O dano moral coletivo aplicado ao direito laboral

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Resumo: O presente estudo acerca do dano moral coletivo aplicado ao Direito do Trabalho tem por escopo primeiramente buscar as características do dano moral coletivo diferenciando-o do dano moral individual. Por derradeiro será o tema delimitado ao mbito do Direito Laboral com a análise de jurisprudências e da importncia da atuação do Ministério Público do Trabalho. Com isso pretende-se demonstrar a relevncia do tema ora em estudo buscando uma visão mais moderna e atual do Direito principalmente no tocante aos direitos metaindividuais.

Palavras-chave: Direitos coletivos. Dano moral coletivo. Dano moral individual. Direito do Trabalho

Abstract: The current study about collective moral damage applied do Labor Law aims first to enumerate the characteristics of collective moral damage and to differentiate it from individual moral damage. For the purpose of this study we will focus solely on labor law with the analysis of jurisprudence and the importance of the Labor Public Ministry. With that we aim to show the relevance of the current research subject by searching for a modern and actual definition of Law mostly in what regards to meta-individual rights.

Keywords: Collective rights Collective moral damage Individual moral damage Labor Law.

Sumário: Introdução. 1 Conceito e Evolução Histórica do Dano Moral. 2 Dano Moral Individual X Dano Moral Coletivo Diferenciações. 3 Dano Moral Coletivo Aplicado ao Direito Laboral. Considerações Finais

Introdução

Trata o presente estudo do Dano Moral Coletivo aplicado ao Direito do Trabalho. A importância do estudo do tema se dá não somente em razão de sua atualidade e relevância, mas sobretudo pelo fato de que, conforme será demonstrado a seguir, não há dúvidas acerca da real existência de danos desta natureza na sociedade atual. Como o Direito é feito para a sociedade, e não o oposto, torna-se realmente necessário que o Direito se atualize, a fim de atender às necessidades que temos nos dias atuais.

Neste mesmo sentido, com sapiência, afirma Raimundo Simão de Melo que “vivemos a era da chamada multiplicação dos direitos, principalmente no âmbito dos direitos sociais. Tal vem ocorrendo a partir do final da Segunda Guerra Mundial, sobretudo com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que, no art. 2º, I, estabelece que “cabe a cada indivíduo todos os direitos e liberdades enunciadas na presente Declaração, sem nenhuma distinção por razões de cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outro tipo, por origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou outra consideração”( 2004, p. 41).

Neste diapasão, a tendência é o surgimento de cada vez mais direitos coletivos, na acepção mais ampla do termo. O aparecimento de novos direitos reclama novas modalidades de tutela, tendo em vista que, em razão de suas características próprias, que os diferenciam sobremaneira dos direitos individuais, não podem os direitos coletivos ser tutelados da mesma maneira, com a mesma técnica processual com que são tutelados os direitos individuais.

Por tal motivo, temos hoje um microssistema processual coletivo, que nada mais é do que um conjunto de normas específicas que tratam do processo coletivo, buscando a efetiva e adequada tutela e proteção destes “novos direitos”. Estes instrumentos são: Código de Defesa do Consumidor, Lei da Ação Civil Pública, Lei da Ação Popular, Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso etc. Ainda, temos a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil em caso de vazio normativo específico e desde não conflite com os diplomar legais já mencionados, bem como com os princípios aplicáveis ao Processo Coletivo.Assim, começaremos nosso estudo trazendo o conceito do dano moral, bem como sua evolução história, no Capítulo 1. Posteriormente, no Capítulo 2, trataremos das diferenças existentes entre o dano moral individual e o dano moral coletivo. No Capítulo 3, chegamos ao ápice, ao ponto central, ao que podemos chamar de “coração” do presente trabalho, pois trataremos do dano moral coletivo aplicado ao Direito do Trabalho, trazendo jurisprudências e dispondo acerca da importância da atuação do Ministério Público do Trabalho e da possibilidade de se impor a condenação em danos morais metaindividuais extrajudicialmente, por meio dos chamados Termos de Ajustamento de Conduta, que visam, principalmente, ao ajustar condutas, evitar a propositura de Ações Civis Públicas, constituindo, também, num meio de solução de conflitos mais célere, econômico, e muito eficaz.

Não obstante a escassez doutrinária do tema ora em estudo, não foi árdua a tarefa de encontrar material de pesquisa, em razão da enorme quantidade de jurisprudências, sobretudo na seara trabalhista, área que, ao lado do direito ambiental, mais amplamente tem aceitado a possibilidade de condenação em razão de danos morais coletivos.

1. Conceito e Evolução Histórica do Dano Moral

Para que possamos desenvolver o tema “dano moral”, torna-se necessário, inicialmente, tratarmos do conceito deste instituto. Partindo de seu conceito, poderemos passar aos seus desdobramentos, verbi gratia, da problemática em torno de sua quantificação, até chegarmos ao ponto principal deste estudo, que é a aplicação do dano moral coletivo ao Direito do Trabalho.

Não há, atualmente, uma uniformidade no que diz respeito à conceituação do dano moral. Há autores que o definem como sendo o sofrimento, a humilhação, a dor; trata-se do que se costuma denominar conceito positivo. Há também autores que partem do conceito negativo, considerando-o como todo aquele dano que não fosse de ordem patrimonial.

Sérgio Cavalieri Filho, pautado na ordem constitucional de 1988, com ênfase na dignidade da pessoa humana, traz o seguinte conceito: “À luz da Constituição vigente, podemos conceituar o dano moral por dois aspectos distintos: Em sentido estrito, dano moral é a violação do direito à dignidade. E foi justamente por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem corolário do direito à dignidade que a Constituição inseriu em seu art. 5º, V e X, a plena reparação do dano moral”. (2009, p. 80)

Xisto Tiago de Medeiros Neto, com sapiência, dispõe que “se o interesse jurídico, objeto da lesão, pela sua própria essência, não ensejar uma quantificação econômica diante da impossibilidade de traduzir-se o dano em medida de valor, observa-se, entre nós, a adoção dos termos “dano moral”, “dano extrapatrimonial”, “dano não-patrimonial” ou “dano imaterial”. (2007, p. 49)

Em termos gerais, temos como certo que, ao passo que o dano material é de ordem objetiva, ou seja, trata-se da diminuição patrimonial, o dano moral é de natureza não econômica, atinge o patrimônio moral do indivíduo, causando dor, angústia, sofrimento. Insta salientar que o mero aborrecimento não configura dano moral, conforme já consignado em nossa jurisprudência pátria mais farta.

Não obstante termos, atualmente, a previsão constitucional do direito ao dano extrapatrimonial, tal espécie de reparação nem sempre foi aceita. A corrente de pensamento que pregava a impossibilidade de reparação do dano moral utilizava como argumento a inexistência de valor econômico aos direitos lesionados, bem como a ausência de critérios para verificar a dimensão do dano. Tal ocorria em razão da valorização de direitos patrimoniais, em detrimento dos chamados direitos da personalidade, direitos estes que não são passíveis de valoração pecuniária.

Ab initio, não tínhamos, no ordenamento jurídico brasileiro, nenhum documento que previsse expressamente o direito à reparação por danos morais. Por este motivo, a possibilidade da reparação em razão da violação de direitos não-patrimoniais ficava a cargo da doutrina e jurisprudência, sendo extremamente polêmica a questão acerca da aceitação ou não do dano extrapatrimonial pelo ordenamento jurídico brasileiro. Ademais, ou negava-se totalmente a reparabilidade do dano moral ou aceitava-se esta apenas quando o ato tido como ilícito afetasse também o patrimônio da vítima.

O Código Civil de 1916 nada dizia a respeito do dano moral, dispondo apenas da responsabilidade civil quando alguém, por meio de ação ou omissão ilícita, causasse dano a outrem. Após a vigência do Código Civil de 1916, algumas leis esparsas previram a reparabilidade do dano moral, v. g., a Lei de Imprensa, o Código Eleitoral, a Lei dos Direitos Autorais etc.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, foram sepultadas todas as controvérsias acerca da existência do dano moral. Em seu artigo 5º, incisos V e X, nossa Lei Maior prevê expressamente o direito à indenização pelo dano moral. Ademais, a Súmula 37 do STJ dispõe que “são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral, oriundos do mesmo fato”. Interpretando o texto da súmula a contrario sensu, temos que os danos moral e patrimonial são independentes, ou seja, para que seja possível a indenização por dano extrapatrimonial, não constitui pressuposto a existência concomitante do dano patrimonial.

Posteriormente à vigência da Constituição Federal de 1988, o STJ, por meio da edição da Súmula 227, externou entendimento no sentido de que também a pessoa jurídica é passível de sofrer dano moral.

O Código Civil de 2002, em consonância com a Constituição da República de 1988, no artigo 927, caput, dispõe que: “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Nota-se que não há restrição nenhuma quanto à espécie do dano que gera a responsabilidade civil; desta feita, temos a previsão legal da reparabilidade de toda e qualquer espécie de dano, seja este patrimonial ou extrapatrimonial.

Já o artigo 186 do citado diploma legal prevê expressamente o direito à reparação pelo dano moral: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Assim, o Código Civil de 2002 conferiu a ampla proteção aos direitos patrimoniais e extrapatrimoniais, além da reparação integral em virtude de qualquer espécie de dano, com expressa menção ao dano moral.

Atualmente, em razão do disposto na Constituição Federal e no Código Civil, não há dúvidas acerca do acolhimento, por parte do ordenamento jurídico brasileiro, da reparabilidade do dano extrapatrimonial. Além de reconhecer expressamente o dano moral, nossa legislação tratou de ampliar seu sentido, considerando como dano moral não apenas aquele de aspecto subjetivo, que causa um constrangimento que atinge o íntimo, a essência do ser, chegando a lesionar a alma, mas também as violações de direitos da personalidade como o nome, a honra, a imagem, ou seja, houve uma objetivação do dano moral.

2. Dano Moral Individual X Dano Moral Coletivo – Diferenciações

A caracterização do dano moral coletivo não segue as mesmas regras que regem as relações individuais; para que se evidencie, o dano moral coletivo prescinde da comprovação de dor, sofrimento, transtorno ou qualquer outro sentimento.

Assevera Medeiros Neto que “resta evidente, com efeito, que, toda vez em que se vislumbrar o ferimento a interesse não-patrimonial, do qual titular uma determinada coletividade (em maior ou menor extensão) configurar-se-á dano passível de reparação, sob a forma adequada a esta realidade jurídica peculiar aos direitos transindividuais, que se traduz em uma condenação pecuniária arbitrada judicialmente, reversível a um fundo específico, com o objetivo de reconstituição dos bens lesados.” (2007, p. 129)

Com efeito, o dano moral coletivo restará configurado, independentemente do número de pessoas afetadas, quando o ilícito acabar por afetar direitos pertencentes a uma determinada coletividade. Em suma, o dano moral coletivo relaciona-se com o bem da vida que se pretende proteger, e não com o sujeito eventualmente afetado.

O dano moral coletivo, portanto, corresponde a toda lesão aos valores extrapatrimoniais titularizados pela coletividade, isto é, ocorre quando violada a projeção coletiva da personalidade humana.

A reparabilidade do dano moral coletivo está em consonância com o movimento de socialização do direito e com o princípio da integral reparação albergado no art. 5º, V e X CRFB. Salientamos que a possibilidade de indenizar o dano moral coletivo está expressamente prevista no art. 1º da Lei 7347/85 e art. 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor.

Na seara trabalhista, o dano moral coletivo já é amplamente aceito. Já decidiu o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª região: “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EMPRESA DE PESQUISA DE OPINIÃO. SERVIÇOS DE ENTREVISTA/COLETA DE DADOS PARA PESQUISA, REVISÃO E DIGITAÇÃO DE DADOS. CONTRATAÇÃO DE FREE LANCERS. DANO MORAL COLETIVO. O procedimento adotado pelas rés, de contratar trabalhadores, na condição de autônomos, para o exercício de funções inerentes à sua atividade-fim (entrevista/coleta de dados para pesquisa, revisão e digitação de dados), impondo-lhes a observância de diretivas acerca da prestação de serviços, revela-se antijurídico e autoriza a reparação por danos morais coletivos. O dano moral coletivo "corresponde à lesão injusta e intolerável a interesses ou direitos titularizados pela coletividade (considerada em seu todo ou em qualquer de suas expressões – grupos, classes ou categorias de pessoas), os quais possuem natureza extrapatrimonial, refletindo valores e bens fundamentais para a sociedade" (Xisto Tiago de Medeiros Neto, Dano Moral Coletivo. São Paulo: LTr, 2.ed., p. 137). O reconhecimento do dano moral coletivo (e a possibilidade de sua reparação) tem respaldo constitucional (art. 5º, X, da Constituição Federal) e é tutelado pela Lei. (0163600-46.2009.5.03.0109 RO, 7ª Turma, Rel. Aline Monteiro de Barros, 20/03/2011)”.

Duas grandes diferenças entre o dano individual e o coletivo dizem respeito às suas funções e à destinação do quantum fixado na indenização.

O dano moral individual possui função compensatória, ou seja, a indenização é tida como forma de compensar a dor sofrida. Como os direitos violados são extrapatrimoniais, ou seja, insuscetíveis de avaliação pecuniária, o valor da indenização deve ser fixado com razoabilidade, levando em consideração a gravidade da lesão ao direito e a dimensão do dano moral sofrido. Não existem critérios preestabelecidos para fixar o quantum debeatur, sendo, inclusive, defeso predeterminar o valor de indenizações em razão de atos ilícitos; ou seja, não é permitia a indenização tarifada, já que adotamos o princípio da reparação integral, devendo o dano ser reparado em toda a sua extensão.

Por sua vez, o dano extrapatrimonial coletivo não possui essa função compensatória. Fácil é notar a preponderância da função sancionatória, punitiva, juntamente com a função pedagógica, conferindo-lhe destacado valor social. Assim, a responsabilidade civil decorrente de ato ilícito que acabe por violar direito metaindividual busca penalizar o infrator, de modo que este não mais volte a praticar tais atos.

Visa, outrossim, conscientizar a sociedade, a fim de prevenir que outros sujeitos venham a repetir tal prática. Assim, a condenação ao pagamento de indenização em razão de danos morais coletivos não visa, diretamente, a reconstituir o patrimônio moral da coletividade lesionada, mas sim a conscientizar a sociedade em geral, bem como punir o infrator. Como tal condenação pode servir como uma “resposta” à sociedade, mostrando a efetiva tutela de seus direitos metaindividuais, podemos falar em uma reparação indireta. No entanto, diferentemente do dano moral individual, o coletivo não busca a efetiva reparação, compensação, possuindo uma preponderante função sancionatória e pedagógica.

Com relação à destinação do quantum indenizatório, quando em relação a dano moral individual, o valor será totalmente revertido para a vítima, a fim de compensar os danos sofridos. Já a indenização paga em razão do dano moral coletivo, conforme dispõe a Lei da Ação Civil Pública, artigo 13 caput, será revertida a um fundo gerido por um Conselho Federal ou Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados. Tal ocorre em razão da impossibilidade de se determinar o quantum da indenização por dano moral coletivo aos grupos que sofreram os danos, em face da impossibilidade de se determinar os componentes de cada grupo, bem como da indivisibilidade que caracteriza os direitos difusos e coletivos.

Diante da previsão do artigo 13 da Lei da Ação Civil Pública, foi instituído, pela Lei 9.008/95 e regulamento pelo Decreto Federal nº 1.306, o Fundo de Defesa de Direitos Difusos. No entanto, a fim de atender aos seus objetivos específicos, na seara trabalhista, os valores pagos têm sido comumente revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que foi instituído pela Lei 7.998/90 com a finalidade de custear o Programa de Seguro-Desemprego, o pagamento do abono salarial e o financiamento de programas de desenvolvimento econômico.

Derradeiramente, importante lembrarmos da possibilidade da convolação ou redirecionamento da indenização a título de dano extrapatrimonial coletivo, que consiste em destinar a parcela indenizatória objeto da condenação a outra aplicação, que não o fundo específico instituído por lei.

Xisto Tiago de Medeiros Neto (2007, p. 169) traz elucidativos exemplos de destinações específicas da parcela indenizatória decorrente de dano moral coletivo: “Seriam exemplos de tais obrigações pactuadas com o ofensor: a) promover e financiar campanha publicitária ou educativa; b) efetuar específica obra; c) adquirir e entregar bens a determinadas entidades públicas ou privadas (realizadoras de atividades de interesse público ou social), e que sejam úteis às suas iniciativas; d) executar certo projeto de cunho social”.

Arremata o mencionado autor afirmando que “dois aspectos deverão ser necessariamente considerados: o primeiro, atinente à correspondência ou pertinência da conduta acertada com os bens jurídicos tutelados na ação civil pública (meio ambiente de trabalho, não discriminação das relações laborais, proteção de crianças e adolescentes, patrimônio público e probidade administrativa, regularidade, boa-fé e equidade nos contratos trabalhistas etc.); o segundo, respeitante à proporção e razoabilidade entre o valor antes fixado – ou, se o caso, ainda por ser arbitrado – para a reparação inerente ao dano moral coletivo, e o custo financeiro representado pela obrigação em acerto com o réu, por meio da conciliação judicial”.

Trata-se de modalidade de conciliação submetida à homologação judicial, por meio da qual as partes acordam acerca da destinação da parcela equivalente à indenização decorrente de dano moral coletivo. Falamos em conciliação e não em transação, haja vista tratar-se de direitos indisponíveis. Temos, na realidade, o mero redirecionamento do quantum da indenização, proporcionando à coletividade uma forma de recomposição mais concreta, com a realização de condutas adequadas, em favor do bem jurídico lesionado.

Nada impede, ainda, que, no caso de inidoneidade patrimonial do autor do ato ilícito causador de dano moral coletivo, ao invés de se impor uma condenação em dinheiro, imponha-se uma condenação que atinja sua esfera pessoal, por meio de cominações não pecuniárias consistentes em obrigações de fazer, não fazer ou até mesmo na limitação de alguns direitos. A responsabilidade civil, neste caso, pode incidir sobre pessoas físicas, jurídicas e até mesmo sobre entes despersonalizados.

3. Dano Moral Coletivo Aplicado ao Direito Laboral

Se existe uma área específica em que o tema do dano moral coletivo possui grande relevância, é na seara trabalhista. A Justiça do Trabalho já reconhece amplamente o direito à indenização decorrente de danos morais extrapatrimoniais, e isto se deve ao fato de que o Direito do Trabalho é, em sua essência, um direito coletivo.

Nos dizeres de Sérgio Pinto Martins (2009, p. 7) “a história do Direito do Trabalho identifica-se com a história da subordinação, do trabalho subordinado. Verifica-se que a preocupação maior é com a proteção do hipossuficiente e com o emprego típico”.

A partir da Revolução Industrial, com a automação e os novos métodos de produção, surgiram diversos problemas sociais, em especial, as más condições de trabalho. Novamente, utilizando dos ensinamentos de Sérgio Pinto Martins (2009, p. 6): “(…) bem retrata o trabalho abusivo a que eram submetidos os trabalhadores nas minas Émile Zola, em Germinal. O trabalhador prestava serviços em condições insalubres, sujeito a incêndios, explosões, intoxicação por gases, inundações, desmoronamentos, prestando serviços por baixos salários e sujeito a várias horas de trabalho, além de oito. Ocorriam muitos acidentes de trabalho, além de várias doenças decorrentes dos gases, da poeira, do trabalho em local encharcado, principalmente a tuberculose, a asma e a pneumonia. Trabalhavam direta ou indiretamente nas minas praticamente toda a família, o pai, a mulher, os filhos, os filhos dos filhos etc. Eram feitos contratos verbais vitalícios ou então enquanto o trabalhador pudesse prestar serviços, implicando verdadeira servidão. Certos trabalhadores eram comprados e vendidos com seus filhos. Os trabalhadores ficavam sujeitos a multas, que absorviam seu salário”.

Foi em razão destas más condições de trabalho que nasceu a necessidade de uma maior intervenção estatal, com a finalidade de assegurar o direito à dignidade dos trabalhadores. Trata-se o direito do trabalho, como direito social que é, indubitavelmente, de um direito essencialmente coletivo, que pertencem à toda a classe de trabalhadores, indistintamente.

Nossa Lei Maior, em seu artigo 6º, dispõe que são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados. Ademais, o artigo 7º, em seus trinta e quatro incisos, prevê diversos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais.

Por se tratar de direitos sociais, não raro a lesão a algum destes direitos ocasionará um dano capaz de afetar toda a classe de trabalhadores ou até mesmo toda a sociedade, dependendo da gravidade do fato. É justamente por isso que o tema do dano moral coletivo torna-se tão importante na seara trabalhista.

É claro que a afirmação de que o Direito do Trabalho é um direito social não se deve ao simples fato de tais normas terem sido tecidas para a coletividade. Ora, toda e qualquer norma é feita para a coletividade, isso, inclusive, é característica da norma legal; a generalidade consiste no fato de a lei valer para todos, indistintamente.

O grande diferencial das normas trabalhistas diz respeito à própria natureza dos direitos. É muito mais fácil visualizarmos um dano coletivo quando uma empresa discrimina seus empregados em razão de raça, sexo ou qualquer outro motivo do que quando um particular descumpre um contrato de compra e venda, por exemplo. A lesão aos direitos trabalhistas, naturalmente, gera maior repercussão e acaba por atingir toda a sociedade.

Basta analisarmos alguns exemplos para perceber a essência transindividual do Direito Trabalho. Imaginemos o fato de um empregador manter seus empregados em situação análoga à escravidão; ou o fato de um empregador não fornecer os equipamentos de proteção individual, quando deveria fazê-lo; imaginemos um empregador que mantenha crianças e adolescentes em trabalhos insalubres ou perigosos.

Não é difícil vislumbrarmos a repugnância, o mal sentimento, a tristeza, enfim, o dano moral que tais atos causam à coletividade, além, obviamente, dos danos causados, individualmente, aos que sofreram tais lesões.

Não obstante a escassez de produção doutrinária acerca do dano extrapatrimonial coletivo, uma simples análise de jurisprudência demonstra a ampla aceitação da indenização por danos morais que afetam a coletividade. Atente-se para o seguinte julgado, oriundo do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região: “EMENTA: PRÁTICA DE LIDE SIMULADA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS METAINDIVIDUAIS, DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DANO MORAL COLETIVO. CARACTERIZAÇÃO. Se é verdade que qualquer ação trabalhista pode terminar em conciliação, não menos verdadeiro é afirmar que as partes só podem se valer do Poder Judiciário para levar uma lide à sua apreciação. A prática da figura da "reclamação simulada" é antijurídica. A competência constitucional atribuída a esta Justiça Especial pelo art. 114 da Carta Magna, aliada ao papel social e econômico que representa a solução das controvérsias decorrentes das relações de trabalho dentro da dinâmica de funcionamento e atuação do País, autoriza o convencimento sobre a existência de dano moral coletivo praticados pelos militantes da praxe da lide simulada. A empresa, ao explorar determinado ramo de atividade econômica de forma desenfreada, é responsável pelos atos por ela praticados, principalmente, aqueles que ensejam a sua responsabilidade civil, em face do ilícito praticado. "A sociedade moderna edificou-se sobre a liberdade, a produção, o consumo e o lucro. A pós-modernidade, exacerbadora desses valores, luta para inserir o homem neste quarteto, isto é, nestes quatro fios com os quais se teceu o véu do desenvolvimento econômico global, uma vez que a exclusão social muito aguda poderá comprometer o sistema. Produção em massa, consumo em massa, trabalho em massa, lesão em massa, desafiando um típico processo trabalhista para a massa, concentrando o que está pulverizado, e que, em última análise, nada mais é do que um processo em que se procura tutelar direitos metaindividuais, também denominados de coletivos em sentido amplo, transindividuais, supra-individuais, globais, e tantos outros epítetos, mas todos com a marca indelével da lesão em massa, que é o seu núcleo, a sua alma, a sua essência, ou o seu diferencial. A evolução do dano moral no nosso sistema jurídico permite, atualmente, com base na Constituição e na legislação ordinária, a reparação dos danos morais coletivos. Objetiva-se, com essa indenização, oferecer à coletividade de trabalhadores, tendo como pano de fundo a sociedade, uma compensação pelo dano sofrido, atenuando, em parte, as consequências da lesão, ao mesmo tempo em que visa a aplicar uma sanção de índole inibitória pelo ato ilícito praticado pela empresa." (00611-2007-021-03-00-7 RO, publicação em 21/06/2008, 4ª Turma, Des. Relator Luiz Otávio Linhares Renault)”.

Nota-se que o dano moral coletivo é devido quando a lesão atinge a coletividade genericamente considerada, e tal ocorre com freqüência em razão da massificação das relações de trabalho e suas repercussões na sociedade.

Muito elucidativa a seguinte ementa, também do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região: “EMENTA: DANO MORAL COLETIVO. A reparação do dano moral é assegurada por nosso ordenamento jurídico, estando esse direito expressamente arrolando na Constituição Federal dentre o rol os "Direitos e Garantias Fundamentais" (artigo 5-o, V e X, CF/88). Assim como ocorre a infração aos direitos da personalidade, intrínsecos ao ser humano, individualmente considerado, também, é possível a violação à moral social, já que a sociedade, do mesmo modo que o indivíduo, possui um "patrimônio" moral, que deve ser respeitado. Contudo, se a atitude fraudulenta das rés, não obstante deva ser repudiada, não ocasiona um sentimento coletivo de indignação, de desapreço e de desconformidade a ponto de ferir a moral social, estando o dano adstrito aos trabalhadores diretamente relacionados com o fato, inexiste o dano moral coletivo, não havendo que se falar na indenização de que trata o artigo 13, da Lei 7.347/85. (00447-2003-069-03-00-4 RO, publicação em 31/07/2004, 8ª Turma, Relator Convocado Paulo Maurício Ribeiro Pires)”.

Encerrado o assunto acerca da importância da temática ora em estudo no direito laboral, passemos a algumas considerações importantíssimas acerca da atuação do Ministério Público do Trabalho, além da possibilidade de condenação em danos morais em sede de processo administrativo.

Quanto à atuação do Ministério Público do Trabalho, nos dizeres do Procurador do Trabalho Raimundo Simão de Melo, temos que “a atuação do promotor do trabalho inicia-se com o recebimento de uma denúncia contra os direitos metaindividuais. Apurada a mesma no âmbito de um inquérito civil ou de um procedimento administrativo qualquer e, constatando-se  existência de agressão ao sistema jurídico ou aos interesses aludidos, busca-se a assinatura de um termo de ajustamento de conduta (que é um “acordo” extrajudicial), pelo qual o inquirido compromete-se, mediante a fixação de uma astreinte, a cumprir o comando legal. Caso não seja possível a obtenção do compromisso, então, ajuíza o promotor dotrabalho a respectiva ação coletiva” (2004, p. 51).

Além de legitimado a propor a ação coletiva, caso esta seja proposta por outro legitimado concorrente, o Ministério Público atuará no feito, obrigatoriamente, na qualidade de custos legis, sob pena de nulidade absoluta do processo. Nota-se a importância do Ministério Público do Trabalho na defesa dos direitos trabalhistas metaindividuais, e não poderia ser diferente.

O Ministério Público é órgão essencial à justiça, que possui, dentre outras funções, a missão de zelar pelos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Assim, em havendo lesão a direitos trabalhistas sociais, poderá ser feita denúncia perante o Ministério Público do Trabalho. Em audiência administrativa, se possível, será firmado um Termo de Ajustamento de Conduta, título executivo extrajudicial que visa solucionar, em âmbito administrativo, o problema, evitando a proposição de Ação Civil Pública ou outra ação coletiva.

O Termo de Ajustamento de conduta prevê obrigações de fazer ou não fazer, a fim de adequar condutas, para que fiquem de acordo com as disposições legais, ou seja, para que as lesões aos direitos não se repitam. Ainda, em caso de descumprimento das obrigações firmadas no Termo de Ajustamento de Conduta, impõe-se uma multa, já prefixada no próprio Termo.

Importante mencionarmos a possibilidade de fixação de pagamento de indenização por danos morais coletivos no próprio Termo de Ajustamento de Conduta. Em audiência administrativa, o Procurador do Trabalho já poderá fixar a parcela indenizatória a título de danos morais coletivos, destinando-a ao Fundo de Amparo ao Trabalhado (FAT) ou a outra finalidade específica, por meio da convolação, conforme exposto no Capítulo 2.

Além de ser um meio mais célere, o Termo de Ajustamento mostra-se também mais eficaz, pois a solução é encontrada pelas próprias partes, com a participação direta do infrator. Diferentemente da sentença judicial, o Termo de Ajustamento não é imposto, mas é fruto de tratativas e diálogo entre as partes. O Ministério Público do Trabalho envia a minuta do Termo para o futuro compromissário, que possui liberdade de aceitar o Termo por completo, de não aceita-lo e até mesmo de discutir e negociar cláusula por cláusula, adequando as obrigações e valores pactuados de acordo com suas condições e possibilidades, sendo plenamente respeitados o contraditório e a ampla defesa.

Considerações Finais

De tudo o que foi visto, deve-se concluir que a condenação a pagamento de indenização a título de danos morais coletivos é plenamente possível atualmente; e isso ocorre não somente em razão da previsão expressa desta modalidade de dano no artigo 6º, inciso VI do Código de Defesa do Consumidor, mas também pelo fato de que os direitos coletivos lato sensu são legalmente conferidos à sociedade em geral, e como tal, caso desrespeitados, deverá haver sua devida reparação, nos moldes do que preconiza a Constituição Federal.

Ao conferir direitos, nosso ordenamento jurídico deve conferir também meios de tutela, reparando-os em caso de lesões, sejam estas patrimoniais ou não. Assim, não reconhecer o direito à reparação em caso de dano moral coletivo implica em deixar os direitos coletivos à margem, sem proteção jurídica.

Foi demonstrada, no capítulo 4, a importância do dano moral coletivo na seara do Direito do Trabalho, principalmente em razão da natureza dos direitos trabalhistas, direitos sociais, garantidos constitucionalmente e que, quando violados, geram grande repercussão em toda a sociedade, em razão do fato de que a lesão a tais direitos acaba por violar a própria dignidade da pessoa humana, que constitui pilar básico de nosso ordenamento jurídico e fundamento da República Federativa no Brasil, consoante disposto no artigo 1º, inciso III da Carta Magna de 1988.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Fernanda Pereira Barbosa

Graduada em Direito pela Universidade Federal de Uberlndia. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera – Uniderp. Advogada do Município de Uberlândia


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