser processado e julgado perante a Justiça Federal. É o que estabelece o art. 109, VI, da Constituição:

“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

VI – os crimes contra a organização do trabalho […]”

Este é, atualmente, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO, FRUSTRAÇÃO DE DIREITO PREVISTO EM LEI TRABALHISTA, E ALICIAMENTO DE TRABALHADORES (ARTIGOS 149, CAPUT, 203, CAPUT, § 1º, INCISO I E § 2º, ARTIGO 207, §§ 1º E 2º, TODOS DO CÓDIGO PENAL). ALEGADA ABSORÇÃO DOS DELITOS PREVISTOS NOS ARTIGOS 203 E 207 PELO ILÍCITO DISPOSTO NO ARTIGO 149 DO ESTATUTO REPRESSIVO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. […] AVENTADA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA PROCESSAR E JULGAR O CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. VIOLAÇÃO À ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO. IMPOSSIBILIDADE DE SUBMISSÃO DO FEITO À JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Com o advento da Lei 10.803/2003, que alterou o tipo previsto do artigo 149 da Lei Penal, passou-se a entender que o bem jurídico por ele tutelado deixou de ser apenas a liberdade individual, passando a abranger também a organização do trabalho, motivo pelo qual a competência para processá-lo e julgá-lo é da Justiça Federal. […]” (Grifos nossos) (STJ, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 10/12/2013, T5 – QUINTA TURMA)

Na mesma linha posiciona-se o Supremo Tribunal Federal, que no julgamento do RE 398.041 (rel. Min. Joaquim Barbosa, sessão de 30.11.2006)[2], entendeu que quaisquer condutas que violem não só o sistema de órgãos e instituições que preservam, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também o homem trabalhador, atingindo-o nas esferas em que a Constituição lhe confere proteção máxima, enquadram-se na categoria dos crimes contra a organização do trabalho, se praticadas no contexto de relações de trabalho.

Assim, não obstante haver claras semelhanças entre o crime tipificado no art. 149 do Código Penal e aqueles localizados no capítulo da organização do trabalho, não é o fato de serem semelhantes que atrai a competência da Justiça Federal, pois nem mesmo os crimes originariamente localizados no capítulo da organização do trabalho serão, sempre, processados e julgados na Justiça Federal. É o que se percebe da leitura da ementa abaixo:

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. OFENSA CONTRA A ORGANIZAÇÃO GERAL DO TRABALHO. INEXISTÊNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. A competência da Justiça Federal está disposta no art. 109, VI da Constituição Federal que dispõe que aos juízes federais compete processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira. 2. Não havendo lesão ao direito dos trabalhadores de forma coletiva ou ofensa aos órgãos e institutos que os preservam, apurando-se somente a frustração de direitos trabalhistas de trabalhadores específicos, e, portanto, em âmbito individual, não há falar em competência da Justiça Federal. 3. A competência da Justiça Federal não alcança os delitos que atingem somente direitos individuais de determinado grupo de trabalhadores (e não a categoria como um todo), como é o caso dos autos, em que a suposta conduta delituosa restringiu-se a um grupo de funcionários de uma única empresa de transporte coletivo que seriam filiados à entidade sindical representante da categoria. 4. Conflito de competência conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal e Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Foro Regional VIII – Tatuapé/SP, o suscitado”. (Grifos nossos) (STJ – CC: 118436 SP 2011/0179527-0, Relator: Ministra ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/PE), Data de Julgamento: 22/05/2013, S3 – TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 29/05/2013)

Assim, não se mostra imprescindível que o delito esteja posicionado no Capítulo referente aos “Crimes Contra a Organização do Trabalho”, pois nem mesmo os que assim se encontram atraem diretamente a competência da Justiça Federal. Como se verificou na decisão supra do Superior Tribunal de Justiça, não basta a ofensa ao homem trabalhador especificamente considerado, deve-se restar comprovada a “lesão ao direito dos trabalhadores de forma coletiva ou ofensa aos órgãos e institutos que os preservam para se falar em competência da Justiça Federal”. Logo, os crimes previstos nos arts. 197 a 207 do CP poderão ser de competência da Justiça Federal ou da Justiça Estadual, a depender do caso concreto.

Pois bem. Reconhecendo a característica da transindividualidade dos crimes contra a organização do trabalho, mas indo mais além, o Supremo Tribunal Federal deixou claro[3] que também configuram tais crimes aqueles que malfiram o princípio da dignidade da pessoa humana e da liberdade do trabalho, reduzindo o homem trabalhador à condição análoga à de escravos. São ofensas que, apesar de não atingirem toda uma categoria, pela natureza do dano, sempre atrairão a competência da Justiça Federal. Há uma evidente transcendência do dano em relação à liberdade individual e à saúde dos trabalhadores.

No caso, a redução do trabalhador à condição análoga à de escravos compromete a própria ordem jurídica estabelecida para funcionar o sistema de produção, compromete a organização do trabalho que se espera em um Estado Democrático de Direito, em uma sociedade livre e justa.

As considerações acima se explicam, pois a Constituição, em nenhum momento, determina que à Justiça Federal compete julgar “os crimes contra a organização do trabalho” indicados em Capítulo próprio do Código Penal. A análise não poderia ser meramente formal, inexistindo correspondência taxativa entre os delitos capitulados no referido Código e o que a Constituição denominou como crimes contra a organização do trabalho. Caberá ao intérprete, no caso concreto, verificar a existência dos seguintes pressupostos:

a)    Violação do sistema de órgãos e instituições que preservam, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores; ou

b)    Malferimento do homem trabalhador, violando gravemente sua dignidade no contexto e em razão da relação de trabalho.

Enfim, pode-se dizer que tanto o Superior Tribunal de Justiça quanto o Supremo Tribunal Federal já pacificaram o entendimento de que compete à Justiça Federal processar e julgar os autores do delito previsto no art. 149 do Código Penal, haja vista a violação presumida aos direitos humanos e à organização do trabalho.

CONCLUSÃO

Não há que se negar que o número de processos judiciais no Brasil envolvendo o crime de redução à condição análoga à de escravo tem-se elevado nos últimos anos[4], e os motivos devem ser vários, não sendo possível neste trabalho indicá-los.

Porém, pode-se dizer que a alteração introduzida no Código Penal pela Lei 10.803/2003 foi oportuna, considerando que, antes dela, sequer havia segurança jurídica para acusar quem quer que fosse. O Poder Judiciário deve agir com prudência ao tratar de individualizar e punir crimes cometidos por empregadores que reduzem seus empregados à condição análoga à de escravo, sob pena de levar pessoas que não mereciam estar aos bancos dos réus.

 Com o advento da Lei 10.803/2003, não só o tipo penal restou mais detalhado, como favoreceu a definição da competência da Justiça Federal para processar e julgar os infratores. São avanços que não poderiam ser desprezados do ponto de vista técnico, já que esta se mostra o primeiro passo na eliminação da impunidade. Os próximos passos estão sendo dados pelas autoridades envolvidas, a quem incubem transformar o discurso acadêmico em realidade. Por ora, ultrapassados os séculos, a realidade é lamentável: ainda existem, no Brasil e no mundo, focos de escravidão.

 

Referências
ANDRADE, Carlos Eduardo Almeida Martins de. Do crime de redução à condição análoga à de escravo na legislação, doutrina e jurisprudência. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 98, mar 2012. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11183&revista_caderno=3>. Acesso em 19.04.2014.
BELISARIO, Luiz Guilherme. A redução de trabalhadores rurais à condição análoga à de escravos. Um problema de direito penal trabalhista. São Paulo: LTr, 2005.
Revista Consultor Jurídico. Escravidão e tráfico de pessoas somam 428 processos. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jun-08/brasil-428-processos-trafico-pessoas-trabalho-escravo> Acesso em: 21.04.2014.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br> Acesso em: 20.04.2014.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br> Acesso em: 20.04.2014.
MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira. Trabalho Escravo Contemporâneo: conceituação à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. São Paulo: LTr, 2011.
VELLOSO, Gabriel; FAVA, Marcos Neves (Coord.). Trabalho Escravo Contemporâneo: o desafio de superar a negação. São Paulo: LTr, 2006.
 
Notas:
[1] Interessante que, apesar de não haver restrição clara no dispositivo quanto ao sujeito passivo, resta claro que ele deve manter relação de trabalho com o sujeito ativo, numa relação de explorador de mão-de-obra e explorado, o que poderia parecer tratar-se de crime próprio quanto à vítima.

[2] STF – RE: 398041 PA, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 30/11/2006, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-09 PP-02007.

[3] STF – RE: 398041 PA, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 30/11/2006, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-09 PP-02007.

[4]Revista Consultor Jurídico. Escravidão e tráfico de pessoas somam 428 processos. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jun-08/brasil-428-processos-trafico-pessoas-trabalho-escravo> Acesso em: 21.04.2014.


Informações Sobre o Autor

Wesley Adileu Gomes e Silva

Procurador Federal. Especialista em Direito Público pela FACAPE e em Direito Previdenciário pelo Juspodivm, Professor Auxiliar da Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina


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