O tratamento dado aos empresários agrários nos TACs assinados por frigoríficos situados no estado do Pará

Resumo:O Ministério Público Federal elaborou diversos Termos de Ajustamento de Conduta visando que toda cadeia produtiva do setor pecuário cumprisse a legislação ambiental e trabalhista. No entanto, tais compromissos afetaram de maneira indistinta partes vulneráveis do setor, sobremaneira os pequenos e médios produtores, que tem dificuldades de obter crédito ou mesmo vender seus produtos após a realização de embargo às atividades. Desse modo, foi deixada à discricionariedade do MPF, que se comprometeu a dar tratamento diferenciado, a análise da situação daqueles não conseguiram cumprir todos os objetivos dos Termos de Ajustamento de Conduta. Por fim, na seara judicial, a execução dos TACS tem sido objeto de controle, sendo a tendência jurisprudencial no sentido de não inviabilizar a atividade produtiva, mas sim compatibilizá-la com a proteção do meio ambiente e observância das normas do Direito do Trabalho.

Palavras-chave: Termo de Ajustamento de Condutas. Pecuária sustentável. Direitos Difusos. Direito Ambiental. Direito Agrário.

Abstract: The Federal Public Prosecutor's Office produced Terms of Adjustment of Conduct aimed at the entire production chain of the livestock sector in order to fulfill environmental and labor laws. However, such commitments have affected indistinctly vulnerable parts of the industry, exceedingly small and medium producers, who have difficulty in obtaining credit or even sell their products after the seizure of activities. Thus, it was left to the discretion of the Federal Public Prosecutor’s Office, which pledged to give differential treatment, the analysis of the situation of those failed to meet all the objectives of the Terms of Adjustment of Conduct. Finally, in the judicial area, the implementation of TACS has been under control, with the jurisprudential trend towards not derail the productive activity, but adjust it to the protection of the environment and compliance with the rules of labor law .

Keywords: Terms of Adjustment of Conduct. Sustainable livestock. Collective Rights. Environmental Law. Agrarian Law.

Sumário: Introdução. 1. Histórico. 2. Análise do Termo de Ajustamento de Condutas. 2.1 Críticas do setor produtivo aos TACs assinados por frigoríficos. 2.2 Sujeitos do TAC. 2.2.1 O tratamento dispensado aos produtores rurais e a opção pela empresa agrária. 2.3 Outros Efeitos do TAC. 3. Tendências Jurisprudenciais. Conclusão.

Introdução

O discurso de que a proteção aos direitos ambientais deve ser compatibilizadas com as liberdades e direitos constitucionais não é novo, sobretudo quando se trata de parcelas que frequentemente situam-se em posição de desvantagem, como é o caso do empresário rural de pequeno e de médio porte frente aos grandes conglomerados econômicos. O os efeitos das normas jurídicas ou da própria atuação do Estado na economia deve ser analisado com cautela, refletindo-se sobre até que ponto tal intervenção é benigna à sociedade, e como ela poderia ser feita de maneira menos nociva às partes e com maior eficiência possível.

A presente análise visa contrabalancear a visão iminentemente parcial da questão, que tem pendido ora pela defesa ambiental, ora para os interesses do mercado, ainda que tais interesses possam ser passíveis de composição.

Para isso, importante analisar as condições do empregador rural de pequeno e médio porte, e como a escolha pela empresa agrária traz reflexos no âmbito ambiental, trabalhista e econômico, questão essa que passa necessariamente pela definição do modelo de produção que o país quer desenvolver, o que também traz a reflexão sobre os reais benefícios e efeitos que a adoção de determinado modelo trará para o desenvolvimento da pecuária nacional.

1. Histórico

No atual contexto de defesa dos direitos difusos e coletivos, o Estado, por meio do Ministério Público e órgãos do Executivo, tem agido cada vez mais no intuito de atender aos anseios da sociedade civil, adotando medidas que, a primeira vista, parecem incólumes a qualquer crítica.

Diversas ONGs, como o “Greenpeace” e a “Amigos da Terra – Amazônia Brasileira” têm sido atuantes na divulgação de dados sobre o desmatamento, causado em grande parte pelo modelo de produção pecuária adotado pelo país. Os relatórios de tais ONGs[1] mostram que a maioria dos frigoríficos operantes na Amazônia Brasileira (incluindo os do segmento industrial) deveriam ser considerados ilegais, seja por conta do desmatamento, seja em razão do trabalho análogo ao de escravo (Greenpeace, 2009 – Amigos da Terra, 2008). Em Janeiro de 2007, 62% das empresas na “lista suja” do trabalho escravo, classificada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), eram fazendas na Amazônia (Brasil, Ministério Público Federal, 2011). 

Após a divulgação de tais relatórios, diversas ações civis públicas foram iniciadas pelo Ministério Público Federal, principalmente no estado do Pará, o que levou à assinatura de Termos de Ajustamento de Conduta entre o Ministério Público Federal, frigoríficos, empresas rurais, curtumes e marchantes (revendedores de gado), proibindo a compra de bovinos advindos de áreas embargadas pelo IBAMA ou pelo MTE[2]. Em 5 de outubro de 2009, quatro dos principais frigoríficos assinaram um compromisso voluntário de desmatamento zero com o Greenpeace (Deininger; Augustinus; Enemark, 2010, p. 220). Nesse mesmo contexto foi promulgada a Lei 12.097/2009[3], que regula mecanismos de controle e rastreabilidade na cadeia de fornecimento de carne bovina.

Além disso, a Associação Brasileira de Supermercados propôs o “Programa de Certificação de Produção Responsável na Cadeia Bovina”, abordando aspectos ambientais, sociais e sanitários, por meio do rastreamento da origem da carne vendida nos supermercados brasileiros, tal ideia foi bem acolhida pelos principais frigoríficos e supermercados (Garcia, 2011). O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – Idec intensificou a campanha "Mude o consumo para não mudar o clima" com o objetivo de mostrar a relação entre hábitos de consumo e problemas sócio-ambientais (Brasil, Ministério Público Federal, 2011)[4]

2. Análise do Termo de Ajustamento de Condutas

O Termo de Ajustamento de Conduta[5] caracteriza-se por ser uma forma de solução amigável de litígio de dimensão coletiva, e por ser um título executivo extrajudicial (art. 5º, §6º, da LACP) (Almeida, 2007, p. 234-237). No contexto ora analisado, foram assinados diversos TACs, nos Estados do Acre, Mato Grosso e Pará.

De maneira geral os TACs têm a mesma estrutura, baseada no primeiro TAC, assinado no Estado do Pará em Junho de 2009 pelo Grupo Bertin de Frigoríficos. Esse último inicia-se com a qualificação das partes, incluindo os sócios majoritários da empresa e outras sociedades com participação na mesma, na condição de intervenientes-anuentes. Nesse mesmo ato, a FAEPA – Federação da Agricultura e Pecuária do Pará também interviu como anuente.

Do mesmo modo como ocorre no preâmbulo de tratados internacionais, a segunda parte do TAC estipula uma série de “considerandos”, em vários itens dispondo sobre a responsabilidade ambiental solidária e objetiva de todos os entes da cadeia produtiva[6].

Na terceira parte do TAC há diversas cláusulas, que visam concretizar as considerações iniciais, estipulando muitos compromissos. A principal obrigação assumida é a de não adquirir gado bovino de fazendas que estejam na lista de áreas embargadas e de trabalho escravo, divulgadas na internet pelo IBAMA e MET, ou que venha a ser comunicado pelo MPF[7].

Ainda na seção dos compromissos, o frigorífico deve obrigar-se a não adquirir gado bovino de fazendas que não apresentarem, dentro de 6 meses, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA), incluindo, no mínimo, o mapa da propriedade. Da mesma forma, os pecuaristas devem apresentar, no prazo de 12 meses, o pedido de licenciamento ambiental junto à SEMA, salvo se o CAR não foi efetivado por culpa do órgão público competente, e em 24 meses a própria licença ambiental. Finalmente há o prazo limite de 60 meses para que toda situação fundiária seja regularizada[8].

O TAC ainda estipula a obrigação de os frigoríficos manterem registro auditáveis, por cinco anos, dos lotes de produção, relacionando a origem do gado. Além disso, as empresas deverão remeter ao MPF a lista dos fornecedores credenciados e dos descredenciados, informando na internet a origem da carne.

Por fim, o TAC prevê uma cláusula penal de R$ 5,00 por hectare da fazenda fornecedora[9], cuja aquisição de produtos tenha sido realizada sem a observância dos compromissos, a ser recolhida em favor do Fundo Estatual de Meio Ambiente. Há também a obrigação do MPF de extinguir as ações civis públicas listadas nos “considerandos”, sendo que qualquer descumprimento poderá ser objeto de execução específica, valendo o TAC como título executivo extrajudicial.

2.1 Críticas do setor produtivo aos TACs assinados por frigoríficos

As obrigações assumidas, relativas aos inquéritos, autuações e processos em andamento, foram objeto de severa crítica pelo setor produtivo, pois em diversas situações, enquanto buscam regularizar sua propriedade, são prejudicados por não conseguirem escoar a produção. Para os pecuaristas, faltaria base legal para que os TACs sejam exigíveis. (Observatório Eco, 2010).

Porém, conforme a CF, são de interesse de toda a sociedade o aproveitamento racional e adequado da propriedade, a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, a observância das disposições que regulam as relações de trabalho e a exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (art. 186) (Borges, 2005, p. 276).  Assim, não falta fundamento legal para que os TACs sejam exigíveis, tendo em vista seu fundamento constitucional e infraconstitucional.

Por outro lado, o próprio MPF já assumiu no Termo de Compromisso[10] assinado, em 25 de novembro de 2009, pela Federação de Agricultura e Pecuária do Pará (FAEPA), produtores rurais, Governo do Estado do Pará e o IBAMA, garantindo a isenção de responsabilidade pelo descumprimento de qualquer dos prazos, caso haja culpa do órgão público competente, caso fortuito ou força maior. Assim, uma vez que o empresário rural busque a regularização, prejuízo algo haveria para o mesmo.

Ademais, consta no Termo de Compromisso, que a assinatura de TAC, por cada produtor rural, implica na retirada imediata das fazendas autuadas da lista das áreas embargadas, como medida de suspensão provisória da pena de embargo, tendo em vista o início do processo de regularização da propriedade. Há também a garantia de que os embargos só se restringirão aos locais onde efetivamente foi caracterizada a infração ambiental, e não as demais atividades realizadas em áreas não embargadas.

2.2 Sujeitos do TAC

Os TACs assinados por frigoríficos não se dirigem somente a eles, mas a outros agentes econômicos, como os produtores rurais, supermercados, curtumes, marchantes, governo, cooperativas, etc. Os frigoríficos, por exemplo, exercem atividade puramente industrial/comercial e não propriamente rural[11], assim como os demais agentes da cadeia produtiva, excetuando-se, por óbvio, a própria empresa agrária.

No entanto, a empresa agrária tem papel central nos compromissos descritos nos TACs, uma vez que é a destinatária das obrigações impostas, mesmo que quem tenha se comprometido tenha sido um frigorífico ou outro agente da cadeia produtiva. O caráter cogente advém do simples fato de os pecuaristas não conseguirem vender sua produção aos frigoríficos que já aderiram, forçando-os a regularizarem sua situação. Aliás, é possível também que a própria empresa agrária se comprometa diretamente por meio de um TAC específico com o MPF[12].

O conceito de empresa agrária, presente no Código Civil de 2002[13], foi construído com base na doutrina italiana, em que a mesma é definida como exercício profissional de uma atividade econômica, ou seja, de uma série de atos sistematicamente e funcionalmente conjuntos e voltados a certo fim: a produção ou a comercialização de produtos ou serviços (Carozza, 1982, p. 13), nesse conceito cabe diferenciar as atividades principais e conexas.

Entre as atividades ditas principais, desenvolvidas no interior de uma empresa agrária, encontra-se a criação de animais, sendo, portanto, uma atividade de produção. Assim, uma determinada empresa a) organizada adequadamente por um empresário, no exercício de seu poder de destinação; b) que se utilize dos meios configurados no estabelecimento; c) que faça desenvolver o ciclo biológico de vegetais ou animais vinculados, direta e indiretamente, às forças da natureza, promovendo tal atividade a título principal e voltada ao consumo, merece, nestes termos, o qualificativo de agrária. Já as atividades conexas são aquelas destinadas à transformação e à alienação dos produtos realizados no âmbito de uma empresa agrária particular. Assim, quando o próprio pecuarista decide beneficiar seu produto, por possuir frigorífico próprio, nem por isso deixará de ser caracterizado como agrário (Scaff, 1997, p. 36).

Entretanto, dificilmente seria possível a caracterização do frigorífico como atividade rural. Pela teoria biológica da agrariedade, o conceito de risco biológico, inexistente ou mínimo na atividade dos frigoríficos, está latente em qualquer forma de criação de animais e cultivos de vegetais, uma vez que constitui a principal debilidade da economia agrícola, que é na verdade o fundamento de um conjunto de normas especiais, que é o Direito Agrário. Assim, tal risco diferencia-se de outras atividades justamente por existir a sujeição às vicissitudes da natureza, embora tal critério seja objeto de debate por conta do avanço técnico-científico que permite maior segurança até mesmo quando comparadas a certas atividades industriais (Scaff, 1997, p. 38).

Assim, o frigorífico não poderia ser considerado, na maioria dos casos, como uma atividade conexa[14]. Apesar de lidar com a alienação e transformação de produtos agrários, deve haver também uma vinculação particular com a atividade agrária principal, pois quando consideradas de maneira autônoma, tais atividades são tipicamente afeitas ao Direito Comercial. Ademais, a atividade deve estar inserida na organização da empresa agrária organicamente, devendo ser considerada normal dentro de uma específica atividade de produção (Scaff, 1997, p.79).

2.2.1 O tratamento dispensado aos produtores rurais e a opção pela empresa agrária

O direito brasileiro adotou o critério alemão em que se admite que empresas não comerciais, mas organizadas como empresas, sejam consideradas comerciais, desde que inscritas no registro competente. Assim, o empresário rural será tratado como empresário comercial caso queira, ficando equiparado àquele para todos os efeitos (art. 971 do CC02). O caráter facultativo vem de encontro à realidade do campo, em que verdadeiras empresas agregam capital e trabalho exclusivamente para a exploração agrícola[15] (Hentz, 2005, p. 30).

A escolha pelo modelo empresarial, por força do art. 985, dá à sociedade personalidade jurídica distinta de seus sócios, para todos os fins legais. Em relação aos TACs assinados por empresários rurais, que optaram pelo registro como empresa comercial, importaria, em tese, na limitação da responsabilidade dos sócios. Entretanto, nos TACs analisados, todos os sócios também se comprometem a cumprir as cláusulas, de modo que os termos são também títulos executivos para todo o quadro societário, até porque, por conta das matérias envolvidas, não faltariam argumentos ao MPF para pleitear a desconsideração da personalidade jurídica.

Como é notório, quando o produtor rural opta pela empresa agrária, o ordenamento jurídico o protege com diversas normas que facilitam o exercício da atividade rural[16] (Gischkow, 1988). Entre os benefícios da caracterização da empresa agrária, encontra-se o acesso à financiamento rural, com crédito facilitado, regimes tributários e fiscais, regulamentação das relações de trabalho, etc. (Scaff, 1997, p. 38). Entretanto, não foi dispensado tratamento diferenciado nos TACs assinados pelos frigoríficos, que trazem obrigações de maneira indistinta tanto para o produtor rural que opta pela modelo de empresa rural, como para aquele que se registra como empresa, assim como para o de pequeno, de médio ou de grande porte[17].

Contudo, o MPF já se manifestou no sentido de casuisticamente conceder tratamento diferenciado ao produtor rural que queira se regularizar (como já analisado anteriormente, a respeito do Termo de Compromisso). Assim, por meio da assinatura de um TAC específico, o empresário rural pode negociar prazos e algumas condições. Ademais, após reuniões com o setor produtivo, diversas medidas foram tomadas pelo Parquet para efetivar a própria legislação protetiva conferida à empresa agrária[18].

No Termo de Compromisso assinado pelo governo do Pará, o mesmo se comprometeu também a implementar políticas públicas de apoio à regularização e ordenamento fundiário, inclusive a conclusão do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) (Barreto; Silva, 2011), exigências imprescindíveis em qualquer TAC assinado por produtores rurais. Todavia, ainda não há tratamento legal diferenciado sobre o tema, o que também é criticado, pois para muitos pecuaristas, os TACs estariam impondo algumas obrigações não previstas especificamente em lei[19] (A Gazeta, 2011).

 Apesar de ser primordial a preocupação ambiental e trabalhista, corre-se o risco de tais exigências significarem a imposição de um modelo produtivo em que somente os grandes empresários rurais, que em geral se registram como empresa, serão capazes de cumprir com todos os requisitos impostos, e terão conhecimento da existência de tratamento diferenciado. Ressalta-se ainda a hipossuficiência técnica-jurídica dos pequenos e médios produtores, que podem não conhecer todos os trâmites legais e as possibilidades de acordo com o MPF, pela simples falta de informação (Viacava,  2000).

Além de uma exigência mercadológica, a inclusão da gestão ambiental na cadeia produtiva do rebanho bovino é essencial até mesmo para gerar maior produtividade e diminuir o esgotamento do solo. Mais uma vez, a implementação de tais medidas são muito mais um problema de falta de informação do que grandes investimentos financeiros.

Analisando a questão sobre a ótica dos princípios do direito agrário, discutidos por alguns autores, percebe-se que há verdadeiro confronto principiológico. De um lado a legislação agrária deve garantir a proteção à propriedade familiar, à pequena e à média propriedade e o fortalecimento da empresa agrária como um todo. Por outro, o mesmo ramo do direito se norteia pela proteção do trabalhador rural; a conservação e preservação dos recursos naturais; o cumprimento da função social; e a prevalência do interesse público sobre o individual. (Marques, 2007, p.17 – Barroso; Passos, 2004).

Assim, a solução mais plausível é a que empresa agrária seja utilizada buscando cumprir, em um padrão de normalidade, o fim a que ela se destina, o que não gera necessariamente contraposições entre os interesses individuais e coletivos. Ao contrário, é possível compatibilizá-los, permitindo, na verdade, uma harmonização do setor produtivo com os fins legítimos da sociedade, tendo sempre em mente que o desenvolvimento econômico e social só será pleno se as liberdades individuais forem garantidas em sua totalidade (Maniglia, 2005, p. 78).

2.3 Outros Efeitos do TAC

A assinatura do TAC, além dos efeitos diretos na produção pecuária realizada pelo empresário agrário, também influenciou sobremaneira elementos essenciais do estabelecimento rural, como o crédito. Nesse contexto, o Tribunal de Conta da União (TCU) recebeu solicitação, feita em 4/11/2009, da Câmara dos Deputados, com o objetivo de verificar se as diretrizes dos Agentes Financeiros Oficiais (BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BASA), no que tange à concessão de financiamento de atividades do Setor Agropecuário na Amazônia, estavam em consonância com a legislação ambiental, e em especial com as políticas de redução do desmatamento.

O TCU concluiu, após extenso relatório, de maneira geral, que não foram constatadas inconformidades com a legislação ambiental. De qualquer forma, O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) determinou novas diretrizes socioambientais para financiamento ao setor da pecuária, passando a exigir a adesão ao sistema de rastreabilidade, verificação de regularidade socioambiental a toda a cadeia produtiva e a requerer auditoria independente similar à estabelecida pelos TAC (Barreto; Silva, 2011)[20].

A resposta dos setores interessados em tais medidas não foi favorável, tanto que o Deputado Federal Abelardo Lupion, solicitou por meio do ofício nº 177/2010-CAPADR, em 19/5/2010, ao Tribunal de Contas da União, ato de fiscalização e controle dos procedimentos administrativos e omissões por parte do IBAMA e do MPF, para que haja apresentação de propostas para a correção das irregularidades e desvios jurídicos e/ou econômicos encontrados.  

A fiscalização voltou-se sobremaneira para a “Operação Rei do Gado”, como ficou conhecida a atuação conjunta do MPF e IBAMA no Estado do Pará. Isso porque, segundo consta do relatório da CAPADR (Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados), em decorrência desta operação, grandes prejuízos teriam sido causados ao Estado do Pará, aos produtores rurais, frigoríficos, supermercados e à própria população.

O TCU autorizou a referida fiscalização, realizada em agosto de 2010, para verificar se a atuação do IBAMA tem sido de forma legal e impessoal, e dentro de suas competências regimentais, pois alegavam que o mesmo estaria se sujeitando a apontamentos de relatórios elaborados por ONG’s. O procedimento encontra-se em análise pelo TCU.

3. Tendências Jurisprudenciais

As decisões judiciais sobre o assunto ainda são escassas, tendo em vista a atualidade do tema. No entanto, em decisão datada de 21 de março de 2011, no Agravo De Instrumento nº 1745820114010000/PA[21], de relatoria do Juiz Federal convocado Renato Martins Prates, é possível vislumbrar uma provável tendência jurisprudencial sobre o assunto.

O referido Agravo atacou decisão que, na ação civil pública movida pelo MPF do Pará, de 1431-26.2009.4.01.3901, concedeu, em parte, o pedido de liminar para determinar que o requerido, Agropecuária Santa Barbara Xinguara S/A, promovesse a apresentação do Projeto de Recuperação de Área Degradada (PRAD) em até 90 dias; do comprovante de que deram entrada no pedido de obtenção do Cadastro Ambiental Rural, no prazo de 30 dias; do pedido de licenciamento ambiental formulado junto à Secretaria de Meio Ambiente, no prazo de 60 dias.

Na decisão agravada, constava também que a referida Agropecuária não poderia desmatar de forma ilegal qualquer nova área, nem figurar entre aqueles que estejam ou venham a ser processados por trabalho escravo e/ou por desmatamento, sendo que o descumprimento das obrigações descritas importaria no embargo judicial das atividades.

Nesse mesmo processo, o juiz de 1º grau, utilizando-se de um critério de razoabilidade, revisou a citada liminar anteriormente concedida, determinando que o PRAD fosse apresentado em até 90 dias, contados da emissão da licença ambiental rural, por tratar-se do trâmite normal. Ademais, foi determinada também a retificação da decisão liminar no sentido de fazer constar que apenas a condenação por trabalho escravo e/ou desmatamento acarretaria o embargo judicial das atividades, e não o simples fato de a parte autora estar sendo processada.

Nessa mesma liminar, que determinou o cumprimento das exigências impostas pelo MPF, o magistrado entendeu que a não apresentação do PRAD, demonstraria ausência de intenção de regularizar as atividades.  Na ratio decidendi, os argumentos utilizados foram os seguintes: “Em meados de 2009, foi firmado termo de ajustamento de conduta ente o Estado do Pará e o Ministério Público Federal para apoiar a regularização da pecuária no Estado. (…). Alguns frigoríficos também celebraram termo de ajustamento de conduta, fato este que se verificou nestes autos, e, entre as obrigações assumidas, comprometeram-se a adquirir gado de fornecedores que regularizassem suas atividades. Se o termo de ajustamento de conduta visa a regularizar o processo que culmina na venda de carne, natural que as fazendas criadoras de gado possam manter as atividades ao mesmo tempo em que devam cumprir obrigações impostas aos integrantes da cadeia produtiva. As empresas instalaram-se no Estado do Pará porque viram a possibilidade de auferir expressivos ganhos financeiros e não podem arrogar-se a condição de injustiçados pelo Poder Público se as regras do jogo foram alteradas. Precisam adaptar-se à nova realidade social e desprender-se das amarras que conduzem a um passado que não mais existe. Portanto, deve-se permitir aos requeridos a manutenção da atividade pecuária, desde que procurem ajustar-se aos ditames da lei, nos mesmos moldes em que definidos pelo Ministério Público Federal no presente pedido, ressalvando-se que, em caso de descumprimento das normas, será decretado embargos judicial das atividades. (Brasil; Tribunal Regional Federal da 1ª Região, 2011)”

Por tais razões, citadas na decisão do Agravo de instrumento, o recurso foi indeferido, não sendo concedido o efeito suspensivo pleiteado, até mesmo porque a agravante não demonstrou a inexistência de área a ser recomposta, bem como constava nos autos informações de que novas áreas estariam sendo desmatadas. Apesar de não acatar o pedido, a decisão demonstra que o judiciário, mesmo em 1º grau, tem abrandado algumas exigências impostas ao Ministério Público Federal e o IBAMA, até porque o objetivo, como ficou evidenciado nos motivos da decisão, não é inviabilizar a atividade produtiva, mas sim adequar os produtores a uma nova realidade.

A jurisprudência deve posicionar-se do mesmo modo em relação às empresas agrícolas de pequeno e médio porte, até como forma de dar continuidade à atividade produtiva. Resta saber se os mesmos terão condições de pleitear tais direitos junto ao judiciário, ou se tal flexibilização, em relação ao descumprimento dos requisitos autorizadores de embargos à atividade ou de outras exigências dos TACs, será um privilégio de poucos.

Conclusão

O papel das ONGs, por meio de relatórios, foi determinante para que o poder público e a sociedade civil exigisse o cumprimento da legislação ambiental e do trabalho por parte dos pecuaristas. A atuação do MPF junto aos frigoríficos demonstrou um alto nível de eficácia, pois forçou o produtor a regularizar sua situação, sob pena de não conseguir escoar sua produção.

O TAC, como instrumento jurídico, é adequado à situação ora analisada, pois visa solucionar de modo amigável o que seria resolvido por uma ação judicial, que traria severos prejuízos econômicos, e que não reduziria o desmatamento e o trabalho escravo.

As críticas do setor produtivo quanto à legalidade dos TACs assinados por frigoríficos não procedem, uma vez que as imposições do MPF visam ao cumprimento da lei, estando o Parquet disposto a dar tratamento privilegiado para os empresários rurais que buscarem regularizar sua propriedade, conforme o Termo de Compromisso assinado.

O fato de uma empresa ser agrária ou comercial, de pequeno, médio ou grande porte, é indiferente para os TACS dos frigoríficos, ficando a cargo do MPF, discricionariamente nos TACs dos produtores, decidir quais benefícios podem ser concedidos, de acordo com interesses passíveis de transação e a realidade do produtor.

O MPF precisa estar atento às questões relativas ao acesso à informação, principalmente por parte dos pequenos e médios produtores, continuando com as parcerias para que sejam proporcionados recursos para o planejamento ambiental e laboral. Essa atuação deve ser acompanhada de políticas públicas de inclusão dos infratores, ao invés de criminalizá-los e simplesmente retirá-los do mercado.

O Judiciário deve buscar analisar caso a caso a situação dos empresários rurais, com especial atenção ao do pequeno e médio porte, visando garantir as condições necessárias para que aqueles que realmente queiram se regularizar, continuem a produzir.

 

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Observatório Eco. Senadora Kátia Abreu critica a campanha Carne Legal. Disponível em http://www.observatorioeco.com.br/senadora-katia-abreu-critica-a-campanha-carne-legal/. Acesso em 27.mar.2011.
Scaff, F. C.. Aspectos Fundamentais da empresa agrária. São Paulo: Malheiros. 1997. Viacava, C. et. all. Nelore, o boi ecológico que está conquistando o mundo. São Paulo: Fundação Peirópolis, p. 61-80.
 
Notas:
[1] O relatório do Greenpeace intitulado “Farra do Boi na Amazônia”, demonstra como a carne bovina brasileira é a causa de grande parte da degradação ambiental e do trabalho escravo. Por meio de inúmeras investigações constatou-se até mesmo que uma das fazendas estava inserida em área de reserva indígena. O relatório aponta os nomes das empresas envolvidas, mesmo as vinculadas indiretamente. O próprio governo brasileiro é indicado como grande responsável, uma vez que só no governo Lula investiu-se cerca de R$ 340,3 bilhões em apoio da agricultura e pecuária, sendo que 83% foram destinados à agropecuária empresarial.

[2] Segundo dados do MPF, em 1º de junho de 2009, foram ajuizadas ações contra 11 frigoríficos e 20 fazendas de gado, responsáveis pelo desmatamento de 157 mil hectares no estado, para que pagassem R$ 2 bilhões como indenização pelos danos ambientais causados. Foram expedidas, de uma vez só, recomendações a 69 empresas, entre elas grandes supermercados, para que evitassem comprar produtos pecuários oriundos de fazendas que desmataram ilegalmente a Amazônia e desrespeitaram a legislação ambiental, fundiária, social e trabalhista, sob pena de também serem responsabilizadas. Em resposta às recomendações, as três maiores redes de varejo do país (Wal-Mart, Carrefour e Pão de Açúcar) suspenderam a compra de carne dos 11 frigoríficos.

[3] A lei estipula, de maneira geral, diversas obrigações aos produtores rurais no que concerne à procedência dos animais, obrigando a guarda de documentos como o Guia de Trânsito Animal e a nota fiscal, além de exigir que os bovinos sejam marcados ou tatuados, devendo tais marcas serem inscritas em órgãos ou entes públicos municipais ou estaduais ou nas entidades locais do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária.

[4] Em novembro de 2009, o governo federal anunciou uma queda de 45% no desmatamento entre agosto de 2008 e julho de 2009 em relação ao mesmo período do ano anterior − a mais baixa taxa registrada nos últimos 21 anos (7.008 km2). Esta queda decorreu muito provavelmente da intensificação da fiscalização no início de 2008 e da crise econômica iniciada em setembro do mesmo ano (Barreto; Silva, 2011)

[5] O TAC só pode ser utilizado, em regra, pelos órgãos públicos legitimados ativamente para ação civil pública (art. 5º, da LACP e art. 82 do CDC). Não se trata de transação, uma vez que o objeto de tutela jurídica, que poderá vir a ser objeto de ação civil pública, é substancialmente indisponível. Entretanto, a jurisprudência já tem admitido transação limitada em tais casos. Cabe ressaltar que no TAC cabe imposição de multa em caso de descumprimento dos compromissos firmados.

[6] O TAC considera: a legitimidade do MPF na defesa dos direitos difusos, e na proteção ao meio ambiente; o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 CF); a definição ampla de poluidor; a necessidade de aplicação do princípio do poluidor pagador; a exploração da pecuária como causadora principal do desmatamento; os próprios critérios que as empresas vinham adotando para descredenciar os fornecedores considerados ilegais pelas recomendações do MPF; o princípio da informação do CDC; o fato de as empresas estarem de acordo com as políticas ambientais, do trabalho, de reforma agrária e indígena; o Código de Ética da empresa e sua agenda de sustentabilidade.

[7] O frigorífico também não poderá adquirir carne de fazendas em que: ocorreram fatos geradores de ações do MPF ou MPE pela prática de trabalho escravo; haja condenação judicial de primeiro grau, e até a reforma da sentença, por invasão em terras indígenas, por violência agrária, lesão a comunidades quilombolas ou populações tradicionais, grilagem, desmatamento e outros conflitos agrários; tenha havido desmatamento após a assinatura do TAC.

[8] Há exigência ainda de que os frigoríficos só adquiram gado bovino se acompanhado de guia de trânsito animal eletrônica, a ser implantada pelo Governo paraense.

[9] A multa varia conforme a atividade desempenhada, por exemplo, no TAC assinado pelo Curtume Durlicouros, há uma multa de 100% do valor do quilograma do couro verde de origem ilegal, quando for constatada em auditoria interna a origem ilegal do produto, sendo aumentado o valor para 150% se não for pago dentro de 30 dias da comunicação, e sendo de 200% se foi constatada a irregularidade por auditoria externa do MPF.

[10] A estrutura do Termo de Compromisso é similar à dos TACs, diferenciando-se por ser uma declaração de intenções ou uma expressão da vontade das partes. Se descumprido, também pode ser objeto de ações judiciais, mas não como um título executivo, como os TACs. Entre as cláusulas não presentes no TAC encontra-se a possibilidade de regularização da reserva ambiental com base na legislação vigente, mesmo que haja alterações futuras; a apresentação ao MPF do mapa georreferenciado e plano de recuperação de APP ou reserva degradada, em 6 meses; e o compromisso de desmatamento zero.

[11] Como será visto no item subsequente, não haveria implicação ou benefício algum em relação aos TACs em configurar um frigorífico como empresa agrária.

[12] A atuação do MPF na elaboração dos TACs individuais com os produtores deve conciliar a proteção aos direitos ambientais com as liberdades e direitos constitucionais do empresário rural, levando em conta sua condição econômica. Essa intervenção deve ser feita de maneira menos nociva às partes e com maior eficiência possível no cumprimento de seus objetivos, quando tais interesses sejam passíveis de composição.

[13] O CC 02 traz conceito distinto do estipulado no Estatuto da Terra, que cria e modela a empresa rural, de conceituação nitidamente econômica, quando define “… o empreendimento de pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que explore econômica ou racionalmente o imóvel rural, dentro de condição de rendimento econômico… da região em que se situe e que explore área mínima agricultável do imóvel, segundo padrões fixados, pública e previamente, pelo poder Executivo”(Gischkow, 1988).

[14] Para caracterizar a atividade como conexa seria necessário que o frigorífico também exercesse atividade pecuária, devendo tal atividade ser a principal e responsável por 50% dos rendimentos, segundo o critério europeu. Da mesma forma devem ocorrer dois tipos de conexão, a subjetiva, ou seja, aquele que desenvolve as atividades conexas é o mesmo sujeito que desenvolve as atividades agrárias. A conexão dita objetiva é traduzida numa ligação econômica de fato entre uma e outra espécie de atividade, ou seja, a partir de uma atividade produtiva, a atividade de transformação do produto se desenvolve também em relação ao produto da atividade principal. De maneira geral, observando os signatários dos diversos TACs, percebesse que a atividade dos frigoríficos é estruturada basicamente como industrial, adotando-se o modelo societário mais conveniente.

[15] Percebe-se que há no empresário rural a maior gama de formas jurídicas: empresa individual ou sociedade, por qualquer de suas formas, com ou sem registro. Essa variedade de empresas agrícolas dificulta a elaboração de um conceito único de empresa agrária.

[16] As relações jurídicas de direito agrário são impositivas, cogentes, evidenciando a prevalência de um critério publicístico, submetendo o sujeito de direito à prevalência do interesse social e a transcendência dos fatores econômicos de progresso e desenvolvimento.

[17] Pela lei 8.629 de 25/02/1993, em seu art. 4º, inc. II, alínea a, a pequena propriedade foi definida como o imóvel rural de área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais. A média propriedade é definida pela mesma lei, como aquela com dimensão superior a 4 (quatro) até 15 (quinze) módulos fiscais. O módulo equivale à área da propriedade familiar, variável não somente de região para região, como também de acordo com o modo de exploração da gleba. Constitui um paradigma de apreciação, tendo em vista a área e a dupla função estabilidade econômica e bem-estar do agricultor (Ferreira, 1994)

[18] O MPF se comprometeu em: atuar na falta de acesso a financiamentos bancários por conta de fraudes; no combate do abuso de fiscalização do IBAMA, e no combate ao trabalho escravo; garantir que não haverá punições para aqueles que busquem a regularização; conceder prazos maiores, por meio dos TACS, e dentro da realidade do produtor; atuar nos processos de invasão indevida; reunir com o INCRA para melhorar a emissão de CCIR, etc.

[19] Em entrevista ao jornal “A Gazeta”, o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Acre (Faeac), Assuero Veronez, criticou a Ação Civil Pública movida no Acre, pelo alto teor punitivo, que afeta diretamente o pequeno produtor. De acordo com Assuero, hoje a pecuária do Acre é uma atividade que consegue movimentar um alto PIB de R$ 700 milhões (80% disso graças à atuação distribuída dos pequenos produtores). Quanto à defesa que os MPs alegam estar fazendo ao pequeno produtor, os pecuaristas elucidam que a ação vai gerar justamente o efeito contrário. Segundo eles, a multa aplicado aos frigoríficos abalaria toda a cadeia produtiva local. Com isso, o grande produtor sofreria algum abalo, mas conseguiria vender seus produtos no mercado externo. Já o médio precisaria cortar ainda mais gastos, mas conseguiria seguir o grande. Já o pequeno, sem opções e verbas para investir, quebraria completamente. Somadas a alta carga tributária, trabalhista e o compromisso ambiental, com o próprio risco do ciclo biológico e o médio e pequeno produtor não tem espaço de mercado, pois não consegue diluir tais custos na produção, diferente dos produtores de grande porte.

[20] No mesmo sentido o Banco Central já publicou, por meio do Comitê Monetário Nacional (CMN), duas resoluções sobre a necessidade da rastreabilidade: A Resolução 3.545 de 03 de março de 2008, que condiciona os financiamentos agropecuários na Amazônia à rastreabilidade e, mais recentemente, a Resolução 3.876 de 22 de junho de 2010, que veda a concessão de crédito rural para as empresas na lista do trabalho escravo.

[21] Em tal Ação Civil Pública, proposta contra Agropecuárias e Frigoríficos, foi pleiteada a indenização por dano material proveniente de exploração ilegal de área situada na Amazônia Legal, bem como o seu reflorestamento, alegando, em síntese, que "a principal fonte impulsionadora do desmatamento da Amazônia é a criação de pastos", representando a pecuária "o maior fator de pressão sobre a floresta, que vem perdendo a briga para os interesses econômicos dos pecuaristas e das indústrias ligadas à carne e ao couro". O Ministério Público Federal, após inúmeras negociações empreendidas entre diversos integrantes do setor produtivo, Governo do Estado, Ibama , estabeleceu como primeiro passo para a celebração do Termo de Ajustamento de Conduta, a apresentação do Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD) por parte dos produtores, o que não ocorreu, razão pela qual foi concedido prazo de  30 dias, para só então ter início o processo de assinatura do Termo de Ajuste de Conduta.


Informações Sobre o Autor

Davi Quintanilha Failde de Azevedo

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto USP. Ex-auxiliar de Pesquisa no Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas Ipea. Advogado


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