Acesso à Justiça

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“O mundo é para quem nasce para
conquistar,e não para quem sonha que pode conquistá-lo,ainda que tenha razão.”

(Fernando Pessoa)

Sumário: 1. Apresentação; 2. Introdução; 3. Acesso à
Justiça; 4. Empecilhos ao Acesso à Justiça; 4.1 Empecilhos Econômicos; 4.2
Empecilhos Sócio-culturais; 4.3 Empecilhos Psicológicos; 4.4 Empecilhos
Jurídicos e Judiciários; 5. Soluções para Efetivação do Acesso à Justiça; 5.1
As três “ondas” de Acesso à Justiça; 6. Conclusões.

1.
Apresentação

Este breve trabalho monográfico foi realizado para ser entregue como
forma de avaliação da disciplina Direito Processual Constitucional, ministrada
pelo professor Wellington Cabral Saraiva, no Curso de Especialização latu sensu em Direito Processual Civil
pela Universidade Federal de Pernambuco.

Foi escolhido este tema (embora consagrado e aceito em nosso sistema
jurídico), por ainda apresentar dificuldades jurídicas, econômicas e
psicológicas no que tange a sua fiel aplicabilidade prática nos dias de hoje.

O princípio garantidor do acesso à justiça está consagrado na
Constituição de 1988, artigo 5º, XXXV, enquadrado dentro dos
Direitos e Garantias Fundamentais, mais especificamente nos Direitos
Individuais e Coletivos.

Este estudo tem como objetivo abordar a problemática do acesso à
justiça, as dificuldades para fazer valer este direito e as possíveis soluções.

2. Introdução

“Toda pessoa tem direito
de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um
juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente
por lei, na apuração de qualquer acusação penal contra ela, ou para que se
determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal
ou de qualquer natureza” (Artigo 8º, 1 da Convenção Interamericana
sobre Direitos Humanos – São José da Costa Rica).

O acesso à justiça está previsto no artigo 5º, XXXV da
Constituição Federal que diz: “a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça de direito.” Pode ser chamado também de princípio da
inafastabilidade do controle jurisdicional ou princípio do direito de ação.

Interpretando-se a letra da lei, isto significa que todos têm acesso à
justiça para postular tutela jurisdicional preventiva ou reparatória relativa a
um direito.[1]
Verifica-se que o princípio contempla não só direitos individuais como também
os difusos e coletivos e que a Constituição achou por bem tutelar não só a
lesão a direito como também a ameaça de lesão, englobando aí a tutela
preventiva.

Pode-se confundir o
princípio do acesso à justiça com o dirieto de petição consagrado no mesmo
artigo, inciso XXIV, alínea “a” da Constituição. Mas o que diferencia um
princípio do outro é que no princípio garantidor do acesso a justiça é a
necessidade de se vir a juízo pleitear a tutela jurisdicional, haja visto se
tratar de direito pessoal, ou seja, é preciso que se tenha interesse
processual, preenchendo assim a condição da ação.

Por outro lado, para o direito de petição não é necessário que o
peticionário tenha sofrido gravame pessoal ou lesão em seu direito, porque se
caracteriza como direito de participação política, onde figura o interesse
geral no cumprimento da ordem jurídica.

Não se configuram ofensa ao princípio do acesso à justiça os casos de
extinção do processo sem julgamento de mérito, caso não estejam presentes as
condições da ação.

Deste princípio decorre ainda outro consagrado no inciso LXXIV, do
mesmo artigo da Constituição, que garante a assistência jurídica gratuita e
integral aos necessitados. Observe-se que o termo assistência judiciária da
Constituição anterior foi substituído pelo termo assistência jurídica, que é
gênero daquela espécie por ser mais amplo e abranger a consultoria e atividade
jurídica extrajudicial.

A garantia do acesso à justiça não significa dizer que o processo deva
ser gratuito.

Dentro de uma visão axiológica de justiça, o acesso a ela não fica
reduzido o acesso ao judiciário e suas instituições, mas sim a uma ordem de
valores e direitos fundamentais para o ser humano, não restritos ao sistema
jurídico processual.

Kazuo Watanabe, que aborda o tema com muita propriedade: “A
problemática do acesso à Justiça não pode ser estudada nos acanhados limites
dos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o
acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa.”[2]

Em sendo a garantia de acesso efetivo à máquina jurídica e judiciária
talvez um dos maiores mecanismos de luta para a realização da ordem jurídica
justa, e assim, efetivar o exercício da cidadania plena.

De outra maneira, vendo de uma ótica mais ampla, o acesso à justiça
deve também ser visto como movimento transformador, e uma nova forma de
conceber o jurídico, enxergando-o a partir de uma perspectiva cidadã. Tendo a
justiça social como premissa básica para o acesso à justiça.

3. Acesso
à Justiça

O acesso à justiça é direito humano e
essencial ao completo exercício da cidadania. Mais que acesso ao judiciário,
alcança também o acesso a aconselhamento, consultoria, enfim, justiça social.

O disposto no artigo 5º,
XXXV, da Constituição Federal é muito mais abrangente que o acesso ao Poder
Judiciário e suas instituições por lesão a direito. Vai além, enquadrando-se aí
também a ameaça de direito, e segue-se com uma enorme gama de valores e
direitos fundamentais do ser humano.

Assim, quem busca a defesa de seus
direitos (ameaça ou lesão) espera que o Estado-juiz dite o direito para aquela
situação, em substituição da força de cada litigante, pacificando os conflitos
e facilitando a convivência social.

Cândido Rangel Dinamarco comenta o
escopo social da jurisdição:

“Saindo da extrema abstração consiste
em afirmar que ela visa a realização da justiça em cada caso e, mediante a
prática reiterada, a implantação do clima social de justiça, chega o momento de
com mais precisão indicar os resultados que mediante o exercício da jurisdição,
o Estado se propõe a produzir na vida da sociedade.

Sob esse aspecto, a função
jurisdicional e legislativa estão ligadas pela unidade de escopo fundamental de
ambos: a paz social.

Mesmo quem postule a distinção
funcional muito nítida e marcada entre os dois planos de ordenamento jurídico
(teoria dualista) há de aceitar que direito e processo compõem um só sistema
voltado à pacificação de conflitos”[3]

A tutela jurisdicional é exercida
através da garantia de acesso à justiça e se constitui um dos maiores, senão o
maior instrumento para garantir uma ordem jurídica justa e então efetivar o
exercício da cidadania plena.

O acesso à justiça está intimamente
ligado à justiça social. Pode-se até afirma que é a ponte entre o processo e a
justiça social.

Nos séculos XVIII e XIX só
formalmente as pessoas tinham acesso à justiça, podiam propor ou contestar
ação. A justiça, na prática, só era obtida por quem tivesse dinheiro para arcar
com as despesas de um processo.

No começo deste século, com o
crescimento do capitalismo, começam as reivindicações e as preocupações de
índole social, quando a garantia do acesso à justiça passa a ter mais relevo.

Hoje em dia, está mais perto de
coincidir a garantia do acesso à justiça formal e prático. Mas é ilusório
afirmar que isto já acontece em nosso país nos dias de hoje. Sabe-se que
existem inúmeros obstáculos que uma sociedade tem que transpor para que se
chegue à justiça. E estes obstáculos se apresentam de forma ainda mais intensa
quando se trata das classes menos favorecidas.

Falar em acesso à ordem jurídica
justa é também falar em justiça eficaz, que é um dos maiores problemas dos
sistemas jurídicos de hoje. A terminologia JUSTIÇA está diretamente ligada a
não só “dar a cada um o que é seu” mas sim em “dar a cada um o que é seu
conforme a vontade da lei e em seu devido tempo.”

4. Empecilhos ao acesso à Justiça

Apesar dos inúmeros avanços já conquistados na consolidação de um
integral acesso à justiça, instrumento essencial à efetivação dos direitos
componentes da cidadania plena, muitos empecilhos ainda existem à completa
efetividade deste direito social básico. Esta efetividade somente se daria num
contexto em que as partes possuíssem “completa ‘igualdade de armas’ – a garantia
de que a conclusão final dependa apenas dos méritos jurídicos relativos das
partes antagônicas, sem relação com diferenças que sejam estranhas ao Direito e
que, no entanto, afetam a afirmação e reivindicação dos direitos”.[4]
Evidentemente que tal “paridade de armas” tem caráter utópico, razão pela qual
devemos buscar meios, cada vez mais radicais, para alcançá-la.

Passando prioritariamente pela esfera sócio-econômica, tais limitações
também possuem aspectos culturais, psicológicos e, na esfera do Direito,
jurídicas e procedimentais.

4.1 Empecilhos Econômicos

O elevado valor do processo é um dos
principais empecilhos para um firme acesso à justiça. Sendo o Brasil dotado de
uma péssima distribuição de renda, podemos concluir o quão limitador é o acesso
à justiça, e por que não dizer, à cidadania como um todo, devido a desigualdade
econômica.

Os procedimentos judiciais necessários à solução de uma lide, na
maioria do países, possui custos normalmente elevados e devem ser
necessariamente pagos pelos autores, incluindo os honorários advocatícios e
algumas custas judiciais. Consiste na mais importante despesa individual, os honorários
advocatícios, que representam a esmagadora proporção dos altos custos do
litígio, pois os advogados e seus serviços são muito caros.

No Sistema Americano, o vencido não é obrigado a responder pelos
honorários do advogado da parte vencedora. Nos países que adotam o princípio do
sucumbência – a menos que o litigante em potencial esteja certo de vencer -, a
penalidade é duas vezes maior e pode inibir o litigante em potencial de
ingressar em juízo, já que, se vencido, além de arcar com os honorários do seu
advogado, terá que pagar os honorários da parte contrária.[5]

Não se pode esquecer também que, ao autor, cabe o pagamento das custas
de distribuição, as provas que desejar produzir (perícias, diligências, etc.),
e ainda o preparo de recursos, ficando distantes, em virtude de seu preço, da
parte menos favorecida economicamente.

Em pesquisa realizada pelo Projeto de Florença, coordenado por Mauro
Cappelletti, foi constatado que em determinados países, o custo do litígio
aumenta na medida em que baixa o valor da causa, chegando ao absurdo de, na
Alemanha, pela justiça comum, uma pequena causa de valor não superior a US$
100, mesmo que somente utilizada a primeira instância, custa US$ 150, enquanto
uma ação de US$ 5.000, em duas instâncias, teria o custo de US$ 4.200.[6]

A equação, perversa, tem destinatário certo: os indivíduos menos
favorecidos, ou seja o trabalhador, o consumidor, o morador dos conjuntos
habitacionais e das favelas, enfim, exatamente aqueles que, por sua condição
social, mais fragilizados se encontram, mais vulneráveis estão ao domínio de
grupos econômicos e dos poderosos, e mais dependentes, portanto, de uma
expedita atuação do Estado para resguardar os seus interesses, tão desprezados.

A duração dos processos é também um fator que limita o acesso à
justiça. Em muitos países as causas levam em média três anos para se tornarem
exeqüíveis. Essa delonga eleva consideravelmente as despesas das partes,
pressionando os economicamente mais fracos a abandonarem sua causas, ou
aceitarem acordos por valores muito inferiores aqueles a que teriam direito. Em
razão disto a Convenção Européia para a Proteção dos Direitos Humanos e
Liberdades Fundamentais, em seu art. 6º, parágrafo 1º , reconhece “que a
Justiça que não cumpre suas funções dentro de ‘um prazo razoável’ é, para
muitas pessoas, uma Justiça inacessível.”[7]

O processo é um instrumento indispensável não somente para a efetiva e
concreta atuação do direito de ação, mas também para a remoção das situações
que impedem o pleno desenvolvimento da pessoa humana e a participação de todos
os trabalhadores na organização política, econômica e social do país,[8]
portanto, sua morosidade estrangula os direitos fundamentais do cidadão.

A morosidade do processo está ligada
à estrutura do Poder Judiciário e ao sistema de tutela dos direitos. Para que o
Poder Judiciário tenha um bom funcionamento, necessário se faz, dentre outros,
que o número de processos seja compatível com o número de juizes que irão
apreciá-los, porém, é sabido que não é isso que ocorre. A imensa quantidade de
processos acumulados por um juiz prejudica não só a celeridade da prestação da
tutela jurisdicional, como também a sua qualidade.[9]

Muitas demandas não seriam levadas ao Poder Judiciário se o réu não
tivesse do seu lado a lentidão da tutela jurisdicional, certamente a celeridade
evitaria a propositura de muitas ações.

A morosidade gera descrença na
justiça, a partir do momento em que o cidadão toma conhecimento da sua
lentidão, das angústia e dos sofrimentos psicológicos trazidos por ela. No
entanto, a Convenção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, em seu
art. 6º, parágrafo 1º, garante que toda pessoa tem o direito a uma audiência
eqüitativa e pública, dentro de um prazo razoável, por um tribunal independente
e imparcial. Ainda, a Constituição Federal Brasileira, em seu art. 5º, § 2º,
afirma que “toda pessoa tem direito de ser ouvida com as devidas garantias e
dentro de um prazo razoável…”

4.2 Empecilhos Sócio–culturais

As limitações causadas em razão do
estrato social a que pertence o cidadão, apesar da decorrência lógica da
desigualdade econômica, possuem também aspectos sociais, educacionais e
culturais.

A grande parte dos cidadãos não conhece e não tem condições de
conhecer os seus direitos. Quanto menor o poder aquisitivo do cidadão, menor o
seu conhecimento acerca de seus direitos e menor a sua capacidade de
identificar um direito violado e passível de reparação judicial; além disto é
menos provável que conheça um advogado ou saiba como encontrar um serviço de
assistência judiciária. São barreiras pessoais que necessitam ser superadas
para garantir o acesso à justiça.

A complexidade das sociedades faz com que mesmo as pessoas dotadas de
mais recursos tenham dificuldade para compreender as normas jurídicas.[10]

Para Horácio Wanderley
Rodrigues, são três os pontos principais de estrangulamento, neste aspecto, ao
acesso presentes no Brasil. Em primeiro lugar a falência da educação nacional,
o descompromissso dos “meios de comunicação” com a informação, e por fim, a
quase inexistência de instituições oficiais encarregadas de prestar assistência
jurídica prévia ou extraprocessual, que atuariam informando e educando a população
sempre que surgissem dúvidas jurídicas sobre situações concretas.[11]

Saliente-se que quanto mais pobre é o
cidadão, mais difícil é o seu contato com um advogado, não só porque em seu
círculo de relações não existem profissionais desta área, mas também porque,
ele reside, quase sempre, muito distante dos bairros onde funcionam os
escritórios de advocacia e os tribunais.

Finalmente, quando os pobres
conseguem algum acesso à justiça, correm o risco de tê-la muito precária, como
exemplo, temos a assistência judiciária que tem seus serviços, muitas vezes,
deficientemente prestados.

Ainda, outro ponto importante diz respeito à disparidade que surge
quando um litigante habitual defronta-se com um litigante eventual. Esta
distinção se verifica entre indivíduos que freqüentemente estão em juízo com
aquele que nunca, ou poucas vezes, sentou-se perante um juiz. Segundo o
professor Galanter, as vantagens dos habituais são inúmeras: “1) a maior
experiência com o direito possibilita-lhes melhor planejamento do litígio; 2) o
litigante habitual tem economia de escala, porque tem mais causas; 3) o
litigante habitual tem oportunidades de desenvolver relações informais com os
membros da administração da justiça; 4) ele pode diluir os riscos da demanda
por maior número de casos; e 5) pode testar estratégias com determinados casos,
de modo a garantir expectativa mais favorável em relação a casos futuros”.[12]

Pode-se concluir que dá menos
problemas mobilizar as empresas no sentido de tirarem vantagens de seus
direitos, o que, se dá exatamente contra aquelas pessoas comuns que são mais
relutantes em buscar o amparo do sistema judicial, em face das dificuldades que
encontrarão.

4.3 Empecilhos Psicológicos

O aspecto psicológico deve necessariamente ser considerado. As pessoas
menos favorecidas economicamente de alguma forma temem os advogados, os juizes
e os promotores. Os juizes são vistos como seres superiores e, os advogados
como ‘pessoas em que se deve confiar desconfiando’.

A maioria das pessoas tem receio de estar em juízo, seja por decepção
com o resultado de alguma ação em que estivesse envolvida ou tivesse interesse,
ou por temerem represálias ao recorrerem à justiça, ou ainda, represálias da
própria parte adversária.

Para o brasileiro, o Poder Judiciário, é inacessível, não é confiável
e não faz justiça.

4.4 Empecilhos Jurídicos e
Judiciários

Estruturados de acordo como preceitos individualistas decorrentes do
liberalismo burguês consolidado nos séculos XVIII e XIX, os ordenamentos
jurídicos ocidentais, apesar de grandes avanços já conquistados, ainda mantém
limitações no que concerne à legitimação para agir, principalmente na esfera
dos direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos, direitos
supra-individuais só passíveis de efetiva aplicabilidade com a maior amplitude possível
de titulares para sua tutela.

A inacessibilidade a alguns
instrumentos processuais, bem como a procrastinação dos feitos em razão de
brechas da legislação processual, constituem também entraves à consolidação de
uma ordem jurídica justa.

A crise econômica e de legitimidade enfrentada pelo Poder Judiciário,
consubstanciada em constante denúncias de corrupção e nepotismo, na carência de
recursos materiais e humanos, a centralização geográfica de suas instalações,
dificultando o acesso de quem mora nas periferias, a inexistência de
instrumentos de controle externo por parte da sociedade, tem contribuído para o
aumento das restrições de grande parcela da sociedade à acessibilidade.

Por fim, dentro das restrições de
caráter eminentemente judiciário, há que se destacar a polêmica acerca da
limitação da capacidade postulatória, que tantos debates vem gerando entre os
operadores jurídicos. A exigência da presença de advogado em todo e qualquer
processo (já relativizada pelo Poder Judiciário) tem sido vista por um lado
como elemento castrador da efetividade ao acesso e por outro como garantia a
ele, ou seja, como instrumento de limitação ou elemento fundamental ao
exercício pleno da cidadania.

5. Soluções para efetivação do
acesso à Justiça

5.1 As três “ondas” de acesso à
Justiça.
[13]

O recente despertar de interesse em torno do acesso à justiça levou a
três posições básicas. Deu início a partir dos anos setenta, podendo afirmar
que as soluções para o acesso são: – primeira
onda
-, hipossuficientes econômicos, – segunda
onda
-, interesses transindividuais e, – terceira onda –, novas fórmulas de instrumentos.

Num primeiro momento, denominado de primeira onda, os esforços “concentraram-se, muito adequadamente,
em proporcionar aos pobres”.[14]
Tais reformas se realizaram adotando dois sistemas básicos de atuação: através
do sistema Judicare e de advogados
remunerados pelos cofres públicos. Alguns países, mais recentemente, adotaram
os dois modelos combinados.

O sistema Judicare é
caracterizado por Mauro Cappelletti como “um sistema através do qual a
assistência judiciária é estabelecida como um direito para todas as pessoas que
se enquadrem nos termos da lei. Os advogados
particulares, então, são pagos pelo Estado
. A finalidade do Judicare é proporcionar aos litigantes de
baixa renda a mesma representação que teriam se pudessem pagar um advogado”.[15]
Áustria, Inglaterra, Holanda, França e Alemanha foram os principais países a
adotar este sistema.

O sistema de assistência judiciária, com advogados remunerados pelos
cofres públicos, foi implantado em primeiro lugar nos Estados Unidos da América
(Legal Services Corporation), e se caracteriza
por prestar a assistência não só judiciária, mas também jurídica, prévia e
informativa, aos pobres, realizando “grandes esforços no sentido de fazer as
pessoas pobres conscientes de seus novos direitos e desejosas de utilizar
advogados para obtê-los”.[16]

Suécia e a província canadense de Quebec, verificando a insuficiência
de cada um dos modelos básicos em separado, forma os primeiros ordenamentos
jurídicos a adotar um sistema misto, combinando o Judicare com advogados servidores públicos, isto é, dando dupla
opção aos necessitados para constituir um profissional jurídico na defesa de
seus interesses. A elas seguiram-se a Austrália, a Holanda e a Grã-Bretanha.

Após a reformulação dos serviços de assistência judiciária, o
‘movimento acesso à justiça’ enfrenta um outro obstáculo, agora de caráter
organizacional. A segunda onda vem
buscando solucionar a representação dos interesses coletivos, difusos e
individuais homogêneos, direitos novíssimos e que restavam já mortos por
ausência de aparato procedimental que os fizesse valer.

Num primeiro momento atribui-se ao Ministério Público a tutela destes
direitos, mas sendo o parquet
representante natural em juízo dos interesses públicos tradicionais – por
exemplo, do interesse do estado em perseguir a criminalidade, esta solução não
prosperou, já que tais direitos, apesar de eminentemente públicos, possuem
tamanho grau de novidade, especialização e técnica que na maioria das vezes
inviabiliza a ação daquele órgão estatal.

Daí o surgimento de agências públicas especializadas, como por exemplo
a Environmental Proctetion Agency
(EDA nos Estados Unidos e o Ombudsman
público dos consumidores na Suécia). Além destas instituições, as legislações
passaram a ampliar a possibilidade de participação no polo ativo das ações para
defesa destes direitos. Foram gradualmente admitidas inúmeras organizações
não-estatais (associações, sindicatos, partidos políticos, etc.) como
legitimadas para tutela de direitos coletivos e difusos, além da criação de
novas ações, como por exemplo as class
action
ou ações coletivas nos EUA.

Mas o ‘movimento’ não parou por aí. Uma terceira onda se formou e ainda não se esgotou, buscando a superação
do chamado “obstáculo processual”. Diante da constatação de que somente os
mecanismos já citados eram ainda insuficientes ao efetivo acesso à justiça, já
que “ a solução processual – o processo ordinário contencioso – mesmo quando
são superados os problemas de patrocínio e de organização dos interesses, pode
não ser a solução mais eficaz, nem no plano de interesses das partes, nem
naquele dos interesses mais gerais da sociedade”, busca o ‘movimento de acesso
à justiça‘ novas alternativas para resolução de conflitos que não restritas ao
ordenamento processual, normalmente exasperador de paixões e conflitos. Algumas
destas alternativas, contempladas no plano do pluralismo jurídico, já estão
sendo aceitas como instrumental procedimental competente para dirimir
litigiosidades, como, por exemplo, a mediação, a conciliação informal e a
arbitragem, entre outros.

Entre nós, a questão do acesso à justiça somente toma contornos
transformadores, após o final da ditadura militar, nos primórdios dos anos
oitenta e, em razão disto, as três ondas
ocorrem concomitantemente. Dos muitos e bons frutos já produzidos nestes poucos
anos, podemos citar, de forma geral, a Ação Civil Pública, instituída pela Lei
nº 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a tutela do meio ambiente, aos
direitos do consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico e turístico e qualquer outro interesse difuso ou coletivo, o Estatuto
da Criança e do Adolescente ( Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), o Código
de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), a
Lei Complementar nº 76, de 06 de julho de 1993, que estabelece o processo de
desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma
agrária, em 12 de janeiro de 1994,
a Lei Complementar nº 80, que organiza a Defensoria
Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas
gerais para organização das defensorias dos estados-membros e os Juizados
Especiais Cíveis e Criminais (Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995).

A Constituição Federal de 05 de outubro de 1988 foi, sem sombra de
dúvidas, o mais proficiente instrumento legal pátrio de ampliação da cidadania
e das garantias de efetivo acesso à justiça: o art. 5º, inciso LXXIV, dispõe:
“o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos”; prevê em seu art. 134 a criação da Defensoria
Pública: “instituição essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos
necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV”.

6. Conclusões

Os estudiosos e, por que não
dizer, os militantes do ‘movimento de acesso à justiça’, que apesar de não
estarem ligados por nenhuma organização ou entidade comum, estão equalizados,
como diz Cappelletti, na busca de “construir um sistema jurídico e
procedimental mais humano”, continuam estudando, pesquisando e propondo novos
instrumentos de acessibilidade da justiça.

Para Mauro Cappelletti e Bryant
Garth, existe ainda a necessidade de reformar os procedimentos em geral, a fim
de garantir maior simplificação dos feitos, com a aplicação dos princípios da
oralidade, da livre apreciação das provas, da concentração dos procedimento e o
contato imediato entre juizes, partes e testemunhas. Necessário também imaginar
métodos alternativos para decidir as causas judiciais, como o juízo arbitral, a
conciliação e incentivos econômicos para que ela ocorra, tribunais de
’vizinhança’ ou ‘sociais’ para solucionar divergências na comunidade, tribunais
especiais para demandas de consumidores, entre muitos outros.

As conquistas contabilizadas
pelo movimento de acesso à justiça, na construção de uma ordem social justa e
cidadã, não podem ser, de forma alguma, menosprezadas. Entretanto, face à
dinâmica do processo social, novos direitos surgem a todo instante, além do que
muitos daqueles proclamados pela modernidade ainda estão sem efetivação.
Somente a normatização de procedimentos, a criação de espaços ‘alternativos’
para a resolução de conflitos, o incremento de escritórios de assessoria
jurídica popular, entre tantas outras conquistas, não superam, apesar de
minorá-las, as abissais limitações econômicas, culturais e psicológicas a que
está subjugada a grande maioria da população.

A luta pelo efetivo acesso aos
direitos Humanos extrapola, e muito, o âmbito do jurídico. Somente uma ação
conjunta e progressiva, pautada pela pluralidade e pela dialética, poderá
enfrentar, e quem sabe vencer, os desafios cada vez maiores e mais complexos
que se colocam ao exercício da cidadania na ‘pós-modernidade’.

Bibliografia:

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Notas:

[1] Nery
Júnior, Nelson. Princípios do Processo
Civil na Constituição Federal
, 5ª edição, p. 94

[2]
Kazuo Watanabe, Acesso à Justiça e sociedade Moderna, in Participação e
processo, São Paulo, Ed. RT, 1988.

[3]
Dinamarco, Cândido Rangel. A
Instrumentalidade do Processo
, 1987, p. 220-221

[4]
Cappelletti, Mauro & Garth, Bryant. op.
cit
, p. 15

[5]
Cappelletti, Mauro & Garth, Bryant. idem,
p. 17.

[6]
Cappelletti, Mauro & Garth, Bryant. op.
cit.
, p. 19.

[7] Idem,
Ibidem, p. 21.

[8] Capri,
Federico, La provviosoria esecutorietà
della sentenza
, Milano, Giuffrè, 1979, p. 11, apud Marinoni, Luiz Guilherme, Novas
Linhas do Processo Civil
, 1999, p. 33

[9]
Armelim, Donald. Acesso à Justiça,
Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, vol. 31, p. 173, apud Marinoni, Luiz Gulhermei, Novas linhas do Processo Civil, 1999, p.
34.

[10]
Cappelletti, Mauro & Garth, Bryant, Acesso
à Justiça
, 1988, p. 23.

[11]
Rodrigues, Horácio Wanderley. Acesso à
justiça no direito processual brasileiro
, 1994.

[12]
Cappelletti, Mauro & Garth, Bryant. op.
cit
., p. 25.

[13]
Cappelletti, Mauro & Garth, Bryant. op.
cit
., 1988.

[14] Idem, p. 31.

[15] Idem, p. 35.

[16] Idem, p. 42.


Informações Sobre o Autor

Ana Flavia Melo Torres

Advogada em Pernambuco


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