Os limites e os riscos da flexibilização das normas trabalhistas

Resumo: O presente artigo tem como objetivo explanar sobre os riscos da flexibilização das normas trabalhistas frente ao atual cenário do Direito do Trabalho e da sociedade. O trabalho científico em tela busca questionar até onde acordos e convenções coletivas de trabalho se sobressaem às normas trabalhistas, inclusive constitucionais, visto que, muitas vezes, fazem o trabalhador abrir mão de determinados direitos que lhe são garantidos por norma constitucional ou trabalhista, devido a necessidade de manter-se no competitivo mercado de trabalho. Se faz necessária uma análise relacionada ao limite desta flexibilização do direito do trabalho, pois se trona clarividente a existência de um confronto entre o princípio da autodeterminação coletiva com os princípios da dignidade da pessoa humana, o da proteção, o da norma mais favorável, e o da indisponibilidade dos direitos trabalhistas. O presente trabalho, ainda, busca trazer a tona os riscos de começar a se admitir a flexibilização autorizada pela própria Constituição Federal de maneira equivocada, ou seja, como se fosse uma carta em branco, podendo sobrepor-se a todos os princípios do Direito do Trabalho, e, até mesmo, alterar cláusulas consideradas como pétreas, as quais nem mesmo o Estado poderia modificar, nem mesmo mediante Emenda Constitucional.

Palavras-chave: Autonomia Coletiva. Colisão de Princípios. Direito do Trabalho. Flexibilização. Futuro das Relações Trabalhistas. Limites a Negociação Coletiva.

Sumário: 1 Introdução. 2 Evolução do direito do trabalho no Brasil. 2.1 Fenômenos atuais do direito do trabalho. 3 Conceituação e espécies de flexibilização. 3.1 Evolução histórica da flexibilização dos direitos trabalhistas. 3.2 A flexibilização na atualidade. 4. Limites e possibilidades de se flexibilizar direitos trabalhistas. 4.1 A flexibilização e a Constituição Federal de 1988. 4.2 Os riscos da flexibilização e o futuro do direito do trabalho. 5 Conclusão.

1 Introdução

O presente artigo trata de um assunto atual, objeto de muita discussão entre profissionais da área jurídica, empregadores, sindicatos e trabalhadores, pois o trabalho é um dos mais importantes pilares da sociedade, e, estando o Brasil e o mundo no auge do capitalismo, com uma economia completamente globalizada, acabam por forçar modificações das regras que regulam o trabalho.

Dessa forma, o objetivo geral do presente artigo científico será responder se, em nome da autonomia coletiva e constante desemprego, é possível os sindicatos criarem, via negociação coletiva, normas específicas de uma determinada categoria, fazendo com que o trabalhador abra mão de direitos assegurados pela legislação, demonstrando os riscos sociais que existem nestas flexibilizações. Se discute, também, os casos em que a própria Constituição Federal autoriza a criação de negociações coletivas, ou seja, divide-se opiniões doutrinárias e jurisprudenciais acerca da possibilidade de flexibilizar as normas trabalhistas apenas nas hipóteses em que a lei expressamente assim autorizar, ou se, em nome da autonomia coletiva, pode-se abranger para outros direitos não literalmente autorizados.

O presente estudo possui grande importância, não só para os admiradores do Direito do Trabalho, mas também pra a sociedade e para o conhecimento.

É importante para a sociedade, pois trata sobre um tema de grande relevância social, tendo em vista que serão discutidos problemas atuais e a necessidade de mudanças no direito trabalho, desde que estas sejam feitas sem brusco prejuízo ao trabalhador, e por intermédio do poder legislativo, e não via autonomia coletiva, pois esta deve servir para garantir benefício à categoria.

Tal estudo também será útil para o conhecimento e para o direito em geral, tendo em vista que ela levará todos que a lerem a uma indagação e à busca de possíveis soluções ao problema traçado.

Para tanto, será feito um breve estudo sobre a história e a atualidade do direito do trabalho, bem como se faz necessário um breve estudo sobre o fenômeno da flexibilização, estudando o seu histórico e seu atual papel nas relações de trabalho.

É reconhecido que o trabalhador está em estrita conexão com seu grupo através do presente princípio. O inciso XXVI do art. 7º[*], da CF de 1988, e os arts. 619[†] e 620[‡] da CLT são exemplos nítidos da força normativa das convenções e acordos coletivos. Através deste princípio, se reconhece que há, em muitos casos, uma submissão do interesse individual ao interesse coletivo. Mas ocorre que, sendo o trabalho um direito fundamental, há vários princípios que protegem as garantias trabalhistas, ocorrendo assim, um choque entre princípios, pois como pode o trabalhador abrir mão de uma parcela trabalhista por meio da autonomia coletiva se existe, por exemplo, o princípio da proibição de retrocesso social, e o princípio da norma mais favorável.

A flexibilização é uma modificação da situação do trabalhador, alterando e diminuindo seus direitos, devido a grande competitividade do mercado na busca de melhorar as condições de concorrência da empresa. Esta flexibilização dos direitos do trabalhador é patrocinada pelo pensamento neoliberal, o qual impõe a idéia que quanto mais livre forem as relações de consumo e de trabalho, maior será o crescimento da economia. Então, o fato é que existe o direito dos trabalhadores ao reconhecimento de suas negociações coletivas, com base no inciso XXVI do art. 7º da CF, mas aí um grande problema, pois estabeleceu-se um debate sobre o alcance da negociação coletiva, ou seja, se só se pode negociar o que está expressamente autorizado, ou se pode negociar outros direitos, não só os expressamente previstos, tendo em vista o reconhecimento da negociação coletiva como instrumento normativo.

Tendo em vista esta problemática serão estudadas as diversas opiniões a respeito de quais direitos podem ser flexibilizados por meio de negociação coletiva, ou seja, somente os expressamente autorizados pela CF, ou este rol poderá ser alargado, sendo estudados, ainda, os limites das negociações autorizadas pela própria lei, pois se tratando o trabalho de um direito fundamental, esta autorização não significa que o direito poderá simplesmente ser aniquilado pela vontade das partes, pois todos os atos desta fonte autônoma de regras deverão respeitar todos os princípios que garantem a dignidade humana do trabalhador.

No desenvolvimento do presente artigo, far-se-á uso do método histórico, tendo em vista que será necessário resgatar questões atinentes à evolução do direito do trabalho e da flexibilização, bem como compreender esta realidade histórica, para que assim, se possa chegar às suas possíveis soluções. Além do método de procedimento acima, serão usados como métodos de abordagem o método hermenêutico, vista a necessidade de descobrir um conhecimento, ou seja, uma solução para o problema apontado, bem como a necessidade de interpretar os textos pesquisados, assim como, o método dialético, pois tratar-se-á de contradições presentes nos artigos de lei e nos princípios a serem tratados, buscando compreender e solucionar essa realidade contraditória e em constante transformação.

2 Evolução do direito do trabalho no Brasil

No que diz respeito à evolução do direito do trabalho no Brasil, pode-se afirmar que aqui não se sentiu os impactos da Revolução Industrial como no resto do mundo. Não se previa a existência de relações de trabalho, pois ele era basicamente escravo, sendo que a economia girava em torno do ruralismo. Porém, nas cidades havia o trabalho artesanal, semelhante às corporações de ofício.

Com a abolição da escravidão, em 1888, pôde-se começar a pensar em relações de trabalho regulamentadas, e fundadas na liberdade do trabalhador, tanto que na Constituição de 1891 podiam ser vistos sinais jurídicos de regulação do trabalho.

Nesse mesmo ano, surgiu o Decreto 1.313, o qual regulamentou o trabalho dos obreiros menores, com idade de doze a dezoito anos. Em 1903 foi promulgada a lei sindical rural, e em 1907, a primeira lei geral dos sindicatos, a qual adotou princípios importantes como o da autonomia e o da pluralidade sindical. (RUSSOMANO, 2001, p.20)

O processo de regulamentação das relações de trabalho teve como fator impulsionador o Tratado de Versalhes, datado de 1919, visto que nesse mesmo ano foi criada a Lei de Acidentes de Trabalho. Daí para frente, com as Constituições de 1934, 1937 e 1946, a legislação brasileira passou a melhor regular o trabalho no Brasil, através da intervenção estatal.

Assim, segundo Maranhão e Carvalho, pode-se sintetizar o desenvolvimento do direito do trabalho no Brasil da seguinte forma: até 1919 quase não havia leis trabalhistas, sendo que neste ano foi promulgado o decreto n. 3.724, tratando dos acidentes de trabalho; a Lei Eloy Chaves, de 1923 tratou sobre caixas de aposentadoria e pensões dos ferroviários, sendo que neste mesmo ano foi criado o Conselho Nacional do Trabalho; o Ministério do Trabalho nasceu com a Revolução de 30, sendo que os órgãos parajudiciais de apreciação dos dissídios trabalhistas datam 1932; em 1934 foi promulgada a Constituição que inaugurou as constituições sociais no Brasil; a Constituição do Estado Novo, de 1937, proibiu a greve e atrelou os sindicatos ao Estado, sendo que nesse período foi instituído o salário mínimo e promulgada a Consolidação das Leis do Trabalho; a Constituição de 1946 incluiu como parte do judiciário a Justiça do Trabalho; em 1964, o golpe militar desestabilizou as regulações trabalhistas, visto que a lei n. 4.330/69 restringiu o direito de greve. Essas legislações objetivavam dificultar o desenvolvimento do direito coletivo do trabalho, visando o crescimento do direito individual trabalhista, para que assim, os sindicatos permanecessem vinculados ao Estado. (1993, p.20 e 21)

Com a Constituição de 1988, marcada pelo fim do regime militar, houve a consagração de diversos direitos trabalhistas como direitos fundamentais, fortalecendo os direitos individuais dos trabalhadores, e desatrelando do Estado os Sindicatos.

2.1 Fenômenos atuais do direito do trabalho

Vista a historicidade do direito do trabalho, mostra se importante o estudo da situação atual desse ramo do direito, tendo em vista o surgimento de fenômenos tais como a flexibilização dos direitos trabalhistas e a globalização neoliberal da economia.

De acordo com o pensamento neoliberal, “quanto mais livre fossem o investimento e a atividade das empresas, maiores seriam o crescimento e a prosperidade para todos”. (VECCHI, 2007, p.44) Assim, passou-se a pensar que o Estado não deveria intervir na economia, o que acarretou em medidas como a privatização das estatais.

Houve, também, uma reestruturação do poder e da economia mundial, passando de um sistema produtivo fordista para o toyotista, ou seja, passou se da produção em massa, onde ”o trabalhador atua numa única parte da produção, de forma repetitiva, rápida e estressante” (DALLEGRAVE NETO, 2000, p.64), para um sistema onde busca-se aproveitar cada trabalhador ao máximo, formando grupos de trabalho onde existem metas, que para serem cumpridas obrigam o trabalhador a dedicar a totalidade do seu tempo ao trabalho, não permitindo que ele se desperse, utilizando-se da totalidade do seu tempo. Assim sendo, verifica se que “no Toyotismo a produção é sob medida (just in time), de acordo com a demanda e exigências do consumidor. Não há sobras, portanto, não há necessidade de estocagem, o que diminui os custos”. (DALLEGRAVE NETO, 2000, p.65) É a administração sob pressão, onde o trabalhador vive sob um estresse absurdo. Aqui percebe-se a presença da flexibilização das relações trabalhistas, fenômeno que será melhor abordado nos títulos seguintes do presente trabalho.

Porém, graças a crescente tecnologia implantada nas empresas, estas têm formado grandes redes, sendo que pequenas e médias empresas têm se ligado a empresas principais, formando complexos relacionados. Portanto, mesmo que a produção tenha se tornado fragmentada com o advento do toyotismo, o capital está cada vez mais concentrado e centralizado. (VECCHI, 2007, p.53)

Assim, o surgimento do toyotismo ocasionou a precarização das condições de trabalho, prevalecendo a exploração do trabalhador e acarretando na sua subordinação frente o capital. Além disso, o toyotismo acaba por causar o desemprego, porém, prega que a solução para isso está centrada na flexibilização dos direitos dos trabalhadores, quando na verdade, ela pode acabar gerando ainda mais desemprego, visto que a globalização neoliberal diminui os postos de trabalho, colocando os trabalhadores numa situação preocupante. Mas o que pode ser observado acerca do desemprego é que ele é diretamente proporcional a falta de desenvolvimento do país, ou seja, quanto menos desenvolvido é o país (e conseqüentemente menos pode investir em tecnologia) maior será o desemprego.

Assim, pode-se concluir que o direito do trabalho encontra-se num período delicado, levando em conta a atual situação do trabalhador frente aos problemas trazidos pela flexibilização, tais quais: o desemprego, a renúncia de direitos adquiridos, a precariedade das condições de trabalho, entre outros. Portanto, faz-se pertinente um estudo acerca dessa flexibilização, abordando seu significado, evolução e função.

3 Conceituação e espécies de flexibilização

No que tange o direito do trabalho, pode-se entender a flexibilidade, em seu sentido amplo, como a “eliminação, diminuição, afrouxamento ou adaptação da proteção trabalhista clássica, com a finalidade – real ou pretensa – de aumentar o investimento, o emprego ou a competitividade da empresa”. (URIARTE, 2002, p.9) Assim, a flexibilização é uma modificação da situação do trabalhador, alterando e diminuindo seus direitos, devido a grande competitividade do mercado, na busca de melhorar as condições de concorrência da empresa.

Visto que a flexibilidade que hoje se aplica no Brasil é a que traz, basicamente, prejuízos ao empregado, pode-se concluir que existem também outras classes de flexibilização, cabendo, aqui, breve designação das suas principais espécies.

A primeira classe de flexibilização é aquela inerente ao direito do trabalho, visto que busca sempre a proteção do trabalhador, atuando em seu benefício, sendo ela chamada de flexibilidade de proteção. Já a flexibilidade de adaptação trata-se de uma adaptação feita por meio da autonomia coletiva. Em contraposto a estas, tem-se a flexibilidade de desregulamentação, a qual refere se a desistência ou diminuição de direitos trabalhistas. (URIARTE, 2002, p.10)

Além disso, pode-se diferenciar também a flexibilização autônoma da heterônoma. A última “é a flexibilidade imposta unilateralmente pelo Estado, por meio de lei ou decreto que simplesmente derroga um direito ou benefício trabalhista, diminuindo-o ou o substituindo por outro menor”. (URIARTE, 2002, p. 11) Percebe-se então que, nesse tipo de flexibilização predomina a vontade do Estado ou do empregador, não importando o interesse do empregado. Porém, em contrapartida está a flexibilidade autônoma, na qual predomina a vontade do empregado, visto que é gerada pela autonomia coletiva. Assim pode-se compreender que, com relação ao agente, a flexibilização pode ser: unilateral, sempre que for imposta pelo empregador ou pelo Estado; negociada com sindicato; ou mista, sendo por vezes unilateral e por vezes negociada, dependendo da situação.

Uma terceira classificação de flexibilização a divide em condicionada e incondicional. A primeira condiciona a perda do trabalhador à uma compensação advinda do Estado ou do empregador. Na segunda não há uma contrapartida, pois o empregado abre mão de um direito gratuitamente.

Contudo, conforme salienta Uriarte, sob a denominação de flexibilidade tende-se a incluir dois conceitos diferentes:

“de um lado, sobretudo na doutrina européia, reserva-se a palavra desregulamentação para se referir à flexibilização unilateral, imposta pelo Estado ou pelo empregador, diminuindo ou eliminando benefícios trabalhistas, sem real participação da vontade do trabalhador e sem contrapartida ou sem contrapartida determinada e exigível. Por outro lado, essa mesma doutrina reserva o termo flexibilização para identificar a adaptação autônoma, negociada e condicionada, quer dizer, em troca de determinadas e exigíveis contraprestações e não em troca de uma mera expectativa”. (2002, p. 17) ( grifos do autor)

Compreendida breve noção do que vem a ser a flexibilização dos direitos trabalhistas, mostra-se necessário analisá-la num contexto histórico, observando sua evolução no sistema legal brasileiro.

3.1 Evolução histórica da flexibilização dos direitos trabalhistas

Em 1965 já percebeu-se a existência da flexibilidade dentro do direito do trabalho, através da Lei n. 4.923, a qual permite uma redução geral e transitória dos salários através de acordo sindical, desde que tal diminuição não supere 25% do salário contratual, sempre que a empresa for afetada substancialmente pela economia. Um ano depois, em 1966, a Lei n. 5.107 (substituída pela Lei n. 8.036/90) trouxe a flexibilidade para o âmbito da dissolução contratual, pois trouxe aos empregadores ampla liberdade para despedir os empregados sujeitos ao regime do FGTS. Posteriormente, a Lei n. 6.119/ 74, permitiu o desenvolvimento de empresas de trabalho temporário, buscando atender a necessidade de substituir, temporariamente, trabalhadores com a qualificação necessária para aquela função. Também são identificados instrumentos de flexibilização na própria Constituição Federal, em seu artigo 7º, incisos VI, XIII e XIV, sendo permitida a redução de salário, de jornada de trabalho e a eventual ampliação da jornada de trabalho em turnos ininterruptos de revezamento através de acordo ou convenção coletiva. Já em 1994, surgiu a Lei n. 8.949, que dispôs sobre a inexistência de vínculo empregatício entre a sociedade cooperativa e seus associados, o que gerou a prática de fraudes por grande parte dos empregadores, os quais despedem seus empregados e imediatamente voltam a tomar seus serviços, desde que constituam sociedades cooperativas. (LAVOR, 1993, p. 674 e 675)

A flexibilidade é igualmente encontrada na Lei n. 9.601/98, a qual prevê o contrato de trabalho por prazo determinado, sendo permitida a contratação de empregados com contrato de trabalho a termo, o que acarretou em redução de encargos sociais, diminuindo os direitos trabalhistas dos obreiros ao invés de estimular novas contratações, o que era o objetivo principal de tal lei. No ano seguinte, a Medida Provisória n. 1.779 criou o trabalho em tempo parcial, possibilitando a contratação até o limite máximo de 25 horas semanais, pagando salário proporcional à jornada, tendo diferenciação com relação ao número de dias de férias, e proibindo a venda de 1/3 das férias e a prestação de horas extraordinárias. Tal Medida Provisória instituiu também uma nova modalidade de suspensão do contrato de trabalho, a qual deve ser previamente autorizada em acordo ou convenção coletiva, necessitando de concordância do empregado. (LAVOR, 1993, p. 674 e 675)

Assim, pode-se perceber que a flexibilização pode se dar de várias formas, como reduzindo ou extinguindo direitos já adquiridos pelos trabalhadores, o que tem se dado por meio dos acordos e convenções coletivos, e também pela própria lei. Tal flexibilidade é ocasionada, principalmente, devido o alto índice de desemprego, o que obriga o trabalhador a submeter-se a essa imposição do mercado.

Portanto, são exemplos de flexibilização dos direitos dos trabalhadores: a jornada de trabalho, que tem sofrido variações nos últimos tempos; o sistema de banco de horas, o qual permite que o trabalhador labore além da sua jornada normal sem receber horas extras por isso, podendo apenas compensá-las em momento posterior; a contratação a termo, ou seja, aquela que tem uma data já pré-estabelecida para o término da relação de trabalho; a regulamentação do trabalho temporário; a redução salarial; a terceirização; o trabalho a domicílio, regulamentado no artigo 6º da CLT[§]; o trabalho em tempo parcial; a nova modalidade de suspensão do contrato; a sub-empreitada, com disposição no artigo 455 da CLT[**]; a dispensa imotivada de qualquer trabalhador, desde que indenizada. (COLUSSI, 2003, p.98 – 101)

3.2. A flexibilização na atualidade

Após o estudo da evolução do fenômeno da flexibilização dos direitos dos trabalhadores, mostra-se de grande valia a sua análise na atualidade, buscando-se compreender sua função no mercado de trabalho presente.

Conforme já vislumbrado, com a Revolução Industrial houve uma grande modificação na situação do trabalhador. Porém hoje, o mundo passa por uma revolução tecnológica, a qual tem causado um prejuízo inestimável ao trabalhador, que tem sido substituído por máquinas. Tal situação gerou a desregulamentação e a flexibilização das condições de trabalho, visto que as empresas têm buscado cada vez mais reduzir custos, devido a grande competição do mercado. Assim, as condições de trabalho oferecidas ao trabalhador são bastante precárias, ofendendo sua dignidade com trabalhos excessivos, salários baixos, jornadas altas, entre outros.

No direito brasileiro sempre foi permitida a alteração das normas e acordos, desde que fosse para melhorar a situação do trabalhador, tendo como fundamento principal sempre a aplicação da norma mais favorável ao empregado, ou seja, havendo duplicidade de normas, a este é aplicada sempre a mais benéfica. Percebe-se que tal modelo de modificação de normas adquiridas foi caminhando para um caminho perigoso, visto que a flexibilidade que hoje está ocorrendo é a que traz a desvantagem ao obreiro, ou seja, a piora da situação do trabalhador. Sendo assim, o que foi chamado de modernização e competitividade do trabalho exercido por meio da autonomia coletiva, pode acabar atingindo diretamente os trabalhadores. (VECCHI, 2007, p.204)

Com a globalização, o mundo empresarial mostra-se cada vez mais competitivo. Essa competitividade faz com que o empregador tenha que se adaptar às necessidades do mercado, precisando reduzir gastos, e tal economia acaba por refletir em prejuízo ao trabalhador, o qual é o pólo mais fraco da relação de trabalho. Assim, com a flexibilização, o empregado tem se submetido a situações degradantes, como redução salarial, jornada de trabalho excessiva, sem falar nos efeitos indiretos como a exploração demasiada do trabalhador, fazendo com que ele se submeta a uma carga de trabalho descomunal, situação na qual tem-se um funcionário trabalhando por quatro.

Ainda cabe referir que o desemprego é uma das principais causas e conseqüências da flexibilidade. É causa, pois ele é uma das justificativas usadas para a flexibilização, sendo que se alega que com uma menor rigorosidade das leis trabalhistas mais empregos estarão disponíveis. Mas, o que se observa, é que o desemprego é também conseqüência do processo flexibilizador dos direitos dos trabalhadores, visto que seu objetivo inicial de gerar mais empregos com o afrouxamento das leis não possuiu melhor sorte, pois há muitos anos que vem sendo usada a flexibilização no Brasil, mas o desemprego é crescente, ou seja, nunca houve tanta falta de emprego como hoje em dia.

E por falar em conseqüências da flexibilização, outra delas é o fato de que os sindicatos possuem pouca capacidade de negociar e manter os direitos da classe trabalhadora empregada, bem como não possuem uma estrutura ideal para responder aos interesses da camada de população que não está empregada.

Vale lembrar também que, com o fim da estabilidade no emprego e da indenização por despedida injusta, foi conferida ao empresário a liberdade para remanejar seu quadro de pessoal, o que aumentou a rotatividade na mão-de-obra, o que traz sérios prejuízos, inclusive para a qualificação profissional. (BOMFIM, 2002, p. 31)

Hoje, a flexibilização tem exercido a função de manusear a continuidade das relações de emprego entre trabalhadores e o setor privado, visto que no passado foram criados muitos direitos para o trabalhador e poucos para o empregador. Esta atitude do poder legislativo advém do fato de que “seria impossível a livre negociação individual do trabalho prestado em troca de uma remuneração sem criar péssimas condições de trabalho. Daí o surgimento de um direito do trabalho protetor”. (URIARTE, 2002, p.24)

Assim, visto que a humanidade encontra-se num período de desemprego em massa, globalização, evolução da computação e maquinários diversos, torna-se um momento propício para que os empregadores exijam que seja mais barato manter seus empregados, pois existe, além de todos os direitos a serem pagos aos trabalhadores, uma alta carga tributária devida ao Estado, e ainda uma acirrada concorrência econômica, onde empresas do mundo inteiro competem com preços dentro de uma mesma região. Por estes motivos a flexibilização das normas de Direito do Trabalho é um acontecimento que traz prejuízo aos trabalhadores, mas a sua melhor regulamentação se torna imperiosa, pois na atualidade ela tem a sua função, a qual é de adequar as normas trabalhistas a certa categoria de trabalhadores em determinada época em que a sociedade se encontra.

Desse modo, tem-se, de um lado a idéia de que a flexibilização veio como um pretexto para prejudicar os trabalhadores, alterando e extinguido direitos já adquiridos por eles, com muito esforço, ao longo das décadas, o que seria considerado inconstitucional. Por outro lado, há autores que defendem a posição de que é necessário haver uma flexibilização das relações de trabalho, tendo em vista a competitividade do mercado, alegando que há um excesso de rigidez das normas trabalhistas e de proteção ao trabalhador. Tais posições serão discutidas no presente trabalho em momento posterior e oportuno.

. Limites e possibilidades de se flexibilizar direitos trabalhistas

A crescente globalização, o avanço da tecnologia, bem como o grande nível de desemprego,

têm causado grandes modificações no direito do trabalho. Tais modificações, segundo Nascimento:

“levaram à revisão de algumas leis trabalhistas, para que não dificultassem a criação de novos tipos de contratos individuais de trabalho que permitissem o aproveitamento de trabalhadores desempregados, como o contrato a tempo parcial, o contrato de reciclagem profissional por prazo determinado e a ruptura dos contratos de trabalho motivada por causas econômicas, técnicas ou de reorganização das empresas” (2004, p.75).

Essas idéias formam a chamada flexibilização do direito do trabalho, a qual pode ser conceituada como sendo “o afastamento da rigidez de algumas leis para permitir, diante das situações que a exijam, maior dispositividade das partes para alterar ou reduzir as condições de trabalho” (NASCIMENTO, 2004, p.75).

É visível que ao longo do tempo a CLT vem passando por muitas modificações, e estas quase sempre vêm a prejudicar a situação do trabalhador, sendo assim, é demonstrado pelo próprio legislador a necessidade de mudanças. Mas como todos sabem, a sociedade está à frente da legislação, então a norma negociada se torna muito fácil e prática.

Mas a grande questão é: o que pode ser negociado, e até onde esta negociação pode chegar? Como diz Bomfim:

“Era impensável, até a última década, discutir-se a possibilidade de uma norma negociada na área do direito do trabalho – cuja razão de ser é a proteção jurídica do trabalhador em face da sua inferioridade econômica frente ao empregador – sobrepor-se a lei”. (2003, p. 13)

Em muitos casos, a norma negociada se sobrepõe à norma legislada, mas isso no direito do trabalho não é nenhuma aberração, pois, pelo princípio da norma mais favorável, a norma que vale para o trabalhador é sempre a mais benéfica a ele, não importando, assim, a hierarquia destas normas. Mas por outro lado, como pode se cogitar em um acordo ou uma convenção coletiva vir a diminuir um direito previsto na Constituição ou na CLT? Por exemplo, se a norma a ser aplicada ao trabalhador é sempre a norma mais favorável, então na hora de se verificar qual das duas normas se aplica a um determinado trabalhador, tendo de um lado uma norma coletiva, e do outro lado a norma legislada, qual deve ser aplicada? Tendo em vista o princípio da irrenunciabilidade de direitos, a proibição de retrocesso social e o princípio da norma mais favorável, a norma que deverá ser aplicada é sempre a mais benéfica ao trabalhador, então, no caso de uma negociação coletiva vir a prejudicar o trabalhador, não poderia ser aplicada, e sim a norma legislada.

Ensina Vecchi que:

“se muitos dos direitos dos trabalhadores são configurados como direitos fundamentais, entra em discussão a questão de sua proteção e limitação não só pelo Estado, por meio de emendas constitucionais ou leis, mas também por instrumento de autonomia privada, como as convenções e acordos coletivos de trabalho. Se estes direitos estão protegidos contra uma emenda constitucional que atente contra o seu núcleo essencial, mas isso se acentua perante qualquer norma infraconstitucional ou norma provida da autonomia privada coletiva, que jamais poderão afetar o núcleo essencial ou não observar o princípio da proporcionalidade.” (2007, p. 204)

Tendo isto em vista, se nem uma emenda constitucional pode alterar um direito social fundamental, tal modificação também não pode ser feita por via da negociação coletiva e por normas infraconstitucionais.

 Há quatro correntes sobre o que pode ser objeto de negociação e o que não pode, sendo que, a primeira corrente defende que não poderá haver renúncia e transação quanto aos direitos previstos em lei, salvo quando a própria lei autorizar, mas não haverá óbice àqueles de caráter privado; já a segunda corrente entende que não deve haver renúncia e transação aos direitos previstos em lei, salvo quando a própria lei autorizar, e quanto àqueles previstos em norma de ordem privada, a alteração só poderá ocorrer quando não causar prejuízo ao obreiro; em contra partida a terceira vertente é no sentido de classificar os direitos trabalhistas em direitos de indisponibilidade absoluta ou de indisponibilidade relativa, mas aí a questão é delicada, pois há uma outra discussão de o quais realmente seriam os direitos trabalhistas de indisponibilidade absoluta e quais seriam os direitos se indisponibilidade relativa; e por fim chegamos a quarta e última vertente, que é a adotada por alguns tribunais, afirmando que tudo é possível através de norma coletiva, em face da própria flexibilização autorizada pela CF de 1988. Defendem que, se a constituição permitiu diminuir o salário, o menos está automaticamente autorizado. (CASSAR, 2006, p.411).

As quatro correntes doutrinárias apresentadas pela autora possuem aspectos importantes, porém, de acordo com a brevidade desse artigo, serão referidas apenas duas como sendo as posições dominantes: uma que é totalmente favorável à flexibilização dos direitos dos trabalhadores, permitindo que a autonomia coletiva prevaleça em relação a uma norma constitucional ou trabalhista, mesmo que venha a prejudicar o trabalhador; e outra corrente que é totalmente contra a renúncia dos direitos trabalhistas quando esta renúncia venha a acarretar prejuízo ao trabalhador.

Muitos dos direitos trabalhistas são direitos fundamentais da pessoa humana, constituindo-se assim, uma limitação à autonomia da vontade contratual entre empregadores e empregados, deste modo, entende Cassar que “forçoso concluir que todos os direitos trabalhistas previstos na lei são indisponíveis, imperativos, cogentes. Somente poderão ser disponibilizados quando a própria lei autorizar sua disponibilidade”. (2006, p. 409)

A respeito dos limites da flexibilização exercida pela norma coletiva, observa Bomfim que:

“Se se permitir que, mediante negociação coletiva, os percentuais ou valores, correspondentes a cada direito ou parcela, sejam, reduzidos os direitos ali consagrados serão, na prática, anulados, perderão efetividade, tornar-se-ão meramente simbólicos. Seria um desvirtuamento do prece constitucional. Criar-se-iam , por via oblíqua, outras exceções, que, ao em vez de visarem à melhoria dos direitos sociais, redundariam em prejuízo destes.” (2003, p. 18)

Então, de acordo com o próprio autor deve-se estimular o uso da negociação coletiva para beneficiar o trabalhador, e nunca para retirar dele um direito conquistado ao longo da história.

Entende Süssekind que seria melhor se a Constituição Federal tivesse possibilitado à lei ordinária indicar, restritivamente, quais são os direitos que poderiam ser objeto de negociação coletiva, sendo que a estes direitos autorizados seria fixados limites a esta flexibilização, ou seja, não sendo uma carta em branco para a autodeterminação coletiva, por exemplo, negociar da forma que bem entender. (1997, p. 213)

Em 23 de novembro do ano de 2007, na Primeira Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, foram aprovados alguns enunciados, que em uma análise breve, contribuem para o entendimento da questão discutida na presente pesquisa, se não vejamos:

De acordo com o enunciado de número 9 da Primeira Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho (23 de novembro do ano de 2007), foram aprovados alguns enunciados, se não vejamos:

“9. FLEXIBILIZAÇÃO.

I – FLEXIBILIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS. Impossibilidade de desregulamentação dos direitos sociais fundamentais, por se tratar de normas contidas na cláusula de intangibilidade prevista no art. 60, § 4º, inc. IV, da Constituição da República.

II – DIREITO DO TRABALHO. PRINCÍPIOS. EFICÁCIA. A negociação coletiva que reduz garantias dos trabalhadores asseguradas em normas constitucionais e legais ofende princípios do Direito do Trabalho. A quebra da hierarquia das fontes é válida na hipótese de o instrumento inferior ser mais vantajoso para o trabalhador.”

Assim, é clarividente a presença da norma mais favorável no presente entendimento, sendo que uma norma no direito do trabalho, como, por exemplo, acordos coletivos, só poderiam sobrepor-se a uma norma, quando forem mais benéficos ao trabalhador, ao contrário não deverá surtir seus efeitos.

Por fim, o enunciado a seguir forma um entendimento que uma supressão de direitos não pode ser chamada de negociação. Ou seja, para se negociar é precisão que ambas as partes façam concessões mutuas, e não apenas uma parte ceda. Se não vejamos:

“33. NEGOCIAÇÃO COLETIVA. SUPRESSÃO DE DIREITOS. NECESSIDADE DE CONTRAPARTIDA. A negociação coletiva não pode ser utilizada somente como um instrumento para a supressão de direitos, devendo sempre indicar a contrapartida concedida em troca do direito transacionado, cabendo ao magistrado a análise da adequação da negociação coletiva realizada quando o trabalhador pleiteia em ação individual a nulidade de cláusula convencional.”

Então, como já referido, se deve flexibilizar apenas o que a lei expressamente autoriza, mas sempre lembrando que isso não é uma autorização para a via negocial optar por abrir mão daquele direito, pois qualquer negociação que tenha por objeto um direito fundamental, deve respeitar com rigor os princípios protetores do direito do trabalho, além de levar em conta os critérios da proporcionalidade para que, assim, este não perca a sua função atual na sociedade, e que os princípios e direitos trabalhistas não venham a ter seus núcleos alterados.

4.1 A flexibilização e a Constituição Federal de 1988

A Constituição de 1988, ao mesmo tempo que foi a Constituição defensora dos direitos fundamentais, tendo como fundamento chave o princípio da dignidade humana, veio permitir a flexibilização de alguns direitos trabalhistas, como, por exemplo, em seu art. 7º, incisos VI, XIII e XIV[††], ou seja, o salário em regra é irredutível, mas o inciso VI, faz ressalva ao previsto em acordo ou convenção coletiva. Na mesma linha de flexibilização, a CF de 1988 traz o inciso XIII, a respeito da jornada de trabalho, onde permite, via negociação coletiva, a compensação de horários e a redução da jornada de trabalho. Ainda, o inciso XIV mais uma vez têm como exceção a regra da jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, a existência de negociação coletiva neste tocante.

Salienta Amauri Mascaro Nascimento que:

“Houve acentuado desequilíbrio, no desenvolvimento do direito do trabalho no Brasil, entre direito coletivo, asfixiado pelo corporativismo, e direito individual como outorga do Estado. As causas identificam-se com a Carta Constitucional de 1937, precedida pelo movimento político do qual resultou a Revolução de 1930. O direito do trabalho foi produto da vontade soberana do Estado e não dos trabalhadores. A idéia básica que presidiu o contexto é a do direito do trabalho por obra do Governo e não do movimento sindical. O direito coletivo do trabalho, que antes de 1930 mostrou-se expressivo, só voltou a desatrelar-se do Estado com o movimento sindical do ABC, no Estado de São Paulo, e, mais tarde, com a Constituição de 1998”. (2004, p.61)

A negociação coletiva é um direito do trabalhador, e sua base legal se dá pelo inciso XXVI do art. 7º da CF[‡‡]. Mas aí há um grande problema, pois estabeleceu-se um debate sobre o alcance da negociação coletiva, ou seja, se só se pode negociar o que está expressamente autorizado, ou se permite-se negociar outros direitos, não só os expressamente previstos, tendo em vista o reconhecimento da negociação coletiva como instrumento normativo. (VECCHI, 2007, p. 205)

Assim, surgem os debates sempre bem acalorados sobre se deve, e o que deve ser flexibilizado nas normas que regulam o trabalho no Brasil.

Em decorrência destes diferentes modos de interpretação das forças da negociação coletiva, houve a divisão de posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, sendo que há o posicionamento doutrinário que entende que a flexibilização por meio de acordos e convenções coletivas têm função de beneficiar os trabalhadores, sendo assim, nunca se deve abrir mão de direitos já adquiridos, pois assim, se estaria perdendo a sua função, e que os direitos a serem flexibilizados se traduzem apenas nos expressamente autorizados pela Constituição Federal.

Posiciona-se Vecchi a respeito de tal interpretação no sentido de que:

“A interpretação restritiva parece a mais razoável se levarmos em conta o todo constitucional. Assim, mesmo para as hipóteses de flexibilização expressamente previstas na CF de 1988, não se está dando uma carta em branco para a restrição, pois qualquer restrição a um direito fundamental sempre deverá passar pelos critérios de razoabilidade, proporcionalidade e preservação do núcleo essencial dos direitos restringidos”. (2007, p. 208).

Ainda conforme Vecchi, por muitos direitos trabalhistas serem considerados fundamentais da pessoa humana, deve-se ter muito cuidado ao modificá-los por meio de uma negociação coletiva, ou seja, mesmo que expressamente autorizado pela Carta Magna, tal norma coletiva deverá obedecer e estar de acordo com todos os princípios aplicados ao direito do trabalho, e, principalmente o da dignidade da pessoa humana.

Leciona Arnaldo Sussekind reforça no sentido de que:

“Se nem por emenda constitucional poderão ser abolidos direitos relacionados no art. 7º. Da Carta Magna, elevados a categoria de clausulas pétreas, como se admitir possam fazê-lo convenções ou acordos coletivos ou que esses instrumentos normativos possam modificá-los em sua essência?” (2001, p.10).

Assim, Sussekind se posiciona também a uma forma restritiva, de modo que acredita que apenas devem ser objeto de negociação coletiva o que a Constituição Federal expressamente prever.

Deste modo, na mesma linha de pensamento da posição restritiva, deve ser estimulado o uso da negociação coletiva voltado para uma finalidade social, pois esta é a sua natureza, mas jamais retirar os direitos que já foram adquiridos pelos trabalhadores, os quais lutaram fervorosamente para conquistá-los ao longo do tempo, ou seja, o que foi aos poucos construído não poderá ser destruído por força de um instrumento coletivo. (BOMFIM, 2003, p.19).

Tanto os autores já citados quanto muitos outros que se filiam a esta corrente de pensamento, reconhecem a importância dos instrumentos coletivos diante do atual cenário de flexibilização das normas trabalhistas diante da globalização e avanços sociais, mas, afirmam também, que esses acordos não podem resultar no aniquilamento da proteção ao trabalhador, e jamais podem ser usados de forma que venham a prejudicá-los.

Em contrapartida à posição já referida, outros autores, baseados no princípio da autodeterminação coletiva, entendem que a liberdade nas relações de trabalho deve ser respeitada, e não reprimida, entendendo, também, que as hipóteses previstas sobre o que pode ser objeto de negociação coletiva pela Constituição Federal, podem serem alargadas.

Podem ser encontradas posições referentes a esta segunda corrente tanto na jurisprudência, quanto na doutrina, como, por exemplo, a súmula n.º 349 do TST, que dispõe:

“349. Acordo de compensação de horário em atividade insalubre, celebrado por acordo coletivo. Validade.

A validade de acordo coletivo ou convenção coletiva de compensação de jornada de trabalho em atividade insalubre prescinde de inspeção prévia da autoridade competente em matéria de higiene do trabalho (art. 7º, XIII, da Constituição da República; art. 60 da CLT).”

Assim, de acordo com a súmula acima, entende o TST que é dispensada a licença prévia da autoridade competente para a prorrogação de jornada de trabalho em atividades insalubres, como trata o art. 60 da CLT[§§]. Sendo assim é uma clara posição de alargamento das hipóteses de flexibilização previstas na Constituição Federal, pois esta não prevê esta possibilidade.

O mesmo posicionamento pode ser observado no seguinte acórdão:

“Reajuste salarial – pagamento de resíduo salarial previsto em acordo coletivo – Flexibilização – Violação do art. 7 º, XXVI, da CF, caracterizada – Se a Constituição Federal adimite a flexibilização das normas laborais mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho, tornado viável até a redução dos salários, a diminuição da jornada de trabalho e a adoção de turnos de revezamento superiores a seis horas, conforme se vê nos incisos VI, XIII e XIV, do Art. 7º, deve o judiciário admitir que, na negociação coletiva, as Partes façam concessões mútuas. Alias, a Eg. SDI, deste C. Tribunal firmou jurisprudência neste sentido. Tem-se, desse modo, que é válido o acordo coletivo que condicionou o pagamento do resíduo salarial relativos aos meses de janeiro e fevereiro de 1994 à obtenção de lucros pela empresa, restando configurada a violação do art. 7º, XXVI, da CF. Recurso de Revista conhecido e provido” (TST – RR681551/2000 – 5ª T. – Rel. Min. Rider Nogueira de Brito – DJU 31.05.2002)

Com o acórdão acima pode se ver claramente que existe uma posição muito forte que vigora no TST, que defenda a corrente de alargamento das hipóteses de direitos a serem flexibilizados, por força do disposto no art. 7º, XXVI.[***]

Arion Sayão Romita entende que “não é função do direito do trabalho proteger o empregado”. (2002, p.15). O mesmo autor afirma que:

“Numa ordem democrática, inexiste possibilidade de antagonismo ou oposição entre o negociado e o legislado. Existiria apenas o negociado, pois o legislador se limitaria a promover as condições em que o negociado poderia expandir-se. O Estado, como nume tutelar do interesse maior da coletividade, atuaria como mediador e arbitraria os conflitos”. (2002, p.23).

Existem muitos pronunciamentos de autores e juristas que adotam a tese de que a norma coletiva pode acordar o que quiser, desde renunciar, até transacionar direitos previstos em lei ou de caráter privado, sendo que a própria carta de 88 autoriza e dá luz a essa flexibilidade. (CASSAR, 2006, p.410).

Dentro dessa mesma idéia, há doutrinadores que entendem que o protecionismo acaba por desproteger o próprio trabalhador. Sendo assim, a flexibilização do direito trabalhista bem como uma maior autonomia pactuada por instrumentos coletivos, seriam a melhor saída para evitar um problema que cada vez cresce mais: o desemprego. Além disso, o crescimento econômico e a competitividade seriam estimulados no Brasil.

4.2. Os riscos da flexibilização e o futuro do direito do trabalho

O mundo como um todo está, nos últimos anos, passando por transformações movidas pela globalização e pelos constantes avanços tecnológicos. Em meio destas mudanças, há, em uma economia cada vez mais agressiva, o interesse, por parte dos empregadores, de afastar ao máximo a intromissão do Estado nas relações comerciais como um todo, inclusive no tocante a deveres com os empregados, os quais se enquadram como custo do produto final produzido

No sentido do risco flexibilizatório dos direitos trabalhistas, observa Freitas que:

“Quando pensamos poder ou buscar restrições a direito, o risco de aumentar o grau de desigualdade apresenta-se latente. Afinal, ao se tratar de direito do trabalho, estaremos sempre diante de um quadro de desigualdades, que as normas protetivas pretendem, pelo menos, diminuir. Assim se for restringido o alcance destas normas, estaremos, sempre e cada vez mais, aumentando o tamanho do fosso que separa os interesses do capital e os do trabalho”. (2007, p. 64)

Neste sentido é forçoso concluir que é muito difícil fomentar a negociação, cada vez mais comum entre representantes dos trabalhadores e representantes dos empregadores, uma vez que, um não pode ficar sem o outro, mas é visível o fato do empregador tem mais força que o empregado, e para se negociar realmente é necessário estar em igualdade, se não a negociação torna-se um verdadeiro massacre do elo mais fraco.

O trabalho não pode ser visto com uma visão predominantemente utilitarista ou econômica, pois na verdade é muito mais que isso, é o trabalho um dos pilares da sociedade, e é por meio do trabalho que a pessoa humana deve buscar a sua dignidade. Deste modo, não pode o trabalho ser maleável de forma mais agradável aos custos do empregador, e mudanças sociais como um todo. (VECCHI, 2007, p. 209)

Neste sentido, ainda afirma Vecchi que:

“Segundo o viés interno ao Estado democrático de direito brasileiro, a saída legítima não é simplesmente flexibilizar, ou melhor, possibilitar a destruição dos direitos fundamentais mínimos, mas, sim, buscar políticas públicas de emprego, de crescimento, de inclusão e de distribuição de renda que alcancem esse grande número de pessoas que estão fora do sistema, além de garantir a efetividade das normas constitucionais que prevêem os direitos humanos fundamentais”. (2007, p. 209)

Verifica-se que o Estado está cada vez mais pressionado a ir liberando, aos poucos, a flexibilização das relações trabalhistas, vista a enorme taxa de desemprego, a qual tende aumentar cada vez mais.

Oscar Ernida Uriarte acredita que “as demandas de desregulamentação e de flexibilização, na verdade, respondem, em sua grande parte, à ineficiência econômica” (2002, p. 55), ou seja, não há uma harmonia entre o capital e o trabalho, então acredita-se que a saída é malear o direito do trabalho, para este se enquadrar na economia atual.

Ainda, Uriarte sustenta que:

“A incapacidade do sistema econômico de criar ou manter emprego tem levado seus cultores a “culpar” o Direito do Trabalho, que seria um dos obstáculos à sua ação: talvez se pudessem gerar (péssimos) empregos, se não houvesse (tantos) mínimos trabalhistas: eliminemo-los. É claro que essa pretensão conta com o beneplácito de muitos setores empresariais que acreditam ter chegado a hora de praticar uma espécie de “revanche patronal”: recuperar muitos direitos ou benefícios que foram sendo reconhecidos no decorrer de quase todo o século XX.” (2002, p. 55)

Como visto, muitos trabalhadores aceitam que seus direitos trabalhistas sejam flexibilizados quando o que está em jogo é a sua própria situação no mercado, ou seja, antes o trabalhador prefere perder alguma garantia, do que perder o seu emprego. Mas a confecção de negociações coletivas flexibilizando direitos são medidas que não são suficientes para resolver o problema do desemprego, e, sendo assim, acabam por prejudicar a situação do trabalhador, não sendo resolvido o problema social. (NASCIMENTO, 2004, p. 78-79)

Neste sentido, Francisco Osani de Lavor alega que em tempos de crise, como no caso atual, os próprios sindicatos representativos de classe têm chegado a conclusão que é melhor abrir mão de alguns direitos já adquiridos, quando o que está em jogo é a permanência ou não do profissional no posto de trabalho. (2000, p. 670)

Lembra Uiarte, em momento oportuno, que o custo dos direitos trabalhistas do empregado afetam uma pequena parcela do custo total da produção, em média, sustenta o autor, que o custo total das parcelas trabalhistas, perfazem o montante de apenas 10% do custo total da produção. Então seria mais correto se, ao invés de a classe dos empregadores pressionar ao máximo para se flexibilizar estes 10% do custo da produção, pressionar para ser flexibilizados os outros 90% do custo da produção. (2002, p. 57-57)

A respeito do momento atual da sociedade, estamos em um período de mudanças muito rápidas, no auge da globalização, onde “tudo é instantâneo e descartável, sendo que o rápido, o simples e o fácil é consumido pelo mundo todo com uma voracidade nunca antes vista”. (VECCHI, 2003, p. 21)

Sustenta, ainda, Vecchi que:

“Medidas legislativas de âmbito nacional e internacional caminharam para o lado da flexibilização das relações de trabalho, sobretudo no que tange aos critérios de admissão, pagamento de salário, compensação de jornada e ainda os de alteração, suspensão e rescisão do contrato de trabalho. A flexibilização, tal como é apregoada hoje, é um primeiro passo na trajetória de total desregulamentação do direito do trabalho, fenômeno que faz parte do receituário neoliberal que propugna pela diminuição do custo operacional e pela destruição dos direitos sociais.” (2003, p. 22)

Deste modo verifica-se que há uma fragilidade do protecionismo oriundo da legislação frente à modernização constante, a qual caminha em um sentido de querer que as partes possam acordar de forma livre, pois a retirada do Estado nas relações de trabalho é objeto de desejo da maioria das empresas existentes no Brasil.

Em uma projeção de futuro das relações de trabalho onde defende-se a autonomia das negociações coletivas, sustenta Romita que “há de se corrigir os rumos, mudar a orientação, prosseguir na via aberta pela própria Constituição de 1988, ao admitir a autonomia sindical, dar ênfase à negociação coletiva” (2002, p. 21), já, o mesmo autor, se referindo ao protecionismo da carta, sustenta que:

“A Constituição de 1988 representa a vitória do retrocesso, o apego às concepções retrógradas impostas pelo Estado Novo e, assim, impede a democratização das relações de trabalho no Brasil. O entrava deve ser afastado: o ingresso da democracia nas relações de trabalho é inevitável. A prática tem demonstrado que os obstáculos opostos pela Constituição de 1988 ao avanço da regulação democrática são inoperantes”. (2002, p.22)

Sendo assim, percebe-se que há sim uma proposta que tenta ser imposta pela autonomia privada de o negociado cada vez mais se opor ao legislado, com o fundamento no sentido de que a autonomia coletiva pressupõe um verdadeiro cenário de liberdades públicas.

Analisando o cenário atual do trabalho, é válido salientar a questão do duping social, que as novas tecnologias e o novo momento mundial permitem, sendo necessária a criação de mecanismos mundializados para que o direito do trabalho tenha o seu núcleo assegurado. Estas perspectivas mundiais podem se chamar de prisma externo, mas não afasta o prisma interno da proteção ao direito do trabalho, sendo que em sentido inverso ao da flexibilização é a que a Carta de 1988, no sentido da preservação da dignidade humana do trabalhador, elencando o trabalho como direito fundamental. (VECCHI, 2007, p. 208)

Neste sentido Vecchi categoricamente fundamenta no sentido de que:

“Ora, no art. 1º, inciso IV, primeira parte, e no art. 170, caput, da Cf de 1998 está prevista como valor fundamental de nossa ordem jurídica a valorização social do trabalho, que, portanto, não pode ser tratado como simples mercadoria, por ser uma das bases do desenvolvimento da sociedade. A valorização do trabalho, assim, não significa apenas o seu aspecto econômico, mas também o seu aspecto ético, demonstrando que o trabalhador é fator de desenvolvimento não só de riquezas, mas também da própria personalidade humana, visto que o trabalho deve possibilitar a pessoa humana, em sua atividade, acabe por imprimir no mundo um pouco de sua individualidade e de sua contribuição social”. (2007, p. 209)

Levando em conta esta linha de pensamento, verifica-se que não pode o direito do trabalho ser suprimido e esmagado pela atual modernização e constantes mudanças sociais que vêm ocorrendo, pois o trabalho não é mercadoria, a qual em determinada época pode ser mais ou menos valorizada, o trabalho não é uma mera mercadoria a ser negociada, e sim é um dos maiores pilares de uma sociedade, pilar este que é uma verdadeira fonte de dignificação da pessoa humana, pois de nada adiantaria a economia estar muito bem e o trabalhador muito mal, pois isso iria contra o princípio fundamental da dignidade humana, princípio em torno do qual todo nosso ordenamento jurídico se molda, e nunca nenhum ato deve ser validado sobre a perspectiva da lei se atentar direta ou indiretamente a este princípio.

Para o trabalhador contar com diversos direitos trabalhistas, e ter os seus direitos protegidos pelo Estado, não foi uma tarefa simples, ao contrário, foi fruto de muita luta. Então, deve-se tratar de forma delicada a ampla tomada de alteração nestes referidos direitos por via de norma negociada. (FREITAS. 2007, p. 67) Ainda neste mesmo foco, lembra o autor que, “do que valeria uma absoluta autonomia coletiva se, ao lado dela, não se tivesse um sistema normativo oficial, com preceitos mais amplos, onde, a par da liberdade para a negociação, estivesse as garantias mínimas”. (2007, p. 67)

Assim, a autonomia privada deve sempre ter limites a serem observados, para que com isso, não venha esta autonomia a ferir os direitos mínimos trabalhistas.

Sérgio Pinto Martins, em breves palavras, resume os fatores que aumentam cada vez mais a pressão para a flexibilização do Direito do Trabalho:

“A tendência da flexibilização é decorrência do surgimento de novas tecnologias, da informática, da robotização, que mostram a passagem da era industrial para a pós-industrial, revelando uma expansão do setor terciário da economia. Assim, deveria haver uma proteção ao trabalhador em geral, seja ele subordinado ou não, tanto o empregado como também o desempregado. É nesse momento que começaram a surgir contratos distintos da relação de emprego, como contrato de trabalho em tempo parcial, de temporada, de estágio e.t.c.” (2007, p.39)

O Brasil conta com a unidade sindical, ou seja, apenas um sindicado poderá representar a categoria em uma determinada região. Ocorre que, para acordar via norma coletiva, como, por exemplo, uma convenção coletiva de trabalho, a qual faz lei entre as partes, em nenhum momento o Estado fica sabendo destas alterações, pois é feito via sindicato dos trabalhadores e sindicato dos empregadores, visto que acontece muitas vezes (maioria das vezes) do trabalhador não ser devidamente representado, ou seja, muitas vezes o trabalhador não está bem patrocinado pelo seu devido sindicato, e assim não tem como proporcionar uma verdadeira negociação com o sindicado dos patronais, pois para se negociar é preciso estar em posição igual, pois supressão nunca será negociação.

Em uma linha de pensamento de total inconformidade com o atual sistema brasileiro de normas de direito do trabalho, Romita se manifesta no sentido de que:

“A ideologia da proteção desempenha uma função. Quem fala em proteção admite com antecedência a existência de dois atores sociais: o protetor e o protegido. Se o trabalhador – sujeito mais fraco da relação – é o protegido, sua posição de submissão se perpetua com a conseqüente exaltação da posição social do protetor. Talvez isto se decante, no Brasil, a proteção proporcionada (na realidade dos fatos, autêntico mito) ao trabalhador brasileiro:perpetuada a posição social de submissão em que se encontra o protegido resguarda-se a posição social do protetor. Afinal, a “proteção”, no caso em estudo, interessa não ao protegido, mas sim ao protetor. Ao protegido só interessa – em ínfima parcela – a proteção, quando ela fundamenta (quase sempre de forma não explicita) a decisão judicial pela procedência do pedido formulado pelo trabalhador. Triste consolo, triste participação nas migalhas caídas da mesa do banquete!” (2002, p. 16)

Assim, Romita acredita que o em um Estado democrático como o Brasil, a legislação não deveria ser tão intervencionista nas relações de trabalho, e as normas advindas do poder legislativo, serviriam apenas como um suporte para que o sindicato das categorias pudesse livremente acordar normas por via de Acordos e Convenções coletivas, visto que, conforme o autor, o sindicato da categoria do obreiro seria o órgão mais indicado a diminuir as desigualdades entre empregado e empregador, e não o Estado (2002, p. 16)

Por fim, ainda sustenta Romita, que os direitos trabalhistas tidos como irrenunciáveis, já não são mais nos dias de hoje, se não vejamos:

“A suposta irrenunciabilidade dos direitos outorgados por lei imperativa ao trabalhador, decanta pelos compêndios em obediência a uma tradição já ultrapassada pelas novas realidades econômicas e sociais, existe apenas no papel. Na realidade prática, o crescimento do setor informal e a negociação processada após a extinção do vínculo empregatício ou eliminam pela raiz os supostos direitos (trabalhador removido para o setor informal não tem qualquer direito trabalhista) ou os transformam em direitos negociáveis em nível individual. A realidade atual demonstra que a indisponibilidade dos direitos já é noção própria de um passado longínquo: juridicamente a Constituição de 1998 já transformou tais direitos em negociáveis, fulminando a decantada irrenunciabilidade; e faticamente, como objeto de transação judicial, jamais foram tidos por indisponíveis, uma vez que no acordo celebrado em juízo o resultado da conciliação engloba todas as verbas postuladas na ação eu um só valor pecuniário.” (2002, p. 26)

Assim, acredita o autor acima que, em um Estado democrático de direito, não pode o Estado suprimir a negociação coletiva, visto que isso seria um atentado a liberdade do trabalho, e ele assim o fazendo estaria com a intenção de proteger o trabalhador, mas na verdade o desprotege causando o desemprego.

Ocorre que a flexibilização do direito do trabalho exercido pela autonomia coletiva, acaba por precarizar as relações de trabalho, e esta modernização das normas trabalhistas se mostram dramáticas com o passar do tempo, sendo que o capital mostra-se cada vez mais concentrado na mão de poucos e isso acaba por prejudicar a economia e o mais prejudicado é o próprio trabalhador, pois optou-se por flexibilizar para não causar o desemprego, mas este tende a crescer cada vez mais, não sendo esta a solução para se melhorar as relações de trabalho.( VECCHI, 2007, p. 203-204)

Na nossa atual legislação não se pode precarizar a situação do trabalhador via negociação coletiva, pois “encontram-se limites na CLT, porque impedem que qualquer alteração, mesmo que bilateral, cause prejuízo ao empregado” (CASSAR, 2006, p. 408)

Verifica-se assim, uma vontade, imposta pelas atuais mudanças econômicas e sociais, em se flexibilizar as normas trabalhistas, mas não se pode em mão disso passar por cima da Constituição Federal e demais leis, pois há limitações à negociação coletiva, e estas, de acordo com Passaia “só poderão restringir direitos trabalhistas se houver autorização legal para tanto” (2007, p. 78). Ainda assim, isso não é uma autorização para se reduzir ou até mesmo excluir o direito posto em negociação, pois quando a própria lei autorizar se negociar tal parcela, deve ser levado em conta todos os princípios que tutelam a dignidade da pessoa humana, pois não se pode esquecer que muitos direitos trabalhistas são considerados direitos fundamentais, sendo uma questão delicada de se negociar.

Neste tocante, ensina Vecchi, que a flexibilização existe isso não se discute, pois a própria Constituição assim a permite em algumas parcelas, mas não se pode flexibilizar outras parcelas além do que está expressamente autorizado, e referente as hipóteses expressamente previstas, não é dado uma carta em branco, pois trata-se de uma restrição a um direito fundamental, devendo assim passar obrigatoriamente por critérios de razoabilidade e proporcionalidade, pois o núcleo essencial do direito negociado deve ser respeitado. (2007, p. 208)

Assim, de nada adiantaria o legislador dar garantias ao trabalhador se estas podem ser objeto de negócio, onde na verdade, em um país com muito desemprego e pobreza como o Brasil, esta livre negociação não se concretiza, pois acaba o empregador fazendo uma espécie de revanche, e querer diminuir seus custos através da supressão de direitos trabalhistas, e, no fim, termina, na maioria dos casos, o trabalhador aceitando tal situação para manter-se empregado.

5. Conclusão

Conforme já referido, o trabalhador vem abrindo mão de seus direitos trabalhistas por meio de negociações coletivas, o que ocasiona entre juristas e doutrinadores uma discussão a respeito da legitimidade de um acordo ou uma convenção coletiva de trabalho diminuir um direito adquirido do trabalhador, tendo em vista todos os princípios que tutelam o direito do trabalho.

Discuti-se, também, a respeito de quais direitos se pode flexibilizar, pelo fato que a própria Constituição Federal autoriza o uso da negociação coletiva para determinadas parcelas, como, por exemplo, a diminuição de salário por meio de acordo coletivo, ou ainda, a criação do banco de horas, onde permite-se que horas extraordinárias sejam compensadas em momento posterior ao invés de pagas com seu respectivo adicional.

 Portanto, a problemática gira em torno do confronto entre flexibilização, previsões constitucionais, e princípios norteadores do direito do trabalho, onde buscou-se esclarecer se o trabalhador pode ou não abrir mão de seus direitos por negociações coletivas, e podendo, em quais hipóteses. Além disso, verificou-se que a vontade das partes, por meio da autonomia coletiva encontra sua limitação, por força da proteção necessária às relações de trabalho, devendo sempre respeitar todas as regras que tutelam o direito do trabalho.

Com relação ao estudo feito acerca do direito do trabalho no Brasil e a sua flexibilização, conclui-se que a situação problemática em que se encontra o trabalhador vem de longa data, visto que, mesmo sendo a flexibilização um fenômeno recente, desde o nascimento do trabalho o trabalhador se vê em situação de submissão. Em decorrência desta posição de desigualdade, viu-se que é necessário sim proteger o trabalhador, visto que, se o Estado não interviesse nas relações de trabalho, situação esta tão sonhada por defensores do pensamento neoliberal, ocorreria, em um país como este, com uma imensa desigualdade social e problemas econômicos, um verdadeiro massacre à classe trabalhadora, a qual sofreria um retrocesso ao período da revolução industrial, com condições de trabalho desumanas e humilhantes.

Viu-se ainda, que o direito do trabalho encontra-se numa fase de mudanças, onde o trabalhador, pelo excesso de mão de obra, bem como pelas inovações tecnológicas e globalização, se vê cada vez mais ameaçado em manter-se em seu posto de trabalho, sendo que, os acordos e convenções coletivos, tornam-se meios de adaptar-se às novas necessidades do mercado.

Portanto, a resolução do problema se dá com base na corrente com mais embasamento constitucional, onde levanta-se o fato de que o trabalho possui vários direitos fundamentais, e sendo assim, não se pode alterar o núcleo dos direitos trabalhistas, nem por uma emenda constitucional, não sendo possível validar uma negociação coletiva que venha a prejudicar a situação de um trabalhador, sob pena de haver o risco de se desmanchar toda a luta por direitos a condição digna do trabalhador.

Assim sendo, concluiu-se a presente pesquisa no sentido de que não é possível prejudicar o trabalhador por meio de acordos e convenções coletivas de trabalho, tendo em vista que vários dos direitos trabalhistas são direitos fundamentais, não podendo ser objeto de livre negociação, estando o direito do trabalho apoiado pelos princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção, da proibição de retrocesso social e da norma mais favorável.

Portanto, nas hipóteses que a própria Constituição Federal autoriza a flexibilização pela autonomia coletiva, deve-se atentar para o fato de que tais hipóteses são restritivas, não podendo, deste modo, serem alargadas a outros direitos.

Sendo assim, concluiu-se que a norma coletiva deve sempre buscar a melhoria das condições de trabalho de uma categoria de trabalhadores, não sendo possível abrir mão de direitos por este meio. Com isso, compreendeu-se que, mesmo havendo hipóteses de flexibilização por normas coletivas autorizadas pela Constituição Federal, isto não significa a existência de uma carta em branco para aniquilar o direito negociado, pois qualquer restrição a um direito fundamental, obrigatoriamente deverá passar por uma filtragem, onde deverá ser preservado o seu núcleo essencial.

 

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VECCHI, Ipojucan Demétrius. Noções de Direito do Trabalho: um enfoque constitucional. 2. ed. v.1. Passo Fundo: UPF, 2007.
 
Notas:
[*] XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;

[†] Art. 619. Nenhuma disposição de contrato individual de trabalho que contrarie normas de Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho poderá prevalecer na execução do mesmo, sendo considerada nula de pleno direito. (Redação dada ao artigo pelo Decreto-Lei nº 229, de 28.02.67)

[‡] Art. 620. As condições estabelecidas em Convenção, quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo. (Redação dada ao artigo pelo Decreto-Lei nº 229, de 28.02.67)

[§] Art. 6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego.

[**] Art. 445. O contrato de trabalho por prazo determinado não poderá ser estipulado por mais de 2 (dois) anos, observada a regra do art. 451.

[††] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva.

[‡‡] XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;

[§§] Art. 60. Nas atividades insalubres, assim consideradas as constantes dos quadros mencionados no capítulo "Da Segurança e da Medicina do Trabalho" ou que neles venham a ser incluídas por ato do Ministro do Trabalho, quaisquer prorrogações só poderão ser acordadas mediante licença prévia das autoridades competentes em matéria de medicina do trabalho, as quais, para esse efeito, procederão aos necessários exames locais e à verificação dos métodos e processos de trabalho, quer diretamente, quer por intermédio de autoridades sanitárias federais, estaduais e municipais, com quem entrarão em entendimento para tal fim.

[***] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;


Informações Sobre o Autor

Martan Parizzi Zambotto

Advogado militante em Passo Fundo/RS. Supervisor JurÃdico da empresa Oniz Distribuidora Ltda Graduado em 2008 no Curso de Direito pela Universidade de Passo Fundo UPF PÃs Graduado em 2012 em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Meridional


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